Algumas
imagens ao decorrer deste artigo poderão ser fortes para pessoas mais sensíveis
a imagens de mortos, este material também não é recomendado a crianças. Inaugurado
em 1927, o Cine Oberdan foi projetado para ser majestoso desde sua concepção,
um prédio magnífico na rua Firmino Whitaker, no então efervescente bairro do
Brás.
O
Cine Teatro Oberdan em 1940 (clique para ampliar).
Elegante
e imponente,
o Oberdan era um empreendimento da Sociedade Italiana Leale Oberdan e
posteriormente foi vendido para a Empresa Teatral Paulista. O Oberdan foi um
cinema que impressionava pelo luxo em suas escadarias, na sala de exibição, no
hall e principalmente em sua fachada. No seu interior, o teto era decorado com
azulejos portugueses, haviam estátuas decorando o hall e sua cúpula era muito
semelhante a do nosso Teatro Municipal. O nome da sala, é uma homenagem ao
anarquista italiano Guglielmo Oberdan, cujo busto ainda é encontrado na fachada
lateral do velho cinema.
O
rosto de Gugliemo Oberdan, mártir da unificação italiana, na fachada do cinema.
O que os
proprietários do cinema não poderiam imaginar é que 11 anos depois de sua
inauguração a sala seria palco da maior tragédia infantil de São Paulo, e que
seria palco de mudanças nas regulamentações das salas de cinema de São Paulo, a
Tragédia do Cine Oberdan.
A matinê do
dia 10 de abril de 1938 não exibia um filme de terror, mas as cenas que foram
vistas naquela tarde dentro do cinema, com certeza serviriam de roteiro para os
típicos filmes-catástrofes. A sessão estava lotada, boa parte por crianças, e
na tela era exibido o filme “Criminosos do Ar”. Já estava quase no final do
filme, quando uma cena mostra dois aviões chocando-se no ar. Foi neste momento
que alguém na plateia gritou “FOGO!”, provavelmente em alusão ao filme e que
foi o estopim para que iniciasse uma correria desesperada para fugir da sala (*
esta é a versão oficiosa, veja a versão da polícia para o incidente logo
abaixo). A correria e o pânico tomou conta da enorme sala de cinema, que
comportava 1600 pessoas. Apesar da sala ser assim grande, suas saídas não eram
pensadas para situações de pânico e as saídas rumo ao hall se davam por duas
estreitas escadarias. Não demorou para que crianças desesperadas fossem
correndo para estas escadas, juntamente com adultos. Nesta hora, não houve
cavalheirismo e nem gentilezas, foi um salve-se quem puder frenético. E o que aconteceu
em poucos minutos foi um massacre ocasionado pelo pânico.
Até que
percebessem que o alarme era falso, foram momentos de total loucura. Crianças
se atiravam pelas escadarias tentando fugir do suposto fogo, mas eram
ultrapassados por adultos que, mais fortes, tomavam a dianteira. Sapatos,
chapéus, carteiras, tudo era deixado para trás. Quando o socorro chegou ao
local, a cena encontrada na porta do cinema era de um horror inimaginável.
Inúmeras pessoas feridas pelo chão, muito sangue e um amontoado de cadáveres de
crianças que não conseguiram correr e foram pisoteadas.
Nas estreitas escadarias, pertences foram deixados
para trás.
Brasiliense
Carneiro, o chefe da polícia na época, foi imediatamente ao local e tratou de
providenciar a remoção dos feridos para a Santa Casa de São Paulo, na região
central. Algumas crianças ainda foram levadas com vida, mas acabaram por
falecer no hospital. O impacto à tragédia foi tão grande que despertou reações
por toda a cidade, do governador a populares.
A
verdadeira versão para a tragédia: Sempre que se pesquisa sobre a trágico
acontecimento do Cine Oberdan, a razão do grito de fogo e o pânico que
desencadeou-se em seguida sempre é atribuída à cena do filme onde há o choque
de aviões no ar. Esta versão, no entanto, é equivocada. A polícia conseguiu
apurar os fatos com rigor e descobriu que tudo começou devido a uma diarreia.
O
banheiro do cinema, onde tudo começou
Um garoto estava passando muito mal e precisa ir urgente ao banheiro, mas
o lanterninha não aparecia. Ele teria começado a ficar tenso porque no final da
exibição todos vão ao banheiro e o mesmo fica com grande fila.
Cansado de esperar, ele decidiu aproveitar os
minutos finais e se dirigiu até o sanitário, mas não chegou a tempo fazendo
parte de suas necessidades pelo caminho. Ao chegar no banheiro, encontrou outra
surpresa: as luzes estavam desligadas.
Foi ai que o garoto teve a ideia de pegar um fósforo e colocar fogo em um
punhado de jornais para poder enxergar o que estava fazendo, deixando a porta
do banheiro entreaberta para também pegar um pouco da luz da tela.
Teria sido
neste momento que alguém viu as chamas pela porta do banheiro e gritou “fogo”.
No banheiro, a perícia realmente encontrou os jornais queimados e a bermuda do
menino que serviu para a conclusão do caso.
As
evidências encontradas no banheiro.
Famílias
destruídas
O trágico
acontecimento destruiu inúmeras famílias. Muitos pais perderam um filho, e
houve até quem perdesse dois. As mortes que mais chocaram foram a dos irmãos
Pricolli (de 12 e 8 anos) e do menino Enrico Mandorino, cuja morte sua mãe
sentiu-se culpada vivendo enlutada até morrer no início dos anos 1980. Em
entrevista décadas atrás, sua mãe contou que o jovem Mandorino queria naquela
tarde ir ao jóquei, que na época ficava no bairro da Mooca. Ela achou perigoso
e deu a ordem que fosse divertir-se no cinema, ele não voltaria mais.
Na tragédia do Cine Oberdan morreram 31 pessoas.
A
pequena Joaninha, mãe deu a vida para salvá-la.
Como o fato
deu-se numa matinê, muitas das crianças que morreram eram das vizinhanças. Era
rápido e fácil chegar ao cinema, veja abaixo a relação dos mortos do Oberdan e
onde eles moravam:
Francisco Trento (13 anos) – Endereço: rua Claudino Pinto, 167
Walter Pricoli (12 anos) e Pedro Pricoli (8 anos) – rua Maria Joaquina, 90
Nelson Paulo de Souza (10 anos) – rua Oriente,599
Waltova Gonçalves (17 anos) – rua Carlos de Campos, 82
Apparecido Bertolato (15 anos) – rua Müller ,23
Waldermar Silva (11 anos) – rua Oriente, 567
Maria Pereira (45 anos) – Residia em Guarulhos
Armando Vavá (8 anos) – rua Coronel Cintra, 67
Rubens (14 anos) – rua Coimbra, 43-B
Mario da Conceição (16 anos) – rua Coimbra, 39
Ferdinando Machado (14 anos) – rua Coronel Machado, 105
Joaquim de Souza (13 anos) – rua Ricardo Gonçalves, 70
Salvador Aurungo (11 anos) – rua Visconde de Parnaíba 1993
Waldomiro Lima (12 anos) – rua Itaquera, 8
Nicolau (12 anos) – rua Almeida Lima, 171
Jayme (10 anos) – rua Rio Bonito, 22
José (14 anos) – avenida Celso Garcia, 1130
Antonio (10 anos) – rua Barão de Ladário, 270
Plácidio (9 anos) – rua Claudino Pinto, 167
Orlando (11 anos) – rua Rio Bonito, 58
Miguel (12 anos) – Travessa Particular, 12
Armando Alegre (15 anos) – rua Oriente, 31
Miguel Garcia (13 anos) – rua Durvalina, 6
José Moreno (11 anos) – rua Santa Rita, 382
Adelino Fontes (15 anos) – residia no bairro de Itaquera
João Fontes (sem idade declarada) – residência desconhecida
Antonio Bonifacio (13 anos) – rua Maria Carlota, 6
Milton Casale (12 anos) – rua Celso Garcia, 221 – casa 10
Enrico Mandorino - Dados desconhecidos.
Francisco Trento (13 anos) – Endereço: rua Claudino Pinto, 167
Walter Pricoli (12 anos) e Pedro Pricoli (8 anos) – rua Maria Joaquina, 90
Nelson Paulo de Souza (10 anos) – rua Oriente,599
Waltova Gonçalves (17 anos) – rua Carlos de Campos, 82
Apparecido Bertolato (15 anos) – rua Müller ,23
Waldermar Silva (11 anos) – rua Oriente, 567
Maria Pereira (45 anos) – Residia em Guarulhos
Armando Vavá (8 anos) – rua Coronel Cintra, 67
Rubens (14 anos) – rua Coimbra, 43-B
Mario da Conceição (16 anos) – rua Coimbra, 39
Ferdinando Machado (14 anos) – rua Coronel Machado, 105
Joaquim de Souza (13 anos) – rua Ricardo Gonçalves, 70
Salvador Aurungo (11 anos) – rua Visconde de Parnaíba 1993
Waldomiro Lima (12 anos) – rua Itaquera, 8
Nicolau (12 anos) – rua Almeida Lima, 171
Jayme (10 anos) – rua Rio Bonito, 22
José (14 anos) – avenida Celso Garcia, 1130
Antonio (10 anos) – rua Barão de Ladário, 270
Plácidio (9 anos) – rua Claudino Pinto, 167
Orlando (11 anos) – rua Rio Bonito, 58
Miguel (12 anos) – Travessa Particular, 12
Armando Alegre (15 anos) – rua Oriente, 31
Miguel Garcia (13 anos) – rua Durvalina, 6
José Moreno (11 anos) – rua Santa Rita, 382
Adelino Fontes (15 anos) – residia no bairro de Itaquera
João Fontes (sem idade declarada) – residência desconhecida
Antonio Bonifacio (13 anos) – rua Maria Carlota, 6
Milton Casale (12 anos) – rua Celso Garcia, 221 – casa 10
Enrico Mandorino - Dados desconhecidos.
O FUNERAL
Todos os
corpos foram levados para o necrotério do Cemitério do Araçá, onde passaram por
perícia. À medida que foram sendo liberados os corpos constatou-se que muitos
dos pais não estavam preparados para enterrar seus filhos. Foi ai que o poder
público decidiu por um enterro coletivo e todas as vítimas fatais foram
sepultadas em uma cerimônia única em uma área do Cemitério do Brás (Quarta
Parada). Uma mãe vai ao necrotério reconhecer o corpo de seu filho Neste dia,
de grande comoção, a Associação Comercial de São Paulo, a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Empregados das Indústrias
entraram em acordo e praticamente a cidade parou para que todos acompanhassem o
funeral. Segundo o relato de jornais da época foi uma multidão gigantesca. O
Cinema: Apesar do triste incidente, o Cine Oberdan ainda continuou em atividade
por muitos e muitos anos, encerrando suas atividades no final dos anos 1960. O
prédio ficou fechado por alguns anos até que em meados nos anos 1970 foi
transformado em uma loja da Zêlo. Eles mantém o prédio preservado até os dias
de hoje. O Cine Oberdan em 2010, local permanece preservado. Uma tragédia como
esta provocou mudanças nas leis municipais relacionadas aos cinemas. Até o
incidente, as travas das portas das salas de cinema eram muitas vezes pelo lado
de fora, sendo que não era raro encontrá-las trancadas durante o filme para que
impedir que algum malandro entrasse sem pagar. A lei exigiu que não se
trancasse mais as portas e que as travas eventuais fossem pelo lado de dentro.
Também aumentou-se o rigor quanto a segurança do público e a iluminação de
corredores, mas para o Oberdan e seus 31 mortos isso veio tarde demais. Veja
outras fotos da tragédia (clique para ampliar):Atenção: Algumas cenas são muito
fortes, não recomendado para pessoas sensíveis e crianças.
Jornal
Folha da Noite dá destaque à tragédia.
Raríssima
vista interna do cinema (1938).
Cine
Oberdan em 1983, já como loja Zêlo.
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