quinta-feira, 1 de março de 2012

Terras para indígenas ou Limpeza Étnica

A história registra que nossos ancestrais indígenas durante o período colonial foram recrutados por nossos ancestrais portugueses para servirem como mão-de-obra na economia da Amazônia (antes até desta ser conhecida por este nome) e de outras regiões do país. Refiro-me aos indígenas originais, àqueles que habitavam o que hoje é o Brasil antes da chegada dos portugueses; àqueles que não tinham nenhum europeu em sua árvore genealógica, muitos deles sequer tendo ouvido alguma vez a palavra índio. Deles descendemos nós mestiços e acredito que os que hoje se identificam e são identificados como indígenas. Os recrutamentos ocorriam de diversas formas e uma destas eram os Descimentos, que consistiam em ‘descer’ os indígenas das aldeias para núcleos habitados por colonos portugueses, em regra dirigidos por missionários católicos. Estes missionários agiam com o patrocínio e a proteção do Estado português, viajando acompanhados por tropas quando faziam as suas incursões em busca dos nativos. Estes Descimentos não ocorriam a esmo; eles eram previstos e regidos por leis.



As propostas de Descimento às vezes eram bem aceitas pelos indígenas, mas quando estes se mostravam desinteressados e as recusavam, a atitude mudava do convencimento para a coerção, seja pela intimidação, seja também pela força. Reações poderiam levar a conflitos e estes às “guerras justas” e a escravizações.



Uma vez ‘descidos’, os indígenas eram distribuídos entre os missionários, moradores leigos e representantes do Estado português, recebendo por sua atividade um salário – segundo afirmam historiadores.



Esta aproximação entre indígenas e brancos, como é bem sabido, favoreceu a miscigenação entre eles, e à mão-de-obra indígena foi sendo somada uma crescente população mestiça. Nos locais onde foi empregado trabalho escravo, nativos mestiços também constavam entre os escravizados. Algo que é pouco lembrado é que se o branco não foi escravo no Brasil, seus descendentes mestiços compuseram percentual da população cativa já antes da chegada de pretos africanos. O governo do marquês de Pombal proibiu as “guerras justas”, a escravidão indígena e houve estímulo aos casamentos entre indígenas e portugueses de ambos os sexos.



Séculos depois o Brasil passou a ser governado não mais por brancos portugueses, mas por petistas, com uma agenda étnica e racial multiculturalista e hostil à mestiçagem, apoiada por determinadas organizações missionárias e, agora também, por poderosas ONGs internacionais, diversas delas sediadas nos EUA e em antigas metrópoles colonialistas européias, como o Reino Unido e a Holanda, que, diferentemente do colonialismo português, que tolerou e até incentivou a mestiçagem, implantaram em regra em suas colônias sistemas de rígidas divisões raciais e étnicas. O discurso racista hostil à mestiçagem, porém, não se apresenta agora protestando contra a miscigenação com supostas “raças inferiores”; os novos discursos racistas agora, lembrando os argumentos do Partido Nacional da África do Sul que, após a II Guerra Mundial, implantou e manteve o apartheid naquele país, apresentam-se camuflados de defesa da “valorização da diversidade” e de minorias étnicas, pleiteando, como seus pares sul-africanos, desenvolvimento em separado e panfletando contra o “mito da mestiçagem” e contra a etnia mestiça, sua identidade, cultura, direitos originários e organização de afirmação e defesa étnica. Destaque-se que a ideologia do apartheid sul-africano para tentar justificar “desintrusões” não ocorria na defesa da preservação da raça branca nos moldes do internacionalismo nazista (a África do Sul guerreou ao lado dos Aliados contra a Alemanha), mas na preservação do branco sul-africano e da cultura africâner da influência de outras.



O objetivo racista é não somente manter os mestiços sob dominação, é antes de tudo eliminá-lo ideologicamente, como identidade étnica, e à sua cultura resultante de sincretismos entre outras culturas. O mestiço brasileiro é nativo, sua etnia surgiu da mestiçagem entre indígenas e portugueses nos territórios de seus ancestrais nativos, miscigenando-se depois com pretos africanos. Nossa etnia não surgiu na Europa ou na África, mas da mestiçagem entre indígenas, europeus e africanos no Brasil, principalmente entre a população da base da pirâmide social e econômica. Para os racistas é importante negar isto, pois a propaganda deles precisa nos desenhar como invasores, negar nossos direitos originários, a fim de nos tratar como intrusos nos processos de limpeza étnica que ocorrem após ‘demarcações de terras indígenas’. Para este fim, eles precisam fazer com que sejamos ideologicamente “homens brancos”; se não, que sejamos identificados legalmente como negros ou “ressurjamos” como indígenas, mas não que sejamos o que somos, mestiços brasileiros. O racista precisa separar e a mestiçagem une.



Os racistas não se importam realmente com a preservação das culturas indígenas ou de suas identidades étnicas, exceto por algum interesse intelectual (os exemplos não faltam). Seu objetivo real é “educar” a sociedade para que esta aceite como natural e justificável o apartheid. Como não podem afirmar abertamente “‘vamos preservar nossas raças da miscigenação” e aprovar leis como fizeram no passado neste sentido, os racistas a substituem por “vamos preservar nossas etnias da mestiçagem” e aprovam leis com este objetivo. Os indígenas brasileiros atuais são formados, salvo alguma raríssima exceção, por uma população miscigenada e em sua maioria com cultura mestiça a qual se diferencia dos mestiços étnicos pelo fato de nós, não negando nem renunciando à nossa ancestralidade nativa, não nos identificarmos como pertencentes a nenhuma das etnias dos nossos ancestrais indígenas. As limpezas étnicas, porém, têm sido estabelecidas inclusive quando não há diferenças culturais entre mestiços e indígenas. Como grande parte da população desconhece isto, grande parte da opinião pública tende a apoiar a propaganda a favor das demarcações e das “desintrusões” dos rotulados “invasores”.



A “recompensa” para os mestiços que aceitarem ‘descer’ de suas terras pacificamente (concordando ou não) é uma indenização pelas benfeitorias feitas – não pela terra, pois os direitos originários dos mestiços sobre a terra são ignorados. A opção para os que resistirem ao Descimento e insistirem em permanecer nas terras às quais têm direitos originários não é diferente da opção de seus antigos ancestrais indígenas diante do Estado colonial europeu: a coerção, a intimidação, a punição.



Após sofrerem limpeza étnica, estas populações ficam à própria sorte, aguardando indenizações impostas a elas. Como seus ancestrais indígenas, não deixam de ser objeto de outros interesses políticos e econômicos de determinados missionários, ONGs internacionais e governo federal. Eles são submetidos a uma doutrinação que visa eliminar a consciência de sua etnia mestiça e sua identidade nativa, evitando que conheçam seus direitos originários, e promovendo uma visão o mais negativa possível da mestiçagem.



Este situação é em parte resultado da atuação de ideologias mestiçofóbicas que influenciaram e influenciam os textos das leis brasileiras. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) transformou o Estado brasileiro (sem grande parte da sociedade brasileira atentar, inclusive possivelmente a maioria de seus representantes políticos) de um Estado uniétnico (como via Darcy Ribeiro), onde haveria uma gradual integração das minorias indígenas à comunidade nacional (por isto especialmente protegidas) em um Estado pluriétnico, onde as minorias deveriam não ser integradas, mas estimuladas a manter ou criar isolamento em relação à comunhão nacional. Neste projeto multiculturalista de povo brasileiro há brancos (e suas diversas etnias), indígenas, negros e também portugueses e outros imigrantes, mas não há mestiços, pois a miscigenação é mistura e mistura é elemento da mestiçagem e da etnia mestiça.



Passando para um Estado pluriétnico, este deveria ter uma estrutura feita para conciliar os eventuais conflitos entre etnias. O Estado brasileiro da CF/88, porém, manteve uma estrutura de tratamento de proteção especial aos indígenas (que se justificava por que seria temporário) em uma ordem onde estes deverão ser mantidos como diferentes. Como exemplo há o Ministério Público, que é uma órgão que não pode constitucionalmente atuar contra “interesses das populações indígenas”, mesmo quando este interesses entram em conflito com o de populações não indígenas, ainda que nativas, como os mestiços. Observe que o texto da CF/88 não se refere apenas a defender direitos das populações indígenas, mas interesses:



Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(…)

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas.



Na legislação, os mestiços estão marginalizados como cidadãos de quinta categoria – os brancos e outros descendentes de imigrantes recentes têm os benefícios da Emenda Constitucional de Revisão nº 3; os indígenas os do art. 231 da CF/88, do Estatuto do Índio, de outras legislações e tratados internacionais, além de órgãos como a Fundação nacional do Índio (FUNAI), Ministério Público e outros; os negros, os do Estatuto da Igualdade Racial, de outras legislações e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); os amarelos, embora não tenham política própria voltada para eles, são reconhecidos como segmentos pelas estatísticas oficiais. No que se refere ao reconhecimento de sua identidade étnica, os mestiços estão em uma situação inclusive inferior aos imigrantes portugueses, que detêm etnicamente determinados benefícios constitucionais.



Com a palavra, Darcy Ribeiro:

Ao contrário da Espanha, na Europa, ou da Guatemala, na América, por exemplo, que são sociedades multiétnicas regidas por Estados unitários e, por isso mesmo, dilaceradas por conflitos interétnicos, os brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma nação unificada, num Estado uniétnico.



Na vizinha Bolívia, onde o Estado tornou-se plurinacional, o governo indigenista de Evo Morales instituiu um Vice-ministério de Descolonização e, indicando o que isto significa politicamente, excluiu brancos e mestiços do censo do país.



A etnia mestiça necessita defender-se, então, desta nova onda racista (o racismo é sempre o mesmo, a serpente só muda de pele), afirmar sua identidade e atuar na aprovação de legislações que tornem o Estado brasileiro outra vez um Estado para todos os que fazem parte da Nação brasileira.

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