segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

As transformações no sistema social africano do século XVI ao XIX

O objetivo do texto estudado é demonstrar como ocorreu a expansão do tráfico de escravos na África Centro-Ocidental a partir das diferentes formas de contato entre os europeus e os africanos, assim como demostrar as consequências de tal expansão.
 
No auge do processo de expansão do tráfico esteve em prática uma complexa rede de interesses que criavam e fortaleciam alianças e mercados, abriam rotas, e enriqueciam ambas as coroas seja com escravos e pedras preciosas para europeus, seja com tecnologias, indumentária, conhecimento, escravos, apoio militar que garantiam prestígio para os aliados africanos. Houve, também, chefes locais e demais grupos que, em dado momento, preferiram não se aproximar da cultura européia; optaram pela guerra contra os interesses portugueses em seus domínios. Assim, explicam-se as várias rupturas de alianças devido aos interesses do momento dos novos governantes e os conseqüentes fechamentos de mercados. Um bom exemplo é a rainha dos ambundos-jagas, Njinga. Em um momento em que o que governos instáveis eram comuns, esta rainha se manteve no poder entre 1623 e 1663, pois soube adaptar-se quando necessário. Sendo ora aliada, ora inimiga dos portugueses, ora praticando, ora não o comércio de escravos, adotando ou repudiando o cristianismo, pode demonstrar um grande potencial de adaptação aos diversos contextos específicos. Ela é um típico exemplo de que havia a possibilidade de resistir ao europeu quanto os interesses divergiam.
 
Durante a leitura do texto notamos o emprego de vários termos referentes à organização política que nos obriga a indagar se os conceitos podem ser facilmente aplicáveis à realidade da África Centro-Ocidental, sem uma ressalva prévia explicitando as particularidades próprias da região. Pois, a autora ao explicar o que era ser escravo naquele local, apresenta as devidas características divergentes das da realidade das colônias americanas. A relação entre escravo e senhor não era baseada na“exploração máxima do trabalho”. O escravo tinha várias possibilidades de mobilidade social. Muitas vezes, ele era apenas um instrumento para aumentar o prestígio de seu senhor. Um homem poderia se tornar escravo “dentro ou fora de seu grupo de origem”. Ele poderia cometer algum crime, poderia ser comprado, ou poderia ser aprisionado em guerras. A autora também explica que a organização social destes povos era pautada no sistema de linhagens. Sendo assim, quem não estivesse dentro da linha de parentesco não precisava ser tratado como igual, podendo se tornar escravo de outra linhagem. Se um membro de uma linhagem cometesse um crime, ele poderia se tornar escravo do mesmo grupo, mas seria considerado um estrangeiro e estaria submetido a uma incorporação à linhagem“na condição de dependente".
 
O assunto trabalhado no texto deixa evidente que a escravidão existia como instituição bem consolidada antes mesmo do contato entre a costa africana e os portugueses. Não obstante, as normas culturais africanas foram fortemente modificadas à partir do processo de interação entre os grupos autóctones e os portugueses, o que permitiu que ocorressem alterações no modo de “produzir” escravos.
 
Se pensarmos a escravidão na África antes da participação portuguesa e a consideramos em todas as suas implicações econômicas, sociais, simbólicas e políticas, será de fácil compreensão a série de mudanças que esse sistema sofre ao entrar em contato com um novo sistema econômico, social e político. Após esses dois mundos se interpenetrarem, uma nova orientação passou a organizar o antigo modelo africano, transformando-o no moderno escravismo transatlântico.
 
A nova situação emergente acarretou transformações profundas na estrutura social e econômica de ambos os povos. Por um lado os portugueses passaram a desempenhar uma nova forma de economia através do comércio e utilização da mão de obra escrava, por outro as comunidades africanas modificaram suas leis e costumes referentes às formas como homens se tornavam propriedade de outros homens. Guerras entre tribos com a finalidade de capturar escravos se tornaram mais frequentes e costumes punitivos se tornaram mais rigorosos no seio das próprias tribos, penalizando delitos leves com a perda da liberdade. Uma ressalva deve ser feita, antes mesmo do encontro com o europeu ter transformado as relações no interior do continente africano, outras mudança já haviam ocorrido séculos antes em função da procura de escravos pelo islã. Essas mudanças já estavam muito sedimentadas quando os portugueses aportaram na costa africana, eram transformações no plano geográfico, político, cultural e religioso.
 
A idéia geral que permeia a abordagem da autora evidencia as transformações operadas no continente africano após o contato com os portugueses. Neste contexto a instituição escravista existente na África durante este período não pode ser negligenciada para o entendimento do sucesso do tráfico atlântico. As trocas culturais foram responsáveis por migrações dentro do próprio continente, pela ascensão e queda de chefes, fusão de tribos, criação de identidades, divisões e reorganizações no mapa político. Tal processo trouxe resultados importantes para a modelagem política, cultural e econômica do continente africano.
 
SOUZA,  Marina de Mello. Povos em Contato: comércio, poder e identidade. In: _______. Reis Negros no Brasil Escravista: história da festa de coroação de Rei do Congo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 97-135




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