Os conceitos de
segurança ambiental global e de desenvolvimento sustentável são centrais para o
estabelecimento da ordem ambiental internacional(1).
O primeiro deles, nos faz refletir sobre a necessidade de manter as condições
da reprodução da vida humana na Terra, posto que ainda não se tem notícia da
existência de outro planeta com condições naturais semelhantes ao que
habitamos, o que não deixa outra alternativa senão vivermos aqui. Em uma
palavra, a Terra ainda é a morada da espécie humana, ao menos por enquanto. Já
o segundo, procura regular o uso dos recursos naturais através do emprego de
técnicas de manejo ambiental, de combate ao desperdício e à poluição. Se
fôssemos empregar uma expressão também para esse conceito, diríamos, que ele
define que as ações humanas dirigidas para a produção de coisas necessárias à
reprodução da vida devem evitar a destruição do planeta.
Entretanto, em que pese
o reconhecimento destas duas premissas e de que elas envolvem a promoção de
ajustes globais, nos quais os vários atores do sistema internacional certamente
devem contribuir para que metas comuns sejam alcançadas, os países, principais
interlocutores na ordem ambiental internacional, por meio de seus negociadores,
têm procurado salvaguardar o interesse nacional. Agindo desta forma,
transformam as preocupações com a sustentabilidade do sistema econômico
hegemônico e a possibilidade de que ele nos encaminhe para uma situação de
risco em mera retórica. As preocupações ambientais globais acabam se revestindo
de um caráter meramente de divulgação, enquanto na arena da política
internacional as decisões de fato têm se encaminhado para contemplar interesses
nada difusos.
O que efetivamente tem
prevalecido são as vantagens econômicas e políticas que os países podem auferir
a cada rodada de negociações. E, o que é mais interessante, eles se comportam
de maneira particular para cada tema destacado no arranjo institucional da
ordem ambiental internacional.
Os conceitos que veremos
a seguir influenciaram as reuniões internacionais ao longo da década de 1990.
Eles foram criados para legitimar a ordem ambiental internacional, procurando
garantir-lhe uma base científica. Iniciamos com o desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento
sustentável
Um dos problemas da vida
contemporânea é medir a capacidade que teremos de manter as condições da
reprodução humana na Terra. Em outras palavras, trata-se de permitir às
gerações vindouras condições de habitabilidade no futuro, considerando a
herança de modelos tecnológicos devastadores e possíveis alternativas a eles.
Os seres humanos que estão por vir precisam dispor de ar, solo para cultivar e
água limpos. Sem isso, as perspectivas são sombrias: baixa qualidade de vida,
novos conflitos por água , entre outras.
Durante a década de
1970, tomou corpo uma discussão que procurava aproximar algo até então muito
distante: a produção econômica e a conservação ambiental. Esta aproximação
ocorreu de maneira lenta, através de reuniões internacionais e relatórios
preparatórios.
A associação entre
desenvolvimento e o ambiente é anterior à Conferência de Estocolmo. Os
presságios de uma nova concepção são esboçados no encontro preparatório de
Founex (Suíça), em 1971, onde iniciou-se uma reflexão a respeito das
implicações de um modelo de desenvolvimento baseado exclusivamente no
crescimento econômico, da problemática ambiental. Esta discussão ganhou
destaque com o economista Ignacy Sachs, gerando o conceito de
ecodesenvolvimento na década de 1970.
Em 1973, na primeira
reunião do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), realizada
em Genebra, Maurice Strong, então Diretor-executivo do programa, empregou a expressão
ecodesenvolvimento. Na ocasião, porém, ele não teve a preocupação em definir o
conceito, que seria formulado, pela primeira vez, por SACHS, no ano seguinte.
Para ele, o ecodesenvolvimento seria “um estilo de desenvolvimento
particularmente adaptado às regiões rurais do Terceiro Mundo, fundado em sua
capacidade natural para a fotossíntese" (Sachas, 1974. In Leff, 1994:317).
Esta primeira
formulação, em que pese seu caráter genérico, merece ser comentada do ponto de
vista da geografia. A capacidade natural para a fotossíntese dos países
subdesenvolvidos era uma alusão à sua paisagem natural, destacando imagens, em
especial a europeus, de um "mundo verde". Algo similar ao que é
difundido sobre a Amazônia brasileira em nossos dias.
O segundo comentário é a
indicação de sua aplicação no meio rural dos países do Terceiro Mundo. O que o
levaria a tecer esta consideração? Seria uma sugestão que, se seguida,
condenaria os países ao subdesenvolvimento? Ou a reafirmação da clássica
divisão do trabalho entre o campo e a cidade, donde pode-se imaginar que a
cidade é insustentável?
Em nosso ponto de vista, Sachs está refletindo, conscientemente ou não, um conceito geográfico. Trata-se da formulação de gênero de vida. Esta passagem de Vidal de La Blache ilustra a matriz de Sachs:
Em nosso ponto de vista, Sachs está refletindo, conscientemente ou não, um conceito geográfico. Trata-se da formulação de gênero de vida. Esta passagem de Vidal de La Blache ilustra a matriz de Sachs:
Sob a
influência da luz e de energias cujo mecanismo nos escapa, as plantas absorvem
e decompõem os corpos químicos; as bactérias fixam, em certos vegetais, o azote
da atmosfera. A vida, transformada na passagem de organismo em organismo,
circula através de uma multidão de seres: uns elaboram a substância de que se
alimentam os outros; alguns transportam germes de doenças que podem destruir
outras espécies. Não é exclusivamente graças ao auxílio dos agentes inorgânicos
que se verifica a acção transformadora do homem; este não se contenta em tirar
proveito, com o arado, dos materiais em decomposição do subsolo, em utilizar as
quedas de água, devidas à força da gravidade em função das desigualdades do
relevo. Ele colabora com todas estas energias agrupadas e associadas segundo as
condições do meio. O homem entra no jogo da natureza (VIDAL DE LA BLACHE,
1921:42).
A idéia de sustentabilidade é justamente a de fazer a espécie humana "entrar no jogo da natureza". Em outras palavras, Sachs vislumbra o ambiente rural como o lugar possível para desenvolver-se um modo de vida capaz de manter e reproduzir as condições da existência humana sem comprometer a base natural necessária à produção das coisas. As comunidades alternativas e os ecologistas radicais também. Esses últimos chegaram até a condenar as cidades.
Se tomarmos a divisão do
trabalho como um aspecto a ponderar na direção da sustentabilidade veremos que
Marx continua, neste aspecto, com a razão. Trata-se da primeira e principal
divisão estabelecida pela espécie humana, com a agravante de que a cidade
depende do campo e ainda seria insustentável. Como resposta a esta formulação
surgem inúmeros programas na década de 1990, dentre os quais se destaca o de
cidades sustentáveis, que em alguns países, dentre eles o Brasil, vem reunindo
lideranças de vários segmentos para discutir alternativas para tornar a cidade
sustentável. Ora, como sustentar um meio que, em si, tomando emprestada uma
expressão de Marx, depende de energia e matéria-prima gerada fora dela para
funcionar, se os habitantes da cidade não produzem alimento, em que pese o
caráter cada vez mais urbanizado do campo e a sujeição do pequeno produtor ao
capital (Oliveira, 1981). Outra derivação do termo cidades sustentáveis surgiu
no campo da saúde. Nesse caso, a expressão que define os programas é
"cidade saudável", reconhecendo, embora não explicitamente, que os
urbanistas higienistas, muito em voga no início do século XX, tinham razão. Não
é agradável viver em um lugar com trânsito intenso, odores ruins, barulho
excessivo, respirando um ar combinado com vários elementos químicos, muitos
deles causadores de doenças graves em seres humanos, como vimos.
Mas voltemos ao
histórico da formulação do conceito de desenvolvimento sustentável. A formulação
teve continuidade com a Declaração de Coyococ (México), organizada pelo PNUMA e
a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em 1974.
Nesse documento, lê-se que o ecodesenvolvimento seria uma “relação harmoniosa
entre a sociedade e seu meio ambiente natural conectado à autodependência
local” (Leff, 1994:319).
O Relatório Que Faire, de 1975, atualiza o termo, grafando a expressão que vai consolidar esta idéia: desenvolvimento sustentado.
O Relatório Que Faire, de 1975, atualiza o termo, grafando a expressão que vai consolidar esta idéia: desenvolvimento sustentado.
A consolidação do
conceito de desenvolvimento sustentável na comunidade internacional virá anos
mais tarde, a partir do trabalho da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD), criada em 1983 através de uma deliberação da
Assembléia Geral da ONU. Ficou definida a presença de 23 países-membros da
Comissão, que promoveu entre 1985 e 1987:
(...)
mais de 75 estudos e relatórios, realizando também conferências ou audiências
públicas em dez países e acumulando assim as visões de uma seleção
impressionante de indivíduos e organizações (McCORMICK, 1992:189).
Esta
Comissão foi presidida por Gro Harlem Brundtland, que fora primeira-ministra da
Noruega e pretendia dar um tom mais progressista aos trabalhos do grupo que
coordenava. O documento mais importante produzido sob seu comando foi o
relatório Nosso Futuro Comum(2).
Nesse relatório está a definição mais empregada de desenvolvimento sustentável,
que reproduzimos a seguir:
(...)
aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade
de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades (CMMAD,
1988:46).
Esse
conceito tornou-se referência para inúmeros trabalhos e interesses os mais
diversos. Se de um lado existe os que acreditam que o planeta em que vivemos é
um sistema único que sofre conseqüências a cada alteração de um de seus
componentes, de outro, está os que acreditam que o modelo hegemônico pode ser
ajustado à sustentabilidade. Esse é o debate: manter as condições que permitam
a reprodução da vida humana no planeta, ou manter o sistema, buscando a sua
sustentabilidade. O primeiro grupo tem em James Lovelock (1989) o seu
representante maior, que pensa a Terra como um sistema holístico. Já o segundo
grupo, possui representantes espalhados por todo o planeta.
São aqueles que buscam
tecnologias alternativas e não impactantes sem questionar o padrão de produção
vigente.
Apesar da adoção do conceito de desenvolvimento sustentável em atividades de planejamento, inclusive do turismo ecológico, ele não é entendido de maneira consensual. Destacamos as idéias de S. C. Herculano, que afirma que o desenvolvimento sustentável tem dois significados:
Apesar da adoção do conceito de desenvolvimento sustentável em atividades de planejamento, inclusive do turismo ecológico, ele não é entendido de maneira consensual. Destacamos as idéias de S. C. Herculano, que afirma que o desenvolvimento sustentável tem dois significados:
(...)
é uma expressão que vem sendo usada como epígrafe da boa sociedade, senha e
resumo da boa sociedade humana. Neste sentido, a expressão ganha foros de um
substituto pragmático, seja da utopia socialista tornada ausente, seja da
proposta de introdução de valores éticos na racionalidade capitalista meramente
instrumental. (...) Na sua segunda acepção, desenvolvimento sustentável é (...)
um conjunto de mecanismos de ajustamento que resgata a funcionalidade da
sociedade capitalista (...). Neste segundo sentido, é (...) um desenvolvimento
suportável, medianamente bom, medianamente ruim, que dá para levar, que não
resgata o ser humano da sua alienação diante de um sistema de produção
formidável (HERCULANO, 1992:30).
Outro
autor que trabalha o assunto é Carlos Walter P. Gonçalves, que afirma que o
desenvolvimento sustentável
(...)
tenta recuperar o Desenvolvimento como categoria capaz de integrar os desiguais
(e os diferentes?) em torno de um futuro comum. Isto demonstra que pode haver
mais continuidade do que ruptura de paradigmas no processo em curso (GONÇALVES,
1996:43).
Por
seu turno, Ribeiro et al. sugerem distinguir
(...)
o conceito de Desenvolvimento Sustentável de sua função alienante e
justificadora de desigualdades de outra que se ampara em premissas para a
reprodução da vida bastante distintas. Desenvolvimento Sustentável poderia ser,
então, o resultado de uma mudança no modo da espécie humana se relacionar com o
ambiente, no qual a ética não seria apenas entendida numa lógica instrumental,
como desponta no pensamento eco-capitalista, mas sim, embasada em preceitos que
ponderassem as temporalidades alteras à própria espécie humana, e, porque não,
também as internas à nossa própria espécie (RIBEIRO et al., 1996:99).
S. C.
Herculano (1992) faz par com Gonçalves (1996) quando não vislumbra nenhuma
ruptura a partir da almejada sustentabilidade. Entretanto, não deixa de
reconhecer que ela pode, ao menos, viabilizar uma reforma do capitalismo.
Por sua vez, Gonçalves (1996) lembra que pode estar sendo gerado um novo discurso totalizante a partir do desenvolvimento sustentável. Um discurso que se instalaria na ausência de alternativas transformadoras das desigualdades sociais, a partir das relações sociais.
Por sua vez, Gonçalves (1996) lembra que pode estar sendo gerado um novo discurso totalizante a partir do desenvolvimento sustentável. Um discurso que se instalaria na ausência de alternativas transformadoras das desigualdades sociais, a partir das relações sociais.
Já Ribeiro et al.(1996),
ponderam que o desenvolvimento sustentável poderia vir a ser uma referência,
desde que servisse para construir novas formas de relação entre os seres
humanos e desses com o ambiente. Apontam que o grande paradoxo do
desenvolvimento sustentável é manter a sustentabilidade, uma noção das ciências
da natureza, com o permanente avanço na produção exigida pelo desenvolvimento,
cuja matriz está na sociedade.
Tendo como princípio
conciliar crescimento e conservação ambiental, o conceito de desenvolvimento
sustentável, por sua vaguidade, passou a servir a interesses diversos. De nova
ética do comportamento humano, passando pela proposição de uma revolução
ambiental até ser considerado um mecanismo de ajuste da sociedade capitalista
(capitalismo soft), o desenvolvimento sustentável tornou-se um discurso
poderoso, promovido por organizações internacionais, empresários e políticos,
repercutindo na sociedade civil internacional e na ordem ambiental
internacional.
A segurança ambiental
global
Diferente do que ocorreu
com o desenvolvimento sustentável, que foi sendo elaborado ao longo de várias
reuniões internacionais e está servindo como base para a implementação de
políticas, a idéia de segurança ambiental global não está configurada como um
conceito que leva à ação, mas sim à implementação de estratégias por uma
unidade política. Ela evolui de maneira mais lenta, encontrando muito mais resistência
que o conceito anterior (Elliot, 1998). Mas não deixou de cumprir a função de
justificar "cientificamente" a política externa dos países.
Pensar globalmente os
problemas ambientais exige conhecimento científico e perspicácia política. Uma
das grandes dificuldades que se encontra em reuniões internacionais é que
muitos dos representantes dos países que participam ficam divididos entre estes
dois grupos de personagens - os cientistas e os tomadores de decisões - e
raramente conseguem chegar a bom termo, até quando representam o mesmo país.
Uma das evidências mais
claras deste comportamento decorre da crítica contundente que muitos cientistas
apontam aos documentos oficiais resultantes de discussões políticas. É comum
dizerem que o conceito está errado ou sem base científica que o sustente. Deste
modo, tendem a desconsiderar todo o esforço de elaboração do documento e a
verdadeira "alquimia" política empregada, às vezes ao longo de anos e
por meio de discussões aparentemente intermináveis, em sua construção.
De outro lado, os
políticos, que têm ganho esta batalha com os pesquisadores, ressentem-se de
informações mais precisas sobre determinadas questões, ou, o que é mais
freqüente, encomendam conclusões científicas que "expliquem" suas
decisões. Este descompasso, à luz da opinião pública - filtrada pelas ONGs e
pelas grandes empresas de comunicação -, resulta em uma série de reuniões
dispendiosas que aparentemente só servem para gerar diárias para delegações
imensas conhecerem o mundo e seus países comprometerem-se a gastar recursos em
questões inócuas.
Este preâmbulo foi
necessário pois, no caso da segurança ambiental global, ele se ajusta ao que se
verifica na realidade.
Vejamos o problema da camada de ozônio. Seu comprometimento coloca em risco toda a espécie humana? Não. Os mais ricos podem comprar protetores de radiação solar e continuar a expor-se ao Sol. Porém, e aqui o tempo é um fator determinante, confirmadas as possibilidades apontadas por estudiosos, vai chegar um momento em que não vai adiantar muito proteger-se dos raios solares.
Vejamos o problema da camada de ozônio. Seu comprometimento coloca em risco toda a espécie humana? Não. Os mais ricos podem comprar protetores de radiação solar e continuar a expor-se ao Sol. Porém, e aqui o tempo é um fator determinante, confirmadas as possibilidades apontadas por estudiosos, vai chegar um momento em que não vai adiantar muito proteger-se dos raios solares.
E as mudanças
climáticas? Suas conseqüências afetarão a todos da mesma maneira? Certamente
não. Mas novamente os estudiosos apontam riscos, como por exemplo a mudança dos
ciclos de vida dos vegetais que produzem alimento e uma eventual crise
alimentar. Áreas úmidas podem transformar-se em áreas semi-áridas. Pontos do
litoral em todo o mundo serão alagados. Esses problemas exigem um rearranjo do
modo de vida de muita gente, acarretando em novos beneficiários e em novos
despossuídos.
Para evitar uma
catástrofe em escala mundial, ou como ficaria mais claro, para manter o atual
estado das coisas e da divisão do poder mundial, estabeleceram-se regras
internacionais para impedir que as ações humanas desencadeiem processos como os
apontados acima. Esta é uma das bases da ordem ambiental internacional.
Entretanto, como estamos vivendo um dinâmico processo de ajuste internacional
de interesses envolvendo a temática ambiental, surgem novas oportunidades e
novos países podem ser alçados à posições de destaque no cenário internacional.
Rafael Duarte Villa aponta um conceito para ajudar a compreensão da conjuntura
atual. Trata-se da segurança global multidimensional, que para o autor
(...)
reflete a nova natureza preponderante da segurança internacional: esta já não
pode mais ser visada em termos de acréscimo de poder. A preservação de [um]
Estado nacional face os novos fenômenos transnacionais - explosão populacional,
migrações internacionais e desequilíbrios ecológicos globais - não se dá pela
imposição da sua vontade unilateral ou pelo apelo à última ratio, a violência
institucional. Em outras palavras, questiona-se o pano de fundo genérico
realista que vê na legalidade e legitimidade da guerra o elemento específico
das relações internacionais. Neste sentido pode-se afirmar que a singularidade
da segurança global multidimensional é que os conflitos que podem derivar dos
fenômenos transnacionais não admitem a guerra como meio de solução (VILLA,
1997:209).
Para o
cientista político Villa (1997), a imposição de temas transnacionais impede ou
tira o efeito da força, já que todos sofreremos as conseqüências dos eventos
ambientais globais. Sua indagação seria: de que adianta ter armas e impor o uso
do automóvel se com as mudanças climáticas a base nacional da agricultura vai
se transformar, exigindo uma adaptação custosa até mesmo para os países
centrais?
A esta pergunta
poderíamos responder que é preciso insistir em apreender as diferenças entre
países e entre a sua população. Os custos e os impactos são diferentes segundo
a preparação dos países para enfrentar os problemas ambientais, sejam eles
gerados pela sociedade ou pela natureza. Observando as condições de vida dos
agrupamentos humanos, em suas mais simples e nas mais complexas maneiras de
organização social, vemos que, por exemplo, um terremoto que ocorre em um país
rico, ainda que mais forte e portanto possivelmente causador de mais
destruição, gera muito menos vítimas e estragos materiais que outro que ocorre
em um país periférico.
Os dados a seguir
confirmam este aspecto. Em Kobe (Japão), ocorreu um terremoto que chegou a 7,2
graus de intensidade na escala Richter. Esse evento natural provocou cerca de
6000 mortes e deixou algo em torno de 300 mil desabrigados no ano de 1995. Dois
anos antes, na Índia, ocorreu um terremoto que chegou a 6,3 graus na escala
Richter, portanto, de menor intensidade que o do Japão. Como resultado
registraram-se cerca de 10000 mortes, apesar de ter ocorrido a aproximadamente
700 quilômetros de Nova Delhi, portanto, em uma área menos povoada.
Lorraine Elliot (1998)
também discute a segurança ambiental. Ela aponta que muitos autores refutam
esta concepção por associarem esse conceito ao pensamento estratégico militar.
Estes puristas entendem que a questão ambiental em caráter internacional não
pode ser vista dentro de uma dimensão estratégica. Para esses autores, apenas
os processos naturais bastariam para fornecer elementos à compreensão dos
fenômenos e suas conseqüências para as unidades políticas.
Para a autora existe uma
outra interpretação que associa o militarismo à questão ambiental e à
segurança. Trata-se da visão estratégica, que admite os recursos naturais como
vitais à sobrevivência da população de uma unidade política e que, portanto,
reforça o conceito de soberania das unidades na gestão de seus recursos. Se
lembrarmos que Ray Cline (1983) e Claude Raffestin (1993) definem os recursos
naturais como um dos elementos que devem ser ponderados na definição do poder,
veremos que esta matriz pode abrigar muitos adeptos. O caso da gestão dos
recursos hídricos nos parece o mais emblemático para ilustrar este
entendimento. Como as bacias muitas vezes transpassam os limites territoriais
dos países, eles podem ficar em uma situação de dependência de outro país para
obter água e abastecer sua população. Tal situação pode ser observada na
disputa entre Israel e a Síria, envolvendo as colinas de Golã, onde estão os
mananciais que provém de água habitantes dos dois países.
Entretanto, Elliot, que
também é cientista política, defende, uma posição muito próxima à de Villa
(1997):
Diante
da insegurança ecológica, países e população não podem ser seguros se o
ecossistema não é seguro. Nem um nem outro vai ajudar a identificar o inimigo
que objetiva violar a integridade territorial e a soberania do estado. O
'inimigo' não é o ambiente mas as atividades cotidianas humanas e de
corporações" (ELLIOT, 1998:238).
A
autora esquece-se de que as atividades humanas e das corporações, como bem
apontou, causadoras dos problemas ambientais em escala nacional, estão
circunscritos geograficamente. Segundo dados do PNUMA, cerca de 25 por cento do
total da população mundial gera os problemas ambientais na escala que
encontramos atualmente. Esta é a parcela inserida no universo dos consumidores.
Como este índice já chegou a cerca de 30 por cento no início da década de 1990,
conclui-se que é cada vez menor a parcela da população que causa problemas
ambientais devido ao modo de vida que adotam, o que indica, entre tantas outras
coisas, uma concentração da riqueza ainda maior.
Para os seres humanos
que estão usufruindo do mundo do consumo e que vivem em determinada unidade
política permanece o interesse nacional. Eles querem salvaguardar vantagens
específicas que garantem a manutenção de seu modo de vida, que são negociadas
para cada aspecto discutido na ordem ambiental internacional.
Neste sentido, protelar
o abandono da queima de combustível fóssil é uma atitude esperada, quando se
obtém vantagens com sua venda, como defenderam os países árabes na Convenção de
Mudanças Climáticas. Se não é preciso empregar a força, isto não representa que
se abra mão do interesse nacional. Continua a valer, portanto, uma das
premissas do realismo político. É evidente que não é preciso empregar a força
para impor sua vontade, como vivíamos durante a Guerra Fria. A persuasão surge
de outras maneiras, como algumas que foram propostas na Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992 no Brasil, e
nas conferências das partes que se seguiram a ela.
Notas:
1. Este artigo é
resultado da Tese de Doutorado A ordem ambiental internacional, defendida no
Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da
Universidade de São Paulo em 1999. Nesse trabalho, o autor aborda as relações
internacionais e o ambiente, analisando convenções internacionais sobre o tema
2. O Nosso Futuro
Comum, que também ficou conhecido como Relatório Brundtland
(Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988) é produto do
trabalho de uma comissão de 21 membros de diversos países que, entre 1983 e
1987, estudaram a degradação ambiental e econômica do planeta, propondo
soluções para os problemas detectados sobre a ótica do desenvolvimento
sustentável. Para uma interpretação deste relatório, ver Bermann (1992),
Herculano (1992), Malmon (Coord. 1992), Oliveira (1992), Waldmann (1992), Sachs
(1993), Cavalcanti (Org. 1995), Christofoletti et al. (Orgs. 1995), Viola et
al. (1995), Gonçalves (1996), Ribeiro et al. (1996), Vieira e Weber (Orgs.
1997) e Castro e Pinton (Orgs. 1997).
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