Cabo Verde é formado por dez ilhas dividas em
dois grupos: Barlavento, cujas ilhas são Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia,
São Nicolau, Sal e Boavista, além dos ilhéus Branco e Raso, e Sotavento, com as
ilhas Maio, Santiago, Fogo e Brava, além dos ilhéus Grande, Luís Carneiro e
Cima. O arquipélago está situado no Oceano Atlântico, a 455 km do continente.
De origem vulcânica, o arquipélago é caracterizado
por condições climáticas de aridez e semi-aridez. Conta com duas estações: a
das chuvas ou das “as águas” (muito irregulares) – de agosto a outubro – e a
estação seca, ou o “tempo das brisas”, que vai de dezembro a junho. Os meses de
julho a novembro são considerados meses de transição. A penúria em água é uma
constante, já que as secas são freqüentes, e que no passado (até os finais dos
anos 40) acarretavam a fome, que dizimava, por vezes, 10% a 30% dos seus
habitantes.
Admite-se, de modo geral, que as ilhas tenham
sido encontradas pelos portugueses durante duas viagens entre 1460 e 1462, mas
pelo menos algumas das ilhas eram já conhecidas de populações africanas, gregos
e geógrafos árabes, muito antes da chegada dos portugueses. Segundo Jaime
Cortesão, apesar das informações incompletas fornecidas por esses geógrafos, as
ilhas cabo-verdianas já eram conhecidas de alguns cartógrafos.
Por serem ilhas praticamente desabitadas, o
processo da mestiçagem, muito semelhante ao do Brasil, foi acelerado. Quanto ao
aspecto lingüístico, observamos uma segunda língua paralela à oficial, o pidgin
cabo-verdiano que mais tarde se transformou no crioulo.
O colonizador não se preocupou em combater a
fome e a miséria em Cabo Verde, bem como a mortalidade infantil, conseqüências
das estiagens. Os retirantes eram obrigados – à semelhança dos nossos, no
Nordeste – a abandonarem a sua terra, emigrando, pois de nada adiantaria que
migrassem entre as ilhas.
Também a imprensa de Cabo Verde, nas primeiras
décadas do século XX, denunciava as arbitrariedades do colonizador, como vimos
em Angola e veremos em Moçambique. O marco da resistência foi a fundação do
PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), por Amílcar Cabral, em 1956, que
atuou intensamente na Guerra de Libertação, unindo Cabo Verde e Guiné.
Em 3 de agosto de 1959, tropas portuguesas
massacraram trabalhadores em greve nas Docas de Pidjiguiti, no Porto de Bissau,
na Guiné-Bissau, matando mais de 50 pessoas. Em 20 de janeiro de 1973, Amílcar
Cabral foi assassinado na Guiné-Conacri por agentes do Governo Colonial. Em 5
de julho de 1975, foi reconhecida a Independência da República Popular de Cabo
Verde, separadamente da Guiné-Bissau, e Aristides Maria Pereira foi eleito o
primeiro presidente da República de Cabo Verde.
Atualmente, os cabo-verdianos continuam
emigrando e seus principais destinos são EUA (Boston, New Bedford), Portugal,
Distrito de Lisboa (Lisboa, Amadora, Loures, Oeiras), Distrito de Setúbal
(Setúbal, Sines e Santiago do Cacém), Porto e Faro, Holanda, Angola e
Senegal.
A literatura de Cabo Verde, em seus primórdios
(séculos XIX para XX), está representada, na prosa, por autores como José
Evaristo de Almeida, com O Escravo
(1856) , que, segundo Maria Aparecida Santilli em Estórias africanas. História e antologia (1985), mostra o ponto de vista
abolicionista de seu narrador.
A criação, em 1866, do Liceu-Seminário de São
Nicolau (Ribeira Brava), que durou até 1928, contribuiu para o surgimento de
uma classe de letrados equiparável ou até superior à dos angolanos. Em 1877
surge a imprensa periódica não oficial.
Na poesia, destacam-se os nomes de José Lopes e
Pedro Cardoso, os quais fundam o mito das
hespérides para justificar a origem do arquipélago como sendo a da outrora
Atlântida, submersa, de acordo com a tradição clássica divulgada por Platão.
Tal mito justificaria um passado glorioso para os cabo-verdianos, motivo de
poemas que não se concentravam nos dramas da população.
Abaixo, o poema de Pedro Cardoso:Referem Lendas antigas
Que lá nos confins do mar
As Hespérides ficavam
Em seu formoso pomar
(...)
Nem Tebas, nem babilônia
No auge de seus esplendores
comarar-se-lhe podiam
Em glória, fama e primores!
(...)
tinha por defesa torres
como janais se verão,
E, aos jardins com pomos de oiro
De guarda um feroz dragão.
Observa-se neste poema, o eu-lírico canta a origem de Cabo
Verde como sendo a da Atlântida (ou Hespérides). Esta lenda, de origem grega,
está presente em Platão, que cita a suposta civilização perdida que fora
naufragada como um castigo dos deuses gregos a uma sociedade imperfeita (os seres
humanos não estavam à altura de ganhar a Atlântida). A sociedade perfeita seria
A República, em oposição à do erro (Atlântida).
Influenciados pela cultura européia, e, por
conseguinte, pela cultura greco-romana, divulgada em Cabo Verde pelos
colonizadores, Pedro Cardoso (e José Lopes) procura uma possível origem para
Cabo Verde neste mito. É um mito que traz a utopia
de se pensar Cabo Verde como um outro lugar (Hespérides). Isto mostra o olhar
de um autor aculturado do século XIX, preso ao eurocentrismo, pois buscará na
Europa, uma “explicação” para a existência de Cabo Verde, no Oceano Atlântico.
O eu-lírico pretende, igualmente, valorizar sua
terra cabo-verdiana, acreditando no seu passado de glórias. Embora sem fazer
nenhum comentário aos problemas encontrados na sociedade cabo-verdiana (a seca,
a fome), nem à geografia real do arquipélago, encontramos aqui um embrião de
nacionalidade, embora muito distante do que a geração da Revista Claridade trará no século XX,
como veremos.
A
geração conhecida como claridosa – incluindo os fundadores da
publicação, Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes – será considerada o
divisor de águas entre uma produção colonial e outra identificada com o
discurso identitário da caboverdianidade – também através do diálogo
estabelecido com o Modernismo Brasileiro, que, desde 1917, com a Exposição de
Anita Malfatti, vinha procurando pela brasilidade.
Assumindo-se
como nação mestiça, Cabo Verde não adota o discurso da negritude, mas o
da condição social precária de seus habitantes, a qual independe do caráter
étnico. Segundo Gabriel Mariano, em Cultura cabo-verdiana (1991), ao não
se fixar no arquipélago, deixando um responsável em seu lugar – que poderia pertencer a qualquer
grupo étnico, sendo negro, mestiço ou branco – o europeu quebrou a relação
comum no Brasil e em Angola de identificar o branco como o que manda e o
negro como o que obedece. Assim, não será assinalada, na literatura de Cabo
Verde, a cor da pele das personagens, mas sim a sua origem Social.
Claridade
seguiu por uma trilha de renovação estético-cultural, inspirada na geração
modernista de 22 e de 30: Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Ribeiro Couto, Oswald
de Andrade, Mário de Andrade, Jorge Amado, José Lins do Rego etc. renovam os
laços com o texto brasileiro, já verificados no século XIX nas literaturas
africanas de língua portuguesa e ainda presentes.
Os temas
desenvolvidos por esta geração se perpetuarão nas gerações subseqüentes em
termos de aceitação ou rejeição. Por estarem sempre presentes, edificam a Claridade
como marca inconteste da mudança nos rumos estéticos e sociais do arquipélago,
pois que entendemos o evasionismo de sua literatura não como fuga e sim como
recusa – como bem observou Manuel Ferreira em Literaturas Africanas de
Expressão Portuguesa (1987).
Oevasionismo físico
– da emigração – e mental
– que levaria à Pasárgada de Manuel Bandeira, conseqüência da seca e denúncia
de ir para um outro lugar melhor do que aquele, assinalado pelo colonialismo
português, é uma das temáticas claridosas ao lado de outras como a insularidade ou o terralongismo, nas quais o
cabo-verdiano sente-se um ilhéu, distanciado do mundo pelo mar, apreciado como
um misto de vida (a água representa a chuva que propicia a colheita e a pesca)
e de morte (circula as ilhas, aprisionando o homem islenho e trouxe o
colonizador).
Assinalando a idéia de morte, vale a pena
ressaltar que, nas outras nações, o mar é um símbolo somente negativo,
associada ao tráfico através de navios negreiros. Em Cabo Verde, contudo, ele
assume dupla visão, a positiva, que possibilita a sobrevivência na pesca e até
na emigração e na morte pela presença do colonizador.
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