quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA - A guerra civil grega, o colapso do capitalismo nos Bálcãs e a traição do stalinismo

Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, o imperialismo europeu atravessava a sua maior crise até então, sem a menor condição de conter as revoluções que explodiram nos seus protetorados em todo o mundo. No Mediterrâneo, o imperialismo britânico e norte-americano se utilizaram do apoio do Estado soviético de Stálin para derrotar a revolução proletária nos Bálcãs e estabelecer o país como modelo de capitalismo na região.

15 de março de 2009

A guerra civil grega transcorreu entre os anos de 1944 e 1949, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, em duas etapas. A maioria dos historiadores analisa este episódio inspirada pelo senso comum pseudo-intelectual da luta entre o capitalismo e o comunismo, ou seja, a luta entre o bem o mal, entre a democracia e o totalitarismo, sendo que na verdade se tratou de uma luta entre a burguesia e a classe operária. Afirmam ser este o primeiro conflito armado na chamada Guerra Fria e a primeira insurreição comunista após a guerra. Porém, o que passam longe de explicar e de entender é justamente o processo histórico da evolução das massas que levou à guerra civil grega e a derrota da revolução proletária pelo imperialismo com a cumplicidade da burocracia soviética, ou seja, o exato oposto da mitologia da guerra fria.

A vitória das forças reacionárias do governo levou a Grécia a ingressar na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e consolidar o país como um ponto de equilíbrio da contra-revolução nos Bálcãs e na Europa pós-guerra.

No período que vai de 1915 até a Segunda Guerra Mundial, a sociedade grega sofreu profundas transformações derivadas de uma longa crise política, econômica e social influenciada pela ingerência das potências imperialistas apoiadas na repressão ao movimento de massas imposta por um regime fascista monárquico que rapidamente levou o país a uma situação revolucionária sem precedentes.

A Primeira Guerra Mundial havia assestado um duro golpe ao capitalismo mundial, iniciado o processo de liquidação do império britânico e francês e derrubado quatro impérios (russo, alemão, austro-húngaro e otomano), catapultando toda a Europa para um movimento revolucionário jamais visto pela humanidade. A Revolução Russa de 1917 foi a ponta de lança da revolução proletária mundial. Na Alemanha, a maior revolução que a humanidade já vira só pôde ser derrotada com a traição da social-democracia e o assassinato de todos os seus líderes, como Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Nos Bálcãs, não por acaso palco da eclosão da Primeira Guerra Mundial, a situação não era diferente.

Acabada a Segunda Guerra, o imperialismo se via novamente diante de uma revolução mundial.

A independência da Grécia

A Grécia é um país independente desde 1832, fruto da guerra pela soberania nacional ocorrida entre 1821 e 1839 contra a dominação turca otomana, o primeiro a conquistar status de independência frente ao Império turco após mais de quatro séculos ocupado.

O crescimento do nacionalismo revolucionário na Europa e as revoluções burguesas entre os séculos XVIII e XIX influenciaram sensivelmente a Grécia, em especial a Revolução Francesa.

As primeiras manifestações da luta grega por sua independência neste período formaram-se no interior das etnias klefte e armatola. Ambos os grupos tiveram uma importância crucial para a revolução grega. Após a Grécia ser tomada pelos otomanos, muito do que restou das tropas gregas se marginalizou. Eram em geral homens que recusavam submissão ao Império e desejavam preservar sua identidade cultural e religiosa cristã-ortodoxa.

Estes sobreviventes partiram para as montanhas, onde formaram milícias independentes. Ambos os grupos se insurgiram em armas contra a ocupação estrangeira.

Em 1814, inspirados pelo grupo revolucionário italiano Carbonários, comerciantes gregos fundaram a Filiki Eteria (Sociedade dos Amigos), que logo teve apoio dos outros impérios para derrubar Constantinopla e restaurar o antigo Império Bizantino. Enquanto o Império Otomano mantinha um custoso conflito contra a Pérsia, as Grandes Potências - Inglaterra, Rússia e França - preocupavam-se com as revoluções na Itália e na Espanha. Os gregos se aproveitaram dessa situação para iniciar sua revolta.

A revolução ganhou fácil apoio entre intelectuais e aristocratas na Europa atraídos pela forte influência cultural grega do período clássico. Personagem dos mais importantes neste meio foi o poeta inglês Lord Byron, que não só contribuiu financeiramente com a revolução como pegou em armas e se juntou aos revolucionários. Além dele, o historiador escocês Thomas Gordon escreveu as primeiras histórias da revolução grega como testemunha ocular e militante revolucionário.

Não foi difícil para a Grécia conseguir o reconhecimento das grandes potências européias. Os britânicos, após as massas estarem controladas, apoiaram a revolução de 1823 com o intuito de derrubar os otomanos, mas os russos acompanhavam de perto os interesses dos ingleses. Por isso a revolução, apesar da vitória sobre os otomanos, via-se no meio das disputas entre britânicos, russos e franceses. Nascia então entre os gregos a chamada Grande Idéia, que pretendia unificar todos os gregos numa única nação independente. No entanto, a incipiente burguesia grega mostrava-se incapaz de realmente tornar o país independente e resolver as contradições que, desde o século anterior, vinham impulsionando a revolução e continuariam a fazê-lo pelo futuro.


Uma colcha de retalhos

A Grécia está situada em meio a uma verdadeira colcha de retalhos. A península dos Bálcãs é um dos centros de disputa de antigos e novos impérios que até hoje continua sendo palco de guerras, divisões e revoluções. Povos eslavos, gregos, albaneses, romenos, búlgaros, turcos e sérvios foram, durante décadas, vítimas das disputas pelos territórios remanescentes do colapso do império turco. Estas disputas, ao invés de diminuir, acentuaram-se com o aparecimento dos grandes estados imperialistas da Europa Central e do Mediterrâneo: Alemanha, Áustria e Itália que passaram a disputar a região com o imperialismo inglês e francês.

Em 1912, a Liga Balcânica, inspirada pelo imperialismo foi criada para gerenciar estes países que estavam à deriva, resultando no Tratado de Londres, que reconfigurou o mapa político dos Bálcãs. Mas, pouco tempo depois, a Bulgária e a Romênia estiveram envolvidas em novos conflitos em razão da falta de um acordo.

Em agosto de 1913, foi assinado o Tratado de Bucareste, no qual Grécia e Sérvia dividiram a Macedônia. A Romênia ficou com parte da Bulgária e a Albânia se tornou um Estado independente muçulmano. Já a Sérvia, formada na época por sérvios, croatas e eslovenos, se tornou uma ameaça para a Áustria-Hungria.

O estopim desta escalada se deu com o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, Francisco Ferdinando, em Sarajevo. Este fato foi o estopim para a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914.

Na Segunda Guerra Mundial, a península se dividiu entre os Aliados e o Eixo. Eslovênia, Croácia, Bulgária e Albânia apoiaram a Alemanha de Hitler, enquanto que Grécia e Sérvia apoiaram o outro bloco imperialista capitaneado por Inglaterra e França, com o apoio dos EUA.

Em 1941, a Alemanha invade a Iugoslávia e forma um governo croata-fascista, mas esta ação é contida por uma forte oposição da Sérvia – apoiada pela União Soviética - que resiste ao nazismo e derrota os alemães com o apoio dos aliados.

A Iugoslávia é unificada pela revolução dirigida pelo Exército do marechal Iosip Broz Tito, fiel aliado da URSS até 1948, quando rompe com Moscou. A morte de Tito em 1980 e a desintegração da União Soviética dez anos depois, despertariam nos anos 90 os conflitos mais sangrentos na Europa desde a Segunda Guerra.

Esta mudança política abriu as portas para o imperialismo aprofundar os seus interesses na região, mas acima de tudo para conter uma revolução em marcha.

A guerra civil

O domínio do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) sobre os Bálcãs durante a Segunda Guerra Mundial fez nascer uma enorme resistência grega contra a ocupação. A resistência era dirigida fundamentalmente pela Frente Nacional de Libertação (EAM, na sigla em grego) e seu braço armado, o Exército Nacional Popular de Libertação (ELAS), ambos controlados pelo Partido Comunista da Grécia (KKE), orientado pela União Soviética. Da mesma forma que a resistência iugoslava, dirigida por Tito, havia se transformado em um movimento revolucionário de massas que crescia e se radicalizava à medida que a ocupação nazista desabava, a resistência grega tinha a mesma envergadura e possibilidades de vitória.

Do outro lado, em completa inferioridade, encontravam-se as forças monárquicas e conservadoras apoiadas e financiadas pelo imperialismo britânico. O ELAM-ELAS formou um governo próprio, colocando em questão o governo exilado na Inglaterra, liderado pelo rei George II.

Stálin, que contava com a confiança do imperialismo e agindo no marco dos acordos realizados com este em Teerã e Potsdam, durante a guerra, orienta o Partido Comunista grego a formar um governo de unidade nacional presidido pelo liberal burguês Georgios Papandreu. O novo governo é, no entanto, incapaz de conter a revolução, a despeito dos esforços dos stalinistas de manter um governo de frente popular. Em dezembro de 1944 irrompe pelas ruas de Atenas uma greve geral operária que logo se transforma em insurreição. Os combates de Atenas duram cinco semanas.

Churchill e o imperialismo britânico compreendem que a política de colaboração de classes havia fracassado e que a única solução para conter a revolução seria esmagá-la pela força das armas. Stálin frearia a resistência por dentro e Churchill a esmagaria pela força armada.

Para derrubar o poder instituído pelo Exército Nacional Popular de Libertação, que controlava praticamente todo o país, exceto Salônica e Atenas era necessária a intervenção direta das forças britânicas na guerra civil.

A verdadeira relação entre o imperialismo e a burocracia contra-revolucionária neste episódio fundamental do período imediato após a guerra é dada pelo próprio primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, que escreve para o famigerado ministro das relações exteriores do imperialismo britânico Anthony Eden: “dado o alto preço que pagamos para a Rússia para ter as mãos livres na Grécia, não devemos vacilar no emprego de tropas britânicas para sustentar o governo real de Papandreu (...) Antevejo o choque com o EAM e não devemos evitá-lo, com a condição de escolher bem o nosso terreno” (citado por Fernando Claudín, em A crise do movimento comunista).
A resistência é, de fato, enfrentada com extrema violência pelos britânicos, inclusive com o uso de bombardeiros, com Stálin como observador passivo.

Apesar da ampla demonstração de força e da violência usada contra a população grega, a vitória britânica é precária. Somente poderia ser consolidada com a ajuda de Stálin.

O próprio Winston Churchill foi até a Grécia para intervir pessoalmente e promover um acordo de unidade nacional entre monarquistas e comunistas. No mesmo sentido, Stálin pressionava para que o ELAS aceitasse uma trégua, culminando no Pacto de Varkiza em fevereiro de 1945, mediado pela Igreja Católica, na pessoa do arcebispo Damaskinos. Segundo o próprio EAM declarou posteriormente, o acordo “foi um compromisso inaceitável e, de fato, uma capitulação ante os imperialistas ingleses e a reação grega” (idem).

O acordo previa uma série de medidas democráticas, anistia para prisioneiros políticos e a realização de eleições sob a supervisão do imperialismo.

Para completar o quadro da completa traição da burocracia stalinista à revolução grega, Churchill declara, quando as tropas britânicas entram em Atenas em uma reunião com o chefes da resistência que “os britânicos chegaram à Grécia com a provação do presidente Roosevelt e do Marechal Stálin” (idem), o que foi confirmado pelo chefe da missão militar russa.

A capitulação não poupou a classe operária e as massas populares gregas: “Dois dias depois, suspensas as negociações entre a Resistência e o governo monárquico, enquanto os aviões ingleses metralhavam a população ateniense o governo soviético nomeava um embaixador junto ao governo monárquico grego. E na conferência de Ialta, mal terminado o combate entre os intervencionistas e os resistentes, Stálin declarava: ‘confio na política do governo britânico na Grécia’” (idem).

Reabertura da guerra civil

No dia 1º de setembro de 1946, um plebiscito manipulado estabeleceu a restauração da monarquia e a volta de George II.

Diante da iminência de uma revolução que passasse por fora das rédeas do stalinismo e da burguesia imperialista, o acordo de coalizão estava longe de se tornar realidade. Diante do caráter cada vez mais reacionário do governo, os stalinistas gregos e outros grupos armados prepararam um novo levante contra a monarquia, eclodindo em maio de 1946, apesar do freio da burocracia stalinista russa. A efetividade da guerrilha e sua expansão por todo o país puseram em evidência a fragilidade do Exército real e sua completa dependência do apoio britânico e dos EUA.

Sob a direção de Markos Vafiadis, as forças do KKE estabeleceram um governo autônomo na cidade de Konitsa, na região de Épiro.

O Reino Unido, tradicional defensor da monarquia grega, ultrapassado na sua capacidade contra-revolucionária, convocou a ajuda do imperialismo norte-americano para que este assumisse uma posição ativa.

Em 1949, a ofensiva das forças monárquicas na Macedônia e em Épiro, até então controlada pelo braço armado do Partido Comunista, levou ao fim da guerra em outubro do mesmo ano. A vitória das tropas do rei Paulo I, que em 1947 havia sucedido seu irmão George II, encerraram o longo período revolucionário e de guerra civil que se seguiu à débâcle do imperialismo alemão na Grécia.

Durante o conflito, os países vizinhos aproveitaram para reivindicar seus interesses territoriais sobre a Grécia. Muitos membros do ELAS eram eslavos-macedônios e, com a ajuda do líder iugoslavo Tito, que pretendia anexar a Macedônia grega, acabaram fundando o SNOF (Frente de Libertação da Macedônia), em 1944. Posteriormente, o ELAS e o SNOF se enfrentaram por diferenças políticas e romperam a aliança.

Um instantâneo da política contra-revolucionária do stalinismo no período pós-guerra

Esta política de traição da revolução da parte da burocracia stalinista, sob as ordens de Stálin, esteve muito longe de ser um caso isolado.

A burocracia russa tentou a mesma manobra traiçoeira na Iugoslávia e fracassou. Teve, no entanto, êxito em atrelar a resistência operária e popular na Itália e na França à burguesia local sob o comando dos imperialismos britânico e norte-americano.

A ocupação militar nos países do Leste da Europa e na Alemanha teve como uma das funções centrais desarmar e bloquear a mobilização revolucionária das massas em inúmeros países onde o regime político burguês entrou em colapso após a debandada alemã.

Apesar deste acordo contra-revolucionário, o imperialismo demorou ainda três anos para recolocar em movimento a economia capitalista na Europa a partir de 1848, com o Plano Marshall e somente o fez sob a ameaça de uma nova explosão revolucionária.

A recuperação capitalista na Europa e, por conseguinte, no mundo, não teria sido possível sem a atuação contra-revolucionária do stalinismo e, logicamente, dos partidos socialistas e dos partidos “democráticos” do imperialismo com os exércitos contra-revolucionários. Destes episódios, que a historiografia burguesa e os ideólogos de direita e de esquerda da burguesia falsificam até o desespero, repousa o mito da capacidade permanente de recuperação do capitalismo.

 

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