ORIGENS
Diversos autores
procuram demonstrar que desde o século XVIII surgiram precursores dos ideais
panamericanos, citando-se como um dos pioneiros o Padre Alexandre de Gusmão,
brasileiro que servia na corte de D. João I de Portugal, e um dos responsáveis
pela elaboração do Tratado de Madri (1750).
``É certo que o
Tratado de Madri fala em `paz perpétua` entre as duas Coroas, mas este
compromisso de paz entre potências traduz apenas a promessa de não disputar,
nem uma nem outra, pedaço do bolo que já haviam dividido entre si.
Nada tem a ver um
tratado dessa espécie com a doutrina muito mais tarde nascida, e que procurava firmar
um princípio de não intervenção estrangeira, de cooperação, de paz e harmonia
entre Estados já constituídos. " (SOUZA GOMES, L., América Latina, Seus Aspectos,
Sua História, Seus Problemas,
Fundação Getúlio
Vargas, p. 253.)
Aponta-se também
o peruano Plabo Olavide que, influenciado pelas idéias do Iluminismo, organizou
em Madri a Junta das Cidades e Províncias da América Meridional, sociedade
secreta destinada a estimular a independência da América (1795). Ainda que
considerasse a emancipação do Novo Mundo como um empreendimento a ser realizado
em conjunto pelas sociedades americanas, Olavide tinha uma visão muito estreita
de união pan-americana: ficava restrita apenas às sociedades da América do Sul.
No século XIX, em
meio ao processo de emancipação da América Espanhola, outras manifestações de ideais
pan-americanos evidenciaram-se através de projetos formulados por
representantes da elite hispano-americana. Juan Martínez de Rosas, integrante
da Primeira Junta Governativa e autor da
Declaração dos
Direitos do Povo Chileno, defendeu o princípio de solidariedade entre o Chile e
as demais sociedades hispano-americanas e a necessidade de unir todos os povos
americanos em uma confederação a fim de garantir a independência contra os
planos da Europa e de evitar conflitos
inieramericanos.
Esses princípios igualmente foram sustentados por Bernardo O`Higgins que
assumiu a liderança da luta pela independência do Chile.
Jose de San
Martín e o Coronel Bernaldo Monteagudo, argentinos que participaram das guerras
de libertação do seu país, do Chile e do Peru, expuseram a idéia de realizar um
congresso pan-americano para melhor resistir a eventuais ameaças da Espanha
contra suas colônias que se emancipavam. "Antes (...) já Francisco Miranda
(...) antevira a solidariedade continental, quando apresentou ao gabinete inglês,
em 1790, o plano para libertar a América da tutela espanhola (...) Miranda
estabelecia uma América única, geográfica e administrativa, um vasto Estado
comum, do Mississipi ao Cabo Horn Vemos então que os pronunciamentos no sentido
de estabelecer a união entre as sociedades americanas ganharam maior expressão
durante a luta pela independência das colônias européias no Novo Mundo.
Foi tanto a
necessidade de defesa contra a ameaça representada pela Europa assim como as
raízes históricas e geográficas comuns que forjaram o ideal pan-americano, o
qual deve ser entendido como um movimento de solidariedade continental a fim de
manter a paz nas Américas, preservar a independência dos Estados americanos e
estimular seu inter-relacionamento.
O projeto de
solidariedade continental, no entanto, foi desenvolvido sob duas modalidades
distintas: o Bolivarismo e o Monroísno.
O BOLIVARISMO
O Bolivarismo
representa a visão pan-americana concebida por Simon Bolívar (1783-1830),
venezuelano que dirigiu a luta pela independência da Venezuela, Colômbia, Peru,
Bolívia e Equador.
Em vários
escritos (cartas e proclamações) defendeu a necessidade de união face à
possível contra-ofensiva da Espanha, apoiada pela Santa Aliança.
Essa idéia de
união das sociedades americanas, Bolívar apresentara antes mesmo da Carta da
Jamaica. ``A sua exposição prática já é perceptível em um artigo que Bolívar
escreveu para o Morning Chronicle, de Londres (5 de setembro de 1810), dizendo
que se os venezuelanos fossem obrigados a declarar guerra à Espanha convidariam
todos os povos da América a eles se unirem em uma ccnfederação. O plano surge
novamente no Manifesto de Cartagena, escrito por Bolívar em 1812, e mais
claramente em 1814, quando, como libertador da Venezuela, enviou a circular que
condicionou a liberdade dos novos Estados ao que ele chamou de `união de toda a
América do Sul em um único corpo político` (...) E, em 1818, respondendo à
mensagem de saudação, enviada a Angostura pelo director argentino, Pueyrredón,
declarava que, tão logo a guerra de independência estivesse terminada,
procuraria formar um pacto americano, e esperava que as Províncias do Rio da
Prata se unissem a ele."
Na prática, criou
a Grã-Colômbia (1819), de duração efêmera; em 1830, no mesmo ano após a morte
do criador, terminou a Grã-Colômbia, fragmentada em três Estados; Venezuela,
Equador e Colômbia, à qual se integrava o Panamá. Seus esforços no sentido de
unir o Peru e a Bolívia foram infrutíferos diante da resistência oposta pelo profundo
regionalismo daquelas sociedades sul-americanas.
Entretanto,
Bolívar não desanimou de lutar pela fraternidade pan-americana e, em dezembro
de 1824, enviou nota-circular aos governos americanos convidando-os a se reunir
para organizar uma confederação.
Quase dois anos
depois reuniu-se o Congresso do Panamá, com sessões entre 22 de junho e 15 de
julho de 1826. Nesta data, aprovou-se a continuação das discussões em Tacubaya,
no México, mas a decisão não foi cumprida.
Considerado por
diversos historiadores como a primeira grande manifestação do Pan-Americanismo,
o Congresso do Panamá aprovou um Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua
entre os Estados hispano-americanos; a cota que caberia a cada país para a
organização de uma força militar de 60.000 homens para a defesa comum do
hemisfério; a adoção do princípio do arbitramento na solução dos desacordos
interamericanos; o compromisso de preservar a paz continental; a abolição da
escravidão.
Ao Congresso
compareceram apenas os representantes da Grã-Colômbia, Peru, México e
Províncias Unidas de Centro-América. Os EUA também enviaram observadores. O
Congresso do Panamá, manifestação concreta de
solidariedade
continental, contudo, acabou sendo um fracasso, para isso contribuindo: a
resistência dos EUA que pretendiam expandir-se pelas Antilhas e temiam a
difusão de movimentos de abolição da escravidão; a oposição do Brasil, cuja
Monarquia era contrária a regimes republicanos e temia a propagação das idéias antiescravistas; D.
Pedro I chegou inclusive a enviar a Missão Santo Amaro à Europa com a incumbência
de negociar com Metternich, Primeiro-Ministro da Austria e verdadeiro dirigente
da Santa Aliança, o uso de forças militares brasileiras para substituir os
governos republicanos americanos por Monarquias confiadas a Príncipes europeus;as
manobras da Inglaterra, não só porque George Canning, Ministro das Relações
Exteriores, não tinha interesse na organização de uma América forte e coesa,
como também porque temia a formação de um sistema americano sob a direção dos
EUA, o que poderia criar problemas à expansão econômica inglesa; não terem sido
ratificadas, posteriormente, as decisões tomadas.
Os ideais do
Pan-Americanismo bolivarista, porém, continuaram vivos, e novos congressos
foram reunidos para discutir assuntos diversos dentro do espírito desolidariedade
continental. Dessas reuniões o Brasil e os EUA foram excluídos: os Estados
Unidos, por causa de seu expansionismo territorial, envolvendo inclusive a anexação
de terras mexicanas, e o Brasil; devido a suas constantes intervenções no
Prata, políticas essas contrárias à solidariedade continental.
Com
representantes da Bolívia, Chile, Peru, Equador e Colômbia reuniu-se a
Conferência de Lima (1847).
"Nela foram
tratados princípios do Direito americano,intervenção, agressão, reparações,
limites, como também dispositivos práticos sobrecomércio, navegação fluvial,
serviços postais e consular, extradição.
Em 1856,
celebrou-se a Conferência de Santiago, quando o Peru, o Chile e o Equador firmaram
o compromisso de estabelecer a união da ``grande família americana``. No mesmo
ano, Chile e Argentina concluíram acordo comercial estabelecendo o fim das
barreiras alfandegárias entre os dois países; a chamada "cordilheira
livre" funcionou até 1868, quando foi suprimida, uma vez que o governo
chileno pretendeu estender aos produtos importados de outras nações os
privilégios concedidos apenas aos produtos argentinos e chilenos.
Por iniciativa
peruana reuniu-se a Segunda Conferência de Lima (1864), a fim de estabelecer
uma confederação de caráter defensivo. Peru, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador,
Guatemala, Argentina e Venezuela concordaram em organizar uma confederação,
pois se sentiam ameaçados pelas freqüentes intervenções estrangeiras que se processavam
no continente e constituíam um perigo à segurança dos Estados americanos.
Assim é que, em
1855, o aventureiro norte-americano William Walker invadiu e conquistou a
Nicarágua; em 1861, a Espanha ocupou São Domingos e estabeleceu seu protetorado
até 1865; em 1861-1862, Espanha, França e Inglaterra desembarcaram tropas na
República Mexicana, onde Napoleão III instaurou a efêmera Monarquia de
Maximiliano de Habsburgo (1863-1867); em 1864, uma esquadra espanhola ocupara
as ilhas peruanas de Chinchas, em incidente que acabou levando ao conflito do
Peru e Chile contra a antiga metrópole (1866). "O Império Brasileiro
evitou a reunião de Lima, para não ver discutida a sua política no Prata. Na Câmara
brasileira, entretanto, foi mais tarde criticada a nossa ausência (...) Dos
tratados assinados (...) nenhum chegou a ser integralmente aplicado (...) Ao
espírito primitivo de regionalismo, sucedia um sentimento de nacionalismo."
Animados de
sentimentos pan-americanos bolivaristas, outros congressos reuniram juristas
sul-americanos:
Lima (1874),
Caracas (1883) e Montevidéu (1888). Em Montevidéu chegou a se projetar um
Código Interamericano, incluíndo questões comuns do Direito Intemacional e
Privado.
Desse modo,
apesar dos fracassos ocorridos, os ideais do Pan-Americanismo bolivarista
lançaram as bases da solidariedade continental assentada em posição de
igualdade entre todos os Estados.
O MONROÍSMO
O Monroísmo
representa a visão norte-americana do Pan-Americanismo, bem distinta do
Bolivarismo e fundada no predomínio dos EUA sobre os demais Estados americanos.
Sua primeira manifestação foi a Mensagem Presidencial de James Monroe enviada
ao Congresso dos EÚA (1823). Nela, Monroe negava aos europeus o direito de intervenção
no continente americano, seja para criar áreas de colonização, seja para suprimir
a independência recém-conquistada pela maioria dos Estados americanos.
A análise do
documento evidencia que os Estados Unidos opunham-se à Europa da Santa Aliança:
1°) devido à
preocupação norte-americana com a sua própria segurança, uma vez que a política
da Santa Aliança, marcada por intervenções armadas, visava a preservar as
instituições monárquicas e combater os regimes republicanos; ora, precisamente
em 1823 ocorrera a intervenção francesa (determinada no Congresso de Verona, de
1822) na Espanha, onde foram restaurados os poderes monárquicos de FernandoVII,
a qual poderia se desdobrar em intervenção nas Repúblicas da América;
2°) devido aos
projetos territoriais expansionistas dos EUA, que pretendiam avançar suas
fronteiras até o litoral do Pacífico. Esses objetivos contrariavam interesses
ingleses no noroeste da América, pois norte-americanos e britânicos disputavam
o domínio do Oregon. Por isso, John Quincy Adams, Secretário de Estado, havia aconselhado
o Presidente Monroe a rejeitar as propostas de George Canning, Ministro inglês,
no sentido de Estados Unidos e Inglaterra formularem uma nota conjunta
opondo-se à política de intervenção da Santa
Aliança:
"Deve ser mais simples (...) do que surgirmos como um simples escaler na
esteira de um poderoso navio de guerra inglês." Além do mais, o governo de
Washington preocupava-se com o avanço da Rússia: em documento de setembro de
1821, o Czar Alexandre I afirmara direitos russos sobre terras e águas do noroeste
da America Setentrional, desde o Alasca até a Califórnia. Impunha-se, então,
aos dirigentes norte-americanos impedir a ampliação do colonialismo europeu por
territórios do Novo Mundo;
3°) devido ao
interesse norte-americano em garantir um comércio livre com países independentes.
A inter-relação da economia com a política torna-se evidente ao constatarmos
que o governo dos EUA foi dos primeiros a estabelecer relações diplomáticas com
os novos Estados surgidos com a conquista da independência.
Desse modo, a
Mensagem de Monroe representou antes de mais nada "a expansão de uma
política nacional cuja aplicação cabia unicamente ao governo dos Estados
Unidos. Além disso, a atitude e as palavras de Monroe não continham qualquer
garantia que livrasse os demais povos americanos das agressões ou intervenções
dos Estados Unidos. Isto viu-se efetivamente quando nos anos de 1824 a 1826 a
diplomacia dos Estados Unidos expressou suas ambições sobre Cuba (...) Os
Estados Unidos opunham-se a que as Antilhas espanholas fossem tomadas
independentes pela ação da Colômbia e México, cujos governos pretendiam
realizar uma expedição emancipadora. O temor da anexação de Cuba ao México, ou
a alguma das Repúblicas libertadoras, não era menor que o de uma independência
precária, com ameaça de intervenção europeia".
A Doutrina
Monroe, usualmente resumida na expressão "América para os americanos``, na
realidade atendeu apenas aos interesses norte-americanos. Não houve
solidariedade continental quando os dirigentes estadunidenses opuseram-se ao
projeto de união americana no Congresso do Panamá, nem quando o, nem quando o
Tratado Guadalupe-Hidalgo (1848) assegurou-lhes a Califórnia, Novo México,
Arizona, Utah, Nevada e Texas que foram tomados ao México após vitoriosa
campanha militar. Muito menos houve solidariedade continental quando o Tratado
Clayton-Bulwer (1850), assinado com a Inglaterra, fixou as respectivas áreas de
influência das duas sociedades e os EUA assumiram o compromisso de não
empreender sem os ingleses a construção de um canal na América Central.
Já ao findar o
século XIX, quando o capitalismo e a industrialização norte-americana
conheceram acelerado desenvolvimento, nova manifestação do Monroísmo ocorreu
graças aos esforços de James Blaine, Secretário de Estado dos EUA.
Reuniram-se,
então, em Washington, 18 países americanos entre outubro de1889 e abril de
1890, na Primeira Conferência Internacional Americana, cujas decisões mais
importantes foram:
- condenar a
guerra e afirmar a nulidade de cessões territoriais decorrentes de operações de
conquista ou sob ameaça de guerra;
- aprovar o
recurso ao arbitramento para solução de eventuais divergências interamericanas;
- recomendar a
construção d uma ferrovia intercontinental para melhor relacionamento entre os
povos americanos;
- aprovar a
criação de um órgão coordenador das relações comerciais. "Esse organismo
foi a União Pan Americana, iniciada sob a denominação de Escritório Comercial
das Repúblicas Americanas, com sede em Washington e mantida pelos recursos
proporcionados pelos Estados-membros." Nessa conferência, os norte-americanos
procuraram aprovar uma reunião aduaneira continental.
Era o Destino
Manifesto em sua segunda etapa econômica - a primeira fora territorial e
custara ao México a perda da metade de suas terras - visando a ampliar a expansão
econômica dos EUA, altamente industrializados, na América Latina, agrária e
tradicional consumidora de produtos industriais europeus. O projeto fracassou
devido, sobretudo à resistência do delegado da Argentina, Roque Sáenz-Peña.
"Essa Assembleia
seria o início de uma série de outras que, com o andar dos tempos, alteraria o
conceito de solidariedade continental, partindo para um instrumento que é hoje
a Organização dos Estados Americanos, a OEA, com poderes amplos, que incluem a
intervenção nos Estados-membros, a ajuda ou cooperação técnica, a ordem
continental, o incentivo ao desenvolvimento. Encerrada a Assembleia, ia
experimentar-se a primeira prova de seu êxito: o caso de Cuba."
O Big-Stick ia
começar a funcionar para assegurar, não a união, mas o predomínio dos EUA sobre
a América Latina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário