A Comunicação e a Psicologia, embora pertençam a diferentes campos
de atuação acadêmica e, conseqüentemente, profissional, entendem o homem
enquanto um ser biopsicossocial e cultural.
Assim como existe proximidade entre diversas ciências, mesmo quando
portadoras de diferentes objetos de estudo, algumas de suas interfaces merecem ser
analisadas com o objetivo de valorizar as possibilidades de compreensão interdisciplinar
desses objetos. Neste momento, ater-se-á, apenas, às intersecções que permeiam
as duas ciências aqui mencionadas, Comunicação e Psicologia, através das
relações intencionais, conscientes ou inconscientes, que permeiam seus campos
discursivos e,portanto, relacionais. No caso da Comunicação, enfatiza-se a
relação jornalista-leitor e, quanto à Psicologia, a relação terapeuta-paciente.
Embora, talvez, não se esgotem as interfaces entre as duas, até porque essas
intersecções também podem se bifurcar e gerar outras, ressalta-se, neste
momento, a forma como a linguagem se articula para constituir o processo
comunicativo de ambas, bem como as implicações nele envolvidas e estabelecidas
através dessa intencionalidade consciente ou inconsciente.
Para introduzir o conceito de linguagem, mesmo que de forma
resumida, é importante situar, no tempo e no espaço, a Teoria da Informação
cuja essência é a transmissão da mensagem e a relação entre os elementos desta
transmissão. Conforme Matterlart (MATTELART; MATTELART, 2004, pp.58-59), a
Teoria da Informação foi elaborada pelo matemático e engenheiro elétrico
Shannon, por ocasião de seu trabalho com códigos secretos, durante a segunda
guerra mundial. Shannon entendia que o sistema geral de comunicação consistia na
reprodução, em um dado ponto, de uma mensagem selecionada em outro ponto, o que
significa que o sistema comunicativo funcionava de maneira linear.
Aquele sistema era formado pela fonte (informação) que produzia
uma mensagem (a palavra no telefone), o emissor que transformava a mensagem em
sinais (telefone), o canal (cabo telefônico), o receptor, que reconstruía a
mensagem, e, finalmente, a destinação, isto é, a quem a mensagem era
transmitida. O objetivo de Shannon era delinear o quadro matemático no interior
do qual se tornava possível quantificar o custo de uma mensagem e obter a diminuição
desse custo através da redução de seus ruídos, isto é, as perturbações aleatórias
que poderiam distorcer a correspondência entre os dois pólos.
Como se pode observar, o processo da comunicação baseado nesse
modelo era linear, ou seja, a mensagem era emitida pelo emissor e decodificada
pelo receptor, sem que fosse levado em conta o sentido que o receptor atribuía
à mensagem, tampouco a intenção do emissor no momento em que a emitia. O modelo
criado por Shannon teve origem em diversos estudos, dentre os quais,
destacam-se as cadeias de símbolos na literatura (Markov), o dígito binário e a
oposição binária (Hartley), o esquema para tratar essa informação (Turingo), a
máquina de calcular eletrônica para medir as trajetórias balísticas (Neumann),
e os estudos ligados à cibernética (Wiener).
Nos anos 40, auxiliado por estudiosos de diferentes áreas, o
antropólogo Gregory Bateson impulsionou a criação da Escola de Palo Alto, nos
Estados Unidos; essa escola foi também chamada Colégio Invisível e seus estudos
culminaram no modelo circular de comunicação, modelo proposto, anteriormente,
por Wiener. A partir das idéias desse grupo de estudiosos, a comunicação deveria,
a partir daquele momento, ser estudada pelas ciências humanas com embasamento em
uma abordagem sistêmica, ou seja, a linearidade da informação daria espaço para
outros estudos preocupados em entendê-la como um processo mais global e interativo;
a despeito de algumas críticas que, sem dúvida, foram construtivas porque também
levam à reflexão e ao aprofundamento da análise, a Escola de Palo Alto foi pioneira
no entendimento da Comunicação enquanto um processo circular de informação, caracterizando
o comportamento humano, seja verbal ou não-verbal, como um processo contínuo e
conjunto. A postura Batesoniana reforça a utilização de uma linguagem que, embora
manifesta através de gramáticas e regras talvez inconscientes, é calcada em escolhas
de uma determinada cultura e dentro de um processo sócio-histórico. É esta linguagem
que permeia o discurso humano e, portanto, acompanha a sua evolução, mantendo-se
como o elo central que propicia a interface do homem e o meio através dos tempos.
A linguagem, veículo da comunicação, tem sido, há muito tempo,
estudada enquanto elemento de interação social, sendo Ferdinand de Saussure, no
início do século XX, o precursor do estudo sistematizado da linguagem humana, a
Lingüística. Ainda, por volta de 1930, encontra-se Pierce que, através de
estudos na área da Semiologia, apresenta uma preocupação voltada não só à
linguagem humana, como também animal; no que se refere à comunicação,
preocupa-se com a dinâmica existente entre emissor e receptor, não no sentido
de uma simples transferência da informação entre os dois, mas numa
transferência do sistema de um para o sistema do outro (TEMER; NERY, 2004,
p.128); isto significa que a Comunicação precisa levar em conta não apenas “o
quê”, mas “de que forma” e “sob que condições” as mensagens são elaboradas e
emitidas, pois se trata de uma ciência voltada aos signos e à forma como esses
signos se inserem nos aspectos humanos, sejam eles culturais ou psicológicos.
Essa construção teórica remete à idéia de uma ligação intrínseca e
circular entre homem-discurso-mundo-homem, isto é, a comunicação só se torna
produtiva na medida em que consegue perceber e respeitar a presença e a atuação
do homem no ambiente que o cerca; no que tange à mídia impressa, por exemplo,
um fato ocorrido, ao ser narrado ou analisado de forma alheia a um contexto
sócio-cultural, seria, possivelmente, apenas um fato estanque e, talvez, não se
tornasse notícia. Na Psicologia, no que concerne à relação terapeuta-cliente, há,
também, que se entender o contexto em que as mensagens são manifestadas, mas
não apenas o contexto enquanto .assunto abordado., mas a realidade individual e
também contextual do paciente, isto é, qual o sentido por ele atribuído a uma
determinada situação e de que forma ele, paciente, se comporta ao manifestá-la.
Poder-se-ia, então, afirmar que a linguagem perpassa as questões lingüísticas,
sendo constituída, desde a sua mais antiga utilização, por outras duas
dimensões: uma dimensão psicológica e uma dimensão social. Em seu aspecto
psicológico, a linguagem é vista como uma forma de conhecimento, ou seja, uma
forma de cognição; em seu aspecto social, a linguagem é concebida como um
instrumento do qual o indivíduo se vale para interagir com o mundo que o
rodeia.
Transcendendo as origens do estudo da linguagem e, de certa
maneira, também rompendo com a tradição
estruturalista de Saussure e de Pierce, em que o processo de comunicação tinha
como base as formas gramaticais e o entendimento de códigos lingüísticos, começaram
a surgir outros autores, que entendem o processo comunicativo como um fenômeno
social. Bakhtin, por exemplo, faz uma crítica à função apenas comunicativa da linguagem
e julga necessário que a comunicação seja entendida como um .processo. calcado
num enunciado vivo, por parte do emissor e numa atitude responsiva ativa, por parte
do receptor (BAKHTIN, 1997, p.290). Isto significa que, em detrimento da passividade
do receptor, como rezava o esquema estruturalista anterior, faz-se necessário
que o processo implique em um todo comunicativo porque o receptor, ao receber a
mensagem, concorda ou discorda, completa, adapta-se, enfim, seu papel é tão
ativo quanto o do emissor.
Com base nesses aspectos da linguagem, e de que forma ela se
articula para constituir a comunicação é que se desenvolve este trabalho. Neste
caso, a articulação da linguagem não deve ser entendida como relativa à clareza
que propicia uma compreensão adequada de mensagens, mas como a ligação entre
duas coisas (O'SULLIVAN; HARTLEY; SAUNDERS; MONTGOMERY; FISKE, 2001, p.28),
isto é, a linguagem e suas interfaces em cada discurso. Partindo-se da premissa
que o processo comunicativo possui um modelo circular, seja no discurso escrito
ou falado, infere-se que a comunicação da mídia impressa também se constitui
dessa maneira. O jornalista, ao se manifestar, tem a intenção de atingir um
determinado público, ou seja, manifesta-se ativa e intencionalmente. O leitor,
por sua vez, reage de maneira favorável ou não e, conforme citado, este
receptor se posiciona de forma tão ativa quanto o emissor, no caso, o
jornalista; é, pois, esta circularidade que mantém ativo o processo
comunicativo. Neste caso específico, quanto ao processo de comunicação
jornalista-notícia-leitor, pode-se inferir que o jornalista, ao noticiar
determinado assunto, traz em seu discurso uma fala que, embora técnica, tem
como autor não apenas o jornalista enquanto .profissional., mas o .ser humano.
jornalista, um ser biopsicossocial e cultural que recebe e, conseqüentemente, exterioriza interferências,
conscientes ou não, relativas ao seu modo de ser, pensar, agir e, naturalmente,
redigir. O leitor, por sua vez, ao receber a mensagem, compreende-a não só do
ponto de vista da decodificação lingüística, mas a recepção desta mensagem
também perpassa este homem-leitor, um ser biopsicossocial e cultural e,
conseqüentemente, faz emergir uma reação que é apenas sua, particular,
individual; assim, leva-se em conta a subjetividade de cada um e dos diferentes
grupos sociais que têm acesso a essa leitura. Na realidade, a própria mídia
acaba construindo algumas identidades sociais que condicionam e refletem a
maneira como os membros de uma sociedade categorizam as pessoas, bem como a
forma com que essa sociedade é reproduzida ou modificada (GOMES, 2003).
Pode-se dizer que esses discursos transcendem a esfera da
linguagem enquanto instrumento de comunicação para alcançar a dimensão de uma prática
social.; em alusão a esta prática, o jornalista necessita atingir leitores de
diferentes níveis e interesses, o que significa que sua preocupação se volta
não apenas à acessibilidade léxica dos leitores dessa mídia específica, mas
necessita apresentar um discurso através de enfoques sociais que despertem o
interesse de diversos leitores, em detrimento de outras posturas que embora,
por vezes, abstraídas da ciência, precisam ser transformadas em teor de
interesse público. Como exemplo, alude-se às notícias de catástrofe, onde o
teor poderá ser um terremoto, uma chuva mais intensa ou mesmo um clima
exaustivamente quente; ora, se estas situações não forem contextualizadas, isto
é, colocadas como precursoras de um risco social local, nacional ou mesmo
internacional, o fato estanque, por si só, parece ficar sem sentido; porém, na
medida em que este fato é apresentado na relação com os riscos sociais que
poderá provocar, acontece, então, a notícia. Se um jovem, por exemplo, é
noticiado como usuário de drogas, será o contexto social que sustentará esta
notícia, o que significa adjetivá-lo como estudante, trabalhador, morador de
determinado bairro,filho ou neto de fulano. etc, enfim, são-lhe atribuídas
características sociais que formam o todo desse jovem e que o categorizam.
No que concerne à Psicologia, situação semelhante acontece na
relação terapeuta-cliente, isto é, a contextualização de cada situação é
imprescindível para que o terapeuta absorva o máximo da intencionalidade
consciente e inconsciente de seu paciente e a interprete de forma individual,
ou seja, relativa à história de vida daquela pessoa específica. Ao analisar as
diversas práticas na relação terapeuta-paciente, especificamente, no que tange
à terapia, Marilene Grandesso define-a (terapia), dentre outros atributos,
também como uma práticasocial onde o terapeuta deve trabalhar a serviço da diversidade
e da legitimação de seu paciente, em sua alteridade (GRANDESSO, 2000, p. 286).
Isto significa que a realidade individual de cada paciente, isto
é, o conjunto resultante do ambiente em que vive, do processo sócio-histórico
que o envolve e do momento e forma como ele manifesta aquela mensagem, enfim,
todos os fatos que fazem emergir seu discurso devem ser levados em conta,
objetivando trabalhar num clima contextualizado e, portanto, coeso. Faz-se,
então, um paralelo entre Comunicação e Psicologia: a necessidade de se observar a intencionalidade
das mensagens, seja esta intencionalidade consciente ou inconsciente em ambos
os processos, isto é, na relação jornalista-leitor, e na relação
terapeuta-paciente.
Quanto à Comunicação, talvez a intencionalidade .consciente. de
que se encontram imbuídas as mensagens, seja um aspecto mais difundido na
relação jornalista-leitor do que a intencionalidade .inconsciente. que permeia
essa mesma relação; mas, é importante chamar a atenção para o fato de que essas
mensagens apresentam, por trás de seu conteúdo manifesto, neste caso, o
discurso escrito, uma manifestação interna, psíquica, tanto por parte do .ser
humano. jornalista, como por parte do .ser humano. leitor; essa manifestação
tem por base as experiências de vida orgânica e psíquica de cada um, isto é, as
diversas situações que os componentes dessa dupla vivenciam no decorrer de suas
histórias de vida. Levando-se em conta o conceito de Freud sobre o material que
compõe o conteúdo do sonho como pertencente à experiência de quem o sonha
(FREUD, 1987, p. 48), ousa-se fazer uma analogia com os sonhos para
exemplificar esta situação: uma pessoa, ao narrar um sonho em que perde uma
pessoa que lhe é querida, pode estar se referindo à real perda de alguém da
família como, por exemplo, uma avó a quem muito amava. Outra pessoa, em cujo
sonho há a perda de alguém do mesmo grau de parentesco, a avó, pode estar se
referindo, inconscientemente, a uma situação de amadurecimento, em que se vê
obrigado a tomar decisões por conta própria, como uma mudança de emprego, um
caminho novo seguir, etc. Neste caso, a perda da avó é apenas simbólica e, possivelmente,
representa algum momento de sua vida em que se sente desprotegido por ter que
tomar, sozinho, uma grande decisão. Relativamente à Comunicação, o discurso contido
em uma notícia também vem arraigado da forma de ser, pensar e sentir de cada profissional
que a elabora, isto é, embora sejam observadas algumas diferenças nos aspectos
lingüísticos de um jornalista para outro, ou mesmo de um jornal para outro,
enfim, aspectos técnico-burocráticos redacionais, retoma-se a idéia de que o
discurso apresentado numa determinada notícia, também pode se encontrar imbuído
de conteúdos inconscientes de quem a redige e também de quem a lê.
Parece mais natural que esses aspectos inconscientes sejam,
comumente, observados e trabalhados na relação terapeuta-paciente; aí, então,
requer-se cautela quanto à forma de lidar com tais conteúdos, implicando
neutralidade por parte do primeiro e, acima de tudo, um certo distanciamento
para evitar envolvimento com a situação, o que poderia levá-lo a perder o foco
do discurso da pessoa que está atendendo. É o que Benetton chama de eqüidistância,
caracterizando-a como o espaço necessário que o terapeuta necessita para não
perder este foco, afirmando, por conseguinte, que uma aproximação ansiosa
poderia interferir na qualidade de sua visão sobre a situação e, por outro
lado, um afastamento temeroso também seria prejudicial para a compreensão de
seu paciente (BENETTON, 2002, p.75). Como se pode observar, a intencionalidade
inconsciente, em se tratando da relação terapeuta-paciente, é bastante complexa
e, desta forma, requer teoria, técnica e, acima de tudo, bom senso, devido à
delicadeza da situação e aos problemas que podem decorrer de uma interpretação
inocente, ou mesmo, precipitada. Embora o foco da relação jornalista-leitor tenha
objetivos bastante diferentes daqueles encontrados na relação terapeuta-paciente,
não havendo, portanto, preocupação em analisar ou trabalhar os aspectos inconscientes
dessa relação da forma como faz a Psicologia, não se pode fechar os olhos para
o fato; outrossim, negar a existência de fatores inconscientes no ambiente
relacional da dupla jornalista-leitor, em que os dois pólos se constituem de um
.ser humano. jornalista e de um .ser humano. leitor, seria, indubitavelmente,
eximir esses dois componentes da subjetividade inerente à categoria humana.
Além dessas situações mencionadas, outro aspecto da linguagem
referente à intencionalidade merece destaque nos dois ambientes relacionais: o
silêncio. Ora, se o silêncio é, geralmente, conceituado como o estado de quem
se cala, ou também costuma significar a interrupção de qualquer ruído,
presume-se que o silêncio seja a situação inversa da fala. No caso da Comunicação,
o silêncio entendido desta forma, isto é, enquanto interrupção da fala,
significaria a suspensão do discurso escrito ou mesmo a ausência de notícia; no
caso da Psicologia, mais especificamente, na relação terapeuta-paciente, o silêncio
seria a própria ausência da fala, quer do terapeuta, ou do paciente. Em ambas
as situações, se o vocábulo silêncio fosse, lingüisticamente, entendido apenas
quanto ao seu significado, tanto na Comunicação como na Psicologia, ele
(silêncio) não poderia coexistir com a fala, salvo de forma intercalada, isto
é, ora se faria a fala (ou notícia), ora se faria o silêncio (ausência ou
suspensão da notícia). Porém, ao se entender o silêncio como uma manifestação
psicossocial e, portanto, inerente ao ser humano, sua existência deixa de significar
apenas a ausência de discurso escrito ou falado enquanto manifestação da linguagem,
isto é, ele deixa de ser a simples interrupção de um ruído (fala ou notícia),
mas se encontra repleto de intencionalidade, consciente ou mesmo inconsciente.
A propósito, conforme expressa Orlandi, o silêncio deve ser visto como pleno de
significado: ... o real da significação é o silêncio ... o homem está
.condenado. a significar. Com ou sem palavras, diante do mundo, há uma injunção
à interpretação: tudo tem que fazer sentido. (ORLANDI, 2002, pp.31-39)
Nesta mesma linha de pensamento, Mahony entende que a comunicação
entre duas ou mais pessoas deve ser compreendida levando-se em conta também o
seu oposto, isto é, a contracomunicação ou, como ele diz, a comunicação errada,
em seus três níveis: intrapessoal, interpessoal e intercultural (MAHONY, 1990,
p. 69) . Esses três níveis podem ser estudados do ponto de vista da
subjetividade humana, isto é, o nível intrapessoal diz respeito aos mecanismos
que impedem que o material inconsciente se torne consciente, o nível
interpessoal leva em conta as resistências tão comuns que permeiam as mais diversas
situações e, finalmente, o nível intercultural concerne às diversas informações
transmitidas através da cultura. A existência de tais ocorrências leva a refletir
sobre as questões da intencionalidade, em especial, relativa aos seus aspectos
inconscientes, neste caso, o silêncio inconsciente. Da mesma forma que a
veiculação de uma notícia pode refletir a intencionalidade do jornalista no
sentido publicá-la, o seu silêncio, ou seja, a .não publicação. da notícia, a
.não continuidade. de sua publicação, ou ainda, a permanência da publicação. de uma notícia em
detrimento de outra, também podem refletir outras intenções inconscientes que
não costumam ser analisadas ou explicadas pela empresa jornalística. O leitor,
por sua vez, poderá apenas .perceber. que alguma notícia não teve continuidade porque
outras foram mais importantes ou também poderá fazer inferências sobre a .não publicação.
ou a .permanência da publicação., de acordo com o seu parecer (técnico ou leigo),
ou mesmo a sua subjetividade; ainda, tendo em vista o momento existencial em
que se encontra, poderá se identificar tão intensamente com esta ou aquela
notícia, que atribuirá à mesma, um valor maior, mais intenso do que a
repercussão que ela (notícia) causaria em outros leitores. O fato de não se
ater a essas intempéries do discurso silencioso pode apenas significar um
despretensioso desejo da redação editorial, isto é, a notícia é suspensa ou
mantida devido à necessidade do contexto atual, social, histórico ou cultural,
conforme acima pontuado. Por outro lado, esta atitude, que também é silenciosa,
pois, em geral, o leitor desconhece os motivos que a originaram, também pode
estar calcada nas entrelinhas inconscientes que mereceriam um estudo mais
aprofundado. Retomando estas questões no âmbito da Psicologia, especificamente,
na relação terapeuta-paciente, o silêncio pode, muitas vezes, expressar a
aceitação ou a não aceitação de uma determinada situação; outrossim, pode
respaldar alguns momentos de introspecção e elaboração do paciente, ou, ainda,
pode ser indício de que o paciente, incomodado com um determinado assunto, busca,
na interrupção da fala, outras alternativas de pensamento e, desta forma,
consegue, aparentemente, se ver livre daquele momento que lhe parece
constrangedor.
Embora todos esses aspectos psicológicos permeiem o ato
comunicativo, nem sempre são claramente percebidos ou trabalhados por seus
protagonistas, isto é, a dupla jornalista-leitor.
Esta dicotomia ação-percepção, embora, a priori, possa ser vista
como reflexo da rapidez com que ocorrem os processos da comunicação, também se
subsidia nos fatores inconscientes já apontados. É, justamente, aí que acontece
a grande interface Comunicação-Psicologia, ou seja, a presença de aspectos
inconscientes que interferem sobremaneira em suas diversas linguagens
relacionais, chamando a atenção para o seguinte fato: enquanto a Comunicação
faz uso de aspectos inconscientes sem, muitas vezes, perceber ou até mesmo
acreditar que eles interferem positiva ou negativamente em seu dia a dia, a
Psicologia parte do princípio de que esses fatores são, genericamente, a sustentação
de diversos estudos sobre as relações humanas. A abordagem teórica que analisa
esses conteúdos inconscientes das relações humanas é a Psicanálise que, dentre os
infindáveis trabalhos publicados na área psicológica e afins, também pode
oferecer embasamento teórico-prático à pesquisa de outras áreas. Conforme
apontado por Kernberg (KERNBERG, 2006, p. 923), torna-se mister o elo
Psicanálise-universidade, particularmente
junto aos departamentos de Psiquiatria e Psicologia Clínica, onde existem
interesses interdisciplinares, pois ela poderia facilitar o intercâmbio com a
ciências humanas e sociais e, desta forma, estreitar os laços entre as diversas
ciências. Atendo-se à constatação de Kernberg e aos grandes trabalhos
desenvolvidos nessa abordagem teórica, infere-se que a Psicanálise poderia
ampliar os estudos de mediação entre as ciências e desta forma desmistificar a
aparente distância que existe entre as ciências humanas e sociais e, quem sabe,
entre as outras, levando-se em conta que todas elas possuem homem como seu grande
criador.
Embora a Psicanálise seja mundialmente difundida, em especial, com
referência ao embasamento teórico que originou diferentes linhas de trabalho
psicoterápico, cabe, de maneira breve, discorrer sobre sua origem e
aplicabilidade, visando desmistificar possíveis conceitos equivocados e, desta
forma, levar o leitor a participar da linha de pensamento que delineia essas
interfaces entre a Comunicação e a Psicologia. O termo Psicanálise foi usado pela
primeira vez em 1896, por Sigmund Freud, e se apresenta de três formas
diferentes, isto é, método de investigação do inconsciente, método
psicoterápico e conjunto de teorias psicológicas e psicopatológicas de
investigação e tratamento (LAPLANCHE; PONTALIS, 1997, pp. 384-385). Talvez, por
datar de longos anos com reconhecimento mundial, a Psicanálise permanece viva,
sendo uma das teorias psicológicas mais difundidas e, portanto, conhecidas
tanto na comunidade clínica e acadêmica, através de estudos científicos, e até
no senso comum, haja vista a constante menção do nome de seu criador nos mais
diversos ambientes.
Resumidamente, sabe-se que dentre seus inúmeros estudos, Freud
elaborou uma teoria sobre a formação do aparelho psíquico, apresentando-o
dividido, para fins didáticos, em três regiões.
a) consciente: área onde estão os conteúdos a que temos acesso;
b) pré-consciente: área onde se encontram os conteúdos não
presentes na consciência, mas que, frente ao nosso desejo, podem se tornar
conscientes;
c) inconsciente: área onde estão os conteúdos inacessíveis à
consciência.
Anos mais tarde, Freud reelaborou esta teoria, compondo-a da
seguinte forma:
a) id: reservatório de energia psíquica, onde estão localizadas as
pulsões de vida e de morte;
b) ego: sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências do
id e do superego;
c) superego: representado pelas nossas exigências sociais e
culturais (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 77).
Para afastar situações que possam gerar angústia no homem, o
aparelho psíquico, mais especificamente, a parte inconsciente do ego, cria
diversas formas para se defender, ou seja, produz os chamados mecanismos de
defesa. Dentre os diversos tipos de mecanismos, optou-se por apontar e
conceituar apenas alguns que, talvez por serem os mais comumente utilizados
pelo ser humano, também podem ilustrar algumas situações comentadas neste trabalho,
seja na relação jornalista-leitor ou na relação terapeuta-paciente.
Estes mecanismos de defesa são:
a) repressão: é o fato de impedir que pensamentos dolorosos ou
perigosos cheguem à nossa consciência;
b) cisão: sentimentos ambíguos de amor e ódio em relação a uma
mesma pessoa ou objeto;
c) negação: impossibilidade de perceber situações que possam nos
magoar ou que possam ser dolorosas;
d) projeção: atribuição ao outro de sentimentos, pensamentos e
ações que não admitimos em nós mesmos; c) racionalização: ato de encontrar
justificativas para explicar sentimentos ou vivências afetivas que não nos são
agradáveis;
d) formação reativa: atitude ou hábito oposto ao nosso desejo recalcado;
e) regressão: volta a níveis anteriores do desenvolvimento,
através de comportamentos infantilizados (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981, pp.
30-31).
As vivências do ser humano são, constantemente, permeadas por
esses mecanismos, porém, o seu uso exacerbado pode ser prejudicial, pois, no
intuito de evitar sofrimento, o homem pode, inconscientemente, acostumar-se a
distorcer a realidade. Desta forma, passa a enxergar apenas o que .quer. ou o
que .consegue. ver, aumentando a dificuldade para entrar em contato com suas
falhas; distancia-se, então, do próprio .eu., podendo, eventualmente, perder a
oportunidade de rever alguns de seus caminhos tortuosos na busca de algo
melhor. Em se tratando de relações midiáticas, neste caso,
jornalista-notícia-leitor, esta tendência humana de utilizar os mecanismos
inconscientes acima apontados, sugere a existência de distorções inconscientes
nessa relação, reforçando, desta forma, a necessidade de se investigar as
questões da intencionalidade inconsciente.
As idéias aqui descritas apenas pincelam algumas aproximações
entre a Comunicação e a Psicologia, mais especificamente, no que tange aos aspectos
inconscientes das duplas jornalista-leitor e terapeuta-paciente. Ora, se esses
aspectos inconscientes são os pilares da Psicologia utilizados para conhecer o
homem intrapsíquico e relacional, poderão, certamente, subsidiar outros estudos
da Comunicação voltados à constituição das relações midiáticas.
Indubitavelmente, buscando interseccionar as duas ciências, outras investigações
merecem ser feitas com a utilização da teoria psicanalítica; ainda, levando-se em
conta o espírito científico dos dois campos acadêmicos, Comunicação e
Psicologia, sugere-se que ambos estejam atentos e disponíveis para uma
investigação conjunta, ampliando e aprofundando as suas possibilidades
interdisciplinares.
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo:
Martins Fontes. 1997, p.290
BENETTON, L. G. Temas de Psicologia em
Saúde: A Relação Profissional-Paciente.São Paulo: L.G.Benetton. 2002, p.75
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. D. L. T. Psicologia:
um introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo:
Saraiva. 1999, p. 77
FREUD, S. A interpretação dos sonhos. Rio de
Janeiro: Imago. 1987, p. 48
GOMES, I. M. D. A. M. A construção da
identidade da ciência na mídia impressa brasileira. XXXVI Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação. Belo Horizonte - MG: Intercom - Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2003. p.
GRANDESSO, M. Sobre a reconstrução do significado: uma
análise epistemológica e hermenêutica da prática clínica. São Paulo:
Casa do Psicólogo. 2000, p. 286
KERNBERG, O. F. The pressing need to
increase research in and on psychoanalysis. The international journal
of Psychoanalysis, v.87, july-2006, p.919-26. 2006, p. 923.
LAPLANCHE; PONTALIS. Vocabulário
de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. 1997, pp. 384-385
MAHONY, P. Psicanálise e Discurso. Rio de
Janeiro: Imago. 1990, p. 69
MATTELART, A.; MATTELART, M. História das teorias
da Comunicação. São Paulo: Loyola. 2004, pp.58-59
ORLANDI, E. P. As formas do silêncio. Campinas: Pontes. 2002, pp.31-39
O'SULLIVAN, T.; HARTLEY, J.;
SAUNDERS, D.; MONTGOMERY, M.; FISKE, J. Conceitos-chave em estudos de comunicação e
cultura. Piracicaba: UNIMEP. 2001,p.28
RAPPAPORT, C. R.; FIORI, W. D. R.; DAVIS, C. Psicologia
do Desenvolvimento. São Paulo: Editora pedagógica e Universitária Ltda., v.1. 1981, pp.
30-31. 169 f.
TEMER, A. C. R. P.; NERY, V. C. A. Para
entender as teorias da Comunicação. Uberlândia - MG: Aspectus. 2004, p.128
Nenhum comentário:
Postar um comentário