quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

COMUNICAÇÃO E PSICOLOGIA - ALGUMAS INTERFACES


A Comunicação e a Psicologia, embora pertençam a diferentes campos de atuação acadêmica e, conseqüentemente, profissional, entendem o homem enquanto um ser biopsicossocial e cultural.

Assim como existe proximidade entre diversas ciências, mesmo quando portadoras de diferentes objetos de estudo, algumas de suas interfaces merecem ser analisadas com o objetivo de valorizar as possibilidades de compreensão interdisciplinar desses objetos. Neste momento, ater-se-á, apenas, às intersecções que permeiam as duas ciências aqui mencionadas, Comunicação e Psicologia, através das relações intencionais, conscientes ou inconscientes, que permeiam seus campos discursivos e,portanto, relacionais. No caso da Comunicação, enfatiza-se a relação jornalista-leitor e, quanto à Psicologia, a relação terapeuta-paciente. Embora, talvez, não se esgotem as interfaces entre as duas, até porque essas intersecções também podem se bifurcar e gerar outras, ressalta-se, neste momento, a forma como a linguagem se articula para constituir o processo comunicativo de ambas, bem como as implicações nele envolvidas e estabelecidas através dessa intencionalidade consciente ou inconsciente.

Para introduzir o conceito de linguagem, mesmo que de forma resumida, é importante situar, no tempo e no espaço, a Teoria da Informação cuja essência é a transmissão da mensagem e a relação entre os elementos desta transmissão. Conforme Matterlart (MATTELART; MATTELART, 2004, pp.58-59), a Teoria da Informação foi elaborada pelo matemático e engenheiro elétrico Shannon, por ocasião de seu trabalho com códigos secretos, durante a segunda guerra mundial. Shannon entendia que o sistema geral de comunicação consistia na reprodução, em um dado ponto, de uma mensagem selecionada em outro ponto, o que significa que o sistema comunicativo funcionava de maneira linear.

Aquele sistema era formado pela fonte (informação) que produzia uma mensagem (a palavra no telefone), o emissor que transformava a mensagem em sinais (telefone), o canal (cabo telefônico), o receptor, que reconstruía a mensagem, e, finalmente, a destinação, isto é, a quem a mensagem era transmitida. O objetivo de Shannon era delinear o quadro matemático no interior do qual se tornava possível quantificar o custo de uma mensagem e obter a diminuição desse custo através da redução de seus ruídos, isto é, as perturbações aleatórias que poderiam distorcer a correspondência entre os dois pólos.

Como se pode observar, o processo da comunicação baseado nesse modelo era linear, ou seja, a mensagem era emitida pelo emissor e decodificada pelo receptor, sem que fosse levado em conta o sentido que o receptor atribuía à mensagem, tampouco a intenção do emissor no momento em que a emitia. O modelo criado por Shannon teve origem em diversos estudos, dentre os quais, destacam-se as cadeias de símbolos na literatura (Markov), o dígito binário e a oposição binária (Hartley), o esquema para tratar essa informação (Turingo), a máquina de calcular eletrônica para medir as trajetórias balísticas (Neumann), e os estudos ligados à cibernética (Wiener).

Nos anos 40, auxiliado por estudiosos de diferentes áreas, o antropólogo Gregory Bateson impulsionou a criação da Escola de Palo Alto, nos Estados Unidos; essa escola foi também chamada Colégio Invisível e seus estudos culminaram no modelo circular de comunicação, modelo proposto, anteriormente, por Wiener. A partir das idéias desse grupo de estudiosos, a comunicação deveria, a partir daquele momento, ser estudada pelas ciências humanas com embasamento em uma abordagem sistêmica, ou seja, a linearidade da informação daria espaço para outros estudos preocupados em entendê-la como um processo mais global e interativo; a despeito de algumas críticas que, sem dúvida, foram construtivas porque também levam à reflexão e ao aprofundamento da análise, a Escola de Palo Alto foi pioneira no entendimento da Comunicação enquanto um processo circular de informação, caracterizando o comportamento humano, seja verbal ou não-verbal, como um processo contínuo e conjunto. A postura Batesoniana reforça a utilização de uma linguagem que, embora manifesta através de gramáticas e regras talvez inconscientes, é calcada em escolhas de uma determinada cultura e dentro de um processo sócio-histórico. É esta linguagem que permeia o discurso humano e, portanto, acompanha a sua evolução, mantendo-se como o elo central que propicia a interface do homem e o meio através dos tempos.

A linguagem, veículo da comunicação, tem sido, há muito tempo, estudada enquanto elemento de interação social, sendo Ferdinand de Saussure, no início do século XX, o precursor do estudo sistematizado da linguagem humana, a Lingüística. Ainda, por volta de 1930, encontra-se Pierce que, através de estudos na área da Semiologia, apresenta uma preocupação voltada não só à linguagem humana, como também animal; no que se refere à comunicação, preocupa-se com a dinâmica existente entre emissor e receptor, não no sentido de uma simples transferência da informação entre os dois, mas numa transferência do sistema de um para o sistema do outro (TEMER; NERY, 2004, p.128); isto significa que a Comunicação precisa levar em conta não apenas “o quê”, mas “de que forma” e “sob que condições” as mensagens são elaboradas e emitidas, pois se trata de uma ciência voltada aos signos e à forma como esses signos se inserem nos aspectos humanos, sejam eles culturais ou psicológicos.

Essa construção teórica remete à idéia de uma ligação intrínseca e circular entre homem-discurso-mundo-homem, isto é, a comunicação só se torna produtiva na medida em que consegue perceber e respeitar a presença e a atuação do homem no ambiente que o cerca; no que tange à mídia impressa, por exemplo, um fato ocorrido, ao ser narrado ou analisado de forma alheia a um contexto sócio-cultural, seria, possivelmente, apenas um fato estanque e, talvez, não se tornasse notícia. Na Psicologia, no que concerne à relação terapeuta-cliente, há, também, que se entender o contexto em que as mensagens são manifestadas, mas não apenas o contexto enquanto .assunto abordado., mas a realidade individual e também contextual do paciente, isto é, qual o sentido por ele atribuído a uma determinada situação e de que forma ele, paciente, se comporta ao manifestá-la. Poder-se-ia, então, afirmar que a linguagem perpassa as questões lingüísticas, sendo constituída, desde a sua mais antiga utilização, por outras duas dimensões: uma dimensão psicológica e uma dimensão social. Em seu aspecto psicológico, a linguagem é vista como uma forma de conhecimento, ou seja, uma forma de cognição; em seu aspecto social, a linguagem é concebida como um instrumento do qual o indivíduo se vale para interagir com o mundo que o rodeia.

Transcendendo as origens do estudo da linguagem e, de certa maneira, também  rompendo com a tradição estruturalista de Saussure e de Pierce, em que o processo de comunicação tinha como base as formas gramaticais e o entendimento de códigos lingüísticos, começaram a surgir outros autores, que entendem o processo comunicativo como um fenômeno social. Bakhtin, por exemplo, faz uma crítica à função apenas comunicativa da linguagem e julga necessário que a comunicação seja entendida como um .processo. calcado num enunciado vivo, por parte do emissor e numa atitude responsiva ativa, por parte do receptor (BAKHTIN, 1997, p.290). Isto significa que, em detrimento da passividade do receptor, como rezava o esquema estruturalista anterior, faz-se necessário que o processo implique em um todo comunicativo porque o receptor, ao receber a mensagem, concorda ou discorda, completa, adapta-se, enfim, seu papel é tão ativo quanto o do emissor.

Com base nesses aspectos da linguagem, e de que forma ela se articula para constituir a comunicação é que se desenvolve este trabalho. Neste caso, a articulação da linguagem não deve ser entendida como relativa à clareza que propicia uma compreensão adequada de mensagens, mas como a ligação entre duas coisas (O'SULLIVAN; HARTLEY; SAUNDERS; MONTGOMERY; FISKE, 2001, p.28), isto é, a linguagem e suas interfaces em cada discurso. Partindo-se da premissa que o processo comunicativo possui um modelo circular, seja no discurso escrito ou falado, infere-se que a comunicação da mídia impressa também se constitui dessa maneira. O jornalista, ao se manifestar, tem a intenção de atingir um determinado público, ou seja, manifesta-se ativa e intencionalmente. O leitor, por sua vez, reage de maneira favorável ou não e, conforme citado, este receptor se posiciona de forma tão ativa quanto o emissor, no caso, o jornalista; é, pois, esta circularidade que mantém ativo o processo comunicativo. Neste caso específico, quanto ao processo de comunicação jornalista-notícia-leitor, pode-se inferir que o jornalista, ao noticiar determinado assunto, traz em seu discurso uma fala que, embora técnica, tem como autor não apenas o jornalista enquanto .profissional., mas o .ser humano. jornalista, um ser biopsicossocial e cultural que recebe e,  conseqüentemente, exterioriza interferências, conscientes ou não, relativas ao seu modo de ser, pensar, agir e, naturalmente, redigir. O leitor, por sua vez, ao receber a mensagem, compreende-a não só do ponto de vista da decodificação lingüística, mas a recepção desta mensagem também perpassa este homem-leitor, um ser biopsicossocial e cultural e, conseqüentemente, faz emergir uma reação que é apenas sua, particular, individual; assim, leva-se em conta a subjetividade de cada um e dos diferentes grupos sociais que têm acesso a essa leitura. Na realidade, a própria mídia acaba construindo algumas identidades sociais que condicionam e refletem a maneira como os membros de uma sociedade categorizam as pessoas, bem como a forma com que essa sociedade é reproduzida ou modificada (GOMES, 2003).

Pode-se dizer que esses discursos transcendem a esfera da linguagem enquanto instrumento de comunicação para alcançar a dimensão de uma prática social.; em alusão a esta prática, o jornalista necessita atingir leitores de diferentes níveis e interesses, o que significa que sua preocupação se volta não apenas à acessibilidade léxica dos leitores dessa mídia específica, mas necessita apresentar um discurso através de enfoques sociais que despertem o interesse de diversos leitores, em detrimento de outras posturas que embora, por vezes, abstraídas da ciência, precisam ser transformadas em teor de interesse público. Como exemplo, alude-se às notícias de catástrofe, onde o teor poderá ser um terremoto, uma chuva mais intensa ou mesmo um clima exaustivamente quente; ora, se estas situações não forem contextualizadas, isto é, colocadas como precursoras de um risco social local, nacional ou mesmo internacional, o fato estanque, por si só, parece ficar sem sentido; porém, na medida em que este fato é apresentado na relação com os riscos sociais que poderá provocar, acontece, então, a notícia. Se um jovem, por exemplo, é noticiado como usuário de drogas, será o contexto social que sustentará esta notícia, o que significa adjetivá-lo como estudante, trabalhador, morador de determinado bairro,filho ou neto de fulano. etc, enfim, são-lhe atribuídas características sociais que formam o todo desse jovem e que o categorizam.

No que concerne à Psicologia, situação semelhante acontece na relação terapeuta-cliente, isto é, a contextualização de cada situação é imprescindível para que o terapeuta absorva o máximo da intencionalidade consciente e inconsciente de seu paciente e a interprete de forma individual, ou seja, relativa à história de vida daquela pessoa específica. Ao analisar as diversas práticas na relação terapeuta-paciente, especificamente, no que tange à terapia, Marilene Grandesso define-a (terapia), dentre outros atributos, também como uma práticasocial onde o terapeuta deve trabalhar a serviço da diversidade e da legitimação de seu paciente, em sua alteridade (GRANDESSO, 2000, p. 286).

Isto significa que a realidade individual de cada paciente, isto é, o conjunto resultante do ambiente em que vive, do processo sócio-histórico que o envolve e do momento e forma como ele manifesta aquela mensagem, enfim, todos os fatos que fazem emergir seu discurso devem ser levados em conta, objetivando trabalhar num clima contextualizado e, portanto, coeso. Faz-se, então, um paralelo entre Comunicação e Psicologia: a  necessidade de se observar a intencionalidade das mensagens, seja esta intencionalidade consciente ou inconsciente em ambos os processos, isto é, na relação jornalista-leitor, e na relação terapeuta-paciente.

Quanto à Comunicação, talvez a intencionalidade .consciente. de que se encontram imbuídas as mensagens, seja um aspecto mais difundido na relação jornalista-leitor do que a intencionalidade .inconsciente. que permeia essa mesma relação; mas, é importante chamar a atenção para o fato de que essas mensagens apresentam, por trás de seu conteúdo manifesto, neste caso, o discurso escrito, uma manifestação interna, psíquica, tanto por parte do .ser humano. jornalista, como por parte do .ser humano. leitor; essa manifestação tem por base as experiências de vida orgânica e psíquica de cada um, isto é, as diversas situações que os componentes dessa dupla vivenciam no decorrer de suas histórias de vida. Levando-se em conta o conceito de Freud sobre o material que compõe o conteúdo do sonho como pertencente à experiência de quem o sonha (FREUD, 1987, p. 48), ousa-se fazer uma analogia com os sonhos para exemplificar esta situação: uma pessoa, ao narrar um sonho em que perde uma pessoa que lhe é querida, pode estar se referindo à real perda de alguém da família como, por exemplo, uma avó a quem muito amava. Outra pessoa, em cujo sonho há a perda de alguém do mesmo grau de parentesco, a avó, pode estar se referindo, inconscientemente, a uma situação de amadurecimento, em que se vê obrigado a tomar decisões por conta própria, como uma mudança de emprego, um caminho novo seguir, etc. Neste caso, a perda da avó é apenas simbólica e, possivelmente, representa algum momento de sua vida em que se sente desprotegido por ter que tomar, sozinho, uma grande decisão. Relativamente à Comunicação, o discurso contido em uma notícia também vem arraigado da forma de ser, pensar e sentir de cada profissional que a elabora, isto é, embora sejam observadas algumas diferenças nos aspectos lingüísticos de um jornalista para outro, ou mesmo de um jornal para outro, enfim, aspectos técnico-burocráticos redacionais, retoma-se a idéia de que o discurso apresentado numa determinada notícia, também pode se encontrar imbuído de conteúdos inconscientes de quem a redige e também de quem a lê.

Parece mais natural que esses aspectos inconscientes sejam, comumente, observados e trabalhados na relação terapeuta-paciente; aí, então, requer-se cautela quanto à forma de lidar com tais conteúdos, implicando neutralidade por parte do primeiro e, acima de tudo, um certo distanciamento para evitar envolvimento com a situação, o que poderia levá-lo a perder o foco do discurso da pessoa que está atendendo. É o que Benetton chama de eqüidistância, caracterizando-a como o espaço necessário que o terapeuta necessita para não perder este foco, afirmando, por conseguinte, que uma aproximação ansiosa poderia interferir na qualidade de sua visão sobre a situação e, por outro lado, um afastamento temeroso também seria prejudicial para a compreensão de seu paciente (BENETTON, 2002, p.75). Como se pode observar, a intencionalidade inconsciente, em se tratando da relação terapeuta-paciente, é bastante complexa e, desta forma, requer teoria, técnica e, acima de tudo, bom senso, devido à delicadeza da situação e aos problemas que podem decorrer de uma interpretação inocente, ou mesmo, precipitada. Embora o foco da relação jornalista-leitor tenha objetivos bastante diferentes daqueles encontrados na relação terapeuta-paciente, não havendo, portanto, preocupação em analisar ou trabalhar os aspectos inconscientes dessa relação da forma como faz a Psicologia, não se pode fechar os olhos para o fato; outrossim, negar a existência de fatores inconscientes no ambiente relacional da dupla jornalista-leitor, em que os dois pólos se constituem de um .ser humano. jornalista e de um .ser humano. leitor, seria, indubitavelmente, eximir esses dois componentes da subjetividade inerente à categoria humana.

Além dessas situações mencionadas, outro aspecto da linguagem referente à intencionalidade merece destaque nos dois ambientes relacionais: o silêncio. Ora, se o silêncio é, geralmente, conceituado como o estado de quem se cala, ou também costuma significar a interrupção de qualquer ruído, presume-se que o silêncio seja a situação inversa da fala. No caso da Comunicação, o silêncio entendido desta forma, isto é, enquanto interrupção da fala, significaria a suspensão do discurso escrito ou mesmo a ausência de notícia; no caso da Psicologia, mais especificamente, na relação terapeuta-paciente, o silêncio seria a própria ausência da fala, quer do terapeuta, ou do paciente. Em ambas as situações, se o vocábulo silêncio fosse, lingüisticamente, entendido apenas quanto ao seu significado, tanto na Comunicação como na Psicologia, ele (silêncio) não poderia coexistir com a fala, salvo de forma intercalada, isto é, ora se faria a fala (ou notícia), ora se faria o silêncio (ausência ou suspensão da notícia). Porém, ao se entender o silêncio como uma manifestação psicossocial e, portanto, inerente ao ser humano, sua existência deixa de significar apenas a ausência de discurso escrito ou falado enquanto manifestação da linguagem, isto é, ele deixa de ser a simples interrupção de um ruído (fala ou notícia), mas se encontra repleto de intencionalidade, consciente ou mesmo inconsciente. A propósito, conforme expressa Orlandi, o silêncio deve ser visto como pleno de significado: ... o real da significação é o silêncio ... o homem está .condenado. a significar. Com ou sem palavras, diante do mundo, há uma injunção à interpretação: tudo tem que fazer sentido. (ORLANDI, 2002, pp.31-39)

Nesta mesma linha de pensamento, Mahony entende que a comunicação entre duas ou mais pessoas deve ser compreendida levando-se em conta também o seu oposto, isto é, a contracomunicação ou, como ele diz, a comunicação errada, em seus três níveis: intrapessoal, interpessoal e intercultural (MAHONY, 1990, p. 69) . Esses três níveis podem ser estudados do ponto de vista da subjetividade humana, isto é, o nível intrapessoal diz respeito aos mecanismos que impedem que o material inconsciente se torne consciente, o nível interpessoal leva em conta as resistências tão comuns que permeiam as mais diversas situações e, finalmente, o nível intercultural concerne às diversas informações transmitidas através da cultura. A existência de tais ocorrências leva a refletir sobre as questões da intencionalidade, em especial, relativa aos seus aspectos inconscientes, neste caso, o silêncio inconsciente. Da mesma forma que a veiculação de uma notícia pode refletir a intencionalidade do jornalista no sentido publicá-la, o seu silêncio, ou seja, a .não publicação. da notícia, a .não continuidade. de sua publicação, ou ainda, a  permanência da publicação. de uma notícia em detrimento de outra, também podem refletir outras intenções inconscientes que não costumam ser analisadas ou explicadas pela empresa jornalística. O leitor, por sua vez, poderá apenas .perceber. que alguma notícia não teve continuidade porque outras foram mais importantes ou também poderá fazer inferências sobre a .não publicação. ou a .permanência da publicação., de acordo com o seu parecer (técnico ou leigo), ou mesmo a sua subjetividade; ainda, tendo em vista o momento existencial em que se encontra, poderá se identificar tão intensamente com esta ou aquela notícia, que atribuirá à mesma, um valor maior, mais intenso do que a repercussão que ela (notícia) causaria em outros leitores. O fato de não se ater a essas intempéries do discurso silencioso pode apenas significar um despretensioso desejo da redação editorial, isto é, a notícia é suspensa ou mantida devido à necessidade do contexto atual, social, histórico ou cultural, conforme acima pontuado. Por outro lado, esta atitude, que também é silenciosa, pois, em geral, o leitor desconhece os motivos que a originaram, também pode estar calcada nas entrelinhas inconscientes que mereceriam um estudo mais aprofundado. Retomando estas questões no âmbito da Psicologia, especificamente, na relação terapeuta-paciente, o silêncio pode, muitas vezes, expressar a aceitação ou a não aceitação de uma determinada situação; outrossim, pode respaldar alguns momentos de introspecção e elaboração do paciente, ou, ainda, pode ser indício de que o paciente, incomodado com um determinado assunto, busca, na interrupção da fala, outras alternativas de pensamento e, desta forma, consegue, aparentemente, se ver livre daquele momento que lhe parece constrangedor.

Embora todos esses aspectos psicológicos permeiem o ato comunicativo, nem sempre são claramente percebidos ou trabalhados por seus protagonistas, isto é, a dupla jornalista-leitor.

Esta dicotomia ação-percepção, embora, a priori, possa ser vista como reflexo da rapidez com que ocorrem os processos da comunicação, também se subsidia nos fatores inconscientes já apontados. É, justamente, aí que acontece a grande interface Comunicação-Psicologia, ou seja, a presença de aspectos inconscientes que interferem sobremaneira em suas diversas linguagens relacionais, chamando a atenção para o seguinte fato: enquanto a Comunicação faz uso de aspectos inconscientes sem, muitas vezes, perceber ou até mesmo acreditar que eles interferem positiva ou negativamente em seu dia a dia, a Psicologia parte do princípio de que esses fatores são, genericamente, a sustentação de diversos estudos sobre as relações humanas. A abordagem teórica que analisa esses conteúdos inconscientes das relações humanas é a Psicanálise que, dentre os infindáveis trabalhos publicados na área psicológica e afins, também pode oferecer embasamento teórico-prático à pesquisa de outras áreas. Conforme apontado por Kernberg (KERNBERG, 2006, p. 923), torna-se mister o elo Psicanálise-universidade,  particularmente junto aos departamentos de Psiquiatria e Psicologia Clínica, onde existem interesses interdisciplinares, pois ela poderia facilitar o intercâmbio com a ciências humanas e sociais e, desta forma, estreitar os laços entre as diversas ciências. Atendo-se à constatação de Kernberg e aos grandes trabalhos desenvolvidos nessa abordagem teórica, infere-se que a Psicanálise poderia ampliar os estudos de mediação entre as ciências e desta forma desmistificar a aparente distância que existe entre as ciências humanas e sociais e, quem sabe, entre as outras, levando-se em conta que todas elas possuem homem como seu grande criador.

Embora a Psicanálise seja mundialmente difundida, em especial, com referência ao embasamento teórico que originou diferentes linhas de trabalho psicoterápico, cabe, de maneira breve, discorrer sobre sua origem e aplicabilidade, visando desmistificar possíveis conceitos equivocados e, desta forma, levar o leitor a participar da linha de pensamento que delineia essas interfaces entre a Comunicação e a Psicologia. O termo Psicanálise foi usado pela primeira vez em 1896, por Sigmund Freud, e se apresenta de três formas diferentes, isto é, método de investigação do inconsciente, método psicoterápico e conjunto de teorias psicológicas e psicopatológicas de investigação e tratamento (LAPLANCHE; PONTALIS, 1997, pp. 384-385). Talvez, por datar de longos anos com reconhecimento mundial, a Psicanálise permanece viva, sendo uma das teorias psicológicas mais difundidas e, portanto, conhecidas tanto na comunidade clínica e acadêmica, através de estudos científicos, e até no senso comum, haja vista a constante menção do nome de seu criador nos mais diversos ambientes.

Resumidamente, sabe-se que dentre seus inúmeros estudos, Freud elaborou uma teoria sobre a formação do aparelho psíquico, apresentando-o dividido, para fins didáticos, em três regiões.

a) consciente: área onde estão os conteúdos a que temos acesso;

b) pré-consciente: área onde se encontram os conteúdos não presentes na consciência, mas que, frente ao nosso desejo, podem se tornar conscientes;

c) inconsciente: área onde estão os conteúdos inacessíveis à consciência.


Anos mais tarde, Freud reelaborou esta teoria, compondo-a da seguinte forma:

a) id: reservatório de energia psíquica, onde estão localizadas as pulsões de vida e de morte;

b) ego: sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências do id e do superego;

c) superego: representado pelas nossas exigências sociais e culturais (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 77).

Para afastar situações que possam gerar angústia no homem, o aparelho psíquico, mais especificamente, a parte inconsciente do ego, cria diversas formas para se defender, ou seja, produz os chamados mecanismos de defesa. Dentre os diversos tipos de mecanismos, optou-se por apontar e conceituar apenas alguns que, talvez por serem os mais comumente utilizados pelo ser humano, também podem ilustrar algumas situações comentadas neste trabalho, seja na relação jornalista-leitor ou na relação terapeuta-paciente.

Estes mecanismos de defesa são:

a) repressão: é o fato de impedir que pensamentos dolorosos ou perigosos cheguem à nossa consciência;

b) cisão: sentimentos ambíguos de amor e ódio em relação a uma mesma pessoa ou objeto;

c) negação: impossibilidade de perceber situações que possam nos magoar ou que possam ser dolorosas;

d) projeção: atribuição ao outro de sentimentos, pensamentos e ações que não admitimos em nós mesmos; c) racionalização: ato de encontrar justificativas para explicar sentimentos ou vivências afetivas que não nos são agradáveis;

d) formação reativa: atitude ou hábito oposto ao nosso desejo recalcado;

e) regressão: volta a níveis anteriores do desenvolvimento, através de comportamentos infantilizados (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981, pp. 30-31).

As vivências do ser humano são, constantemente, permeadas por esses mecanismos, porém, o seu uso exacerbado pode ser prejudicial, pois, no intuito de evitar sofrimento, o homem pode, inconscientemente, acostumar-se a distorcer a realidade. Desta forma, passa a enxergar apenas o que .quer. ou o que .consegue. ver, aumentando a dificuldade para entrar em contato com suas falhas; distancia-se, então, do próprio .eu., podendo, eventualmente, perder a oportunidade de rever alguns de seus caminhos tortuosos na busca de algo melhor. Em se tratando de relações midiáticas, neste caso, jornalista-notícia-leitor, esta tendência humana de utilizar os mecanismos inconscientes acima apontados, sugere a existência de distorções inconscientes nessa relação, reforçando, desta forma, a necessidade de se investigar as questões da intencionalidade inconsciente.

As idéias aqui descritas apenas pincelam algumas aproximações entre a Comunicação e a Psicologia, mais especificamente, no que tange aos aspectos inconscientes das duplas jornalista-leitor e terapeuta-paciente. Ora, se esses aspectos inconscientes são os pilares da Psicologia utilizados para conhecer o homem intrapsíquico e relacional, poderão, certamente, subsidiar outros estudos da Comunicação voltados à constituição das relações midiáticas. Indubitavelmente, buscando interseccionar as duas ciências, outras investigações merecem ser feitas com a utilização da teoria psicanalítica; ainda, levando-se em conta o espírito científico dos dois campos acadêmicos, Comunicação e Psicologia, sugere-se que ambos estejam atentos e disponíveis para uma investigação conjunta, ampliando e aprofundando as suas possibilidades interdisciplinares.

Referências Bibliográficas

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BENETTON, L. G. Temas de Psicologia em Saúde: A Relação Profissional-Paciente.São Paulo: L.G.Benetton. 2002, p.75

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. D. L. T. Psicologia: um introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva. 1999, p. 77

FREUD, S. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago. 1987, p. 48

GOMES, I. M. D. A. M. A construção da identidade da ciência na mídia impressa brasileira. XXXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Belo Horizonte - MG: Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2003. p.

GRANDESSO, M. Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica e hermenêutica da prática clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2000, p. 286

KERNBERG, O. F. The pressing need to increase research in and on psychoanalysis. The international journal of Psychoanalysis, v.87, july-2006, p.919-26. 2006, p. 923.

LAPLANCHE; PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. 1997, pp. 384-385

MAHONY, P. Psicanálise e Discurso. Rio de Janeiro: Imago. 1990, p. 69

MATTELART, A.; MATTELART, M. História das teorias da Comunicação. São Paulo: Loyola. 2004, pp.58-59

ORLANDI, E. P. As formas do silêncio. Campinas: Pontes. 2002, pp.31-39

O'SULLIVAN, T.; HARTLEY, J.; SAUNDERS, D.; MONTGOMERY, M.; FISKE, J. Conceitos-chave em estudos de comunicação e cultura. Piracicaba: UNIMEP. 2001,p.28

RAPPAPORT, C. R.; FIORI, W. D. R.; DAVIS, C. Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: Editora pedagógica e Universitária Ltda., v.1. 1981, pp. 30-31. 169 f.

TEMER, A. C. R. P.; NERY, V. C. A. Para entender as teorias da Comunicação. Uberlândia - MG: Aspectus. 2004, p.128

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