sexta-feira, 22 de abril de 2011

A BATALHA DE ACTIUM

44 a.C., Idos de Março, Roma

Julius Caesar, um dos maiores generais romanos, saíra vitorioso de uma longa e sangrenta guerra civil e esperava agora que a paz voltasse a Roma. Mas isso não iria acontecer.

Nesse dia, quando César saía do Senado apinhado, foi esfaqueado e morto por 40 dos seus companheiros senadores. Os assassinos, chefiados por Brutus e Cassius, outrora amigos de César, imediatamente declararam o seu acto como uma vitória da liberdade sobre a tirania (muitos senadores esperavam que o Império sob o comando de César se tornasse uma orgia de abuso do poder, a mais implacável das tiranias).

No entanto, para a maioria dos romanos, Julius Caesar tinha sido um deus e poucas horas após o seu funeral esta cidade de um milhão de habitantes estava amotinada. Roma corria o risco de cair na anarquia. Marcus António, amigo íntimo de Caesar e segundo no comando, interveio imediatamente numa tentativa de reprimir os tumultos. Elevando a toga do seu mentor (Julius Caesar) acima da cabeça do seu cadáver, Marcus António apelava à vingança. Os assassinos de Caesar foram forçados a abandonar Roma perdendo quaisquer esperanças de abalar a opinião pública. Marcus António conseguira virar os romanos a seu favor.

Pouco tempo depois da morte de César, Marcus António tomou completamente o controlo de Roma. Esperava que o testamento de César lhe concedesse o poder e o prestígio de que necessitava para governar. Mas quando o testamento foi lido aos cidadãos romanos, Marcus António tomou conhecimento de que a maior parte da imensa fortuna de César não lhe tinha sido deixada e, o mais importante, o nome de "César" também não. O grosso da herança havia sido deixado a um parente desconhecido de 18 anos: Caius Octavius, filho adoptivo de César.

As notícias do testamento foram enviadas para Appolonia onde Octavius se encontrava em treino militar com as tropas de César. Apesar de apanhado de surpresa, o jovem Octavius reagiu rapidamente e apressou-se a voltar a Roma com o fim de tomar posse da sua perigosa herança. Embarcou para Itália e algumas semanas depois desembarcava em segredo a Leste de Roma. A chegada de Octavius não perturbou Marcus António. António era 20 anos mais velho que Octavius e um bem sucedido membro do Senado romano.

O confronto inevitável ocorreu nos jardins de Pompeia, numa ocasião em que Octavius sentiu que António o tratava com altivo desdém. António começou por desprezar Octavius e tudo fez para humilhar o que ele considerava um simples garoto. Furioso com esta atitude, Octavius exerceu a sua influência junto dos cidadãos mais poderosos de Roma, conseguindo rapidamente o apoio dos senadores que se opunham a Marcus António. Num gesto cheio de significado político mudou o seu nome para Julius Caesar Octavianus e mandou mesmo cunhar moedas com a sua efígie e a de César: o deus e o filho de deus. Estes factos abalaram o domínio de Marcus António sobre Roma e, acima de tudo, sobre o exército. Tinha, claramente, substimado o seu rival.

Esperando reconquistar a chefia, António decidiu partir com as legiões que ainda lhe eram fiéis, tendo como objectivo enfrentar os assassinos de César no Norte da Itália, apesar de esta ser uma ocasião perigosa para se afastar de Roma. Com muitos dos membros do Senado implicados no assassinato de César, Octavius tirou partido destas divisões políticas angariando apoios, enquanto António estava no Norte da Itália. Conseguiu convencer bastantes senadores de que as convicções políticas de António representavam um perigo para a sua segurança. O Senado autorizou-o a utilizar a força contra Marcus António. Assim, servindo-se da imensa fortuna de César, Octavius ofereceu a si mesmo um grande exército.

Quando estes rivais se encontraram pela luta do poder, em Modena, no Norte da Itália, iniciou-se o combate. Mas as tropas de António não estavam dispostas a combater os seus antigos companheiros. A batalha transformou-se num motim e Marcus António foi derrotado. Todavia, António ainda detinha muito poder e ambos os contendores se aperceberam que só agindo juntos poderiam evitar outra guerra civil. Concordaram em unir forças e destruir qualquer potencial oposição à sua aliança.

Durante a noite seguinte foram espalhadas, por toda a Roma, listas contendo os nomes dos seus rivais: mais de 400 membros do Senado e 2.000 proprietários. Todos aqueles cujos nomes constavam da lista eram mortos, sem apelo, sem julgamento, sendo todos os seus bens confiscados. Os que tinham a sorte de verem a lista antes de os legionários chegarem, corriam para casa e suicidavam-se pois só assim poderiam garantir aos filhos a herança dos seus bens.

Roma foi pacificada. Todos os seus "inimigos" imediatos tinham sido aniquilados. Constituíndo os assassinos de César a única ameaça ao poder dos novos ditadores, Marcus António e Octavius partiram com um exército colossal, composto por várias centenas de milhar de homens, dispostos a esmagar Brutus e Cassius. Foram encontrá-los nos olivais do Norte da Grécia perto de uma pequena cidade chamada Philippi (situada na antiga Macedónia, quase junto ao mar interior grego).

42 a.C., Macedónia, Philippi

Foi uma luta difícil que só terminou quando Marcus António reorganizou as suas tropas e aniquilou os últimos apoiantes da antiga República.

Tendo a sua pouco promissora aliança atingido o objectivo a que se propusera, Octavius e António decidiram dividir a República em duas partes. Marcus António faria de Atenas a sua capital e controlaria as províncias do Oriente, enquanto Octavius dominaria o Ocidente e a cidade de Roma.

Com Octavius controlando Roma, os cidadãos esperavam agora gozar um período de paz, um período em que a cidade e as suas províncias conseguissem esquecer o assassínio de César. Mas a tempestade que se preparava entre Octavius e António, desde a leitura do testamento de Julius Caesar, estava prestes a rebentar.

A faísca veio de uma antiga civilização: o Egipto. E da sua brilhante e ambiciosa rainha, Cleópatra, que fora amante de Julius Caesar. Agora, Cleópatra governava por direito próprio com bastante sucesso.

"Dizem que a beleza dela não era incomparável mas a sua presença tinha um encanto irresistível". Descendia dos gregos Ptolomeus, conquistadores do Egipto, corria-lhe nas veias a força do seu antepassado Alexandre Magno.

O Egipto tinha-se tornado vital para a sobrevivência de Roma. O Nilo, com as cheias anuais e um delta fértil, alimentava as províncias romanas em expansão. Alguns séculos antes, os egípcios tinham aperfeiçoado a arte da irrigação tornando o Egipto o celeiro do mundo.

Enquanto os governantes do Egipto permanecessem sob a sua influência Roma sentir-se-ia segura mas agora o jovem príncipe Cesarião, filho de Cleópatra e Julius Caesar, sentava-se no trono do Egipto ao lado de sua mãe. Através de Cesarião, Cleópatra tinha direito ao nome e poder de César. Enquanto Cleópatra e o filho vivessem representavam uma grande ameaça ao poder de António e Octavius sobre Atenas e Roma.

Marcus António descobriu uma oportunidade de usar Cleópatra a seu favor conseguindo uma aliança contra Octavius. Encontraram-se na requintada barca da rainha e este encontro iria mudar o mundo romano. Cleópatra imaginava-se a fundar uma nova dinastia greco-romana e a reconstruir o império de Alexandre Magno e dos antigos faraós.

António acreditava que uma relação com Cleópatra fortaleceria o seu direito ao nome e dinastia do grande César.
Em Roma, Octavius usou a nova aliança de António e Cleópatra como pretexto para começar uma nova guerra. Encetou uma campanha de propaganda maliciosa contra Marcus António para pôr fim ao apoio de que este ainda gozava. Alimentou os receios existentes em Roma acerca do Egipto, divulgando histórias de um Oriente decadente no qual demónios semi-humanos eram adorados e as tropas comandadas por eunucos enquerquilhados. Afirmava que o Egipto era uma terra de feiticeiros e magia negra, de sacrifícios humanos e actos indecritíveis. Realizava numerosos jogos nos estádios públicos onde denunciava os seus rivais. Servindo-se dos grandes poetas do seu tempo criou uma imagem de Marcus António semelhante à de um Hércules derrotado: o grande guerreiro posto de rastos por uma feiticeira, despojado da sua alma e da sua virilidade.

Octavius conduzia uma das campanhas políticas de maior sucesso na história. Após algumas semanas, as multidões exigiam-lhe que declarasse guerra ao Egipto.

Os apoiantes de António em Roma representavam ainda mais de metade do Senado. Foram obrigados a partir. Mesmo depois do grande sucesso da sua campanha, Octavius não queria arriscar uma guerra em território italiano, queria defrontar António num local da sua escolha. Mas necessitava de uma frota de guerra para competir com António e Cleópatra. Anos de guerra civil e ataques de piratas tinham deixado Roma sem uma armada eficiente.

Para superar este obstáculo, Octavius usou um lago vulcânico protegido, junto de Nápoles. Aí, a salvo de ataques, construiria uma grande frota. Quando as embarcações estivessem prontas e as tripulações preparadas, transportaria as embarcações por um canal até ao mar, a meia milha de distância apenas.

Entretanto, em Atenas e Alexandria, trabalhavam também, milhares de homens. Marcus António e Cleópatra preparavam o seu exército e frota. Os Ptolomeus do Egipto sempre se destacaram na construção de barcos. Esse facto, aliado à força do exército romano de António, composto por quase 90.000 homens, deu-lhes confiança na vitória.

Mas decorreram dois anos até que as forças adversárias se defrontassem à entrada do mar Ândria. António tinha estabelecido a sua base perto de uma pequena cidade chamada Actium. Os espiões de Octavius deram-lhe esta informação e, por isso, desembarcou as suas tropas mais acima, na costa, alcançando o seu primeiro objectivo: tinha preparado uma armadilha a António, podendo bloquear a frota de António. Foi isso que fez.

Como dois gladiadores desconfiados, os exércitos de António e Octavius procuravam os pontos fracos de cada um. A tensão quebrou-se quando a frota de António foi alvo de uma emboscada ao levar para Actium mantimentos absolutamente necessários. A maior parte das suas embarcações foi afundada.

31 a.C., Actium

Após este desastre, António sofreu a deserção das suas tropas. E, a 1 de Setembro de 31 a.C., ao cair da noite, observou o clarão dos seus próprios barcos que tinha sido obrigado a incendiar por falta de homens que os tripulassem. No acampamento, Marcus António e Cleópatra tinham de tomar uma decisão difícil. Com a frota e o exército ameaçados restavam-lhes apenas duas alternativas: ou atacavam Octavius por terra, apostando na maior experiência militar de António ou tentavam furar o bloqueio naval tantando salvar o máximo possível de homens e mantimentos.

Os soldados de António afirmaram querer lutar em terra onde a sua força e experiência garantiriam a vitória mas Cleópatra achava que a única esperança se encontrava no mar e a decisão final foi tomada na sua tenda.

Na manhã seguinte, Marcus António ordenou às 230 embarcações que lhe restavam que se preparassem para a batalha. Ainda que fossem quase metade do dos adversários, os barcos de António eram muito maiores e ele esperava conseguir abrir caminho por entre a frota adversária.

Mas Octavius e o seu almirante Agrippa provaram ser estrategas brilhantes e, pouco depois, tinham cercado os barcos de António à saída dos estreito da costa macedónica. Esta é a última grande batalha naval da era romana. Mais de 700 embarcações travaram combates, individualmente e em conjunto, numa área que abrangia várias milhas. Em breve, os barcos de Octavius, mais pequenos e velozes, danificavam seriamente os de António.

Quando o vento de súbito mudou, Cleópatra aproveitou a oportunidade para se pôr a salvo e fugiu com a sua armada que havia ficado sempre resguardada atrás da de António (ficando entre a armada de António e alinha de costa, em frente ao estreito de Actium). Marcus António dirigiu-se, então, para o Norte rodeando a esquadra de Agrippa e rumando depois para Sul ao encontro de Cleópatra, deixando os seus homens a lutar sozinhos.

Sem a experiência do comandante, a frota de António foi presa fácil para Octavius. À medida que o dia avançava as baixas aumentavam e, ao anoitecer, o mar estava pejado de cadáveres e barcos afundados.

Em terra, o exército massiço de Marcus António comtemplava o mar incrédulo. Ao fim de uma semana todos se tinham rendido. A imagem de um general romano fugindo de uma batalha com a sua amante daria a Octavius a vantagem psicológica decisiva.
Para António e Cleópatra foi uma derrota terrível. O seu sonho ruíra. No ano seguinte (30 a.C.) Octavius entrou vitorioso em Alexandria, capital de Cleópatra. Marcus António preferiu suicidar-se a ter de enfrentar o seu velho inimigo. Cleópatra, prisioneira no seu próprio palácio, apresentou-se a Octavius oferecendo-lhe uma aliança. Perante a sua recusa suplicou-lhe que poupasse a vida do filho. Mas a súplica chegou demasiado tarde: Cesarião já havia sido executado. Sabendo que Octavius iria exibi-la em Roma como um despojo de guerra, Cleópatra também se suicidou (com a picada de uma áspide segundo reza a lenda).

Pouco depois, Octavius declarou formalmente que o Egipto, o reino do crocodilo, fazia parte do novo império romano. A vitória deua a Octavius o domínio incontestado de Roma. E uma vez mais deu provas da sua habilidade política. Sabia que o seu antecessor, Julius Caesar, tinha sido assassinado por ostentar o poder. Por isso decidiu manter os privilégios da Roma republicana nos seus lugares. O Senado e os cônsules administravam o império e intitulou-se simplesmente princeps: o primeiro cidadão.

Na prática, contudo, era Octavius que detinha o poder absoluto. A batalha de Actium constituiu um momento decisivo na história a que se seguiu o período áureo da prosperidade romana. A autoridade de Octavius provou ser o alicerce sobre o qual se desenvolveria um grande império, um império que unificaria a Europa durante os 400 anos que se seguiram.

O novo poder de Roma foi caracterizado pela arquitectura grandiosa e pela Pax Romana, paz sob o domínio romano. Quatro anos, apenas, após a batalha de Actium, o Senado votou a atribuição de um novo nome a Octavius: Augustus Caesar. A fase final da metamorfose de rapaz em deus. Viveria durante mais 40 anos, durante os quais transformou Roma na cidade mais grandiosa do mundo. Uma Roma e um mundo que, 2.000 anos depois, ainda dão testemunho dos seus feitos extraordinários.

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