domingo, 25 de maio de 2014

ANÁLISE CRÍTICA AO LIVRO "THE BLACK SWAN"


Como todo mudo está comentando desde ontem, sábado 24/05, até que demorou, mas agora veio o ataque mais forte ao livro do Piketty na área onde realmente a jiripoca pia, ou seja, nos dados (puxando a brasa para os pobres empiristas de história econômica).
Quatro problemas principais apontados pelo editor e colunista do Financial Times, Chris Giles: erros na passagem dos dados das planilhas e de fontes; metodologia questionável na escolha de pesos, ajustes com números inexplicados e cherry-picking.
Genericamente falando, o primeiro tipo de problema desgasta, mas é inevitável e terrivelmente comum para quem trabalha pesado com dados como Piketty faz. A menos que sejam desastrosos (como o de Rogoff e Reinhart), ou não sejam aleatórios (isto é, sejam deliberadamente produzidos para reforçar o argumento; ver abaixo), os erros desse tipo não costumam ser o fim do mundo.
O segundo tipo de problema, a escolha de pesos, é mais ambíguo, até para definir se é problema mesmo, pois se refere a opções por procedimentos que podem ser divergentes mas perfeitamente defensáveis, daí não sendo um necessariamente melhor do que o outro em todas as situações. A disputa nesses casos gira em torno do que é mais plausível e menos arbitrário.
O terceiro problema, quanto aos ajustes de dados incompletos, é em parte parecido com o anterior: depende de hipóteses e escolhas do pesquisador que estão sujeitas a opiniões distintas e divergências. Mas com dados incompletos ou inexistentes exige-se bem mais prudência e critério. É mais simples quando é o caso de usar interpolação ou extrapolação em séries de tempo (em poucos anos), mas complica quando o que está em jogo são valores relativos a unidades como estados, países, setores econômicos ou estratos sociais. Nessas situações, pode-se utilizar aproximações baseadas em unidades similares de outros períodos, regiões ou setores. O critério deve (ou deveria) ser alguma extrapolação plausível e bem justificada em termos históricos e econômicos, não um número extraído da imaginação. E o procedimento deve ser claro e explicado. Infelizmente, contudo, muitas vezes esses requisitos básicos não são seguidos.
Já o quarto tipo de problema é devastador. Viesar as escolhas de procedimentos, hipóteses e dados em seu favor, e em detrimento de outros que minam seu argumento geral, é o supremo pecado do historiador econômico. Não ameniza o problema o fato de que esse viés seja muito comum em todas as disciplinas ou que vários autores o considerem muito natural.
No caso do Piketty, minhas impressões ao ler a crítica do FT: o problema 1 parece ter ocorrido de fato no livro, mas não aparenta ser grave; o problema 2 não necessariamente é problema (Piketty pondera por país, não por população), embora a crítica de Giles seja correta e muito comum em relação ao tipo de procedimento que Piketty adota para obter os resultados agregados; o problema 3 parece mais sério, pois há de fato números inexplicados que são usados para estimativas em partes importantes dos argumentos de Piketty; quanto ao problema 4, não tive elementos, ou melhor, ainda resisto em imaginar que Piketty tenha distorcido os dados em seu favor (acho que estou viesado em favor dele).
Tudo, porém, depende das explicações que imagino que serão dadas por Piketty em breve. Por exemplo, sobre os 36 pontos percentuais que são adicionados à participação dos 1% mais ricos para obter-se o percentual dos 10% com maior riqueza nos Estados Unidos entre 1910 e 1950. É provável que o percentual tenha sido deduzido de algum critério razoável, embora não seja explicado no livro.
A primeira reação de Piketty depois de publicada a matéria no sábado não foi propriamente uma resposta, pois resumiu-se a dizer que a crítica do FT é “ridícula” pois todos reconhecem que as grandes fortunas cresceram mais rapidamente ou que foi “desonesta” por sugerir que as mudanças indicadas alteram as conclusões do livro ( ver em http://www.theguardian.com/business/2014/may/26/thomas-piketty-financial-times-dishonest-criticism-economics-book-inequality).
Podem ser até bons como figuras de retórica, mas os termos e as frases não fazem sentido para quem está interessado nos dados e na realidade que ele se propôs a descrever no livro.


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