quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

ORIGENS HISTÓRICAS DAS LITERATURAS AFRICANAS EM LÍNGUA PORTUGUESA



“Se a Deos chamão por tu,

e a el Rey chamão por vós,

como chamaremos nós,

a três que não fazem hum,

que o povo indiscreto, e nu

falto de experiência, fez

em lugar de hum três

que com toda a Cortezia

tú, nem vós, nem Senhoria

merecem suas mercês”

António Dias Macedo

INTRODUÇÃO                                                                                                           

O aparecimento das literaturas de expressão portuguesa em África[1][i] é o resultado de um longo processo histórico de quase quinhentos anos de assimilação (desde o século XVI), ocorrida basicamente devido à colonização sofrida por tais países pelo colonizador, Portugal. É conveniente lembrarmos que os portugueses atravessaram, em 1415, o Estreito de Gibraltar, sendo os primeiros europeus a se situarem em África (Ceuta, em Marrocos), estabelecendo, no território africano, devido à presença de comerciantes, marinheiros etc., o chamado pidgin, de base portuguesa, “idioma” usado com o fito de se estabelecerem as relações, sobretudo comerciais. Esse “idioma” evolui, no caso dos PALOPs, para o crioulo, especialmente nos países em que o comércio era muito valorizado[1][ii]. Assim, ali conviviam, com as outras línguas de origem autóctone, o pidgin e o crioulo, num imenso mosaico lingüístico, o que, como veremos, foi fator importante de desunião dos africanos durante muito tempo, pois, por não se compreenderem mutuamente, foram mais facilmente absorvidos pelo processo de tentativa de aniquilação cultural que a metrópole desenvolvia e punha em prática sobre eles.

É fundamental observarmos que as literaturas africanas de expressão portuguesa são, portanto, produto ulterior de uma consciencialização que se esboçou mais fortemente nos anos 40 e 50 deste século, tendo sua gênese e desenvolvimento nas chamadas "elites lusófonas". É preciso, aqui, no entanto, retornar às décadas anteriores, notadamente ao ano 1926, em que António Salazar, primeiro-ministro ditatorial português, estabeleceu uma lei que diferenciava os africanos em “civilizados” e “bárbaros”, sendo que, para serem considerados “civilizados”, teriam de saber falar (e, numa perspectiva idealista, ler e escrever) o português. Daí, dessa lei, é que se inicia, efetivamente, o gérmen do que viria a ser a consciencialização africana, sobretudo, neste momento, no que se refere ao aspecto social do negro em África e diante do mundo. Este foi, pelo que se percebe, um como que “paradoxo”, pois a rigorosa lei, cujo objetivo era aniquilar as culturas dos africanos “selvagens”, ajudou-os grandemente no caminho de sua própria libertação, aumentando-lhes a chance de firmarem-se como povo de expressão cultural vasta, complexa, importante e — autônoma. Isso, como veremos, sobretudo pelo fato de a língua portuguesa, entre outros fatores, ter sido veículo de unificação comunicativa, devido àquela circunstância, acima mencionada, de o mosaico lingüístico não tornar fácil ou sequer viável o diálogo de expressões e idéias entre os africanos, o que veio a ocorrer, repita-se, em grande parte por causa da unidade lingüística promovida pela língua portuguesa.

Portanto, acontece que o escritor africano vive, até à data da independência[1][iv], no meio de duas realidades a que ele não pode ficar alheio: a sociedade colonial européia e a sociedade africana; os seus escritos são, por isso, o resultado dessa tensão existente entre os dois mundos, um escrito “híbrido”, nascente da realidade dialética, ora com traços inquestionáveis de aculturação, ora com traços (no início inexistentes ou imperceptíveis) de ruptura. No fundo, um escrito africano poderia, naquele momento inicial, ser um escrito europeu, pois os temas, a forma, o estilo, a ideologia — tudo era “branco”, “europeu”, “civilizado”. Com efeito, neste momento, segundo a visão de um Marx, os africanos ainda estavam inteiramente alienados pelo modo de produção colonialista, imbuídos do espírito do colonizador, e de sua ideologia de classe dominante, ainda alheios à consciência e à práxis que esta, no futuro, viria a gerar, como veremos.

Acrescente-se a este quadro alienado e alienante que o escritor africano, apesar dos esforços dos governos portugueses em sentido contrário, recebe constantemente as influências do exterior, pelo que a sua escrita, na forma e no conteúdo, começará a revelar o contato com movimentos e correntes literárias da Europa e da América, em que se destaca o movimento de negritude. Portanto, se, a princípio, em face do colonizador, o africano buscava a sua “adequação” aos moldes ditados pela metrópole, achando-se, inclusive, feio, bárbaro e impróprio se não procurasse, em si e no exterior, os meios de tornar-se “parecido”, o quanto fosse possível, com o colonizador, foram ocorrendo, pouco a pouco, contatos com povos que já haviam adquirido um grau de consciência do processo destrutivo por trás da aparente “inofensiva” aculturação, e aqueles povos conscientes ou em processo de conscientização foram importantes aos africanos de expressão portuguesa, a fim de que estes, juntamente com outros fatores, que serão brevemente analisados, vissem a realidade por trás da “máscara” que se lhes mostrava.

Dessa forma, houve um processo quando se fala em literaturas africanas de língua portuguesa.    

Na tentativa de periodizar tal processo, Manuel Ferreira oferece um esquema em que apresenta a emergência da literatura africana, sobretudo no que toca à poesia, ligada ao que ele considera como "os momentos/etapas do produtor do texto".

No primeiro momento, o escritor está em estado quase absoluto de alienação, inteiramente absorvido pela cultura colonizadora, reproduzindo seus ideais. Os seus textos poderiam ter sido produzidos em qualquer outra parte do mundo: é o menosprezo e a alienação cultural. O segundo momento corresponde à fase em que o escritor ganha a percepção da realidade, apontando distinções geográficas, sociais etc. em relação à “metrópole”. O seu discurso revela influência do meio, bem como os primeiros sinais de sentimento nacional: é a dor de ser negro; o negrismo e o indigenismo. O terceiro momento é aquele em que o escritor adquire a consciência nacional de colonizado. Liberta-se, promovendo um pensamento dialético entre raízes profundas e coibição de sujeição colonial. A prática literária enraíza-se no meio sócio-cultural e geográfico: é a desalienação e o discurso da revolta. O quarto momento corresponde à fase histórica da independência nacional, quando se dá a reconstituição da individualidade plena do escritor africano: é a fase da produção do texto em liberdade, da criatividade.

Embora Manuel Ferreira não fale dele, há o quinto momento, marcado, ora, pela despreocupação em valorizar-se excessivamente a africanidade: as fragilidades humanas, as vulnerabilidades é que são, agora, enfatizadas.

A ESCOLA E A PRISÃO

Dentro deste processo de surgimento das Literaturas Africanas de expressão portuguesa, dois ambientes apresentam grande expoência: a escola e a prisão.

Sob uma perspectiva mais historicista, há Patrick Chabal, que, quando se refere ao relacionamento do escritor africano com o enorme campo de influência que constitui a oralidade , propõe quatro fases abrangentes da literatura africana. A primeira fase é a da assimilação. Os escritores africanos, quando lhes foi dada a oportunidade de produzir esteticamente, copiam e imitam os mestres, sobretudo europeus, o que converge com o pensamento de Manuel Ferreira, há pouco aludido. A segunda fase é a da resistência. Nesta fase, o escritor africano assume a responsabilidade de construtor, arauto e defensor da cultura africana. É a fase do rompimento com os moldes europeus e consciencialização definitiva de que o homo africano é tão sapiens como o europeu. Esta fase coincide com a da negritude lusófona. A terceira fase da literatura africana coincide com o tempo da afirmação do escritor africano como tal. Esta fase verifica-se depois da independência. O escritor procura, antes de mais nada, marcar o seu lugar na sociedade. Mais do que praticar "o exorcismo do imperialismo cultural", o escritor africano preocupa-se com "definir a sua posição nas sociedades pós-coloniais em que vive". A quarta fase, que é a da atualidade, a fase da consolidação do trabalho que se fez, em termos literários, é a fase em que os escritores procuram traçar os novos rumos para o futuro da literatura dentro das coordenadas de cada país, ao mesmo tempo em que se esforçam por garantir, para essas literaturas nacionais, o lugar que lhes compete no cenário literário universal.

Escola e prisão são instrumentos de controle do colonizador sobre o colonizado. A escola deveria promover a dependência intelectual, mental, moral, ideológica, espiritual, estética e ética dos africanos, que só deveriam “aprender” o que favorecesse à metrópole. A prisão, em contrapartida daquele instrumento doutrinador, deveria ser elemento de coerção absoluta, amedrontando, com violência máxima, a qualquer um que pudesse esboçar uma atitude contrária àquela forma que o colonizador ditava como a adequada, o estereótipo a ser seguido.

No entanto, os dois instrumentos supra relacionados se tornam, pouco a pouco, centros de gradativa consciencialização negra. Na escola, tendo aprendido a cultura e a língua do colonizador, o colonizado pode conhecer-lhe a estrutura e, pois, miná-la. A prisão, por seu turno, deixa de ser um local de silêncio, apesar dos contundentes instrumentos e arsenais de coação, e passa a ser sítio de reflexões sociopolíticas e, pois, de reação, primeiro num nível mental, depois num nível pragmático, cuja práxis, repita-se, caminhou no sentido da libertação intelectual, mental, moral, ideológica, espiritual, estética e ética.


A QUESTÃO DA ALTERIDADE NAS LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA

Antes de tudo, cumpre assinalar que a alteridade, em África, foi muito mais do que uma simples técnica literária, ou um elemento de construção textual, em que locutor e interlocutor se põem frente a frente. Isso porque a literatura, no caso de África, surge, como vimos acima, de uma condição de hierarquia, de subjugo, em que o conflito, portanto, é a tônica principal, se não exclusiva, da relação ou do conjunto de relações entre colonizador e colonizado.

Dessa forma, tendo de usar a expressão da metrópole, não apenas do ponto de vista discursivo, como também comportamental e ideológico, e, no entanto, estando em notória situação de desajuste em relação às circunstâncias típicas do ambiente europeu, o africano constrói, a partir de então, sua alteridade com base numa defasagem, o que vem a culminar com complexos, desajustes, conflito interno...

Esse conflito — muito mais antropológico e sociológico do que simplesmente intelectual[1][v] —, no caso da expressão portuguesa, em África, se resolve numa “tensão criativa”, em que a africanização do elemento lingüístico, a língua portuguesa, se dá com grande força. Tal fenômeno ocorreu, em grande parte, devido à flexibilidade fonética da língua portuguesa, que, pois, eliminou, em grande parte, no africano, o abismo que poderia existir entre querer-dizer e poder-dizer, dando, a ele, possibilidade de construir sua expressão sem abrir mão de suas especificidades culturais, expressão que buscava na realidade, na verossimilhança, seu maior refúgio e objetivo. Em suma, a alteridade, em literaturas africanas de expressão portuguesa, é técnica, mas, muito além, é tema — literário, social, humano.

As literaturas africanas de expressão portuguesa, como foi falado, vêm da negação da tentativa, por parte da metrópole, de impor seu modus vivendi e seu modus agendi sobre a colônia. O africano quer retratar o que tem de peculiar, e, com isso, contribuir com a História, não como mero simulacro de Portugal. Assim, os outros — o colonizado e o africanizado[1][vi] — têm suas vozes convergindo para a libertação do jugo colonial, conquistando sua dignidade como indivíduos e como sociedade.

Portanto, um importante elemento da alteridade no caso específico das literaturas de expressão portuguesa em África é o fato de que o “eu” africano se embate com o “outro” europeu, adotando-lhe a langue, mas tendo uma distinta parole, já que a língua é da metrópole, mas a fala é da colônia. Assim sendo, ao livrar-se, gradualmente, dos enfeites e das máscaras a que se submetia em face do colonizador, o africano é, a princípio, combalido em seu equilíbrio psicológico, mas, com o tempo, vai discernindo entre os valores alóctones assimilados, a fim de retirar, daí, alguma eventual característica que não seja de todo negativa[1][vii].

Como fonte “oracular”, o africano elege o tema do regresso: regresso à época anterior à colonização, mas sobretudo regresso à infância, paraíso crepuscular de delícias e sabedorias...

A alteridade, como vimos, ao mesmo tempo ocorrendo no campo da técnica e da temática (pois é uma alteridade discursiva além de buscar libertar o colonizado dos pontos de vista ético, estético, psicológico e cultural fragmentados que a metrópole impunha), será uma alteridade que permanecerá na tentativa de resolução da angústia existencial que caracteriza o romance africano atual[1][viii].

ANÁLISE DE ALGUNS POEMAS DAS LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA

José Craveirinha

Aqui estou neurastênico

Como um cão

Danado a lamber a salgada

Crosta das velhas feridas

E em que língua

E com que rosto

Aos meus filhos órfãos de pai

Eu vou dizer que se esqueçam?

A prisão foi um ambiente de enorme sofrimento e luta do povo africano contra o colonialismo português, sendo tema de inspiração constante das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.

No título deste poema de Craveirinha, Cela 1, há o lugar em que o corpo e o tempo são marcados pela tentativa de o autor-sujeito poético exprimir seu manifesto contra ao que lhe foi imposto pelo colonialismo: a privação da liberdade.

“Como um cão neurastênico” é uma expressão que traduz a agonia, tanto física, como psíquica, causada em um ser torturado e aprisionado.

O autor moçambicano usa os vocábulos “língua” e “rosto” como questionamento em busca de sua identidade, como elementos da dúvida da alteridade de que fizemos análise acima.

Há, também, a preocupação em como ensinar aos seus filhos, crianças africanas, o idioma português, do povo que dominou África (sua pátria) e seus pais.

É um poema que envia ao colonizador uma mensagem contundente, em que o colonizado, prisioneiro, responde à tortura do regime com um discurso de expressões fortes


AFORISMO
José Craveirinha

Havia uma formiga

Compartilhando comigo o isolamento

e comendo juntos.

Estávamos iguais

Com duas diferenças:

Não era interrogada

e por descuido podiam pisá-la.

mas aos dois intencionalmente

podiam pôr-nos de rastos

mas não podiam

ajoelhar-nos.


“Aforismo” significa “sentença” ou “penitência”. Craveirinha, nesta mensagem/poema, sente e expressa toda a angústia a que foi condenado: ser submetido às humilhações, deixando-se levar pelos colonizadores como um ser insignificante, com uma imagem de quem está cego na transitoriedade da vida humana e se iguala ao inseto que se arrasta pelo chão. Em contrapartida, as formigas, por serem incansáveis trabalhadoras na construção das suas moradas, simbolizam a certeza que há no autor-sujeito poético de que é preciso ser perseverante.

Outro aspecto desse poema é que está escrito no tempo pretérito: “havia”, “estávamos” e “podiam”, de modo que expressa uma ação que passou e o importante, agora, é conquistar a liberdade, sentir-se sempre erguido e retornar à terra natal.

 

JOANESBURGO
Rui Duarte de Carvalho

Tira o chapéu!

De que distrito vens?

Que é o teu Pai?

Quem é o teu chefe?

Onde pagas imposto?

Em que rio bebes?

Estamos de luto por ti, oh meu país!

A guerra é o tema de reflexão deste poema, e Rui Duarte retrata os questionamentos do pós-guerra, como quem se perguntasse: “Afinal, o que restou de tanta luta?”. A interrogativa insinua a tentativa de se reconquistarem os valores e tradições da cultura africana.

“Estamos de luto” denota todo o sofrimento e dor vividos pelo povo em África. Uma conseqüência amarga, mas que tem acesa a chama da esperança da liberdade.


FÁBULA
José Craveirinha

Menino gordo comprou um balão

E assoprou

Assoprou com força o balão amarelo.

Menino gordo assoprou

Assoprou

Assoprou

O balão inchou

Inchou

E rebentou!

Meninos magros apanharam os restos

E fizeram balõezinhos.

 

Sendo as fábulas historinhas que trazem ensinamento ou moral, o autor se utiliza desse título para induzir o leitor a acreditar que, no cotidiano, ainda que prosaico, há uma realidade a ser aprendida.

Marcados pela dor, os escritores africanos vêem na criança a esperança de uma felicidade espontânea: “menino gordo”, representa os colonizadores felizes e “meninos magros” (que “apanharam os restos / e fizeram balõezinhos”) são os colonizados que assimilaram a cultura européia.

 

O LAGO DA LUA

Paula Tavares

No lago branco da lua

Lavei meu primeiro sangue

Ao lago branco da lua

voltaria cada mês

para lavar

meu sangue eterno

a cada lua

No lago branco da lua

misturei meu sangue e barro branco

e fiz a caneca

onde bebo

a água amarga da minha sede sem fim

o mel dos dias claros.

Neste lago deposito

minha reserva de sonhos

para tomar.

 

Os filhos de África cultuam deuses que são buscados nos elementos da natureza. Para os africanos, a natureza é a soberania do universo, donde o homem crê e busca compreensão espiritual, consolo e cura dos problemas voltados para a sensualidade e o erotismo.

O lago da lua é um poema onde se realça a realidade do apelo às crenças através de rituais. O lago estaria ligado aos poderes femininos de encantamento, onde o luar refletido em noites de lua cheia, um espelho d’água noturno, teria o poder de controlar o destino humano, bem como as enchentes, o ritmo de vida da natureza e das mulheres, por meio de periodicidades lunares do ciclo menstrual: “Ao lago branco da lua/voltaria cada mês...”

As cores são muito importantes na cultura africana. Elas são, na verdade, o maior elo entre a matéria e o astral. Os simbolismos das cores, os africanos também o tiravam da natureza, como cita o primeiro verso: “No lago branco da lua”, onde o branco reproduz a pureza e a virgindade.

Há, ainda, nesta poesia, uma característica do sujeito poético, que é transmitir a sensação dos sabores: “a água amarga na minha sede sem fim / o mel dos dias claros”, uma metáfora da angústia representada pelo gosto amargo e o doce do mel, sabor de esperança.


MOÇAMBIQUICIDAS
José Craveirinha

Das incursões bem sucedidas aos povoados

Sobressaem na paisagem as patrícias

Sacarinas capulanas de fumaça

E uma fervura de cinco

Tabuadas e uns onze

- ou talvez só dez –

Cadernos e um giz

Espólio das escolas destruídas.

Sobrevivos moçambiquicidas

Imolam-se mesclados

No infuturo

Após a independência dos países africanos, vem o período da renovação e do resgate da cultura que ficou perdida no tempo do colonialismo. As mulheres moçambicanas são mescladas às mestiças vindas de Portugal, que, agora, se trajam de capulanas — vestimenta usada pelas senhoras de Moçambique.

A poesia fala da alteridade verbal, fato importante das literaturas africanas de expressão portuguesa. Pode-se dizer que foi um período de osmose de idiomas, quando novos vocábulos foram formados, como “infuturo”.

Os versos “Sobrevivos moçambiquicidas/imolam-se mesclados” fala da resistência do povo africano a novas pressões sociais e políticas.


CONCLUSÃO

As literaturas africanas de expressão portuguesa surgem da tensão, que se tornará criativa, entre os paradigmas da metrópole e da colônia. Assim, a língua colonial, a portuguesa, se confronta com as línguas autóctones, o que gera um desconcerto, por parte do colonizado, até mesmo em relação à forma lingüística como deverá expressar-se, a princípio. Some-se a isso o fato de que a tradição de expressão em África é eminentemente oral, o que acirra o embate quando da assimilação da língua portuguesa. Assim, o colonizado, a princípio, com sua identidade fragmentada pelos paradigmas impostos pela metrópole, nem é branco, nem quer ser negro.

   Assim, com essa conturbada alteridade, o escritor africano, à medida que se vai conscientizando, vai recorrendo à sua ancestralidade, à infância, em busca do eu genesíaco, muito mais harmônico e ligado à cosmogonia de uma Natureza maternal que vicejava em África.

NOTAS

[1][i] Nos países designados pela sigla PALOP, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, a saber, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

[1][iii] Sobretudo em Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

[1][iv] 1975, Angola e Moçambique, os dois maiores países dos PALOPs.

[1][v] O “conflito” intelectual é o mais comum nas literaturas de outros países, como o Brasil, em que grupos de intelectuais discutem e criam intertextualidades (cf. Julia Kristeva), dialogismos (cf. M. Bakhtin) motivados muito mais por questões subjetivas do que, obviamente, de dignidade ou “sobrevivência”, o que, isto sim, ocorreu em África.

[1][vi] “Africanizado” seria um termo para designar aqueles que, embora pertencentes ao estatuto de colonizadores, por razões étnicas, sociais, econômicas etc., tinham ideologia e práxis de africanos autóctones, contribuindo com estes na luta pela libertação.

[1][vii] Repare-se, contudo, que o duro confronto entre o eu-negro e o outro-branco continuará bastante marcado, como é exemplo o poema abaixo, que será analisado à frente, de José Craveirinha: “E em que língua / E com que rosto / Aos meus filhos órfãos de pai / Eu vou dizer que me esqueçam?”

[1][viii] São citados freqüentemente Manuel Rui e Pepetela como expoentes fortíssimos dessa atual literatura africana.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHABAL, Patrick, Angola: the weight of history. Hardcover: 2007

--------, The postcolonial literature of lusophone Africa. Paperpeck, setember: 2002

 

ROSA, Manuel Ferreira. A Escola para Angola : Lema escola diferente In: Ultramar. - Vol. V, nº 2  (4º Trimestre 1964), p. 28/43

 

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