quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA VELHA REPÚBLICA

A GUERRA DE CANUDOS (1896/7)

Durante a República Velha ocorreram algumas revoltas sociais que deixam claro que o predomínio oligárquico não foi exercido sem contestação. No interior nordestino onde a superexploração, a miséria e a fome era a realidade do sertanejo, surgiram líderes messiânicos cuja o mais conhecido foi Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro.

As pregações de Conselheiro atraia milhares de fieis que passaram a seguir o beato em sua peregrinação pelo sertão. Em 1893, Conselheiro e seus seguidores fundaram, em uma fazenda abandonada o Arraial de Canudos. Uma comunidade onde todos trabalhavam e os frutos do trabalho era repartido de acordo com as necessidades de cada família. Lá não havia exploração, fome e outros males que atormentavam os sertanejos...parecia o paraíso terrestre. Quanto mais o Arraial prosperava mais incomodava os poderosos da região. Os fazendeiros temiam perder mão-de-obra os padres, fieis. Aproveitaram-se das convicções políticas de Conselheiro, que por diversas vezes tinha se manifestado contra a República para fazer guerra a Canudos. A cada expedição feita contra Canudos que não obtinha êxito, reforçava-se a idéia de que o Arraial era um foco de perigosos monarquistas dispostos a destruir a República. Os jornais do Rio, através de notícias alarmantes ajudava a por mais “lenha na fogueira”, criando um clima de histeria na capital do país. Em 1897, Canudos foi riscado do mapa após ter resistido bravamente e vencido as três tentativas anteriores. Em fins do século XX o Exército fez sua mea culpa em relação ao episódio, admitindo que a Guerra de Canudos foi um grande equívoco do qual o Exército Brasileiro tomou parte.

O CANGAÇO

O Cangaço foi um fenômeno ocorrido no SERTÃO NORDESTINO de meados do século XIX ao início de 1940.. O cangaço tem suas origens em questões sociais e fundiárias do Nordeste brasileiro, caracterizando-se por ações violentas de grupos ou indivíduos isolados: assaltavam fazendas, seqüestravam coronéis (grandes fazendeiros) e saqueavam comboios e armazéns. Não tinham moradia fixa: viviam perambulando pelo sertão, praticando tais crimes, fugindo e se escondendo.
O cangaceiro mais famoso foi Virgulino Ferreira da Silva, o "lampião", denominado o "Senhor do Sertão" e também "O Rei do Cangaço". Atuou durante as décadas de 20 e 30 em praticamente todos os estados do Nordeste brasileiro.
Por parte das autoridades e de suas vítimas Lampião simbolizava a brutalidade, o mal, uma doença que precisava ser cortada. Para uma parte da população do sertão ele encarnou valores como a bravura, o heroísmo e o senso da honra.

No dia 28 de julho de 1938 na localidade de Angicos, no estado de Sergipe, Lampião foi vítima de uma emboscada onde foi morto junto com sua mulher, Maria Bonita e outros cangaceiros de seu bando. Tiveram suas cabeças decepadas e expostas em locais públicos, pois o governo queria assustar e desestimular esta prática na região. Depois do fim do bando de Lampião, os outros grupos de cangaceiros, já enfraquecidos, foram se desarticulando até terminarem de vez ,no início de 1940.

 

A REVOLTA DA VACINA (1904)

Não era só no campo que as camadas mais humildes viviam oprimidas. A Revolta da Vacina ocorreu em 1904 em plena capital federal. Os populares do Rio de Janeiro rebelaram-se contra a tentativa do governo de impor a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola a todas as pessoas. Aos gritos de “abaixo a vacina” viraram bondes no centro da cidade, quebraram os lampiões, ergueram barricadas em diversos bairros e enfrentaram as forças policiais da capital. Durante os conflitos ocorreu uma tentativa de levante militar visando derrubar o governo que não conseguiu êxito. O governo decretou estado de sítio, reprimiu e perseguiu violentamente os revoltosos. O regulamento da vacina foi alterado, tornando facultativa sua aplicação.

A REVOLTA DA CHIBATA (1910)

A escravidão acabou em 1888, porém esqueceram de comunicar tal acontecimento ao alto comando da marinha, pois em 1910, os marinheiros que por coincidência eram negros na sua maioria sofriam castigos corporais por parte dos oficiais que além de serem brancos vinham de famílias tradicionais de linhagem escravocrata. Os marinheiros, liderados por João Cândido o “almirante negro” que tinha a dignidade de um mestre-sala como cantou o poeta, se rebelaram após um colega de farda ser punido com 250 chibatadas. Na noite de 22 de novembro de 1910 explodia a Revolta da Chibata, assumiram o comando dos encouraçados Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Deodoro e apontaram os seus canhões para a cidade do Rio de Janeiro. Os marujos exigiam o fim dos castigos físicos, melhoria do soldo e da alimentação e anistia para os participantes da revolta. Pego de “calças curtas” o então presidente Hermes da Fonseca não teve outra saída a não ser aceitar as exigências dos marinheiros. Refeito do susto o governo deu o troco, a anistia concedida aos marinheiros acabou sendo desconsiderada, ocorrendo afastamentos, prisões, mortes deportação.


O principal personagem desse episódio, o marinheiro João Cândido ficou preso na Ilha das Cobras junto com outros 17 companheiros, onde 15 deles acabaram morrendo dias após. O “almirante negro” sobreviveu mas foi internado a revelia no Hospital de Alienados no Rio de Janeiro. Julgado em 1912, João Cândido foi absolvido o mesmo aconteceu com os sobreviventes da Revolta. O preço foi alto mas o movimento pode ser considerado vitorioso. A Revolta da Chibata é, até os dias de hoje, um tabu dentro Marinha do Brasil.

A GUERRA DO CONTESTADO (1912/6)

Ocorreu no Sul do país em uma região cuja posse era disputada por Santa Catarina e Paraná, por isso chamada Contestado. Os moradores dessa localidade sofriam com os coronéis que constantemente expulsavam posseiros de suas terras anexando-as. Com a construção da ferrovia que ligaria o RS a SP e que passava justamente nesse lugarejo e posteriormente com a chegada de uma grande madereira estrangeira na região centenas de famílias foram expulsos de suas propriedades.

Essas pessoas buscaram conforto nas pregações de beatos que perambulavam pela região, prometendo tempos melhores. Um desses beatos foi o monge José Maria, que se dizia o escolhido por Deus para construir na Terra a Monarquia Celeste.


Em 1912, José Maria e centenas de seguidores se fixaram no povoado de Taquaraçu, em Santa Catarina. Os fazendeiros locais incomodados com aquela aglomeração pediram ajuda ao governo. Assim como os seguidores de Conselheiro, os do monge José Maria foram acusados de serem fanáticos monarquistas. Ameaçados por tropas policiais, os crentes se retiraram para Campos do Irani, no município paranaense de Palmas, onde se instalaram. Foram atacados pela polícia paranaense. José Maria e muitos fieis foram mortos.
A morte do monge ao invés de esvaziar o movimento surtiu efeito contrário. Acreditando na ressurreição de seu líder, os crentes se reorganizaram. Milhares de pessoas aderiram ao movimento formando as chamadas “vilas santas”.
As “vilas santas” foram atacadas pelo Exército, forças públicas estaduais e bandos de jagunços sendo destruídas. Os interesses dos coronéis locais e da empresa do capitalista norte-americano Percival Farquhar, dedicada a exploração e venda de madeira estavam, enfim, resguardados.

O MOVIMENTO OPERÁRIO

O operariado não ficou passivo diante das dificuldades que vivenciaram durante a República Velha. O primeiro partido operário brasileiro, o Partido Operário, foi criado pelos socialistas em 1890 na cidade do Rio de Janeiro. Defendia reformas por meio da colaboração de classes. É obvio que suas propostas não sensibilizaram o patronato e por tabela os trabalhadores.
Enquanto os socialistas do Partido Operário eram favoráveis a uma ação moderada, os anarquistas defendiam ações mais radicais para a imediata conquista de direitos e a destruição da sociedade capitalista. Até a década de 20, o anarquismo, em particular o anarco-sindicalismo, exerceu grande influência sobre o movimento operário brasileiro.

Os anarco-sindicalistas defendiam a tese de que os sindicatos eram os instrumentos fundamentais para deflagrar a luta por melhores condições de vida e pela emancipação social do proletariado. Os anarco-sindicalistas eram partidários da ação direta e negavam qualquer validade às lutas partidárias e parlamentares. Segundo eles a revolução seria feita através de uma greve geral que, vitoriosa, aboliria o Estado; através dos sindicatos seria organizada a nova sociedade.

Para termos uma idéia da organização e da força do movimento operário na República Velha, observemos os seguintes dados: no período que vai de 1900 a 1922 ocorreram 369 greves(sendo 111 entre 1900 e 1910 e 258 entre 1910 e 1920).
Em 1917, ocorreu a primeira greve geral no Brasil. Teve início em uma fábrica de tecidos de São Paulo (Cotonifício Crespi), em reação a tentativa da empresa de prolongar o trabalho noturno sem aumento da remuneração. Os operário entraram em greve exigindo aumento de salários, abolição das multas, mudanças no regimento interno da empresa e regulamentação do trabalho feminino e infantil. A greve se espalhou por outras empresas.
Em um confronto com a polícia, um manifestante foi morto. Esse episódio fez com que o movimento grevista se alastrasse por São Paulo e contagiasse os trabalhadores de outras regiões do país. Rebentaram greves no Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

O TENENTISMO

O movimento revolucionário que ficou conhecido como Tenentismo pelo fato de estar ligado a jovem oficialidade do Exército, apesar de defender algumas propostas que iam de encontro aos anseios da classe média, não se vinculava ideologicamente com nenhuma classe social. Na realidade não tinham um projeto claro e definido, defendiam a moralização política, a introdução do voto secreto como forma de acabar com a corrupção eleitoral , o fortalecimento do poder central. Para por em prática as suas idéias fizeram em 05 de julho de 1922 o primeiro levante tenentista com o objetivo de derrubar Epitácio Pessoa que estava no final do seu mandato e impedir a posse do presidente eleito Artur Bernardes. Esse episódio ficou conhecido como Os 18 do
Forte de Copacabana.

Os rebeldes foram massacrados, somente dois sobreviveram ao enfrentamento com as tropas legalistas: Eduardo Gomes e Siqueira Campos.
Dois anos após, no dia 05 de julho de 1924, ocorreu a Segunda revolta tenentista, dessa vez em São Paulo. Durante três semanas os paulistas conviveram com violentos confrontos envolvendo os rebeldes e as forças que se mantiveram ao lado do governo. Muitos bairros ficaram em ruínas, centenas de pessoas morreram. Ocorreram saques a lojas e armazéns. As forças do governo em maior número e melhor equipadas impuseram duras derrotas aos rebeldes. Na noite de 27 de julho as tropas tenentistas abandonaram São Paulo rumo ao Sul do país.

Os Tenentes do RS se rebelaram em outubro de 1924, sob a liderança de Luis Carlos Prestes, que anos mais tarde viria ser a maior referência do PCB. Cercados pelos legalistas os tenentes gaúchos conseguiram romper o cerco e rumaram para Foz do Iguaçu, lá se encontraram com as tropas paulistas. Nascia a lendária coluna Prestes – Miguel Costa que em quase dois anos de marcha percorreu cerca de 25.000 km com o objetivo de levar os ideais tenentistas Brasil a fora. Contra a Coluna Prestes foram enviadas tropas do Exército, soldados das forças públicas estaduais, batalhões de jagunços a serviço dos coronéis. Até mesmo Lampião, a pedido do padre-coronel Cícero, se dispôs a enfrentar a lendária Coluna.

Em fevereiro de 1927, já no governo de Washington Luis, a coluna se desfez, seus participantes se exilaram-se na Bolívia, no Paraguai e na Argentina. É importante frisar que a Coluna Prestes, em todos os confrontos que participou, não conheceu derrota. A partir de então os tenentes tomaram rumos políticos diferenciados.

BRASIL REPUBLICA - O OCASO DA REPÚBLICA VELHA

A Crise de 29 atingiu em cheio a economia fraca e agraria do Brasil, as oligarquias passam a investir o dinheiro do café na industria, fazendo com que novas classes sociais surgiam. Esse modelo industrial é chamado de “Industria de Substituição de Importados” (ISI) que se baseia em produzir nacionalmente o que os países europeus não conseguiam mais exportar (porque estavam em guerra).

As classes urbanas que surgiram com a industrialização:
Uma burguesia industrial (que é composta pelos ex-cafeicultores (que passaram a ter duas fontes de renda) e imigrantes (italianos, alemães …).
Operariado: Que passa a se organizar para exigir leis trabalhistas do governo. Começam influenciados pelo anarquismo, mas em 1917 passam a ser, predominantemente, socialistas (porque passaram a enxergar o socialismo como uma ideologia que se concretiza quando vêem a Revolução Russa de 1917).
Classes médias urbanas: Ligadas ao setor de serviços e uma classe intelectual. Querem uma política industrial, social e moralização da política a favor do voto secreto.
Claro que nenhum deles foi atendido pelos ruralistas então se organizam em diferentes formas para influenciar o governo. Movimentos das novas classes urbanas:
Politicamente: O Movimento Tenentista e a Revolução de 30.
Socialmente: Movimento Operário e, artisticamente, o Movimento Modernista.

Modernismo:

É um conjunto de movimentos de renovação cultural e artística, ponto culminante é a Semana de Arte Moderna. Sentia-se a necessidade de uma cultura nova e de um sentimento de nação, queriam construir a identidade nacional respeitando as diferenças regionais do país.

Propostas dos modernistas:
Renovação cultural permanente: Fazendo com que o Brasil se integrasse nas grandes correntes artísticas mundias.
Revisão das interpretações históricas sobre o Brasil
Importância do regionalismo
Identidade cultural tipicamente brasileira: Dar importância ao estudo do folclore e das tradições indígenas e africanas.

Principais movimentos modernistas do Brasil:
Movimento antropofágico: Iniciado pelo quadro Abapuru (que significa “aquele que come”) tinha como ideia principal a incorporação das formas de arte européias para a realidade brasileira.
Movimento Pau-Brasil: Tendia a esquerda, muitos dos seus membros entraram para o Partido Comunista do Brasil (PCB). Como Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade.
Movimento Verde-Amarelo, depois Grupo da Anta: Tendia a direita e era defensor de um nacionalismo ufanista, criaram na década de 30 uma versão tupiniquim do nazi-fascismo.

O modernismo não conseguiu sair dos salões artísticos da elite brasileira.

Movimento Tenentista:

Os tenentes, consideravam que o exército deveria ser o agente purificador do país, derrubando o governo caso ele fosse incapaz de prover as necessidades do país; diferente dos oficiais de alta patente que consideravam que o exército deveria ser o guardião do presidente e se manter fora da política.
 
Era um movimento sem ideias muito fixas, mas revelava-se nacionalista, liberal e reformista. Propostas:
Voto secreto, acabando com o voto de cabresto, e que a Comissão Verificadora não manipulasse as eleições.
Estabilidade financeira, diminuindo a dívida externa do país.
Proteção do governo para todos os produtos nacionais, não só o café, mas também a industria.

Revolta do Forte de Copacabana, em 1922: Foram fortemente reprimidos pelo governo. Celebrou-se o “Dezoito do Forte” em que a imprensa dizia que só sobreviveram dezoite tenentes, hoje sabe-se que foram mais.
Em 1924, comemorando o aniversário da Revolta do Forte de Copacabana eclodiu o movimento tenentista em São Paulo que se uniu a um movimento tenentista no Rio Grande do Sul formando a Coluna Prestes que percorreu praticamente todo territorio nacional. 1927 o movimento tenentista foi totalmente silenciado.

Revolução de 30:

1922, 1ª cisão oligárquica ou Reação Republicana:
Minas Gerais e São Paulo escolheram Arthur Bernardes como sei representante na tradicional Política do Café-com-Leite.
Rio Grande do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco (chamadas de oligarquias dissidentes) escolhem Nilo Peçanha como candidato, quebrando a antiga Política do Café-com-Leite.

1929, 2ª cisão oligárquica:
São Paulo escolhe Washington Luis como candidato para cuidar do café (segunda vez que eles botam um candidato paulista no governo). Minas Gerais discorda e apoia as oligarquias dissidentes elegendo Antônio Carlos como candidato. Washington Luis ganha por manipulação da Comissão Verificadora.

Eleições de maio de 1930:
São Paulo impõe a candidatura de Júlio Prestes (paulista), ao invés do Antônio Carlos (mineiro), quebrando a política do café-com-leite. Minas Gerais se junta as oligarquias dissidentes apoiando Getúlio Vargas.
As oligarquias dominantes conseguem manter o seu candidato no poder, por causa da Comissão Verificadora. Em outubro uma junta depõe Washington Luis e toma o poder colocando Getúlio Vargas no cargo. Era o fim da República Velha.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

LITERATURAS AFRICANAS LUSÓFONAS - UMA INTRODUÇÃO


Não há como negar o fato de que, de certa maneira, a literatura refl ete a sociedade na qual ela se encontra invariavelmente inserida. Por mais que alguns críticos e teóricos defendam a separação radical entre literatura e sociedade, numa acirrada defesa da literariedade, há um fator determinante nessa discussão: ambas, literatura e sociedade, estabelecem entre si uma relação necessária de interdependência, na medida em que se trata de conceitos marcados por um sentido de reciprocidade, sendo possível equacionar – numa mesma obra – tanto a natureza essencialmente estética da literatura quanto a conformação fundamentalmente política da sociedade.
 
Portanto, ligadas entre si de forma quase inexorável, trazem consigo, contudo, todas as contradições que lhes são inerentes, motivo pelo qual é relativamente comum percebermos a representação artística, em determinadas obras literárias, das várias incertezas, dos diversos equívocos e das múltiplas contradições do próprio tecido social. Por isso, de uma noção verdadeiramente mítica, a arte passou a ser entendida como uma manifestação autenticamente cultural, sujeita a todas as vicissitudes que essa ideia possa acarretar: a arte como categoria idealizada da criatividade humana, proveniente da inspiração inacessível aos homens comuns – como era entendida, por exemplo, pelos românticos –, abandonou definitivamente essa condição supra-humana para se colocar como criação da mais pura vontade do homem e da sociedade.
 
No caso das chamadas sociedades emergentes, como é o caso dos países africanos de expressão portuguesa, a literatura está claramente – mas, não, exclusivamente, como nas sociedades de regime totalitário – a serviço de uma determinada ideologia e, via de regra, como manifestação prática de uma causa revolucionária, num claro processo de regeneração de uma identidade cultural. De sociedades emergentes, surgem estéticas igualmente emergentes, expressões comprometidas com a liberdade política da sociedade em que se inserem: são manifestações artísticas em que a função social é, para além de significativa, estrutural, o que aliás ocorre não apenas em boa parte do continente africano, mas também numa parcela considerável da produção latino-americana.
 
Evidentemente, trata-se de um posicionamento relativamente tendencioso e, de certa forma, cronologicamente determinado, mas que, de modo bastante consciencioso, revela a necessidade de enfatizar um aspecto da literatura demasiadamente esquecido nestas épocas de globalização e neoliberalismo a qualquer custo.
 
Fechar os olhos, portanto, à função social da literatura – sobretudo nas sociedades que aqui denominamos emergentes –, seja em virtude de um radical esteticismo, seja por uma injustificada intolerância, é negar a própria essência da expressão estética, que na sua mais íntima natureza é, antes de tudo, plural.
 
Estética desobrigada ou mensagem comprometida, a literatura passa a ser, a um só tempo, razão e emoção, contemplação ideal e prática social, não sendo possível simplesmente desconsiderar sua propriedade funcional em razão de uma suposta prevalência de aspectos estritamente imanentes.
 
Identidade Cultural e Consciência Nacionalista
 
Pode-se dizer, sem risco de cometer alguma impropriedade, que nos países africanos lusófonos a consciência nacionalista nasce como resultado de um complexo processo de construção de uma identidade cultural, representada, entre outras coisas, pela produção literária local. Neste sentido, consciência nacionalista e identidade cultural são conceitos cambiáveis, os quais não prescindem da concepção da arte como uma atividade socialmente engajada.
 
O próprio desenvolvimento da literatura africana lusófona sugere essa perspectiva crítica, na medida em que nacionalismo e identidade tornam-se, a partir do século XX, conceitos fundamentais na constituição de uma literatura independente e madura. Assim, das primeiras manifestações ficcionais, ligadas ao imaginário popular e folclórico das populações nativas da região, de caráter essencialmente oral, a literatura lusófona do continente africano passa por um longo processo de maturação, com uma produção – principalmente durante o século XIX, mas já avançando para o XX – ainda essencialmente colonizada, representada por obras como as de José Maria da Maia Ferreira (Espontaneidades de minha alma, 1849), José Evaristo de Almeida (O escravo, 1856), Pinheiro Chagas (Os sertões d’Áfr ica, 1880), Alfredo Troni (Ngá Muturi / Senhora Viúva, 1882), Pedro Félix Machado (O Filho Adulterino, 1892), Hipólito Raposo (Ana, a Kalunga, 1926), Brito Camacho (Contos Selvagens, 1934) ou Henrique Galvão (O Velo d’Oiro, 1936), narrativas caracterizadas, sobretudo, por uma perspectiva eurocêntrica, por uma visão paternalista do negro, ao lado da mitificação do branco, pela exploração do exótico.
 
Finalmente, essa literatura chega, ao longo do século XX, à sua completa maturidade, com manifestações literárias realmente nacionais e independentes, com obras como as de João Albasini (O livro da dor, 1925), Antonio de Assis Júnior (O segredo da morta, 1929/1935), Fausto Duarte (Auá, 1934), Baltasar Lopes (Chiquinho, 1947), José Luandino Vieira (Luuanda, 1964), Francisco José Tenreiro (Coração em Áfr ica, 1982) e muitas outras, todas elas podendo computar entre suas mais relevantes características o anticolonialismo, a afirmação da identidade cultural e a consciência nacionalista, ideário que se manifesta não apenas no tratamento de temas e motivos retirados da história e do cotidiano das nações representadas, mas também por uma nova ordem discursiva, que se traduz em ruptura estética e criatividade linguística.
Não sem razão, a essência ideológica da linguagem torna-se, neste como em outros contextos, elemento primordial da luta pela transformação social e afirmação de uma identidade:
 
se a linguagem falasse apenas à razão e constituísse assim uma ação sobre o entendimento dos homens, então ela seria apenas informação ou representação. Mas, ao mesmo tempo em que ela desprende o conjunto de relações necessárias da razão, também articula o conjunto de relações desejadas da vontade. Neste sentido, o seu traço fundamental é o argumentativo, o retórico, o ideológico, porque é este traço que a apresenta não como marca de uma diferença entre o eu e o outro, entre subjetividades cujo espaço de existência é a história de relações e transformações sociais (VOGT,1989,p.75).
 
 
Analisando o desenvolvimento da maior parte da produção literária lusófona no continente africano, não há como negar – sobretudo quando pensamos na produção mais recente – nem sua procedência anticolonialista, no plano social e histórico, nem sua vinculação com os conceitos de nacionalismo e identidade, aqui destacados. Com efeito, se essa literatura nasce vinculada a um projeto mais amplo de luta anticolonial, o que lhe confere um caráter de literatura militante, utilizando-se do texto literário em favor de uma causa político-social independentista, com o passar do tempo e agora num plano fundamentalmente cultural, ela certamente se liga a um desígnio identitário e nacionalista, resultando, primeiro, na afirmação da identidade cultural local, com a valorização das singularidades nativas e comunitárias da região; e, depois, na criação de uma consciência nacionalista, incentivando a defesa de valores sociais humanitários.
 
Desse modo, ainda que o colonialismo tenha servido, num primeiro momento, como elemento impulsionador da consciência e da prática libertária que está na base da produção ficcional do período – como, aliás, ensina Pires Laranjeira, para quem
 
o colonialismo serve-lhe [à literatura africana] de propulsor da consciência, a qual se rebela contra ele. No poder de confronto dessa rebelião literária (lingüística e ideológica), no alcance da sua ruptura, na novidade da sua inovação, é que reside o estatuto de liberdade, da sua libertação do jugo de outras literaturas (LARA NJEIRA , 1985,p.10).
 
foi somente com a superação da condição colonial que os países africanos lusófonos puderam, definitivamente, atingir sua plena autonomia cultural:
 
a busca da autonomia passa, portanto, e em suma, pela identificação dos locutores entre si e com um projeto de independência literária face aos modelos coloniais da cultura. Reivindicação anti-colonial, afirmação nacional, assunção étnica e folclórica, uso do bilingüísmo textual ou de línguas não europeias (crioulo, forro, línguas bantas), exposição africanística, exaltação rácica, exultação independentista, todos os meios são aceitáveis pela comunidade de consciência não portuguesa, desde que possam inserir o texto no processo de instauração de uma comunidade africana (LARA NJEIRA , 2000,p.24).
 
Há, nesse sentido, um percurso não apenas historiográfico, a alicerçar essa produção literária, mas sobretudo um percurso ideológico, que vai  justamente do nativismo colonialista ao nacionalismo independentista, como a marcar – idiossincraticamente – as etapas dessa mesma produção.
 
Assim, num primeiro momento da formação literária africana lusófona, o que podemos chamar de Literatura Colonial (1850-1900), a marca ideológica mais relevante é justamente o conceito de nativismo, em que o elemento exótico e a perspectiva eurocêntrica – já assinaladas anteriormente – sejam talvez seus principais componentes. Nas palavras de Manuel Ferreira, nesse estágio da produção literária, “o escritor africano encontra-se em estado quase absoluto de alienação, incapaz de se libertar dos modelos europeus”(FERREIRA, s.d, p.33).
 
Já num segundo momento, emerge a chamada Literatura Anti-Colonial (1900-1930), tendo como marca ideológica mais relevante a ideia de negritude, em que a condição de escritores alienados é relativamente ultrapassada, sendo substituída pela “percepção de um certo regionalismo e o discurso acusa já alguma influência do meio social, geográfico e cultural em que estão inseridos e a enunciação vive já os primeiros sinais de sentimento nacional” (FERREIRA, s.d, p.33).
 
Já na etapa da Literatura Pré-Independente (1930-1950), marcada ideologicamente pelo apego ao neo-realismo de inspiração brasileira e portuguesa, o escritor liberta-se, finalmente, de sua condição de alienado e a sua literatura “cria a sua razão de ser na expressão das raízes profundas da realidade social nacional entendida dialecticamente”(FERREIRA, s.d, p.33).
 
Finalmente, é na Literatura Independente (1950-2000) que o conceito de nacionalismo aflora em todo o seu vigor, consolidando uma situação em que “é de todo eliminada a dependência dos escritores africanos e restituída a sua plena individualidade” (FERREIRA, s.d, p.33).
 
Há, nesse percurso, pelo menos duas ideias que merecem ser destacadas, para melhor compreensão da dinâmica ideológica da literatura africana de expressão lusófona: o imperativo moral e o imperativo estético, que lhe são característicos.
 
O primeiro provém da tese defendida por Sartre de que a literatura volta-se, entre outras coisas, para a defesa de valores sociais da humanidade, associando-se, assim, à prática libertária, seja ela relacionada ao autor, ao leitor ou à sociedade como um todo.
 
Neste sentido, a literatura – e esta é uma consideração bastante apropriada à literatura africana lusófona – traduz-se numa tomada de posição daqueles que com ela estejam diretamente envolvidos.
 
O segundo, das ideias expostas por Marcuse, segundo as quais a arte se manifestaria em meio às relações sociais, possuindo um potencial político, embora, ao contrário da ortodoxia marxista, esse potencial esteja nela mesma, precisamente em sua dimensão estética, concorrendo, dessa forma, para a defesa da liberdade.
 
Em ambas as teorias, a arte – exatamente como tem ocorrido nos melhores exemplos da produção lusófona em África – estaria visceralmente relacionada à ideia de liberdade, que, se para Sartre revela-se como um imperativo moral, para Marcuse, manifesta-se como um imperativo estético.
 
CONCLUSÃO
Evidentemente, a questão do nacionalismo e da identidade em literatura é muito mais complexa do que este ensaio – cujos propósitos não vão além de uma breve introdução ao assunto – pode sugerir. São, antes de mais nada, conceitos que estão em contínua transformação, como aliás a própria produção literária a que estão aqui associados, a qual, nas palavras de Pires Laranjeira, depois de um claro pendor militante e engajado,
 
derivou para a tendência de contestar, fi nalmente, a tradição realista, engagée, documentalista e ideo-política, sem que, todavia, isso signifi casse o abandono desse fi lão que a própria realidade histórica e política e a condição social e cultural do escritor continuavam a prescrever (...) a temática e os espaços social e cultural patenteados nos textos passaram a alargar-se consideravelmente, apresentando desde o amor e a angústia existencial, às vivências do poder estabelecido (LARA NJEIRA , 1987,p.83).
 
Isso, evidentemente, sem se esquecer dos experimentalismos formais e do trabalho minucioso que se tem feito com a linguagem, a qual passa a representar, na produção mais recente, uma etapa de superação de seu viés marcadamente ideológico. Como afirmou Russel Hamilton,
 
desde os seus primeiros momentos, a literatura aculturada tem sido uma procura de formas apropriadas para novos conteúdos e para uma nova consciência. Nesta procura, sempre difícil e às vezes agonizante, a desconstrução e a recriação da linguagem caracterizam algumas das obras mais representativas da África lusófona (HAMILTON,1981,p.29).
 
Esses são aspectos que não apenas elevam essa produção à condição de uma literatura de primeira grandeza, mas reforçam ainda mais sua vocação a uma perspectiva artística que não prescinde das noções de identidade e nacionalismo.
 
 
Referências
FERREIRA, Manuel. O Discurso no Percurso Africano I (Contribuição para uma Estética Africana).Lisboa: Plátano, s.d.
HAMILTON, Russel G. Literatura Africana. Literatura Necessária: Angola. Lisboa: Edições 70,1981, p. 29.
LARANJEIRA, Pires. Literatura Calibanesca. Porto, Afrontamento, 1985.
____. Língua e Literatura nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. In: GALANO, Ana Maria et al. (orgs) Lingua Mar: Criações e Confrontos em Português. Rio de Janeiro: Funarte, 1997, p. 83-99.
GALANO, Ana Maria et al (orgs.). Língua Mar: Criações e Confrontos em Português. Rio de Janeiro: Funarte, 1997, p. 83-99.
____. As Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - Identidade e Autonomia Scripta, Belo Horizonte, Vol. 3, no. 6, p. 237-244, 2000.
MARCUSE, Herbert. A Dimensão Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1981.
SARTRE, Jean-Paul. Que é Literatura? São Paulo: Ática, 1989.
VOGT, Carlos. Linguagem, Pragmática e Ideologia. São Paulo: Hucitec, 1989.

O RENASCIMENTO CULTURAL E CIENTÍFICO


Introdução

O Renascimento foi um movimento ocorrido durante a Baixa Idade Média. Esse movimento buscava inspiração na Antiguidade Clássica, objetivando assim negar os valores medievais incorporados na vida europeia.

A burguesia ascendente neste período e diversos membros da elite urbana buscavam, ao patrocinar artistas, intelectuais e cientistas (mecenato), valorizar as novas idéias e conquistar prestígio social.

A Itália foi o berço do Renascimento. Isso deveu-se ao desenvolvimento comercial e conseqüente enriquecimento experimentado por aquela região nesta época. Além disso, a Itália foi o local onde o Classicismo desapareceu por ultimo, conservando ainda muitas das obras que inspirariam os artistas renascentistas. Finalmente, diante da decadência do Império Bizantino, muitos sábios que lá viviam deslocaram-se para as cidades italianas, levando consigo o pensamento que haviam conservado. A partir da Itália, o pensamento renascentista se espalhou pela Europa.

A cultura da Renascença tinha como principal característica a negação dos valores medievais. Nesse sentido, o antropocentrismo (humanismo), o racionalismo e o individualismo afloram nas obras renascentistas.

Os ideais renascentistas também envolveram a ciência, motivando importantes realizações nas ciências e na filosofia. A crítica à sociedade medieval, ao seu misticismo e extremada religiosidade, exigiu explicações baseadas em experimentos e observações, levando ao entendimento raciona e objetivo dos fenômenos da natureza.

Durante os séculos XV e XVI intensificou-se, na Europa, a produção artística e científica. Esse período ficou conhecido como Renascimento ou Renascença.

 

Contexto Histórico

As conquistas marítimas e o contato mercantil com a Ásia ampliaram o comércio e a diversificação dos produtos de consumo na Europa a partir do século XV. Com o aumento do comércio, principalmente com o Oriente, muitos comerciantes europeus fizeram riquezas e acumularam fortunas. Com isso, eles dispunham de condições financeiras para investir na produção artística de escultores, pintores, músicos, arquitetos, escritores, etc.

Os governantes europeus e o clero passaram a dar proteção e ajuda financeira aos artistas e intelectuais da época. Essa ajuda, conhecida como mecenato, tinha por objetivo fazer com que esses mecenas (governantes e burgueses) se tornassem mais populares entre as populações das regiões onde atuavam. Neste período, era muito comum as famílias nobres encomendarem pinturas (retratos) e esculturas junto aos artistas.

Foi na Península Itálica que o comércio mais se desenvolveu neste período, dando origem a uma grande quantidade de locais de produção artística. Cidades como, por exemplo, Veneza, florençae Gênova tiveram um expressivo movimento artístico e intelectual. Por este motivo, a Itália passou a ser conhecida como o berço do Renascimento.

 

Características Principais:

- Valorização da cultura greco-romana. Para os artistas da época renascentista, os gregos e romanos possuíam uma visão completa e humana da natureza, ao contrário dos homens medievais;


- As qualidades mais valorizadas no ser humano passaram a ser a inteligência, o conhecimento e o dom artístico;


- Enquanto na Idade Média a vida do homem devia estar centrada em Deus (teocentrismo), nos séculos XV e XVI o homem passa a ser o principal personagem (antropocentrismo);

 

- A razão e a natureza passam a ser valorizadas com grande intensidade. O homem renascentista, principalmente os cientistas, passam a utilizar métodos experimentais e de observação da natureza e universo.

 

Durante os séculos XIV e XV, as cidades italianas como, por exemplo, Gênova, Veneza e Florença, passaram a acumular grandes riquezas provenientes do comércio. Estes ricos comerciantes, conhecidos como mecenas, começaram a investir nas artes, aumentando assim o desenvolvimento artístico e cultural. Por isso, a Itália é conhecida como o berço do Renascentismo. Porém, este movimento cultural não se limitou à Península Itálica. Espalhou-se para outros países europeus como, por exemplo, Inglaterra, Espanha, Portugal, França, Polônia e Países Baixos.

 

Principais representantes do Renascimento Italiano e suas principais obras:

- Giotto di Bondone (1266-1337) - pintor e arquiteto italiano. Um dos precursores do Renascimento. Obras principais: O Beijo de Judas, A Lamentação e Julgamento Final.

- Fra Angelico (1395 - 1455) - pintor da fase inicial do Renascimento. Pintou iluminuras, altares e afrescos. Obras principais: A coração da virgem, A Anunciação e Adoração dos Magos.

- Micelangelo Nuonarroti (1475-1564)- destacou-se em arquitetura, pintura e escultura. Obras principais: Davi, Pietá, Moisés, pinturas da Capela Sistina (Juízo Final é a mais conhecida).

- Rafael Sanzio (1483-1520) - pintou várias madonas (representações da Virgem Maria com o menino Jesus).

- Leonardo Da Vinci (1452-1519)-pintor, escultor, cientista, engenheiro, físico, escritor, etc. Obras principais: Mona Lisa, Última Ceia.

- Sandro Botticelli - (1445-1510)- pintor italiano, abordou temas mitológicos e religiosos. Obras principais: O nascimento de Vênus e Primavera.

- Tintoretto - (1518-1594) - importante pintor veneziano da fase final do Renascimento. Obras principais: Paraíso e Última Ceia.

- Veronese - (1528-1588) - nascido em Verona, foi um importante pintor maneirista do Renascimento Italiano. Obras principais: A batalha de Lepanto e São Jerônimo no Deserto.

- Ticiano - (1488-1576) - o mais importante pintor da Escola de Veneza do Renascimento Italiano. Sua grande obra foi O imperador Carlos V em Muhlberg de 1548.

 

Renascimento Científico

Na área científica podemos mencionar a importância dos estudos de astronomia do polonês Nicolau Copérnico. Este defendeu a revolucionária idéia do heliocentrismo (teoria que defendia que o Sol estava no centro do sistema solar). Copérnico também estudou os movimentos das estrelas.

Nesta mesma área, o italiano Galileu Galilei desenvolveu instrumentos ópticos, além de construir telescópios para aprimorar o estudo celeste. Este cientista também defendeu a idéia de que a Terra girava em torno do Sol. Este motivo fez com que Galilei fosse perseguido, preso e condenado pela Inquisição da Igreja Católica, que considerava esta idéia como sendo uma heresia. Galileu teve que desmentir suas idéias para fugir da fogueira.

A invenção da prensa móvel, feita pelo inventor alemão Gutemberg em 1439, revolucionou o sistema de produção de livros no século XV. Com este sistema, que substituiu o método manuscrito, os livros passaram a ser feitos de forma mais rápida e barata. A invenção foi de extrema importância para o aumento da circulação de conhecimentos e ideias no Renascimento.

 


ORIGENS HISTÓRICAS DAS LITERATURAS AFRICANAS EM LÍNGUA PORTUGUESA



“Se a Deos chamão por tu,

e a el Rey chamão por vós,

como chamaremos nós,

a três que não fazem hum,

que o povo indiscreto, e nu

falto de experiência, fez

em lugar de hum três

que com toda a Cortezia

tú, nem vós, nem Senhoria

merecem suas mercês”

António Dias Macedo

INTRODUÇÃO                                                                                                           

O aparecimento das literaturas de expressão portuguesa em África[1][i] é o resultado de um longo processo histórico de quase quinhentos anos de assimilação (desde o século XVI), ocorrida basicamente devido à colonização sofrida por tais países pelo colonizador, Portugal. É conveniente lembrarmos que os portugueses atravessaram, em 1415, o Estreito de Gibraltar, sendo os primeiros europeus a se situarem em África (Ceuta, em Marrocos), estabelecendo, no território africano, devido à presença de comerciantes, marinheiros etc., o chamado pidgin, de base portuguesa, “idioma” usado com o fito de se estabelecerem as relações, sobretudo comerciais. Esse “idioma” evolui, no caso dos PALOPs, para o crioulo, especialmente nos países em que o comércio era muito valorizado[1][ii]. Assim, ali conviviam, com as outras línguas de origem autóctone, o pidgin e o crioulo, num imenso mosaico lingüístico, o que, como veremos, foi fator importante de desunião dos africanos durante muito tempo, pois, por não se compreenderem mutuamente, foram mais facilmente absorvidos pelo processo de tentativa de aniquilação cultural que a metrópole desenvolvia e punha em prática sobre eles.

É fundamental observarmos que as literaturas africanas de expressão portuguesa são, portanto, produto ulterior de uma consciencialização que se esboçou mais fortemente nos anos 40 e 50 deste século, tendo sua gênese e desenvolvimento nas chamadas "elites lusófonas". É preciso, aqui, no entanto, retornar às décadas anteriores, notadamente ao ano 1926, em que António Salazar, primeiro-ministro ditatorial português, estabeleceu uma lei que diferenciava os africanos em “civilizados” e “bárbaros”, sendo que, para serem considerados “civilizados”, teriam de saber falar (e, numa perspectiva idealista, ler e escrever) o português. Daí, dessa lei, é que se inicia, efetivamente, o gérmen do que viria a ser a consciencialização africana, sobretudo, neste momento, no que se refere ao aspecto social do negro em África e diante do mundo. Este foi, pelo que se percebe, um como que “paradoxo”, pois a rigorosa lei, cujo objetivo era aniquilar as culturas dos africanos “selvagens”, ajudou-os grandemente no caminho de sua própria libertação, aumentando-lhes a chance de firmarem-se como povo de expressão cultural vasta, complexa, importante e — autônoma. Isso, como veremos, sobretudo pelo fato de a língua portuguesa, entre outros fatores, ter sido veículo de unificação comunicativa, devido àquela circunstância, acima mencionada, de o mosaico lingüístico não tornar fácil ou sequer viável o diálogo de expressões e idéias entre os africanos, o que veio a ocorrer, repita-se, em grande parte por causa da unidade lingüística promovida pela língua portuguesa.

Portanto, acontece que o escritor africano vive, até à data da independência[1][iv], no meio de duas realidades a que ele não pode ficar alheio: a sociedade colonial européia e a sociedade africana; os seus escritos são, por isso, o resultado dessa tensão existente entre os dois mundos, um escrito “híbrido”, nascente da realidade dialética, ora com traços inquestionáveis de aculturação, ora com traços (no início inexistentes ou imperceptíveis) de ruptura. No fundo, um escrito africano poderia, naquele momento inicial, ser um escrito europeu, pois os temas, a forma, o estilo, a ideologia — tudo era “branco”, “europeu”, “civilizado”. Com efeito, neste momento, segundo a visão de um Marx, os africanos ainda estavam inteiramente alienados pelo modo de produção colonialista, imbuídos do espírito do colonizador, e de sua ideologia de classe dominante, ainda alheios à consciência e à práxis que esta, no futuro, viria a gerar, como veremos.

Acrescente-se a este quadro alienado e alienante que o escritor africano, apesar dos esforços dos governos portugueses em sentido contrário, recebe constantemente as influências do exterior, pelo que a sua escrita, na forma e no conteúdo, começará a revelar o contato com movimentos e correntes literárias da Europa e da América, em que se destaca o movimento de negritude. Portanto, se, a princípio, em face do colonizador, o africano buscava a sua “adequação” aos moldes ditados pela metrópole, achando-se, inclusive, feio, bárbaro e impróprio se não procurasse, em si e no exterior, os meios de tornar-se “parecido”, o quanto fosse possível, com o colonizador, foram ocorrendo, pouco a pouco, contatos com povos que já haviam adquirido um grau de consciência do processo destrutivo por trás da aparente “inofensiva” aculturação, e aqueles povos conscientes ou em processo de conscientização foram importantes aos africanos de expressão portuguesa, a fim de que estes, juntamente com outros fatores, que serão brevemente analisados, vissem a realidade por trás da “máscara” que se lhes mostrava.

Dessa forma, houve um processo quando se fala em literaturas africanas de língua portuguesa.    

Na tentativa de periodizar tal processo, Manuel Ferreira oferece um esquema em que apresenta a emergência da literatura africana, sobretudo no que toca à poesia, ligada ao que ele considera como "os momentos/etapas do produtor do texto".

No primeiro momento, o escritor está em estado quase absoluto de alienação, inteiramente absorvido pela cultura colonizadora, reproduzindo seus ideais. Os seus textos poderiam ter sido produzidos em qualquer outra parte do mundo: é o menosprezo e a alienação cultural. O segundo momento corresponde à fase em que o escritor ganha a percepção da realidade, apontando distinções geográficas, sociais etc. em relação à “metrópole”. O seu discurso revela influência do meio, bem como os primeiros sinais de sentimento nacional: é a dor de ser negro; o negrismo e o indigenismo. O terceiro momento é aquele em que o escritor adquire a consciência nacional de colonizado. Liberta-se, promovendo um pensamento dialético entre raízes profundas e coibição de sujeição colonial. A prática literária enraíza-se no meio sócio-cultural e geográfico: é a desalienação e o discurso da revolta. O quarto momento corresponde à fase histórica da independência nacional, quando se dá a reconstituição da individualidade plena do escritor africano: é a fase da produção do texto em liberdade, da criatividade.

Embora Manuel Ferreira não fale dele, há o quinto momento, marcado, ora, pela despreocupação em valorizar-se excessivamente a africanidade: as fragilidades humanas, as vulnerabilidades é que são, agora, enfatizadas.

A ESCOLA E A PRISÃO

Dentro deste processo de surgimento das Literaturas Africanas de expressão portuguesa, dois ambientes apresentam grande expoência: a escola e a prisão.

Sob uma perspectiva mais historicista, há Patrick Chabal, que, quando se refere ao relacionamento do escritor africano com o enorme campo de influência que constitui a oralidade , propõe quatro fases abrangentes da literatura africana. A primeira fase é a da assimilação. Os escritores africanos, quando lhes foi dada a oportunidade de produzir esteticamente, copiam e imitam os mestres, sobretudo europeus, o que converge com o pensamento de Manuel Ferreira, há pouco aludido. A segunda fase é a da resistência. Nesta fase, o escritor africano assume a responsabilidade de construtor, arauto e defensor da cultura africana. É a fase do rompimento com os moldes europeus e consciencialização definitiva de que o homo africano é tão sapiens como o europeu. Esta fase coincide com a da negritude lusófona. A terceira fase da literatura africana coincide com o tempo da afirmação do escritor africano como tal. Esta fase verifica-se depois da independência. O escritor procura, antes de mais nada, marcar o seu lugar na sociedade. Mais do que praticar "o exorcismo do imperialismo cultural", o escritor africano preocupa-se com "definir a sua posição nas sociedades pós-coloniais em que vive". A quarta fase, que é a da atualidade, a fase da consolidação do trabalho que se fez, em termos literários, é a fase em que os escritores procuram traçar os novos rumos para o futuro da literatura dentro das coordenadas de cada país, ao mesmo tempo em que se esforçam por garantir, para essas literaturas nacionais, o lugar que lhes compete no cenário literário universal.

Escola e prisão são instrumentos de controle do colonizador sobre o colonizado. A escola deveria promover a dependência intelectual, mental, moral, ideológica, espiritual, estética e ética dos africanos, que só deveriam “aprender” o que favorecesse à metrópole. A prisão, em contrapartida daquele instrumento doutrinador, deveria ser elemento de coerção absoluta, amedrontando, com violência máxima, a qualquer um que pudesse esboçar uma atitude contrária àquela forma que o colonizador ditava como a adequada, o estereótipo a ser seguido.

No entanto, os dois instrumentos supra relacionados se tornam, pouco a pouco, centros de gradativa consciencialização negra. Na escola, tendo aprendido a cultura e a língua do colonizador, o colonizado pode conhecer-lhe a estrutura e, pois, miná-la. A prisão, por seu turno, deixa de ser um local de silêncio, apesar dos contundentes instrumentos e arsenais de coação, e passa a ser sítio de reflexões sociopolíticas e, pois, de reação, primeiro num nível mental, depois num nível pragmático, cuja práxis, repita-se, caminhou no sentido da libertação intelectual, mental, moral, ideológica, espiritual, estética e ética.


A QUESTÃO DA ALTERIDADE NAS LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA

Antes de tudo, cumpre assinalar que a alteridade, em África, foi muito mais do que uma simples técnica literária, ou um elemento de construção textual, em que locutor e interlocutor se põem frente a frente. Isso porque a literatura, no caso de África, surge, como vimos acima, de uma condição de hierarquia, de subjugo, em que o conflito, portanto, é a tônica principal, se não exclusiva, da relação ou do conjunto de relações entre colonizador e colonizado.

Dessa forma, tendo de usar a expressão da metrópole, não apenas do ponto de vista discursivo, como também comportamental e ideológico, e, no entanto, estando em notória situação de desajuste em relação às circunstâncias típicas do ambiente europeu, o africano constrói, a partir de então, sua alteridade com base numa defasagem, o que vem a culminar com complexos, desajustes, conflito interno...

Esse conflito — muito mais antropológico e sociológico do que simplesmente intelectual[1][v] —, no caso da expressão portuguesa, em África, se resolve numa “tensão criativa”, em que a africanização do elemento lingüístico, a língua portuguesa, se dá com grande força. Tal fenômeno ocorreu, em grande parte, devido à flexibilidade fonética da língua portuguesa, que, pois, eliminou, em grande parte, no africano, o abismo que poderia existir entre querer-dizer e poder-dizer, dando, a ele, possibilidade de construir sua expressão sem abrir mão de suas especificidades culturais, expressão que buscava na realidade, na verossimilhança, seu maior refúgio e objetivo. Em suma, a alteridade, em literaturas africanas de expressão portuguesa, é técnica, mas, muito além, é tema — literário, social, humano.

As literaturas africanas de expressão portuguesa, como foi falado, vêm da negação da tentativa, por parte da metrópole, de impor seu modus vivendi e seu modus agendi sobre a colônia. O africano quer retratar o que tem de peculiar, e, com isso, contribuir com a História, não como mero simulacro de Portugal. Assim, os outros — o colonizado e o africanizado[1][vi] — têm suas vozes convergindo para a libertação do jugo colonial, conquistando sua dignidade como indivíduos e como sociedade.

Portanto, um importante elemento da alteridade no caso específico das literaturas de expressão portuguesa em África é o fato de que o “eu” africano se embate com o “outro” europeu, adotando-lhe a langue, mas tendo uma distinta parole, já que a língua é da metrópole, mas a fala é da colônia. Assim sendo, ao livrar-se, gradualmente, dos enfeites e das máscaras a que se submetia em face do colonizador, o africano é, a princípio, combalido em seu equilíbrio psicológico, mas, com o tempo, vai discernindo entre os valores alóctones assimilados, a fim de retirar, daí, alguma eventual característica que não seja de todo negativa[1][vii].

Como fonte “oracular”, o africano elege o tema do regresso: regresso à época anterior à colonização, mas sobretudo regresso à infância, paraíso crepuscular de delícias e sabedorias...

A alteridade, como vimos, ao mesmo tempo ocorrendo no campo da técnica e da temática (pois é uma alteridade discursiva além de buscar libertar o colonizado dos pontos de vista ético, estético, psicológico e cultural fragmentados que a metrópole impunha), será uma alteridade que permanecerá na tentativa de resolução da angústia existencial que caracteriza o romance africano atual[1][viii].

ANÁLISE DE ALGUNS POEMAS DAS LITERATURAS AFRICANAS DE EXPRESSÃO PORTUGUESA

José Craveirinha

Aqui estou neurastênico

Como um cão

Danado a lamber a salgada

Crosta das velhas feridas

E em que língua

E com que rosto

Aos meus filhos órfãos de pai

Eu vou dizer que se esqueçam?

A prisão foi um ambiente de enorme sofrimento e luta do povo africano contra o colonialismo português, sendo tema de inspiração constante das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.

No título deste poema de Craveirinha, Cela 1, há o lugar em que o corpo e o tempo são marcados pela tentativa de o autor-sujeito poético exprimir seu manifesto contra ao que lhe foi imposto pelo colonialismo: a privação da liberdade.

“Como um cão neurastênico” é uma expressão que traduz a agonia, tanto física, como psíquica, causada em um ser torturado e aprisionado.

O autor moçambicano usa os vocábulos “língua” e “rosto” como questionamento em busca de sua identidade, como elementos da dúvida da alteridade de que fizemos análise acima.

Há, também, a preocupação em como ensinar aos seus filhos, crianças africanas, o idioma português, do povo que dominou África (sua pátria) e seus pais.

É um poema que envia ao colonizador uma mensagem contundente, em que o colonizado, prisioneiro, responde à tortura do regime com um discurso de expressões fortes


AFORISMO
José Craveirinha

Havia uma formiga

Compartilhando comigo o isolamento

e comendo juntos.

Estávamos iguais

Com duas diferenças:

Não era interrogada

e por descuido podiam pisá-la.

mas aos dois intencionalmente

podiam pôr-nos de rastos

mas não podiam

ajoelhar-nos.


“Aforismo” significa “sentença” ou “penitência”. Craveirinha, nesta mensagem/poema, sente e expressa toda a angústia a que foi condenado: ser submetido às humilhações, deixando-se levar pelos colonizadores como um ser insignificante, com uma imagem de quem está cego na transitoriedade da vida humana e se iguala ao inseto que se arrasta pelo chão. Em contrapartida, as formigas, por serem incansáveis trabalhadoras na construção das suas moradas, simbolizam a certeza que há no autor-sujeito poético de que é preciso ser perseverante.

Outro aspecto desse poema é que está escrito no tempo pretérito: “havia”, “estávamos” e “podiam”, de modo que expressa uma ação que passou e o importante, agora, é conquistar a liberdade, sentir-se sempre erguido e retornar à terra natal.

 

JOANESBURGO
Rui Duarte de Carvalho

Tira o chapéu!

De que distrito vens?

Que é o teu Pai?

Quem é o teu chefe?

Onde pagas imposto?

Em que rio bebes?

Estamos de luto por ti, oh meu país!

A guerra é o tema de reflexão deste poema, e Rui Duarte retrata os questionamentos do pós-guerra, como quem se perguntasse: “Afinal, o que restou de tanta luta?”. A interrogativa insinua a tentativa de se reconquistarem os valores e tradições da cultura africana.

“Estamos de luto” denota todo o sofrimento e dor vividos pelo povo em África. Uma conseqüência amarga, mas que tem acesa a chama da esperança da liberdade.


FÁBULA
José Craveirinha

Menino gordo comprou um balão

E assoprou

Assoprou com força o balão amarelo.

Menino gordo assoprou

Assoprou

Assoprou

O balão inchou

Inchou

E rebentou!

Meninos magros apanharam os restos

E fizeram balõezinhos.

 

Sendo as fábulas historinhas que trazem ensinamento ou moral, o autor se utiliza desse título para induzir o leitor a acreditar que, no cotidiano, ainda que prosaico, há uma realidade a ser aprendida.

Marcados pela dor, os escritores africanos vêem na criança a esperança de uma felicidade espontânea: “menino gordo”, representa os colonizadores felizes e “meninos magros” (que “apanharam os restos / e fizeram balõezinhos”) são os colonizados que assimilaram a cultura européia.

 

O LAGO DA LUA

Paula Tavares

No lago branco da lua

Lavei meu primeiro sangue

Ao lago branco da lua

voltaria cada mês

para lavar

meu sangue eterno

a cada lua

No lago branco da lua

misturei meu sangue e barro branco

e fiz a caneca

onde bebo

a água amarga da minha sede sem fim

o mel dos dias claros.

Neste lago deposito

minha reserva de sonhos

para tomar.

 

Os filhos de África cultuam deuses que são buscados nos elementos da natureza. Para os africanos, a natureza é a soberania do universo, donde o homem crê e busca compreensão espiritual, consolo e cura dos problemas voltados para a sensualidade e o erotismo.

O lago da lua é um poema onde se realça a realidade do apelo às crenças através de rituais. O lago estaria ligado aos poderes femininos de encantamento, onde o luar refletido em noites de lua cheia, um espelho d’água noturno, teria o poder de controlar o destino humano, bem como as enchentes, o ritmo de vida da natureza e das mulheres, por meio de periodicidades lunares do ciclo menstrual: “Ao lago branco da lua/voltaria cada mês...”

As cores são muito importantes na cultura africana. Elas são, na verdade, o maior elo entre a matéria e o astral. Os simbolismos das cores, os africanos também o tiravam da natureza, como cita o primeiro verso: “No lago branco da lua”, onde o branco reproduz a pureza e a virgindade.

Há, ainda, nesta poesia, uma característica do sujeito poético, que é transmitir a sensação dos sabores: “a água amarga na minha sede sem fim / o mel dos dias claros”, uma metáfora da angústia representada pelo gosto amargo e o doce do mel, sabor de esperança.


MOÇAMBIQUICIDAS
José Craveirinha

Das incursões bem sucedidas aos povoados

Sobressaem na paisagem as patrícias

Sacarinas capulanas de fumaça

E uma fervura de cinco

Tabuadas e uns onze

- ou talvez só dez –

Cadernos e um giz

Espólio das escolas destruídas.

Sobrevivos moçambiquicidas

Imolam-se mesclados

No infuturo

Após a independência dos países africanos, vem o período da renovação e do resgate da cultura que ficou perdida no tempo do colonialismo. As mulheres moçambicanas são mescladas às mestiças vindas de Portugal, que, agora, se trajam de capulanas — vestimenta usada pelas senhoras de Moçambique.

A poesia fala da alteridade verbal, fato importante das literaturas africanas de expressão portuguesa. Pode-se dizer que foi um período de osmose de idiomas, quando novos vocábulos foram formados, como “infuturo”.

Os versos “Sobrevivos moçambiquicidas/imolam-se mesclados” fala da resistência do povo africano a novas pressões sociais e políticas.


CONCLUSÃO

As literaturas africanas de expressão portuguesa surgem da tensão, que se tornará criativa, entre os paradigmas da metrópole e da colônia. Assim, a língua colonial, a portuguesa, se confronta com as línguas autóctones, o que gera um desconcerto, por parte do colonizado, até mesmo em relação à forma lingüística como deverá expressar-se, a princípio. Some-se a isso o fato de que a tradição de expressão em África é eminentemente oral, o que acirra o embate quando da assimilação da língua portuguesa. Assim, o colonizado, a princípio, com sua identidade fragmentada pelos paradigmas impostos pela metrópole, nem é branco, nem quer ser negro.

   Assim, com essa conturbada alteridade, o escritor africano, à medida que se vai conscientizando, vai recorrendo à sua ancestralidade, à infância, em busca do eu genesíaco, muito mais harmônico e ligado à cosmogonia de uma Natureza maternal que vicejava em África.

NOTAS

[1][i] Nos países designados pela sigla PALOP, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, a saber, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

[1][iii] Sobretudo em Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

[1][iv] 1975, Angola e Moçambique, os dois maiores países dos PALOPs.

[1][v] O “conflito” intelectual é o mais comum nas literaturas de outros países, como o Brasil, em que grupos de intelectuais discutem e criam intertextualidades (cf. Julia Kristeva), dialogismos (cf. M. Bakhtin) motivados muito mais por questões subjetivas do que, obviamente, de dignidade ou “sobrevivência”, o que, isto sim, ocorreu em África.

[1][vi] “Africanizado” seria um termo para designar aqueles que, embora pertencentes ao estatuto de colonizadores, por razões étnicas, sociais, econômicas etc., tinham ideologia e práxis de africanos autóctones, contribuindo com estes na luta pela libertação.

[1][vii] Repare-se, contudo, que o duro confronto entre o eu-negro e o outro-branco continuará bastante marcado, como é exemplo o poema abaixo, que será analisado à frente, de José Craveirinha: “E em que língua / E com que rosto / Aos meus filhos órfãos de pai / Eu vou dizer que me esqueçam?”

[1][viii] São citados freqüentemente Manuel Rui e Pepetela como expoentes fortíssimos dessa atual literatura africana.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHABAL, Patrick, Angola: the weight of history. Hardcover: 2007

--------, The postcolonial literature of lusophone Africa. Paperpeck, setember: 2002

 

ROSA, Manuel Ferreira. A Escola para Angola : Lema escola diferente In: Ultramar. - Vol. V, nº 2  (4º Trimestre 1964), p. 28/43