RESUMO: Neste artigo, propõe-se uma reflexão a respeito da temática paz e
desenvolvimento na África subsaariana no período pós-Guerra Fria, mais
especificamente entre 1990 e 2010. Para tanto, partiu-se de uma introdução em
que foi feita uma análise histórica do continente africano da década de
sessenta, desde a independência, com o objetivo de situar o leitor. Em seguida,
foram analisados os impactos da Guerra Fria no desenvolvimento sociopolítico e
econômico dos países da África ao sul do Saara. O terceiro e o quarto ponto do
artigo trazem respectivamente, uma discussão teórica a respeito dos conceitos
de paz, segurança e desenvolvimento na perspectiva de ter uma base de comparação
para ver qual relação existe entre um e outros destes conceitos.
Finalmente, analisa-se a situação da África subsaariana pós-Guerra Fria e vê-se
que efetivamente há uma grande correlação entre paz e desenvolvimento, e o fi m
da Guerra Fria foi sinônimo de conflitos e de agravamento da situação de
subdesenvolvimento da África negra.
INTRODUÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
A
África é o segundo continente mais populoso da terra com mais de oitocentos
milhões de habitante, ficando somente atrás do continente asiático e o terceiro
mais extenso, com cerca de trinta (30) milhões de quilômetros quadrados. O
continente africano cobre mais de vinte por cento da área total da terra firme
do planeta (PINTO, 2008), apesar de tudo é um dos continentes para não dizer
que é o continente menos desenvolvido e que abrigou mais conflitos internos nas
últimas duas décadas (1990-2010).
No
período após a independência, registra-se uma dimensão gravíssima dos conflitos
internos e interestatais africanos com a intervenção das ex-potencias coloniais
Mourão (2006). Depois da descolonização, a África foi o continente com maior
número de conflitos armados. Segundo Silva (2005), desde 1955 somente um quinto
dos países africanos não vivenciou conflitos armados reforça. Nas duas últimas
décadas, enquanto uma economia global e dinâmica se
instaurava em boa parte do mundo, a África em geral e (a África subsaariana) em
particular experimentava um processo de significativa deterioração de sua
posição relativa no comércio, investimentos, produção e consumo em relação a
todas as demais áreas do globo e, concomitantemente, seu PIB per capita sofreu uma queda durante
o período de 1980 a 1995 (SACHS, 2005).
No
início da década de 90, a receita conjunta de exportação de seus 45 países, com
uma população de cerca de quinhentos milhões de habitantes, atingiu apenas
US$36 bilhões em valores atuais, registrando queda em relação aos US$ 50
bilhões auferidos em 1980 conforme Castells
(1999). No início do século XXI, a África estava mais pobre do que no fi nal
dos anos 1960, quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial
(BM) chegaram à cena africana pela primeira vez, com doenças, crescimento
populacional e degradação ambiental fora de controle afirma Sachs (2005).
Na
opinião de Visentini (2007, p. 107), as tendências de reafirmação da África no
sistema mundial, que se esboçou na segunda metade dos anos 1990, se
aprofundaram na passagem do século, mas os confl itos vistos e apresentados ao
mundo como sendo étnicotribais’ e as guerras civis se mantiveram, muitas vezes,
atingindo níveis extremos de violência. Neste contexto, percebem-se algumas
peculiaridades no convulsionado processo histórico africano e que precisam
ser desmistificadas, tentando-se compreender os entraves e potencialidades da
inserção deste continente no sistema internacional do século XXI. Para tanto, é
preciso descartar a visão segundo a qual a África é um continente voltado ao
passado, num contexto de conflitos insolúveis, e mesmo irracionais do ponto de
vista ocidental. Na opinião de Diallo (2006), é imperativo que a comunidade
internacional mude seu comportamento, deixando de dar ao continente um destino
sinônimo de exploração e de não desenvolvimento.
A
criação da União Africana (UA) no Lugar da Organização da Unidade Africana
(OUA) é considerada uma ruptura importante no continente e a instituição da
Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD), é um elemento
importante para o desenvolvimento africano. Nas palavras de Chouala (2008), há
uma renovação dos princípios de visão e de ação em matéria de paz e de
segurança com a UA e há uma nova ordem de segurança em gestação no continente.
Assiste-se
e registra-se a criação de mecanismos regionais de segurança na União Africana
(UA), nas organizações regionais, tais como a Comunidade Econômica dos Estados
da África Ocidental (CEDEAO), com uma estrutura de segurança militar conjunta,
a CEDEAO, a Comunidade dos Estados da África Central (CEEAC) com um mecanismo
de segurança própria e que já conta com uma brigada militar de intervenção
rápida (MOURÃO, 2006: 253).
A
criação de um conselho de paz e de segurança e a possibilidade de intervenção
conforme prevê1 o protocolo relativo à criação do conselho da paz e da
segurança da nova instituição (União Africana) é uma das mudanças. Partindo do
pressuposto que a consolidação da paz e da segurança deve servir de base para o
desenvolvimento, a UA dá uma ênfase maior na resolução de conflitos e a
instauração da paz no continente.
Segundo
Sachs (2005), o desafio não resolvido para os economistas do desenvolvimento é
compreender por que foi tão difícil ter desenvolvimento econômico na África,
não apenas nos tempos modernos, mas durante séculos, e não somente em alguns
lugares, mas em quase toda a África Tropical (sem incluir os cinco países do
norte do continente e a África do Sul). Considerando essa preocupação, esta
reflexão tem como propósito de pesquisar, analisar e responder a seguinte
questão: qual é o impacto da resolução de conflitos e a consolidação da paz no
desenvolvimento do continente considerando o período pós-Guerra Fria –
1989-2008?
Este
tem como objetivo geral analisar o impacto do fim da Guerra Fria, cuja maior
consequência fora a formação de blocos para proporcionar uma nova fase para o
desenvolvimento do continente africano. Para alcançar esse objetivo geral, é
necessário: analisar a defesa dos direitos humanos no continente, sobretudo com
a declaração de Banjul, como também analisar o impacto dos conflitos no
subdesenvolvimento do continente nos últimos vintes anos, apresentar e
discutir a proposição e às perspectivas teóricas da construção da segurança
coletiva na era da União Africana, analisar as práticas de resolução de
conflitos e as políticas de consolidação da paz assim que seus impactos no
desenvolvimento dos países.
O IMPACTO DO FIM DA GUERRA FRIA
A
emergência de instituições intergovernamentais e não governamentais com papéis
mais ativos na política regional e mundial é uma das características marcantes
da política internacional pós-Guerra Fria. Conforme Rodrigues (2004), os papéis
dessas organizações tornaram-se mais definidas e passam a ter um poder de
coerção, bem seja de natureza diplomática, econômica ou militar legitimado
internacionalmente.
A
partir desse momento, o autor destaca a importância e a necessidade de criar
instituições especializadas que assegurem um mínimo de governabilidade em cada
área da política mundial. É nesse sentido que o campo da segurança
internacional estratégica vem sendo desempenhado de maneira mais atuante pelo
conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), da mesma maneira
que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial assumem o controle da
área financeira.
As
transformações do pós-Guerra Fria permitiram também a redefinição das funções
de instituições intergovernamentais políticas e de segurança regionais. As
normas e regras de boa governança a serem seguidas pelos chamados países
periféricos deverão ser sancionadas através de organismos regionais ou
multilaterais (RODRIGUES, 2004, p. 60).
A
segurança regional, que consiste em aplicar mecanismos, estratégias políticas
para assegurar a paz no continente, que é uma das propostas e motivo da criação
da União Africana.
Até
o final da Guerra Fria, havia interesse político-estratégico envolvendo o
continente, fato que direta ou indiretamente mantinha viva o interesse na
região. O fi m da bipolaridade e do próprio conflito Leste-Oeste, agravado pelo
desaparecimento da URSS em fim de 1991, fez com que o continente africano
perdesse sua importância estratégica e de barganha, ao que se acrescentava a
própria perda de importância econômica (VISENTINI, 2007, p. 139).
O
incremento dos conflitos africanos nos anos 1990 está claramente associado ao
fi m da Guerra Fria. Com efeito, após o colapso do “socialismo real”, da queda
do muro de Berlim e com o avanço do processo de globalização, cresceu o
desinteresse por tudo que diz respeito à África, e isso impacta negativamente
na estabilidade dos países africanos. Grosso modo, se antes os problemas dos
Estados africanos eram mais ligados a questões econômicas ou de
desenvolvimento, o grande desafio passa a ser securitário. Na década de 1990,
assiste-se a uma eclosão de conflitos em vários pontos do continente africano,
sendo os casos mais alarmantes na África austral, Libéria, Serra Leoa na África
ocidental, Congo, Ruanda e Burundi. Portanto, como se pode ver, a partir do fi
m da Guerra Fria, os problemas dos países africanos passam a ser a questão da
paz, da segurança, que, segundo a UA (2002), é inerente ao desenvolvimento.
Nesta ótica, é importante entender o que se entende por Paz, segurança, mas
também Desenvolvimento.
É
isto o que os próximos tópicos deste artigo buscam fazer com base na literatura
que tratam dos temas supracitados.
PAZ E SEGURANÇA
O
tema de paz e segurança tem sido uma preocupação constante dos intelectuais e
pensadores desde séculos. O texto do Emanuel Kant, publicado em 1795 sobre o
titulo de “Paz Perpétua”, que é um clássico para os estudiosos da guerra e de
paz, é uma boa ilustração.
Conforme
Reis (2009), Kant enumera, à maneira de um tratado, os diversos artigos que
expressam as condições necessárias para a construção de uma paz douradora entre
os homens e as nações. Segundo Kant (1975, p. 6), para que a paz perpétua se
realize, é necessário, não se deve considerar como válido nenhum tratado de paz
que se tenha feito com reservas secretas de elementos para uma guerra futura,
nenhum Estado independente (grande ou pequeno) poderia ser adquirido por outro,
mediante herança, troca, compra ou doação. Os exércitos permanentes devem com o
tempo, todo desaparecer, não se deve emitir dívidas públicas em relação aos
assuntos de política externa, nenhum Estado deve miscuir pela força na
constituição e no governo de outro Estado, e nenhum Estado em guerra com outro
deve permitir tais hostilidades que tornem impossível a confiança mútua na paz
futura.
É
nesta ótica que a paz é uma das grandes preocupações do século XXI, e constitui
uma questão de interesse da opinião pública em geral, de políticos, de
religiosos, de instituições nacionais e internacionais, conforme Oliveira
(2007).
A
literatura sobre a paz a define como sendo uma negação da guerra. Segundo
Vidigal (1996), segurança é um sentimento, seja de um indivíduo, de uma nação
ou de um grupo de nações, relacionado com a percepção de que não há ameaças aos
bens e aos valores desse indivíduo, dessa nação ou desse grupo de nações.
Conforme Magnoli (2004), a segurança é o objetivo vital de todas as unidades
políticas, por isso deve ser entendida como algo que abarca toda a humanidade e
que enfoca a multidimencionalidade das fontes de perigo e risco à vez de apenas
ameaças militares aos estados.
Na
opinião de Galvão (2008), o conceito de segurança é complexo e indivisível, no
sentido de que os setores alimentares, humanos ambientais, energéticos e
militares fazem parte de um mesmo quadro de entendimento.
Gilberto
(2005) afirma que a guerra, que é definida como sendo um ato de violência
destinado a compelir o seu oponente a realizar seus desejos, ocupa um espaço
central em todas as teorias de relações internacionais.
A
questão da guerra é central nas relações internacionais e também em um campo
maior, que é a segurança internacional. Aqui a guerra é vista como um assunto
do Estado, por isso as concepções de segurança internacional dizem respeito à
segurança do Estado, portanto dentro da ótica da teoria tradicionalista também
chamada a Balança de poderes 2 das relações Internacionais.
As
motivações que levam a guerra, conforme Sarfati (2005), são os desejos de
dominar os outros e de autorrealização dos dirigentes (elites), no plano
político, econômico e social. Ou seja, os fatores que levam países ou grupos de
indivíduos à guerra são econômicos, políticos, ideológicos e sociais. Segundo
Rousseau (1975), os homens, vivendo na sua primitiva independência não possui
de modo algum relações frequentes entre si para constituírem nem estado de Paz
nem estado de guerra. Na opinião deste autor, é a relação das coisas e não dos
homens que constitui a guerra, e como tal estado de guerra não pode nascer de
simples relações pessoais, mas unicamente das relações reais, a guerra privada
ou de homem contra o homem não pode existir nem no estado natural em que não há
propriedade constante nem no estado social em que tudo encontra sob a
autoridade da lei. As guerras privadas são, portanto, abusos, sistemas absurdas
contrários aos princípios do direito natural e a toda organização política,
conclui o autor, reafirmando que a guerra não é uma relação de homem para
homem, mas uma relação do Estado para o Estado, na qual os particulares são
acidentalmente inimigos não na qualidade de homem nem mesmo como cidadãos, mas
como soldados não como membros da pátria, mas como seus defensores. (ROUSSEAU,
1795, p. 19).
Esta
visão tradicional da guerra, segundo a qual o estado somente pode ter como
inimigo outro Estado, foi durante um longo tempo a base teórica para entender e
explicar os conflitos. Porém, o fim da bipolaridade ou conflito, entre o
capitalismo representado pelos Estados Unidos das Américas e o Socialismo sob
comando da União Soviética, leva os estudiosos do assunto a adotarem outros
referenciais, como bem mostra esta afirmação de Sarafati (2005): se durante o
período de Guerra Fria, as teorias tradicionais como o Realismo, Idealismo,
Neo-Realismo e Neo Liberalismo foram adotadas como referenciais teóricos para
debater sobre o tema segurança e Guerra, o fi m da Guerra Fria viu a adoção de
referenciais como a sociedade, o individuo, a referência étnica ou religiosa.
Obviamente
um olhar atento aos diferentes conflitos que assolaram o mundo nas décadas que
precederam à queda do muro de Berlin verifica que esta mudança de paradigma e
de referencial se justifica pela mudança da natureza dos conflitos no mundo em
geral e particularmente no continente Africano. Nesta ótica, é importante notar
que, se antes e durante a Guerra Fria, a maioria dos conflitos eram entre
Estados (Guerra tradicionais), depois da queda do muro do
Berlin,
os conflitos são de caráter intra-estatais, também conhecidos como conflitos
internos. No caso africano, estes conflitos são conhecidos como sendo étnicos
ou tribais, como foi apresentado os conflitos de Serra Leoa, Libéria, Burundi,
Congo e em certa medida o conflito de Casamance no sul do Senegal. Estes
conflitos, por serem travados dentro dos Estados, apresentam certamente
resultados mais dramáticos no plano sociopolítico cultural e principalmente econômico, pois além da
destruição das poucas infraestruturas existente, eles impedem toda atividade
econômica nas áreas afetadas. E, no caso dos países africanos, devido à
escassez dos recursos do(s) Estado (s) afetados, o orçamento e os recursos
financeiros se destinam aos custos da guerra, descartando toda possibilidade de
elaboração ou de execução de planos destinados ao bem estar da população ou de
desenvolvimento.
Nesta
ótica, pode se concordar com as premissas da União Africana (UA), que afirma
que a paz é um pré-requisito para o desenvolvimento, econômico, político e
socioculturais de qualquer país.
DESENVOLVIMENTO
As
discussões sobre desenvolvimento têm se focado muito nas perspectivas
econômicas, sobretudo, do fim da Segunda Guerra, passando pelo período da
Guerra Fria chegando ao atual período de pós-Guerra Fria. Segundo Antunes
(2004), essas perspectivas econômicas apontam para um economicismo desenvolvimentista
afirmando autonomia ou independência dos fenômenos econômicos como principal
quando não exclusiva da dinâmica do desenvolvimento.
Conforme
Hamouda e Kassé (2002), o pensamento econômico do desenvolvimento surgiu nos
anos quarenta, teve seu período de áureo nos anos 1950 e 1960. Em seguida,
houve uma intensificação dos debates teóricos sobre as estratégias e políticas
do desenvolvimento, e por fim, entra em crise nos anos 70 época, que coincidiu
com a crise da economia mundial e a década de 1980 e 1990 aparece como um
período do declínio ou morte dessa teoria.
A
análise do desenvolvimento foca os fatores de aceleração do crescimento
econômico e da modernização das suas economias.
Para
tanto, admitiu-se que era necessário engajar-se num processo de
industrialização para acelerar a produção e consequentemente alcançar o
desenvolvimento, que é associado aqui com a industrialização, conforme Oliveira
(2002). De acordo com esse autor, na literatura especializada em economia, é
comum associar desenvolvimento com industrialização. Conforme Antunes (2004), o
desenvolvimento é a simplificação e a eficiência organizativa dos processos de
produção e consumo, a todos os níveis de um sistema social-econômico, jurídico,
político, ideológico, cultural, com vista à realização do ser humano em
harmonia com a natureza. Na opinião de Vasconcelos e Garcia (1998), o
desenvolvimento em qualquer conceito deve resultar do crescimento econômico
acompanhado de melhoria de qualidade de vida, ou seja, deve incluir as alterações
da composição do produto e a alocação de recursos pelos diferentes setores da
economia de forma a melhorar os índices de bem estar social. O desenvolvimento
requer combate às maiores fontes de “unfreedoms” que são entre outros o medo do
analfabetismo, o medo da morte precoce e o medo da fome, conforme Kornagay e
Dada (2007). O PNUD traz em debate os conceitos de desenvolvimento sustentável
e desenvolvimento humano.
O
paradigma do Desenvolvimento Humano Sustentável (DHS) enfatiza as várias
dimensões necessárias para o desenvolvimento de um povo, abrangendo não só o
crescimento econômico, mas também a erradicação da pobreza, a promoção da
equidade e inclusão social e da igualdade de gênero e raça, a sustentabilidade
ambiental, a participação política e os direitos humanos, todos considerados
fatores determinantes para o aumento da qualidade da vida humana.
O
desenvolvimento humano diz respeito às pessoas, ao alargamento de seu leque de
escolhas, das suas liberdades essenciais e o potencial humano de modo que lhe
seja permitido viver uma vida que valorizem. (RDH, 2007/2008, p.24). Este
debate é de grande importância, pois, conforme Kornagay e Dada (2007), além de
listar sete elementos de desenvolvimento Humano, Haq tomou a iniciativa de
criar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e introduziu o conceito de
segurança humano no relatório de desenvolvimento humano do PNUD. A natureza
universal das preocupações que subjazem a segurança humana, a interdependência
dos problemas que a motivam, sua natureza preventiva e a centragem das pessoas
são, segundo um estudo realizado pelo pesquisador do núcleo de estudos para a
Paz e professor da faculdade de economia da universidade de Coimbra, José
Manuel Pureza (2009), quatro características essenciais dessa nova referência
identificada pelo PNUD.
A
segurança humana aparece como resposta a seis tipos fundamentais de ameaças que
são, conforme o autor, as ameaças econômicas, alimentares, salutares,
ambientais, pessoais, comunitárias e políticas. É tendo em vista estas ameaças
que o autor considera bem simples e adequada à amplitude emprestada à ambição
da segurança humana que se resume na defesa dos indivíduos e das comunidades em
vez da segurança dos Estados e do conjunto de princípios que esclarecem as
diferenças relativas às abordagens convencionais da segurança e do
desenvolvimento.
Pode-se
afirmar que o desenvolvimento é um conceito tão amplo quanto o conceito de
segurança e tem objetivos que não são excludentes, mas sim complementares, pois
sem segurança não há desenvolvimento, e o caso dos países africanos mostra
claramente que o contrário também é válido. Nos trinta e um (31) países
considerados de prioridades máximas pelo Relatório do Desenvolvimento Humano
das Nações Unidas, vinte e cinco (25) pertencem à África subsahariana.
Esse
relatório aponta como obstáculos ao desenvolvimento os conflitos violentos.
Enquanto os dirigentes africanos ao se pensarem em 2002 sobre a situação
socioeconômica e política do continente apontam entre outras causas do
subdesenvolvimento da região o legado colonial, a Guerra Fria, o sistema
econômico internacional e a insuficiência e fraqueza das políticas adotadas
pelas maiorias dos países africanos independentes.
A ÁFRICA SUBSAARIANA DEPOIS DO FIM DA GUERRA FRIA
Acreditava-se
que com o fi m da Guerra Fria, a África subsaariana renasceria politicamente,
pois os comentadores tanto da África quanto do resto do mundo invocavam ou
previam o inicio de uma nova era de paz, de democracia, e de um futuro
econômico promotor na região visto a retirada dos protagonistas do conflito
Leste-Oeste. Assim, o fi m dos conflitos por procuração desta época permitiria
à África de se desfazer do legado colonial e de se preocupar a construção do
Estado (africano) e ao desenvolvimento, porém o que se viu foi o contrário.
Segundo
Tom Porteous (2003), nos anos 1990, houve uma multiplicação dos conflitos
violentos (Libéria, Serra Leoa, Somália, Ruanda, República Democrática do Congo
(RDC), etc.) e um enfraquecimento dos Estados africanos.
Estes
conflitos são descritos de um lado pelas mídias em termos éticos ou tribais,
produto de uma falha de um processo político pacífico ou a expressão de uma
necessidade imaginária que recorre à violência. De outro lado, os especialistas
insistem sobre a complexidade e a heterogeneidade das causas, mas suas análises
raramente alimentaram uma reflexão política e os dirigentes políticos
africanos, quando se esforçam em trazer uma análise política da situação são
bloqueados pelo fato que a política externa africana do ocidente privilegia o
desenvolvimento econômico e a questão humanitária, mas não as questões
clássicas de políticas estrangeira (PORTEOUS, 2003, p. 308).
O
fato de priorizar a dimensão humanitária e econômica dos conflitos tende a
ocultar suas dimensões políticas e, portanto, obscurecer o fato (essencial) de
que estes conflitos são somente uma parte do produto resultante do processo da
evolução política absolutamente indispensável à formação do estado. Neste
sentido, observa o autor que é impossível considerar um conflito se não é de
forma negativa, o qual é percebido como uma coisa anormal, portanto que se deve
por fi m e como um obstáculo ao desenvolvimento e a luta contra a pobreza.
Considerando
o desenvolvimento econômico como sendo um processo de crescimento continuado da
produtividade, da renda por habitante, e dos salários dos trabalhadores, que
ocorre a partir da Revolução Capitalista, em consequências do aumento do nível
da educação, da acumulação de capital e do progresso técnico, é fácil perceber
que os países africanos estão longe do desenvolvimento, visto que, em 1990,
dois terço dos 450 milhões de africanos continuavam a viver da terra, num
quadro que mescla produção para subsistência e super-exploração capitalista (DA
SILVA3, 2008, p. 127). Ou seja, cinquenta anos depois, pode-se afirmar
tranquilamente que a independência não trouxe a paz e o desenvolvimento
esperados pelos povos africanos.
Além
disso, as agressões externas continuaram ou continuam ainda a acontecerem e as
disputas geopolíticas entre as potências ocidentais, liderados pelos Estados
Unidos e o bloco Socialista, liderado pela União Soviética, inseriram a África
na lógica da Guerra Fria, produzindo sangrentos conflitos que somente se
agravaram depois da queda do muro de Berlin simbolizando o fi m da bipolaridade
até a entrada do século XXI que viu uma nova fase do continente africano.
Esta
fase que o professor José Flavio Sombra Saraiva4 (2008) denomina de “transição
positiva para um novo patamar de inserção internacional do continente
Africano”. A justificativa do autor baseia-se em três conceitos centrais que
são o avanço gradual dos processos de democratização dos regimes políticos e a
contenção dos conflitos armados; o crescimento econômico associado a
performances macroeconômicas satisfatórias e alicerçadas na responsabilidade
fiscal e na preocupação social e finalmente na elevação de autoconfiança das
elites por meio de novas formas de renascimento culturais e políticos.
A
respeito do primeiro conceito, vale lembrar que a África independente foi o
palco do partido Único e de regimes autoritários e militares apesar de que em
1963 somente sete dos trinta e quatro países independentes possuíam exercito de
mais de dez mil homens e tinham dez países com um exército de 1 mil homens ou
menos (BERGHE5, 2008, p. 111). Conforme este autor, as despesas militares
anuais per capita eram de menos de 5 dólares em 27 dos 33 estados, onde
vigoravam tais condições e menos de $ 1 em 11 casos, e os gastos do Continente
com defesa pouco ultrapassava $800.000 por uma população de 270 milhões de
habitantes. Estes números podem levar a pensar que a causa dos conflitos que
emergiram na década de noventa reside na falta de investimento em defesa, pois
comparada aos $50 bilhões gastos em defesa na mesma época pelos Estados Unidos
das Américas que tinham uma população de 192 milhões de habitantes. Mas no
século XXI a situação é outra só para se ter uma ideia o orçamento anual do
ministério da defesa do Mali desde 2002 está estimado em 120 milhões de dólares
e o exército conta com 7.000 homens conforme dados de Jane`s (2008). Ou seja,
um investimento maior que o do continente em 1963.
Voltando
à questão do processo de democratização dos regimes políticos, sabe-se que,
durante pelo menos trinta anos, as brigadas, os conflitos ou as instabilidades,
que assolaram o Continente, são ligados ao poder, visto que a África passou
quase dois terços do seu tempo em brigas em torno do poder, conforme Wade
(2005). Por isso, a importância da democratização do Continente que põe fim ao
partido único, aos regimes militares e autoritários para não dizer ditatoriais,
no processo de resolução dos conflitos e do desenvolvimento econômico.
Conforme
Saraiva, os conflitos consumiram entre 1990 e 2005 cerca de US$ 300 bilhões.
Portanto, eles foram a mais importante causa da pobreza no continente Africano,
logo a resolução dos mesmos pode liberar este valor para investir em áreas como
educação, saúde ou infraestrutura ou simplesmente em segurança humana. Outro fato
real e importante a ser destacado nos conflitos na África são os fundos
investidos na aquisição de armas e munição que favorecem obviamente as
potenciais exportadoras de armas, como a França que ocupa o quarto lugar entre
os países exportadores de armamentos do planeta, perdendo somente para os Estados
Unidos, a Grã-Bretanha e a Rússia, conforme revista Survie (2008). A venda de
armas é uma prioridade nacional, pois atenham entre 4 e 8 bilhões de Euros
dependendo do ano. Segundo a mesma fonte, apesar da África representar uma
pequena parte desta venda, nos últimos anos o faturamento da França no
continente mais que dobrou em 2008 passando de 16 para 38 milhões de Euros
sendo 5,4 milhões somente no Chade, país em conflito, mas também atrativo pelo
seu petróleo, a república da Guiné gastou seis (6) milhões de dólares em armas
vindas da França entre 2003 e 2006.
Estes
números são ilustrativos e ajudam a entender o caráter externo dos conflitos
africanos, assim como fazer uma análise um pouco crítica da ajuda externa ao
desenvolvimento, principalmente quando se sabe que grande parte desta ajuda vem
das potências, que outra hora colonizaram os países africanos. Portanto, esta
ajuda além de manter os jovens países sob dependência externa permitiu uma exploração
das riquezas do Continente em benefi cio das potências ocidentais como a França
como bem mostra o texto a seguir:
Des décennies d´assistance massive au developpement ont échoué á
stimuler la croissance économique dans les pays pauvres, pis, l´aide au
developpement a souvent servi á soutenir des politiques erronnées, en dimunuant
la pression en faveur de reformes et en perpétuant la misère.
(GALSER ; SMITH, 2005, p. 194).
Neste
sentido, um artigo publicado pelo jornal Senegalês “Le Matin”6 no dia 1º de Janeiro
de 2010 é bem claro ao afirmar que as potências ocidentais sempre fi zeram do
Continente uma cassa guardada onde cada país tem seu território cuja
“independência “proclamada nada mais é que uma manifestação de uma crise de
adolescência mostrando assim que o neocolonialismo tem formas sutis. A África
foi dividida em zonas ricas e pobres, a fi m de facilitar a intervenção
completa dos neocolonialistas e o período que sucedeu a queda do muro do Berlin
viu frequentemente o surgimento de conflitos internos aos diferentes países.
Durante os últimos quinze anos, conforme “Le Matin” (2010), o fogo da
guerra atingiu 32 dos 53 países da África.
Ou
seja, mais da metade dos países tiveram a vez de se preocupar em como
desenvolver os países, investir em armamento e logística de manutenção das
forças armadas.
Para
Wade (2005), entre 1950 e 1989, certos grandes países ocidentais têm fornecido
15 bilhões de “ajuda” nas áreas militar e educativa africana, que é um prelúdio
para os conflitos atuais. De 1991 a 1995, eles aumentaram, estendendo a ajuda
ainda à assistência militar para 50 países da África, sustentando assim algumas
guerras regionais ou locais provocando milhões de mortos e refugiados, como
reforça o presidente Senegalês na cerimônia de celebração do cinquentenário da
independência do Senegal. A conclusão que se pode tirar destes dados é que para
se chegar a uma fase de desenvolvimento na África, é necessário por fi m aos
conflitos que afligem o continente o que significa se livrar da dependência
externa e embarcar numa nova fase de inserção internacional como bem afirmou
Saraiva (2008).
Fase
que parece estar engajados pelo menos por parte de algumas autoridades
africanas como mostra esta outra declaração de Wade (2010): “este ano o Senegal
com outros países africanos vão celebrar 50 anos de “independência” e em
relação a França é o momento ou nunca há de ultrapassar os discursos pomposos
de parceria que não têm nada de “ganho-ganho”, “devemos agora passar a uma ação
forte de rompimento com práticas neocolonialistas ultrapassadas, começando pela
diversificação das parcerias estratégicas”. Analisando este discurso do
presidente Abu Coumba Wade7 (2010), percebe-se que este é apenas um novo tipo
de soberania e um passo mais perto de descolonização. Um passo essencial para
um verdadeiro desenvolvimento, integrado
e autossustentável com os parceiros real. Olhando a evolução e a intensificação
das relações entre a China, a Índia e os países africanos nos últimos anos, em
contraste com a degradação das relações entre a África e uns de seus parceiros
tradicionais como a França, pode-se afirmar que esses parceiros “reais” são
nada mais que os novos parceiros do desenvolvimento. Aqui a palavra real parece
indicar que os países do velho continente se deram conta do significado do
neocolonialismo e decidiram romper a relação de paternal com as ex-potências
coloniais.
O
marco histórico deste rompimento pode ser visto no fechamento das bases
militares francesas no Senegal pondo fi m a uma presença “imperialista” que
mantinha mil e duzentos (1200) soldados8 neste país como na maioria dos países
do continente. Conforme o ministro da defesa da França, as relações entre a
metrópole e seus “amigos” africanos caminham em direção a uma nova fase de
cooperação, que é entre outro a instauração de polos regionais de cooperação
militar em África.
No
entanto, acredita-se que uma cooperação entre países independentes não tem
necessidade de uma presença militar e principalmente uma presença que durante
quarenta anos somente serviu para garantir o interesse da França e de uma
pequena elite africana no poder. Neste sentido, a cantor marfinês Alpha Blondy
(1998), em sua música intitulada “Armée française”, afirma:
Armée française allez vous en!
Allez-vous en de chez nous
Nous ne voulons plus d’indépendance sous
haute
Surveillance;
Nous sommes desEtats souverains;
Votre présence militaire entame notre souveraineté
Estas
palavras expressam o pensamento da população africana e certamente a mensagem
foi bem compreendida pelas autoridades francesas e africanas que bem ou mal
tentam traduzi-las em atos, iniciando a retirada das suas bases militares do
Continente. No entanto, as atuais crises da África do norte (Tunísia, Egito e
Líbia), de um lado, põem dúvidas quanto ao real interesse da França em deixar o
Continente. De outro lado, o silêncio ou a indecisão da União Africana e de
seus países membros mostra que apesar das mudanças de estruturas e do
engajamento político, a África continua altamente dependente do exterior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em
guise de considerações finais, cabe lembra que o artigo tratou de mostrar na
introdução as diferentes fases de inserção da África no cenário ou na
geopolítica internacional. Assim, viu-se que a euforia gerada pela
independência da década de sessenta foi logo controlada pelas sucessivas crises
e realidades que marcaram o mundo bipolar cujos impactos para o continente
africano foram mais devastadores com o fi m da rivalidade Leste-Oeste. Assim,
verificou-se que durante a Guerra Fria, a África tinha uma importância
geopolítica que, além de trazer recursos financeiros, impediu a
desestabilização dos países. Com o fim da Guerra Fria, o Continente negro perde
grande parte das vantagens estratégicas, e pior se transforma em mercados para
os fabricantes e exportadores de armas de fogos e diante da liberalização ou
abertura dos mercados inicia-se uma série de conflitos internos na maioria dos
países da África subsaariana. Isso gera insegurança, tragédia humana e
econômica e uma situação de não Estado, portanto, impossibilitando qualquer
tipo de desenvolvimento, principalmente, durante a primeira década (1990-2000),
após a queda do muro de Berlin.
No
entanto, a criação da União Africana (UA) em 2002, do NEPAD, bem como o
fortalecimento das organizações de integração regionais, como a CEDEAO,
permitiram melhorar o quadro sociopolítico, econômico e político dos países da
África, confirmando assim a hipótese de que não há desenvolvimento sem paz e
vise -versa. Contudo, a atual situação dos países da norte da África
principalmente da Líbia deixa dúvida quanto real possibilidade e capacidade da
União Africana e dos africanos manterem de forma continuada a paz e o
desenvolvimento do continente. Pode-se pensar que a intervenção da coalizão
ocidental sem o aval ou a opinião da União Africana na Líbia indica os limites
da Organização continental, bem como o interesse das antigas metrópoles em
voltarem a ocuparem de forma hegemônica a África, barrando a presença cada vez
mais notável dos países emergentes como China, Índia e Brasil.
1 Direito de a União intervir num Estado Membro em conformidade com
uma decisão da Conferência em situações graves nomeadamente, crimes de guerra,
genocídio e crimes contra a humanidade.
2 Os autores James E. Dougherty e Robert L. Pfaltzgraf (2001) defi
nem essa como a mais antiga, mais duradoura e mais controvérsia de todas as
teorias das relações Internacionais.
3 Professor do departamento de história da Faculdade porto-alegrense
(FAPA) em um artigo intitulado “Os dilemas da África Contemporânea: a
persistência do neocolonialismo e os desafi os da autonomia, segurança e
desenvolvimento (1960-2008), publicado pela FAPA em Ciência & Letras:
História da África: do continente a Diáspora”(2008).
4 Professor da Universidade de Brasília em seu artigo “A África no
Ordenamento internacional do século XXI: uma interpretação brasileira publicada
na revista Ano 90, do curso de Pós Graduação em história da UFRGS.
5 Professor associado de sociologia na universidade de Nova York.
6 Disponível em: <http://www.lematindelafrique.com/index.php?option=com_content&view=article&id=3690%3Aneocolonialisme--lafrique-en-a-marre-detre-sous--tutelle&Itemid=97>.
7 Autor do artigo intitulado “neocolonialismo: L´Afrique em a marre
d´être sous tutelle: Publicação: “Le Matin,01/01/2010.
8 A presença militar francesa no Senegal tem como base um acordo de
defesa assinado em 1974 entre Paris e Dakar. Mais informação consultar:
<http://www.apanews.net/public/spip.php?article118498>.
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