O Quinto dos Infernos
Entre os desserviços proporcionados pela Era PT, um tem
efeito devastador e exigirá muito tempo para ser recomposto: a perda do grau de
investimento moral da sociedade civil organizada.
Em certo sentido, esse dano é ainda maior que o da perda do
grau de investimento, recuperável pela adoção de medidas econômicas adequadas,
em ambiente político mais confiável.
Mas o dano moral de privar a sociedade de tribunas
qualificadas, espaços não estatais de interlocução pública, não tem preço.
Entidades como OAB, ABI, CNBB e UNE levaram décadas para construir sua
reputação, com participação ativa em todos os movimentos cívicos de envergadura
do século XX.
São, porém, os grandes omissos em uma das maiores crises da
história republicana brasileira – e, em certos aspectos, a maior.
Não se ouviu delas uma única palavra condenatória a respeito da roubalheira na Petrobras, que o jornal mais importante dos EUA, o The New York Times, considerou, em volume e abrangência, o maior caso de corrupção da história humana. Muito ao contrário, houve quem relativizasse o escândalo.
Não se ouviu delas uma única palavra condenatória a respeito da roubalheira na Petrobras, que o jornal mais importante dos EUA, o The New York Times, considerou, em volume e abrangência, o maior caso de corrupção da história humana. Muito ao contrário, houve quem relativizasse o escândalo.
Aparelhadas pelo PT, hoje vocalizam os interesses desse
partido, cuja própria sobrevivência está em risco, tal a diversidade de delitos
já capitulados. Os ditos movimentos sociais – CUT, MST, MTST, entre outros – já
nasceram sob a égide partidária, com a missão de cumprir uma agenda ideológica
que está longe de exprimir um ideário comum à sociedade brasileira.
Têm, pois, coerência e representatividade a soldo. Seu
declínio acompanha o do governo petista e das legendas que os patrocinam. Vivem
de dinheiro público, à revelia do público.
Já as entidades da sociedade civil não pertencem a ninguém
em especial. Foram forjadas nas lutas políticas hoje inscritas na história. A
OAB, por exemplo, surge na sequência da Revolução de 1930 e tem participação
ativa na luta contra a ditadura do Estado Novo, a partir de 1937.
Apoiou a queda do governo Goulart, em 1964, mas, uma vez
configurada a determinação militar de não devolver o governo aos civis,
tornou-se voz destacada na luta pela redemocratização.
Exerceu, por meio de seu então presidente, Raymundo Faoro,
interlocução junto ao governo Geisel para construir a agenda da transição para
a democracia, de que constavam, entre outras coisas, o restabelecimento do
habeas corpus e das eleições diretas para presidente da República, que só
retornariam de fato com a Constituinte, em 1988.
A CNBB, por sua vez, num país que já foi bem mais católico,
perdeu musculatura moral ao se tornar força militante atrelada aos chamados
movimentos sociais – que, por sua vez, obedecem a comando partidário. Deixou de
ter qualquer importância, ao ponto de escassos católicos saberem o nome de quem
a preside.
A sociedade foi às ruas, somente este ano, por três vezes,
em manifestações que lotaram as ruas e avenidas das principais capitais.
Disseram, por conta própria, tudo o que esperavam ouvir das entidades que
sempre se ocuparam em vocalizá-la.
E o que elas disseram, quando ousaram romper o silêncio?
Exatamente o que o PT e seus aliados à esquerda repetiam: que se tratava de
gente rica, coxinhas, que nada tinham a ver com o verdadeiro povo (entidade
abstrata que só ganha concretude se se filiar aos movimentos sociais).
O aparelhamento supôs ser possível promover uma revolução em
silêncio, a revolução bolivariana, privada de qualquer debate público, a partir
de uma engenharia política restrita a essas entidades, às quais se somou o que
se pode classificar como uma síntese delas: o Foro de São Paulo.
O logro foi percebido a tempo de sustá-lo.
Alguns dos principais cabeças, na órbita partidária, como
José Dirceu, estão na cadeia. Outros, como o próprio Lula, têm tudo para lá
chegar. A revolução, sob o patrocínio de Simon Bolívar, personagem estranho à
nossa história, abusou do princípio de que os fins justificam os meios e
concentrou-se nos meios, de que a rapina à Petrobras dá um pálido exemplo – e
que não é único.
A Era PT chegou ao fim, ainda que a remoção do governo possa
levar algum tempo. A classe média, sem a qual não haveria PT, nem muito menos
as revoluções – tudo começa e termina nela e com ela -, rompeu com o
establishment petista.
E é sob seus escombros que se buscará algum remédio para o
recomeço, para a sofrida tentativa de recolocar o Brasil de volta não a um
paraíso, cada vez mais distante, mas ao singelo Terceiro Mundo. No momento,
estamos no quinto – o quinto dos infernos
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