“Se a Deos chamão por tu,
e a el Rey chamão por vós,
como chamaremos nós,
a três que não fazem hum,
que o povo indiscreto, e nu
falto de experiência, fez
em lugar de hum três
que com toda a Cortezia
tú, nem vós, nem Senhoria
merecem suas mercês”
António Dias Macedo
INTRODUÇÃO
O aparecimento das
literaturas de expressão portuguesa em África[1][i]
é o resultado de um longo processo histórico de quase quinhentos anos de
assimilação (desde o século XVI), ocorrida basicamente devido à colonização
sofrida por tais países pelo colonizador, Portugal. É conveniente lembrarmos
que os portugueses atravessaram, em 1415, o Estreito de Gibraltar, sendo os
primeiros europeus a se situarem em África (Ceuta, em Marrocos), estabelecendo,
no território africano, devido à presença de comerciantes, marinheiros etc., o
chamado pidgin, de base portuguesa,
“idioma” usado com o fito de se estabelecerem as relações, sobretudo
comerciais. Esse “idioma” evolui, no caso dos PALOPs, para o crioulo, especialmente nos países em que
o comércio era muito valorizado[1][ii]. Assim, ali
conviviam, com as outras línguas de origem autóctone, o pidgin e o crioulo, num
imenso mosaico lingüístico, o que, como veremos, foi fator importante de
desunião dos africanos durante muito tempo, pois, por não se compreenderem
mutuamente, foram mais facilmente absorvidos pelo processo de tentativa de
aniquilação cultural que a metrópole desenvolvia e punha em prática sobre eles.
É fundamental
observarmos que as literaturas africanas de expressão portuguesa são, portanto,
produto ulterior de uma consciencialização
que se esboçou mais fortemente nos anos 40 e 50 deste século, tendo sua gênese
e desenvolvimento nas chamadas "elites lusófonas". É preciso, aqui, no entanto, retornar às décadas anteriores,
notadamente ao ano 1926, em que António Salazar, primeiro-ministro ditatorial
português, estabeleceu uma lei que diferenciava os africanos em “civilizados” e
“bárbaros”, sendo que, para serem considerados “civilizados”, teriam de saber
falar (e, numa perspectiva idealista, ler e escrever) o português. Daí, dessa
lei, é que se inicia, efetivamente, o gérmen do que viria a ser a
consciencialização africana, sobretudo, neste momento, no que se refere ao
aspecto social do negro em África e diante do mundo. Este foi, pelo que se
percebe, um como que “paradoxo”, pois a rigorosa lei, cujo objetivo era
aniquilar as culturas dos africanos “selvagens”, ajudou-os grandemente no
caminho de sua própria libertação, aumentando-lhes a chance de firmarem-se como
povo de expressão cultural vasta, complexa, importante e — autônoma. Isso, como
veremos, sobretudo pelo fato de a língua portuguesa, entre outros fatores, ter
sido veículo de unificação comunicativa, devido àquela circunstância, acima mencionada,
de o mosaico lingüístico não tornar fácil ou sequer viável o diálogo de
expressões e idéias entre os africanos, o que veio a ocorrer, repita-se, em
grande parte por causa da unidade lingüística promovida pela língua portuguesa.
Portanto, acontece que
o escritor africano vive, até à data da independência[1][iv],
no meio de duas realidades a que ele não pode ficar alheio: a sociedade colonial européia e a sociedade africana;
os seus escritos são, por isso, o resultado dessa tensão existente entre os dois
mundos, um escrito “híbrido”, nascente da realidade dialética, ora com traços
inquestionáveis de aculturação, ora com traços (no início inexistentes ou
imperceptíveis) de ruptura. No fundo, um escrito africano poderia, naquele
momento inicial, ser um escrito europeu, pois os temas, a forma, o estilo, a
ideologia — tudo era “branco”, “europeu”, “civilizado”. Com efeito, neste
momento, segundo a visão de um Marx, os africanos ainda estavam inteiramente
alienados pelo modo de produção colonialista, imbuídos do espírito do
colonizador, e de sua ideologia de classe dominante, ainda alheios à
consciência e à práxis que esta, no futuro, viria a gerar, como veremos.
Acrescente-se a este
quadro alienado e alienante que o escritor africano, apesar dos esforços dos
governos portugueses em sentido contrário, recebe constantemente as influências
do exterior, pelo que a sua escrita, na forma e no conteúdo, começará a revelar
o contato com movimentos e correntes literárias da Europa e da América, em que
se destaca o movimento de negritude. Portanto, se, a princípio, em face do
colonizador, o africano buscava a sua “adequação” aos moldes ditados pela
metrópole, achando-se, inclusive, feio, bárbaro e impróprio se não procurasse,
em si e no exterior, os meios de tornar-se “parecido”, o quanto fosse possível,
com o colonizador, foram ocorrendo, pouco a pouco, contatos com povos que já
haviam adquirido um grau de consciência do processo destrutivo por trás da
aparente “inofensiva” aculturação, e aqueles povos conscientes ou em processo
de conscientização foram importantes aos africanos de expressão portuguesa, a
fim de que estes, juntamente com outros fatores, que serão brevemente
analisados, vissem a realidade por trás da “máscara” que se lhes mostrava.
Dessa forma, houve um
processo quando se fala em literaturas africanas de língua portuguesa.
Na tentativa de
periodizar tal processo, Manuel Ferreira oferece um esquema em que apresenta a
emergência da literatura africana, sobretudo no que toca à poesia, ligada ao
que ele considera como "os momentos/etapas do produtor do texto".
No primeiro momento,
o escritor está em estado quase absoluto de alienação,
inteiramente absorvido pela cultura colonizadora, reproduzindo seus ideais. Os
seus textos poderiam ter sido produzidos em qualquer outra parte do mundo: é o menosprezo e a alienação cultural.
O segundo momento corresponde à fase em que o escritor ganha a percepção da
realidade, apontando distinções geográficas, sociais etc. em relação à
“metrópole”. O seu discurso revela influência do meio, bem como os primeiros
sinais de sentimento nacional: é a dor de ser negro; o negrismo e o
indigenismo. O terceiro momento é aquele em que o escritor adquire a consciência nacional de colonizado.
Liberta-se, promovendo um pensamento dialético entre raízes profundas e
coibição de sujeição colonial. A prática literária enraíza-se no meio
sócio-cultural e geográfico: é
a desalienação e o discurso da revolta. O quarto
momento corresponde à fase histórica da independência nacional, quando se dá a
reconstituição da individualidade
plena do escritor africano: é a
fase da produção do texto em liberdade, da criatividade.
Embora Manuel Ferreira não fale dele, há o quinto momento, marcado,
ora, pela despreocupação em valorizar-se excessivamente a africanidade: as
fragilidades humanas, as vulnerabilidades é que são, agora, enfatizadas.
A ESCOLA E A PRISÃO
Dentro deste processo de surgimento das
Literaturas Africanas de expressão portuguesa, dois ambientes apresentam grande
expoência: a escola e a prisão.
Sob uma perspectiva mais historicista, há Patrick Chabal, que, quando se
refere ao relacionamento do escritor africano com o enorme campo de influência
que constitui a oralidade , propõe quatro fases abrangentes da literatura
africana. A primeira fase é a da assimilação. Os escritores africanos,
quando lhes foi dada a oportunidade de produzir esteticamente, copiam e imitam
os mestres, sobretudo europeus, o que converge com o pensamento de Manuel
Ferreira, há pouco aludido. A segunda
fase é a da resistência.
Nesta fase, o escritor africano assume a responsabilidade de construtor, arauto
e defensor da cultura africana. É a fase do rompimento com os moldes europeus e
consciencialização definitiva de que o homo
africano é tão sapiens como o
europeu. Esta fase coincide com a da negritude lusófona. A terceira fase da literatura africana coincide com o tempo da
afirmação do escritor africano como tal. Esta fase verifica-se depois da
independência. O escritor procura, antes de mais nada, marcar o seu lugar na
sociedade. Mais do que praticar "o exorcismo do imperialismo
cultural", o escritor africano preocupa-se com "definir a sua posição
nas sociedades pós-coloniais em que vive". A quarta fase, que é a da atualidade, a fase da consolidação do
trabalho que se fez, em termos literários, é a fase em que os escritores
procuram traçar os novos rumos para o futuro da literatura dentro das
coordenadas de cada país, ao mesmo tempo em que se esforçam por garantir, para
essas literaturas nacionais, o lugar que lhes compete no cenário literário
universal.
Escola e prisão são instrumentos de controle
do colonizador sobre o colonizado. A escola deveria promover a dependência
intelectual, mental, moral, ideológica, espiritual, estética e ética dos
africanos, que só deveriam “aprender” o que favorecesse à metrópole. A prisão,
em contrapartida daquele instrumento doutrinador, deveria ser elemento de
coerção absoluta, amedrontando, com violência máxima, a qualquer um que pudesse
esboçar uma atitude contrária àquela forma que o colonizador ditava como a
adequada, o estereótipo a ser seguido.
No entanto, os dois instrumentos supra
relacionados se tornam, pouco a pouco, centros de gradativa consciencialização
negra. Na escola, tendo aprendido a cultura e a língua do colonizador, o
colonizado pode conhecer-lhe a estrutura e, pois, miná-la. A prisão, por seu
turno, deixa de ser um local de silêncio, apesar dos contundentes instrumentos
e arsenais de coação, e passa a ser sítio de reflexões sociopolíticas e, pois,
de reação, primeiro num nível mental, depois num nível pragmático, cuja práxis,
repita-se, caminhou no sentido da libertação intelectual, mental, moral,
ideológica, espiritual, estética e ética.
A QUESTÃO DA
ALTERIDADE NAS LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA
Antes de tudo, cumpre assinalar que a
alteridade, em África, foi muito mais do que uma simples técnica literária, ou
um elemento de construção textual, em que locutor e interlocutor se põem frente
a frente. Isso porque a literatura, no caso de África, surge, como vimos acima,
de uma condição de hierarquia, de subjugo, em que o conflito, portanto, é a
tônica principal, se não exclusiva, da relação ou do conjunto de relações entre
colonizador e colonizado.
Dessa forma, tendo de usar a expressão da
metrópole, não apenas do ponto de vista discursivo, como também comportamental
e ideológico, e, no entanto, estando em notória situação de desajuste em
relação às circunstâncias típicas do ambiente europeu, o africano constrói, a
partir de então, sua alteridade com base numa defasagem, o que vem a culminar
com complexos, desajustes, conflito interno...
Esse conflito — muito mais antropológico e
sociológico do que simplesmente intelectual[1][v] —, no caso da
expressão portuguesa, em África, se resolve numa “tensão criativa”, em que a
africanização do elemento lingüístico, a língua portuguesa, se dá com grande
força. Tal fenômeno ocorreu, em grande parte, devido à flexibilidade fonética
da língua portuguesa, que, pois, eliminou, em grande parte, no africano, o
abismo que poderia existir entre querer-dizer e poder-dizer, dando, a ele,
possibilidade de construir sua expressão sem abrir mão de suas especificidades
culturais, expressão que buscava na realidade, na verossimilhança, seu maior
refúgio e objetivo. Em suma, a alteridade, em literaturas africanas de
expressão portuguesa, é técnica, mas, muito além, é tema —
literário, social, humano.
As literaturas africanas de expressão
portuguesa, como foi falado, vêm da negação da tentativa, por parte da
metrópole, de impor seu modus vivendi e seu modus agendi sobre a
colônia. O africano quer retratar o que tem de peculiar, e, com isso,
contribuir com a História, não como mero simulacro de Portugal. Assim, os outros
— o colonizado e o africanizado[1][vi]
— têm suas vozes convergindo para a libertação do jugo colonial, conquistando
sua dignidade como indivíduos e como sociedade.
Portanto, um importante elemento da
alteridade no caso específico das literaturas de expressão portuguesa em África
é o fato de que o “eu” africano se embate com o “outro” europeu, adotando-lhe a
langue, mas tendo uma distinta parole, já que a língua é
da metrópole, mas a fala é da colônia. Assim sendo, ao livrar-se,
gradualmente, dos enfeites e das máscaras a que se submetia em face do
colonizador, o africano é, a princípio, combalido em seu equilíbrio
psicológico, mas, com o tempo, vai discernindo entre os valores alóctones
assimilados, a fim de retirar, daí, alguma eventual característica que não seja
de todo negativa[1][vii].
Como fonte “oracular”, o africano elege o
tema do regresso: regresso à época anterior à colonização, mas sobretudo
regresso à infância, paraíso crepuscular de delícias e sabedorias...
A alteridade, como vimos, ao mesmo tempo
ocorrendo no campo da técnica e da temática (pois é uma alteridade discursiva
além de buscar libertar o colonizado dos pontos de vista ético, estético,
psicológico e cultural fragmentados que a metrópole impunha), será uma
alteridade que permanecerá na tentativa de resolução da angústia existencial
que caracteriza o romance africano atual[1][viii].
ANÁLISE DE ALGUNS POEMAS DAS
LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA
José Craveirinha
Aqui estou
neurastênico
Como um cão
Danado a lamber a salgada
Crosta das velhas
feridas
E em que língua
E com que rosto
Aos meus filhos
órfãos de pai
Eu vou dizer que se
esqueçam?
A prisão foi um ambiente de enorme
sofrimento e luta do povo africano contra o colonialismo português, sendo tema
de inspiração constante das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.
No título deste poema de Craveirinha,
Cela 1, há o lugar em que o corpo e o tempo são marcados pela tentativa de o
autor-sujeito poético exprimir seu manifesto contra ao que lhe foi imposto pelo
colonialismo: a privação da liberdade.
“Como um cão neurastênico” é uma
expressão que traduz a agonia, tanto física, como psíquica, causada em um ser
torturado e aprisionado.
O autor moçambicano usa os vocábulos
“língua” e “rosto” como questionamento em busca de sua identidade, como
elementos da dúvida da alteridade de que fizemos análise acima.
Há, também, a preocupação em como
ensinar aos seus filhos, crianças africanas, o idioma português, do povo que
dominou África (sua pátria) e seus pais.
É um poema que envia ao colonizador uma
mensagem contundente, em que o colonizado, prisioneiro, responde à tortura do
regime com um discurso de expressões fortes
AFORISMO
José Craveirinha
Havia uma formiga
Compartilhando comigo
o isolamento
e comendo juntos.
Estávamos iguais
Com duas diferenças:
Não era interrogada
e por descuido podiam
pisá-la.
mas aos dois
intencionalmente
podiam pôr-nos de
rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.
“Aforismo” significa “sentença” ou “penitência”. Craveirinha, nesta mensagem/poema, sente e expressa toda a angústia a que foi condenado: ser submetido às humilhações, deixando-se levar pelos colonizadores como um ser insignificante, com uma imagem de quem está cego na transitoriedade da vida humana e se iguala ao inseto que se arrasta pelo chão. Em contrapartida, as formigas, por serem incansáveis trabalhadoras na construção das suas moradas, simbolizam a certeza que há no autor-sujeito poético de que é preciso ser perseverante.
Outro aspecto desse poema é que está
escrito no tempo pretérito: “havia”, “estávamos” e “podiam”, de modo que
expressa uma ação que passou e o importante, agora, é conquistar a liberdade,
sentir-se sempre erguido e retornar à terra natal.
JOANESBURGO
Rui Duarte de Carvalho
Rui Duarte de Carvalho
Tira o chapéu!
De que distrito vens?
Que é o teu Pai?
Quem é o teu chefe?
Onde pagas imposto?
Em que rio bebes?
Estamos de luto por
ti, oh meu país!
A guerra é o tema de reflexão deste
poema, e Rui Duarte retrata os questionamentos do pós-guerra, como quem se
perguntasse: “Afinal, o que restou de tanta luta?”. A interrogativa insinua a
tentativa de se reconquistarem os valores e tradições da cultura africana.
“Estamos de luto” denota todo o
sofrimento e dor vividos pelo povo em África. Uma conseqüência amarga, mas que
tem acesa a chama da esperança da liberdade.
FÁBULA
José Craveirinha
Menino gordo comprou um balão
E assoprou
Assoprou com força o balão amarelo.
Menino gordo assoprou
Assoprou
Assoprou
O balão inchou
Inchou
E rebentou!
Meninos magros apanharam os restos
E fizeram balõezinhos.
Sendo as fábulas historinhas que trazem
ensinamento ou moral, o autor se utiliza desse título para induzir o leitor a
acreditar que, no cotidiano, ainda que prosaico, há uma realidade a ser
aprendida.
Marcados pela dor, os escritores
africanos vêem na criança a esperança de uma felicidade espontânea: “menino
gordo”, representa os colonizadores felizes e “meninos magros” (que “apanharam
os restos / e fizeram balõezinhos”) são os colonizados que assimilaram a
cultura européia.
O LAGO DA LUA
Paula Tavares
No lago branco da lua
Lavei meu primeiro sangue
Ao lago branco da lua
voltaria cada mês
para lavar
meu sangue eterno
a cada lua
No lago branco da lua
misturei meu sangue e barro branco
e fiz a caneca
onde bebo
a água amarga da minha sede sem fim
o mel dos dias claros.
Neste lago deposito
minha reserva de sonhos
para tomar.
Os filhos de África cultuam deuses que
são buscados nos elementos da natureza. Para os africanos, a natureza é a
soberania do universo, donde o homem crê e busca compreensão espiritual,
consolo e cura dos problemas voltados para a sensualidade e o erotismo.
O lago da lua é um poema onde se realça a realidade
do apelo às crenças através de rituais. O lago estaria ligado aos poderes
femininos de encantamento, onde o luar refletido em noites de lua cheia, um
espelho d’água noturno, teria o poder de controlar o destino humano, bem como
as enchentes, o ritmo de vida da natureza e das mulheres, por meio de
periodicidades lunares do ciclo menstrual: “Ao lago branco da lua/voltaria cada
mês...”
As cores são muito importantes na
cultura africana. Elas são, na verdade, o maior elo entre a matéria e o astral.
Os simbolismos das cores, os africanos também o tiravam da natureza, como cita
o primeiro verso: “No lago branco da lua”, onde o branco reproduz a pureza e a
virgindade.
Há, ainda, nesta poesia, uma
característica do sujeito poético, que é transmitir a sensação dos sabores: “a
água amarga na minha sede sem fim / o mel dos dias claros”, uma metáfora da
angústia representada pelo gosto amargo e o doce do mel, sabor de esperança.
MOÇAMBIQUICIDAS
José Craveirinha
Das incursões bem
sucedidas aos povoados
Sobressaem na
paisagem as patrícias
Sacarinas capulanas
de fumaça
E uma fervura de
cinco
Tabuadas e uns onze
- ou talvez só dez –
Cadernos e um giz
Espólio das escolas
destruídas.
Sobrevivos
moçambiquicidas
Imolam-se mesclados
No infuturo
Após a independência dos países
africanos, vem o período da renovação e do resgate da cultura que ficou perdida
no tempo do colonialismo. As mulheres moçambicanas são mescladas às mestiças
vindas de Portugal, que, agora, se trajam de capulanas — vestimenta usada pelas
senhoras de Moçambique.
A poesia fala da alteridade verbal,
fato importante das literaturas africanas de expressão portuguesa. Pode-se
dizer que foi um período de osmose de idiomas, quando novos vocábulos foram
formados, como “infuturo”.
Os versos “Sobrevivos
moçambiquicidas/imolam-se mesclados” fala da resistência do povo africano a
novas pressões sociais e políticas.
CONCLUSÃO
As literaturas africanas de expressão
portuguesa surgem da tensão, que se tornará criativa, entre os paradigmas da
metrópole e da colônia. Assim, a língua colonial, a portuguesa, se confronta
com as línguas autóctones, o que gera um desconcerto, por parte do colonizado,
até mesmo em relação à forma lingüística como deverá expressar-se, a princípio.
Some-se a isso o fato de que a tradição de expressão em África é eminentemente
oral, o que acirra o embate quando da assimilação da língua portuguesa. Assim,
o colonizado, a princípio, com sua identidade fragmentada pelos paradigmas
impostos pela metrópole, nem é branco, nem quer ser negro.
Assim, com essa conturbada alteridade, o
escritor africano, à medida que se vai conscientizando, vai recorrendo à sua
ancestralidade, à infância, em busca do eu genesíaco, muito mais harmônico e
ligado à cosmogonia de uma Natureza maternal que vicejava em África.
NOTAS
[1][i] Nos países
designados pela sigla PALOP, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, a
saber, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
[1][iii] Sobretudo em
Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
[1][iv] 1975, Angola e
Moçambique, os dois maiores países dos PALOPs.
[1][v] O “conflito” intelectual é o mais comum nas
literaturas de outros países, como o Brasil, em que grupos de intelectuais
discutem e criam intertextualidades (cf. Julia Kristeva), dialogismos (cf. M.
Bakhtin) motivados muito mais por questões subjetivas do que, obviamente, de
dignidade ou “sobrevivência”, o que, isto sim, ocorreu em África.
[1][vi] “Africanizado”
seria um termo para designar aqueles que, embora pertencentes ao estatuto de
colonizadores, por razões étnicas, sociais, econômicas etc., tinham ideologia e
práxis de africanos autóctones, contribuindo com estes na luta pela libertação.
[1][vii] Repare-se,
contudo, que o duro confronto entre o eu-negro e o outro-branco continuará
bastante marcado, como é exemplo o poema abaixo, que será analisado à frente,
de José Craveirinha: “E em que língua / E com que rosto / Aos meus filhos
órfãos de pai / Eu vou dizer que me esqueçam?”
[1][viii] São citados
freqüentemente Manuel Rui e Pepetela como expoentes fortíssimos dessa atual
literatura africana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHABAL, Patrick, Angola: the weight of history. Hardcover: 2007
--------, The
postcolonial literature of lusophone Africa. Paperpeck, setember: 2002
ROSA, Manuel Ferreira. A Escola
para Angola : Lema escola diferente
In: Ultramar. - Vol. V, nº 2 (4º
Trimestre 1964), p. 28/43
Nenhum comentário:
Postar um comentário