Resumo
Para uma melhor compreensão da situação da mulher na Idade Media é necessário o entendimento dos costumes dos grupos formadores da sociedade européia, pois estes, em certa medida, condicionaram as tradições vigentes no Ocidente medieval. A cultura cristã com os hábitos herdados dos germânicos, celtas e romanos teve peso considerável na concepção de mulher durante a idade média.
As mulheres, para os romanos, sempre foram “naturalmente inferiores”, sendo excluídas das funções publicas, políticas e administrativas, sendo restringidas ao ambiente doméstico, sempre governado por um homem. Mesmo quando era juridicamente livre a mulher tinha a autonomia limitada pela família, sendo extremamente presa aos seus interesses. Em Bizâncio a mulher também conheceu diversas limitações. Tais limitações foram comuns a maioria dos povos da Antiguidade, mas existiram exceções como é o caso das mulheres dos povos celtas. Depois do século X a mulher conheceu uma regressão no seu estatuto jurídico.
Com o condicionamento do tecido social entre os séc.X e XI, em algumas áreas da Europa, ocorreu uma substancial transformação nas estruturas familiares, transformações que visavam a manutenção do patrimônio. Até o séc.IX o parentesco era definido horizontalmente, mas lentamente esse sistema foi sendo substituído por outro, definido verticalmente, em que as relações familiares passaram a serem ordenadas por uma linhagem. Daí em diante o primogênito passou a receber a maior parte da herança. Evidentemente essa transformação beneficiou apenas os componentes do sexo masculino. Esta estratégia matrimonial permite a reprodução da ordem social e da ordem política dentro da própria família.
No final do séc.XII houve um grande crescimento na quantidade de estabelecimentos religiosos femininos, pois como as questões de transmissão dos bens determinavam o destino das mulheres, o “casamento com Deus” se tornou um bom negócio para os pais das jovens aristocráticas , pois diminuía o número de prováveis casamentos, diminuindo o risco de divisão do patrimônio e por outro lado diminuindo a oferta de jovens aptas a casar valorizava o arras. As mulheres viam na relação conjugal se reproduzir as formas de poder feudo-vassálicas. O único objetivo do casamento era dar continuidade a linhagem e se isso não fosse possível por qualquer motivo a relação perdia a sua razão de ser.
O casamento era para a Igreja um instrumento de controle sobre a sexualidade. Transformado com o decorrer dos séculos em um sacramento o casamento se tornaria uma forma de controle social. Não deveria ser realizado pela luxúria, mas sim pelo desejo da procriação. Quando casados o ato sexual tem apenas a utilidade reprodutiva, não podendo ser uma fonte de prazer.
As famílias ao se esforçarem para não ter seus patrimônios divididos incentivaram o casamento entre parentes relativamente próximos. A igreja passou a considerar incestuoso o casamento entre parentes até o sétimo grau, depois passou a ser considerado para parentes de quarto grau. A maior vitória da Igreja foi solidificar na cabeça dos homens que o casamento é indissolúvel!
Para os religiosos a mulher sempre foi vista como inferior, pois o homem foi feito a imagem e semelhança de Deus e a mulher era apenas um reflexo da imagem masculina, sendo de Deus uma imagem distorcida. O casamento garantia a estabilidade das relações determinadas pelo sexo masculino, apesar de unir os diferentes sexos não os punha em pé de igualdade. Pois a mulher é a responsável pela queda da humanidade no pecado, portanto a dominação do esposo sobre ela e as dores do parto eram vistos como o seu castigo. Havia no centro da moral cristã uma aguda desconfiança em relação ao prazer, pois ele aprisionava o espírito ao corpo, impedindo-o de se elevar à Deus.
Alguns religiosos descrevem certos traços da personalidade feminina como pérfidas, frívolas, luxuriosas, impulsionadas naturalmente a fornicação. Os moralistas procuravam limitar ao máximo a sexualidade. As relações sexuais eram severamente disciplinadas e os contraceptivos eram proibidos, haviam épocas proibidas para a relação sexual e a mulher não deveria nunca demonstrar sensação de prazer. A posição sexual em que o sexo era praticado revelava a situação de submissão da mulher. Sempre o marido em cima e a mulher em baixo, sendo qualquer outra posição condenada.
A posição dos homens em relação as mulheres não era muito diferente da dos clérigos, as atitudes de desprezo às mulheres, que eram consideradas ao mesmo tempo perigosas e frágeis, era justificada por todos os meios. Os homens, pais ou maridos, possuíam um direito de justiça inquestionável e fundamental de castigar as mulheres.
No meio familiar a mulher podia viver três situações, a esposa, a viúva e a mãe. A capacidade de ser mãe lhe garantia um lugar na família. Sendo mãe, quando viúva teria certa ascendência sobre os filhos. Não o sendo havia como caminho apenas o casamento com Cristo. Portanto não bastava ser esposa, nem viúva, era necessário ser mãe.
Para os cavalheiros o “sexo frágil” foi feito para obedecer. Não era bom que as mulheres soubessem ler e escrever a menos que isso interessasse a vida religiosa. Uma moça deveria saber fiar e bordar.
A sociedade medieval, que foi machista e guerreira, nutriu um desprezo generalizado pelas mulheres.
As diferenças sociais foram sempre tão forte quanto as diferenças de sexo, portanto não é possível alinhar, num mesmo plano, condessas e castelãs com servas e camponesas, ricas burguesas com artesãs, domesticas ou escravas. A estruturação da casa e das relações familiares lembrava uma pequena monarquia, em que a dama. a esposa do senhor, se comporta como o marido em relação aos seus dependentes, tiranizando as domesticas e no caso de ser sogra, menosprezando a nora.
Todas as mulheres da Idade Media foram donas-de-casa, mas em inúmeras vezes foram forçadas pelas dificuldades e pelo tempo a desempenhar ao lado do esposo ou mesmo sem ele diversas atividades fora do lar, participaram de quase todos os setores da atividade econômica.
Os documentos senhoriais registram a participação feminina em diversos serviços. Sabemos que uma camponesa deveria, quando casada, participar, ao lado do marido, de todas as atividades desempenhadas. Quando viúva trabalhava com os filhos ou sozinha.
Nas grandes abadias germânicas do séc.IX o trabalho de fiação do linho, de tecelagem, e a lavagem das roupas eram incumbência das esposas dos colonos dependentes. Nos grandes domínios da Alta Idade Média, uma parte considerável do trabalho artesanal lhes foi reservado.
Há documentos que demonstram que durante a Idade Média a força de trabalho das mulheres foi utilizada para mover pilão ou mó giratória uma atividade extremamente estafante e humilhante, muitas vezes como forma de punição.
As senhoras feudais enfrentaram muitas dificuldades na administração de suas posses, pois tiveram que sustentar pesados processos judiciais contra os homens para garantirem seus direitos. Em um ambiente em que o uso da força era a melhor forma para garantirem seus direitos, as mulheres tiveram que se adaptar às circunstâncias.
Precisavam, ainda, demonstrar autoridade suficiente para evitar a rebeldia dos vassalos e impedir os ataques vizinhos ambiciosos..
Nas cidades existiam criadas semilivres e escravas, diferentes juridicamente e na condição social. Seus serviços eram essencialmente domésticos. O grupo das criadas livres era composto por moças recrutadas nas cidades ou nas zonas rurais adjacentes. Essas mulheres eram engajadas por meio de um contrato que estipulava as obrigações recíprocas do amo e do servidor. O tempo do engajamento era consideravelmente longo e muitas moças aceitavam as condições previstas para garantir sua subsistência.
Outro grupo considerável era composto por escravas, seu número era superior ao das criadas semilivres. Constituíam o objeto de um lucrativo comércio. As escravas deveriam executar todo tipo de trabalho doméstico. Exploradas quase que unicamente pelas mulheres livres, que quando casavam ou ganhavam uma ou a trazia da casa paterna, a escrava era um elemento indispensável ao seu bem-estar e a sua categoria social. Quando se tornavam viúvas eram suas escravas que lhes garantiam segurança e uma vida confortável. A escravidão feminina foi dominada orientada e conduzida pelas mulheres burguesas, mas com o lucro dos mercadores.
Nas cidades o trabalho feminino teve incontestável significação na vida econômica. O excedente feminino da aristocracia era relegado aos conventos e o das camadas inferiores era relegado ao mundo do trabalho. A moça quando solteira ajudava os pais. Casada ajudava o marido, viúva trabalhava sozinha para sobreviver. Executavam tarefas ao lado dos homens nas oficinas artesanais. A esposa do mestre era responsável pela supervisão das aprendizes, quando acabava o período de aprendizagem as moças ganhavam um oficio de onde podiam tirar o seu sustento. Os ofícios de fiação eram essencialmente femininos. Várias profissões ligadas a indústria do vestuário foram dominadas pelas mulheres.
Em geral as mulheres não participavam das agremiações das corporações de oficio, pois um dos seus preceitos básicos era a exclusividade profissional e elas tinham que desempenhar duas e as vezes até três atividades. Algumas corporações de ofício chegavam a recomendar que não se empregassem mulheres. A razão dessa aversão pode ser explicada se considerarmos o valor da mão-de-obra feminina, que muito mais barata do que a masculina, isso diminuía os custos da produção gerando concorrência com a produção masculina a prejudicando, e os estatutos previam o monopólio da atividade. O trabalho feminino contrariava alguns pontos das disposições dos estatutos.
A atividade feminina não foi restrita à indústria têxtil. As mulheres tiveram participação nas profissões que lidavam com metais, à alimentação, trabalharam ate na produção de cerveja, ainda há registros de terem trabalhado como cabeleireiras, barbeiras, moleiras, boticárias e muitas praticaram medicina.
As mulheres de outra categoria social, parentes de pequenos ou grandes mercadores, foram levadas pelas circunstâncias a substituir ou auxiliar os homens. As esposas colaboravam com o companheiro, as filhas ajudavam o pai, as viúvas davam continuidade aos negócios dos falecidos. Algumas mulheres se envolveram em operações financeiras de todos os tipos inclusive com a usura ao substituir seus maridos.
A mão de obra feminina foi empregada nos trabalhos agrícolas, domestico, no comércio do vinho e de grãos. As mulheres da comunidade judaica se dedicaram essencialmente aos empréstimos. Elas encontraram nas operações financeiras o principal meio de sobrevivência.
As mulheres da alta burguesia não encontraram espaço para desempenhar atividades fora do lar.
A mulher na ausência do marido era sua substituta e não a proprietária dos bens. No caso da aristocracia rural a ausência abria a perspectiva para sua ação. Já no caso da aristocracia urbana não houve nenhuma possibilidade de ação social, pois a ausência do marido fazia parte da sua atividade. Portanto as possibilidades de substituição deixaram de ocorrer. As mulheres pobres das cidades sempre atuaram na vida profissional, mas nunca conseguiram se livrar da tutela do marido.
Na literatura religiosa é possível constatar alguns conceitos que os clérigos elaboraram a respeito da mulher. Nesse sentido coexistem dois conceitos diametralmente opostos um da mulher essencialmente má e outro da mulher perfeita.
A sensualidade feminina sempre esteve no centro das reprovações. A aversão declarada provinha da preocupação constante dos religiosos com a repressão sexualidade. Pois o desejo destrói o homem. A mulher é por excelência inspiradora do desejo, portanto é por excelência agente do mal e causadora do desespero, da morte, da danação eterna do sexo masculino.
A representação da “mulher perfeita” é simbolicamente encarnada em Maria que antes era “Mãe de Cristo” e que em 431 foi proclamada “Mãe de Deus” mulher-símbolo da pureza, da grandeza e da santidade, tida como “nova Eva” a fonte de redenção, já que Eva foi a responsável pelo pecado original. O ideal de perfeição é composto por castidade e virgindade.
A recusa do prazer não devia ser encarada como obrigação e sim como um ato de purificação.
Nos séc.XII e XIII nasce no Ocidente uma refinada cultura que foi essencialmente aristocrática, profana, cortês. As cortes abrigavam artistas de todas as espécies, que elaboraram uma arte que representava os costumes de seus protetores. Os literatos propuseram um modelo mental imbuído das boas maneiras aristocráticas, nascia o “amor cortês”. Nele o poeta canta o “bom amor”, que possui o fundamental caráter de ser estéril, inacabado, impossível, cantado a dama inatingível e inacessível.
Nesse gênero o tema central é o amor, o sujeito é o amante, a mulher aparentemente venerada é apenas uma referencia. O homem não se submete a mulher, mas ao seu amor, portanto o amor e não a dama engrandecia o amante.
A hipótese generalizada de uma mulher marginalizada é difícil de ser sustentada, pois o casamento responsável pela reprodução biológica da família dava a mulher o papel de relevo na estabilidade da ordem social.
Os processos de marginalização por vezes atingiam grupos de mulheres e feiticeiras, sendo as últimas mais visadas e perseguidas. No caso das prostitutas a marginalização dizia respeito apenas ao sexo feminino. Os hereges e bruxas foram sistematicamente perseguidos e eliminados. A exclusão se deu essencialmente, no caso das prostitutas e das bruxas, à práticas sexuais que feriam os preceitos cristãos.
As heresias, doutrinas contrárias as estabelecidas pela Igreja, possuíam uma proporção considerável de mulheres na composição dos movimentos, embora o número de homens tenha sido sempre superior ao de mulheres nesses movimentos.. Um exemplo desses movimentos foi as beguinas, que possuíam ate mesmo mulheres como lideres. As beguinas foram integradas as ordens franciscanas e dominicanas. As mulheres que resistiram a integração foram consideradas hereges, e por causa disso, excomungadas. Um outro exemplo de movimento herético foi o catarismo que não tinha lideranças femininas, mas que lhes permitia o possibilidade de ocupar qualquer posição de sua hierarquia.
Com as crises social e econômica muito comum nesse período surgiu uma nova concepção do mundo, de Deus, do demônio e dos males praticados em seu nome. O medo do demônio gerou o medo das feiticeiras. O medo de ambos gerou a perseguição e o extermínio do inimigo visível, as bruxas. Que seriam uma ligação entre a feitiçaria, o culto demoníaco e a depravação sexual. Temia-se não apenas a bruxa, mas a reunião delas: o sabat, representado por uma orgia. A bruxa era a serva do demônio. Portanto iniciou-se um combate feroz elas. Qualquer comportamento anormal era motivo para uma mulher arder em uma fogueira.
A prostituição existiu ao longo de toda a Idade Media, no meio rural era desorganizada, escapando ao controle das autoridades locais, mas no meio urbano se tornou organizada, sendo em muitas das vezes controlada pelos governos municipais. O povo errante, composto por apátridas sem miseráveis abastecia as localidades com raparigas e prostitutas. Muitas foram vendidas como escravas, sendo exportadas para o Oriente onde compunham a “mercadoria loira”. As que ficavam exerciam sua profissão a noite em estradas ou feiras, outras acompanhavam os bandos de peregrinos que se dirigiam a locais santos, ou os guerreiros para servirem de companhia e lazer nos intervalos das batalhas. Nas cidades francesas o meretrício não era apenas tolerado como incentivado, com a existência de prostíbulos públicos, espaços protegidos pelas autoridades locais onde a fornicação era exercida livre e oficialmente.
Portanto a prostituição, apesar de imoral, colaborava para a manutenção da sanidade da sociedade, atenuando as tensões e servindo de válvula de escape para as limitações impostas pela Igreja. O homem com a esposa cumpria suas obrigações de marido, com as prostitutas procuravam obter prazer. A prostituição servia ainda como remédio as fraquezas dos clérigos diante do prazer da carne.
Apenas o direito bizantino condenava a prostituição, sendo não a mulher mas sim o homem considerado culpado e cabendo a ele a punição.
A devoção e a religiosidade das mulheres aristocráticas serviu de apoio indispensável à implantação, sedimentação e sobreposição do cristianismo nas sociedades bárbaras e dada essa devoção, não é de se admirar o grande número de mulheres santificadas. O nome de inúmeras piedosas foi associado ao desenvolvimento do culto cristão. A piedade feminina foi marcante a ponto de influenciar politicamente os contemporâneos e a posteridade. Místicas, castas, ascéticas, as santas romperam a hierarquia imposta pelos homens da Igreja.
O envolvimento da mulher no desenvolvimento literário foi considerável, ocorreu tanto de forma indireta, com o patrocínio de artistas, quanto na criação e reprodução de obras literárias. O desenvolvimento da lírica amorosa deve muito ao apoio das mulheres nobres do século XIII. O envolvimento feminino com a literatura ocorria também no processo de reprodução dos textos, deixando no fim dos manuscritos o registro de sua participação.
A mais famosa poetisa da idade média foi Cristina de Pisan, nascida na Itália, mas criada na França, na corte de Carlos V onde teve acesso a biblioteca real teve acesso ao saber. Casada aos quinze anos se tornou viúva jovem, mas como não tinha conhecimento dos negócios do marido passou a escrever poesias para sobreviver. Nelas defendia as mulheres. Vivendo durante a época da Guerra dos Cem Anos sentiu as dificuldades de França no início do séc.XV.
No fim de sua vida teve ainda a alegria de ouvir falar de Joana D'Arc, que mulher e guerreira lutou pela unidade da França, mas que capturada acabou condenada e morta pela inquisição.
A Idade Média foi uma época em que a voz e as ações das mulheres foram extremamente limitadas, mas ainda sim algumas mulheres conseguiram superar as barreiras impostas pelo sexo e demonstrar aos seus contemporâneos seus desejos e aflições.
Bibliografia:
MACEDO, José Rivair; "A Mulher na Idade Média. " Contexto; São Paulo; 1999.
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