terça-feira, 29 de abril de 2014

FATORES DETERMINANTES DA ORGANIZAÇÃO CURRICULAR – QUESTÕES CULTURAIS

A Dimensão Indígena No Contexto Do Ensino Superior
INTRODUÇÃO
A construção do conhecimento constitui possivelmente o maior patrimônio de uma nação; o conhecimento formado nas bases sócioculturais, não apenas identificam o indivíduo, mas igualmente lhe conferem o pertencimento a um grupo social, lhe conferem identidade, neste sentido procuramos desenvolver este artigo baseado na visão sociocultural da integração curricular, usamos como recorte a dimensão indígena, posto haver um projeto de implementação da universidade das culturas indígenas já para 2015 no Brasil.
Ainda que os fatores determinantes da organização curricular se entrelacem, objetivando atender a propostas comuns, público alvo, sociedade em que a IES está inserida, quem são os agentes do desenvolvimento, etc.  tal organização e eleição não é espontânea, é construída, baseada num planejamento, na organização e trabalho coletivos.
O PROFESSOR E  A LEI 11.645/08 E A FACULDADE DAS CULTURAS INDÍGENAS
O Brasil costuma reconhecer-se pela cordialidade, de fato criamos um mito do homem cordial; mas quando ponderamos sobre as diversas culturas que contribuíram para a formação do povo brasileiro nos obrigamos a repensarmos tal conceito.
Numa sociedade em que tudo é mercantilizado; rendemo-nos ao processo globalizado de comercialização massiva de valores culturais e tornamo-nos exterminadores de culturas divergentes, expropriamos ao longo dos séculos duas matrizes de nossa base sóciocultural, a africana e a indígena, e submetemos estas minorias étnicas a  processos históricos de desqualificação e exclusão.
A lei 11.645 de 2008 que torna obrigatória nas escolas brasileiras de ensino fundamental e médio, públicas ou particulares a temática indígena, nos apresentou um problema de construção curricular;  como trabalhar a temática indígena em sala de aula se ao longo da História comportamo-nos como genocídas? Historicamente nos ocupamos em criar modelos excludentes deste grupo, desqualificamos seus valores, crenças, rejeitamos seus idiomas e dialetos, ao ponto de existir na atualidade grupo indígenas que desconhecem completamente seu idioma original, e quando se perde a própria língua começamos a perder conceitos fundamentais de pertencimento.
Como construir, então um currículo acadêmico que prepare o profissional docente para esta realidade, um currículo que recupere os valores culturais indígenas se de fato não sabemos nem ao certo quantos são?
Em termos absolutos temos menos indígenas que o Chile, ou a Argentina, porém com uma diversidade cultural imensa, fala-se no Brasil em cerca de 300 ou mais etnias. Porque a história dos indígenas do Brasil não se encontra nos livros?
Trabalhar a formação do profissional docente a partir de valores éticos em relação à diversidade étnica no Brasil, atuar com a alteridade entender que o “outro” está mormente vinculado ao “nós”, à nostridade, traduz o almejado diálogo acadêmico, torna o desafio, não apenas no tocante às escolas indígenas, mas igualmente na inclusão das disciplinas relacionadas ao tema enormes a começar pela própria diversidade étnica; à exemplo dos portugueses de mais de quinhentos anos atrás, é comum rotularmos quaisquer ameríndios como membros de uma mesma etnia e detentores do mesmo patrimônio cultural, da mesma estrutura social ou base linguística, quando na verdade não o são.
A mesma diversidade étnica cultural que causou a confusão em Caminha nas suas cartas descrevendo à coroa os povos da costa do descobrimento como tupi, posteriormente verificado como Aimorés,  Tupiniquins, Tupinambás, Pataxós, etc.
A construção e a utilização do conhecimento compreendem um desafio para os profissionais ligados á gestão escolar, trabalhar o conhecimento acadêmico e as experiências de cada grupo, de forma dialética, respeitando as diferenças e vendo nisso um diferencial positivo, (aprendemos mais, não “apesar de sermos diferentes”, mas “porque somos diferentes”).
Na área de estudos étnicos indígenas ainda encontramos muitos profissionais dispersos em meio à organização acadêmica regional, ou local, não se pode usar o modelo de ensino aprendizagem aplicado nas reservas urbanas do sul da Bahia, em são Paulo, ou desta no interior de Rondônia, as dimensões e as diferenças econômicas, linguísticas, de crenças, morais, socioculturais entre os povos inviabiliza qualquer projeto de padronização, mas é possível balizarmos alguns pontos em comum.
Quando fomentamos a produção local de artigos, de pesquisa, de literaturas, estamos  - independente do grupo étnico -  trabalhando conceitos de organização curricular baseada nos valores culturais.
Trazer o mito de origem, os contos e narrativas para o meio acadêmico na produção de materiais que atendam a um currículo integrado, onde as disciplinas conversem como História, Geografia, Artes, Antropologia, Sociologia e Literatura, por exemplo, alicerçará o levantamento e o planejamento, processos internos das escolas voltadas às características singulares.
E ainda que constitua a fase inicial, este levantamento ou planejamento não se basta, a gestão do conhecimento envolve,  além do gerenciamento do processo de criação de conhecimento dentro da IES, segundo nos conceitua Zabot e Silva (2002,p. 71),  “a capacidade de disseminar tal conhecimento de incorporá-lo ao sistema”.
É necessário trabalharmos igualmente a sociedade, de modo garantir a operacionalização do processo formativo dos profissionais de ensino, neste sentido o Ministério da Cultura tem a pretensão de criar, em 2015  uma rede universitária que contemple os conhecimentos produzidos pelos índios brasileiros, objetivando o reavivamento cultural e correção histórica desta matriz; usando como molde os parâmetros EAD (ensino a distância).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numa rara demonstração de “via de mão dupla” no conhecimento a proposta é trazer para os bancos acadêmicos os saberes indígenas, trabalhando a formação de profissionais de todas as áreas, e não apenas os docentes, a partir da dimensão de tais conhecimentos, do reconhecimento dos valores culturais, da estrutura social e de todo o arcabouço intelectual dos ameríndios brasileiros, corrigindo desta forma o atual modelo de escolarização, em que impomos nossa “escola de branco”, etnocêntrica, positivista dentro do seio das reservas.
Novos conhecimentos certamente hão de advir desta reconfiguração de algumas IES,  do acréscimo e da categorização do universo de saberes indígenas ao relacionamento do processo de aprendizagem.
O levantamento e diagramação destes conhecimentos na forma de manuais, documentos, resgate de histórias orais cria a oportunidade de compartilharmos tal conhecimento formando então a educação integral, pavimentada não na ótica mercantil ou na ideologia de alguns professores, gestores ou coordenadores, mas através de uma discussão coletiva que envolva toda a sociedade.
REFERÊNCIAS
BRASIL, S.E.E.F. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: Apresentação dos Temas Transversais - Secretaria da Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 05/10/1988.
BRASIL. Lei 10.639/03, de 09 de janeiro de 2003.
BRASIL. Lei 11.645/08. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-brasileira e Indígena".
BRASIL. Lei 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Câmara dos Deputados, Brasília/DF, 1996.
BRASIL, Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial. Ministério da Educação-MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília/DF, 2005
CARVALHO, Rosângela Tenório.  de  Interculturalidade objeto de saber no campo curricular da Educação de Jovens e Adultos, UFPE,  disponível em http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt18/t189.pdf, acessado em 12/04/2014.
GEERTZ, Clifford. O Saber Local 2010 in A interpretação das culturas  - l.ed., IS.reimpr. - Rio de Janeiro : LTC, 2008.
SILVA, A. L; FERREIRA, M. K. L. (Org.). Antropologia, História e Educação. 2.ed. Global: São Paulo, 2000.
ZABOT, J. B. M.; SILVA, L. C. M. da. Gestão do conhecimento: aprendizagem e tecnologia construindo a inteligência coletiva. São Paulo: Atlas, 2002

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