domingo, 16 de março de 2014

RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO

Retórica e argumentação
“A argumentação não age sobre evidências. O que é evidente não necessita nem de demonstração nem de apresentação de argumentos a favor ou contra. A argumentação não pode ser a afirmação da verdade, porque todo o verdadeiro diálogo nunca esgota a possibilidade de investigação da verdade.”
(Carlos Ceia)
“Argumentar é, em última análise, convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões, em face da evidência das provas e à luz de um raciocínio coerente e consistente.”
(Othon M. Garcia)
A Retórica é a ciência que reúne técnicas de organização do discurso utilizadas com o intuito de convencer um interlocutor por meio de estratégias linguísticas, argumentativas e estruturais (recursos retóricos) que fazem determinado conteúdo ou informação mais potente e persuasivo. Ainda que na Antiguidade Clássica, em especial na Grécia, esteja a origem dessa ciência e o uso consciente e predominantemente oral dessas técnicas, na maioria das vezes, em favor da dialética e da democracia, posteriormente, ela passou a ser vista como sinônimo de discursos empolados, vazios ou mal intencionados.
Essa concepção equivocada era frequentemente associada aos estudos retóricos até o início do século XX, quando princípios dessa ciência passaram a ser estudados com mais seriedade e menos afetação. Hoje, além de ser amplamente estudada na academia, ela pode ser percebida também com grande intensidade no discurso escrito, ou mesmo em discursos que contenham linguagem verbal e não verbal ao mesmo tempo, como é o caso muito frequentemente estudado do discurso da propaganda.
Assim, a Retórica manifesta-se em diversos contextos e por muitos meios na sociedade atual, são exemplos os casos de letras de bandas como O Rappa e Rage Against the Machine, como “Lado B Lado A” e “Freedom” respectivamente. Grande parte da obra de Chico Buarque também pode ser vista como detentora de uma intenção, às vezes, velada, de argumentar em favor de uma causa ou de uma ideologia, são exemplos as músicas “Deus lhe Pague”, “Construção”, “Cálice”, etc. Ainda que, pode-se entender que quaisquer textos carregam uma intencionalidade, o que faz deles mesmo que de forma sutil ou quase imperceptível argumentativos, o que muitas vezes inclusive os torna ainda mais potentes, justamente por serem reconhecidos popularmente como não providos de argumentos ou de defesas de uma dada e determinada concepção de mundo, são exemplos a maioria das narrativas literárias que para muitos são desprovidas de argumentação, mas são, ao contrário, carregadas de concepções de mundo e de argumentação como é o caso do machismo e do maniqueísmo típicos dos contos de fadas.

Nas artes visuais, foram vários os artistas que tiveram o objetivo de com suas obras expor um ponto de vista acerca de um fato, um acontecimento histórico ou mesmo uma pessoa, são os casos da série de quadros “Judith” de Artemisia Gentileschi; do quadro “Guernica”, de Picasso; da arte pop de Andy Warhol, etc.
artemisia

Guernica



Athlete

A Retórica (a dialética e a gramática) era uma das "três artes liberais" ou "trivium" ensinadas em diversas faculdades da Idade Média. Atualmente, um dos espaços mais privilegiados da Retórica é a publicidade, já que ela é um elemento crucial para alcançar o objetivo de uma propaganda e mesmo da linguagem publicitária. A Retórica, nesta área do conhecimento humano, é usada amplamente no sentido de tornar produtos ou ideologias mais atraentes para seus consumidores, ainda que que alguns processos de construção de argumentos para se justificar o consumo sejam construídos por meio de exageros, falácias, mentiras ou manipulações, como é o caso das propagandas de sabões em pó até o início do século XXI. É importante ressaltar que, quando empregada de forma eticamente responsável, ela pode ajudar tanto a construir mensagens muito persuasivas quanto ricas estética e ideologicamente, como é o caso das polêmicas e instigantes campanhas da Benetton a seguir:





Importante também é ressaltar que a imagem, dessa forma, pode constituir uma peça retórica em virtude das ideias que implícita ou explicitamente ela defende ou evoca. O século XX é chamado por muitos de “século da imagem” graças a certa popularização de tecnologias como a fotografia, o cinema e a televisão, que foram responsáveis por ampliar o universo da imagem reproduzida para além do escopo da arte. Assim, popularizaram-se também imagens como veículos de contestação, denúncia ou inspiração, provenientes primordialmente do jornalismo, o qual foi acrescido de grande força em função do poder persuasivo e sedutor da imagem, como é o caso dos exemplos abaixo:

Malcolm W. Browne, USA, The Associated Press.
Saigon, Vietnã do Sul, 11 de junho de 1963

(Nick) Ut Cong Huynh, Vietnam, The Associated Press

Jean-Marc Bouju, França, The Associated Press.
An Najaf, Iraque, 31 de Março de 2003.

Dessa forma, a Retórica é uma ciência fundamental para se entender não só as intenções e os argumentos que constroem a maior parte dos discursos com os quais se pode ter contato em sociedade, mas também fornece elementos para que seja possível o debate de maneira civilizada e pacífica. Com isso, o domínio de recursos argumentativos ou retóricos faz não só o produtor/leitor dos mais variados textos mais atento aos recursos usados linguísticos ou não usados de forma argumentativa, mas também garante que as pessoas se socializem sem perderem a autonomia intelectual, estética e ética que as faz indivíduos únicos e hábeis produtores/decodificadores de discursos.
Como processo retórico elementar entende-se a argumentação, que é um grupo de processos pelos quais um locutor, por meio do discurso e de estratégias objetivas ou subjetivas, almeja convencer um interlocutor sobre um ponto de vista. A maioria dos processos argumentativos eficientes sustenta-se na solidez do raciocínio e na confiabilidade das comprovações dele. Tais recursos são entendidos como todos os fatos, os exemplos, as ilustrações, os dados estatísticos (tabelas, números, mapas, etc.) e os testemunhos que sirvam para auxiliar a validação de argumentos que visem confirmar uma determinada hipótese; as relações de causa e consequência; as considerações históricas; as analogias; os discursos de autoridade; as enumerações; etc.
Portanto, a Retórica, sustentada por uma série de mecanismos argumentativos, é uma ciência não só atual, mas necessária para a construção de uma sociedade mais justa. Por outro lado, também é conhecimento indispensável para candidatos a vagas em universidade, tendo em vista que não mais só nas redações, mas também nas provas de Língua Portuguesa são exigidos conhecimentos apurados sobre como se constrói um processo argumentativo.
ALGUNS RECURSOS RETÓRICOS
“Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer.”
(Machado de Assis)
“Argumentar é, pois, em última análise, a arte de, gerenciando informação, convencer o outro de alguma coisa no plano das ideias e de, gerenciando relação, persuadi-lo, no plano das emoções, a fazer alguma coisa que nós desejamos que ele faça.”
(“A arte de argumentar”, Antônio Suárez Abreu)
Recursos retóricos (tipos de argumentos) são ferramentas empregadas especificamente para tornar o discurso mais convincente e eficaz, servem também como mecanismos capazes de moldar uma ideia de forma que ela se torne mais razoável, lógica, palpável, etc., para seus receptores.
Vale lembrar que são muitos os recursos retóricos fundamentados na razão e na lógica, além disso, vários deles são fundamentados em ferramentas subjetivas como emoções, no contexto da enunciação, nos costumes, na intenção comunicativa, no conhecimento dos interlocutores, etc. Diante dessa grande diversidade, é importante informar que os recursos retóricos listados a seguir são aqueles mais utilizados no âmbito científico, jornalístico, artístico e mesmo no cotidiano. Tal amplitude da argumentação é muito bem lembrada no “Sermão da Sexagésima” em que o Padre Antônio Vieira teoriza categoricamente sobre quais os recursos e ferramentas que garantem a criação de um sermão vigoroso e convincente, em última instância e com senão, de um texto argumentativo eficiente e capaz de convencer os interlocutores.
“Há-de tomar o pregador uma só matéria; há-de defini-la, para que se conheça; há-de dividi-la, para que se distinga; há-de prová-la com a Escritura; há-de declará-la com a razão; há-de confirmá-la com o exemplo; há-de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que hão-de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há-de responder às dúvidas, há-de satisfazer as dificuldades; há-de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há-de colher, há-de apertar, há-de concluir, há-de persuadir, há-de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.”
1 – Emprego de variações linguísticas (competência linguística)
Os recursos retóricos linguísticos são determinados pelo uso consciente que se faz do respeito ou não às normas gramaticais brasileiras, ou seja, são estratégias qualificadoras do discurso por meio do emprego de variação linguística adequada a uma dada situação comunicativa em função das condições de enunciação e dos interlocutores típicos dela. Isso é fato mesmo porque o simples uso da norma padrão é um meio de se afirmar e, muitas vezes, potencializar um discurso em função da forma como ele é comunicado, de forma alheia ou até independente do seu conteúdo. Contudo, a junção de variação linguística adequada e conteúdo pertinente, lógico e bem referenciado é razão de existência de textos não apenas eficientes quanto às suas intenções, mas valiosos para a sociedade como veículos de debates, novas ideias e desenvolvimento.
Por outro lado, diversos poemas de autores modernistas brasileiros, por exemplo, foram transgressores em relação às regras gramaticais para defender uma arte menos controlada por regras e imposições estéticas, mesmo as da Gramática. Para tanto, conscientemente, autores como Oswald de Andrade e Mário de Andrade romperam com a norma padrão da língua em muitas de suas criações, especialmente com o discurso erudito, que dominou a poesia do século XIX, em especial a parnasiana, a qual é - de forma sistemática - criticada pelos poetas modernistas brasileiros em seus poemas escritos com palavras oriundas do discurso da oralidade ou dos padrões linguísticos típicos das classes sociais mais humildes e menos abastadas. Eis um exemplo desse recurso linguístico e argumentativo:
Vício da fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados. (Oswald de Andrade)
2 – Ordenação das ideias, informações e percepções
A forma como as ideias são ordenadas mostra uma série de intenções argumentativas. Esse processo pode se dar de variadas formas, seguem algumas possibilidades de ordenação do discurso por razões argumentativas.
No plano sintático, pode-se entender que a escolha por colocar as ideias na ordem direta pode sugerir intenções de se construir um texto de forma clara e precisa com o intuito de favorecer o entendimento da maior parte possível de interlocutores a respeito dele. Por outro lado, a ordem indireta, que pode ocorrer em diversos níveis de intensidade, sugere certa preocupação do autor em dizer ou escrever de modo menos convencional do que o usual, o que pode produzir desde alguma dificuldade por parte do interlocutor para decodificar o texto até a completa incompreensão do enunciado. Tais escolhas podem sugerir diversas intenções por parte do locutor, as quais incluem o desejo de mostrar erudição para submeter pela forma do discurso seus interlocutores ou a orquestração de um meio de selecionar aqueles que podem ou devem compreender um texto daqueles que não podem ou ainda dar destaque maior a uma parte de uma sentença. Como no caso das seguintes sentenças:
Mario Quintana nunca teve em vida o reconhecimento merecido, embora fosse um extraordinário poeta.
Embora fosse um extraordinário poeta, Mario Quintana nunca teve em vida o reconhecimento merecido.
A ordem do discurso pode ser também temporal, quando as ideias são organizadas de modo cronológico com o intuito de propiciar ao leitor mais facilidade e conforto para compreender uma determinada tese. Esse recurso pode configurar o início de um processo de convencimento calcado no didatismo e na historicidade da ideia ou conceito a ser defendido ou questionado.
“As Copas do Mundo são ricos observatórios. Em 1938, o goleiro das Índias Holandesas Orientais, futura Indonésia, pretendeu proteger seu gol do ataque húngaro amarrando na rede uma boneca como amuleto. Como parte do equipamento que a Escócia levou para a Copa da Argentina, estavam 456 garrafas de uísque. Na Espanha, em 1982, a seleção do Kwait queria que, antes da partida de estreia, seu mascote, um dromedário, desse a volta em torno do campo.” (H. Franco Jr.)
“Na era pós-moderna, a configuração da identidade pessoal é num sentido decisivo, um projeto corporal. Podemos observar que o corpo tende a se tornar cada vez mais seminal para uma compreensão da identidade pessoal. O ego é constituído em grande parte por meio da apresentação do corpo. E possível ver isto em relação a varias práticas, como o ascetismo ou uma dieta, que outrora tinham uma finalidade mais espiritual, mas agora tem a ver principalmente com a moldagem do corpo. Foi só no fim do período vitoriano que as pessoas começaram a fazer dietas com o objetivo de alcançar um ideal especificamente estético. Sem dúvida, na cultura helênica, a aristocracia mantinha um ideal de moderação de consumo de alimentos porque isso indicava autocontrole. De maneira semelhante, jejuar era uma prática cristã central na Idade Média, indicando que o espírito era mais forte que a carne. Mas a diferença decisiva era que essas práticas tinham menos a ver com o corpo por si só que com o espírito nele alojado. Além disso, elas eram observadas sobretudo nos escalões mais altos da sociedade. A dieta do final do período vitoriano, por outro lado, foi um fenômeno que se difundiu na classe média e estava relacionada com a regulação do consumo de alimentos, de tal modo que disso resultasse um corpo idealizado, esbelto. Seus aspectos ‘espirituais’ eram claramente secundários. Isso não quer dizer que conotações ‘espirituais’ estivessem de todo ausentes. A obesidade era considerada, e em grande medida ainda é, um indicador de qualidades morais e mentais como preguiça e falta de força de vontade. O importante é que não era para combater essas qualidades mentais que a dieta era empreendida: o que a motivava era o desejo de moldar o corpo, não a alma. Desde então, essa tendência só se intensificou.” (Lars Svendsen em "Moda: uma filosofia")
Um discurso pode ser argumentativo em função de uma ordem lógica construída em torno de relações de causa e consequência como meio de explicitar as ações e as reações de indivíduos, grupos e instituições em determinados contextos. Tal estratégia, que é uma das mais utilizadas em variada sorte de argumentações, pode servir para tornar determinada tese mais potente em função das relações causais estabelecidas para defendê-la ou refutá-la, o que pode facilitar o convencimento do interlocutor a respeito de determinado ponto de vista por causa do pragmatismo desse recurso retórico. Exemplos interessantes desse uso são o trecho do discurso de posse do presidente dos EUA Barack Obama e os aforismos extraídos das obras de Fernando Pessoa e Herbert Blumer respectivamente.
“Que estamos no meio de uma crise agora já se sabe muito bem. Nossa nação está em guerra contra uma extensa rede de ódio e violência. Nossa economia está muito enfraquecida, uma consequência da ganância e irresponsabilidade por parte de alguns, mas também de nossa falha coletiva em fazer escolhas difíceis e em preparar a nação para uma nova era. Lares foram perdidos; empregos cortados; empresas fechadas. Nosso sistema de saúde é caro demais; nossas escolas falham demais; e cada dia traz mais provas de que a maneira como utilizamos energia fortalece nossos adversários e ameaça nosso planeta.”
“O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a ação sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.”
“Os esforços de uma classe de elite para se diferenciar na aparência não são a causa do movimento da moda, mas ocorrem dentro dele. O prestígio de grupos de elite, em vez de estabelecer a direção do movimento da moda, só é eficaz na medida em que esses grupos são reconhecidos como representando e retratando esse movimento. As pessoas de outras classes que seguem conscientemente a moda o fazem porque ela é a moda e não por causa do prestígio distinto do grupo de elite. A moda morre não por ter sido rejeitada pelo grupo de elite, mas por ter dado lugar a um novo modelo mais de acordo com o gosto em desenvolvimento. O mecanismo da moda aparece não em resposta a uma necessidade de diferenciação e emulação, mas em resposta a uma necessidade de estar na moda, de estar em dia com o que é bem-visto, de expressar novos gostos que estão emergindo num mundo em mudança.”
A ordem também pode ser estabelecida por força de uma figura de linguagem chamada gradação que, quando ascendente, também é conhecida como clímax, ou como anticlímax, quando descendente. Assim, ao apresentar os argumentos de forma que, em função de algum fator comum a eles, seja dada a impressão de aumento ou perda de intensidade, produz-se a sensação de que a argumentação cresce em importância ou força. Exemplos dessa prática são muito comuns em sermões, em que a intensidade aumenta em função do fervor religioso e do conteúdo emotivo do discurso; em textos argumentativos nos quais a ordem dos argumentos respeita variáveis como grandeza e abrangência dos exemplos que ilustram e fundamentam os argumentos; entre muitas outras possibilidades. Eis dois exemplos desse recurso:
"(...) um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!" (“Sermão de Santo Antônio aos peixes”, Padre Antônio Vieira)
"Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias... tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia." (Antônio Candido)
3 – Antítese e paradoxo
Usar ou opor ideias contrárias é uma forma clássica de construir um discurso argumentativo. Pela oposição de ideias confrontam-se abertamente conceitos com o intuito, na maioria das vezes, de defender um deles, mesmo que, para isso, valorize-se um a partir da denúncia e do apontamento das falhas ou incongruências do outro.
No caso da antítese, o uso de ideias opostas ou a oposição delas resulta num recurso retórico de mais fácil entendimento, já que são confrontadas ideias de forma verossímil e conciliável com a realidade imediata comum à maioria das pessoas. Esse recurso é muito empregado no discurso religioso cristão, quando as ideias de bem e mal, céu e inferno são confrontadas de forma moralista e rígida. A partir desse dualismo religioso, mas antes retórico, construiu-se o maniqueísmo, que foi e é ainda importante para referenciar a moral, as escolhas e os pontos de vista de milhões de religiosos cristãos do passado e na atualidade. Contudo, argumentos fundados na antítese são usados também com frequência em ambientes acadêmicos e científicos. São exemplos desse recurso os seguintes trechos:
“Os ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos espinhos, nasceu, mas afogaram-no: Simul exortae spinae suffocaverunt illud. O trigo que caiu nas pedras, nasceu também, mas secou-se: Et natum aruit. O trigo que caiu na terra boa, nasceu e frutificou com grande multiplicação: Et natum fecit fructum centuplum. De maneira que o trigo que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão funda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus, são as pedras e os espinhos.” (Padre Antônio Vieira)
''Aquele que está disposto a matar pela sua fé é um crente falso. Persegue os outros porque não tem certeza em sua crença. Um cientista nunca se disporá a lutar pelos fatos que aponta. Nenhuma guerra foi originada pela solução de um teorema geométrico. Mas existe a arrogância de se assassinar semelhantes por um sistema de teologia que não passa de um mito e por um conjunto de dogmas que não são mais que opiniões.” (Voltaire)
“A argumentação deve basear-se nos sãos princípios da lógica. Entretanto, nos debates, nas polêmicas, nas discussões que se travam a todo instante, na simples conversação, na imprensa, nas assembleias ou agrupamentos de qualquer ordem, nos Parlamentos, a argumentação não raro se desvirtua, degenerando em ‘bate boca’ estéril, falacioso ou sofismático. Em vez de lidar apenas com ideias, princípios ou fatos, o orador descamba para o insulto, o xingamento, a ironia, o sarcasmo, enfim, para invectivas de toda ordem, que constituem o que se costuma chamar de argumento ad hominem; ou então revela o propósito de expor ao ridículo ou à execração pública os que se opõem às suas ideias ou princípios, recorrendo assim ao argumento ad populum. Ora, o insulto, os doestos, a ironia, o sarcasmo por mais brilhantes que sejam, por mais que irritem ou perturbem o oponente, jamais constituem argumentos, antes revelam a falta deles. Tampouco valem como argumentos os preconceitos, as superstições ou as generalizações apressadas que se baseiam naquilo que a lógica chama, como já vimos, juízos de simples inspeção.” (Othon M. Garcia)
“Todo homem nasce original e morre plágio.” (Millôr Fernandes)
Quanto ao paradoxo, é outra figura de linguagem associada à oposição de ideias, ainda que, nesse caso, elas sejam empregadas de forma inconciliável, impossível ou irrealizável. A intenção dessa associação de termos imprevisível, porque absurda ou inverossímil, é atrair a atenção do interlocutor em função do desafio da decifração do paradoxo, que é, por meios estéticos e refinados, um mecanismo importante de argumentação que auxilia no convencimento do outro por meio das suposições oriundas da decodificação da contradição estabelecida no paradoxo.
“O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, (...) o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. (...) O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz, para que não distinga as cores. (...) E que neste mesmo elemento se crie, se conserve e se exercite com tanto dano do bem público um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor.” (“Sermão de Santo Antônio aos peixes”, Padre Antônio Vieira)
4 – Comparação ou analogia
A comparação, seja objetiva ou subjetiva, é um meio comum de, ao aproximar duas realidades, pessoas ou situações, pelas similaridades e disparidades encontradas, argumentar em favor de um ponto de vista. É um recurso de fácil uso, presente desde a comparação entre a atuação do crime organizado na Itália confrontada com a do crime organizado brasileiro até a construção de metáforas para se enfatizar uma ideia pelo viés conotativo, como é o caso do posicionamento de Albert Einstein sobre o nacionalismo, clara e enfaticamente exposto na expressão: “O nacionalismo é uma doença infantil. É o sarampo da humanidade.”. São exemplos desse tipo de recurso:
“Se naturezas grosseiras e embrutecidas pelo trabalho diário e sem encanto encontram no ópio grande consolo qual não será então o seu efeito num espírito sutil e letrado, numa imaginação ardente e cultivada?” (Charles Baudelaire, “Paraísos artificiais”)
“É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música.” (Honoré de Balzac)
"Como a fotografia é capaz de reproduzir a realidade com mais precisão do que nunca para mostrar a verdade, esse novo meio é inimigo mortal da arte, e, na medida em que o desenvolvimento da fotografia é produto do processo tecnológico, poesia e progresso são como dois homens ambiciosos que se odeiam. Quando seus caminhos se cruzam, um deles deve dar passagem ao outro." (Marshall Berman)
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. O drama do nascimento, o da desmama desenvolvem-se da mesma maneira para as crianças dos dois sexos; têm elas os mesmos interesses, os mesmos prazeres; a sucção é, inicialmente, a fonte de suas sensações mais agradáveis; passam depois por uma fase anal em que tiram, das funções excretórias que lhe são comuns, as maiores satisfações; seu desenvolvimento genital é análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a mesma indiferença; do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto; na medida em que já se objetiva sua sensibilidade, voltam–se para a mãe: é a carne feminina, suave, lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são preensivos; é de uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a mãe, acaricia-a, apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança; manifestam-no da mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários; recorrem aos mesmos ardis para captar o amor dos adultos.
Até os doze anos a menina é tão robusta quanto os irmãos e manifesta as mesmas capacidades intelectuais; não há terreno em que lhe seja proibido rivalizar com eles. Se, bem antes da puberdade e, às vezes, mesmo desde a primeira infância, ela já se apresenta como sexualmente especificada, não é porque misteriosos instintos a destinem imediatamente à passividade, ao coquetismo, à maternidade: é porque a intervenção de outrem na vida da criança é quase original e desde seus primeiros anos sua vocação lhe é imperiosamente insuflada.” (Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”, volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967, 2ª edição, pp. 9-10.)
5 – Intertextualidade
Formas de intertextualidade explícita como a epígrafe, a citação, a alusão, a epígrafe, a paráfrase e a paródia são recursos retóricos muito eficientes e, por isso, muito usados principalmente porque produzem argumentos de autoridade amparados em afirmações tidas como verossímeis e merecedoras de respeito.
Quanto à citação (argumento de autoridade) e à alusão, é perceptível o emprego delas mais frequentemente em textos de caráter científico, visto que eles são construídos com o amparo de argumentos e descobertas anteriores tornados pontos de partida de pesquisas e textos subsequentes. Por isso, especialmente a citação é um pilar do pensamento científico.
"Em apresentações de utopias, a moda em geral está ausente. Já podemos ver isso na 'Utopia" de Thomas More, em que todos usam o mesmo tipo de roupas funcionais que não foram tingidas e não mudaram de forma por séculos. More frisa também que todas as roupas são usadas até que se estraguem. Regimes totalitários também tenderam a levar todos os cidadãos do país a usar uniformes. O 'termo Mao' é um exemplo típico. Borus Goys descreve a moda como antiutópica e antiautoritária porque sua constante mudança solapa a possibilidade da existência de verdades universais que seriam capazes de determinar o futuro." (Lars Svendsen em "Moda: uma filosofia")
O velho Marx tinha razão quando disse: “A religião é o ópio do povo”. Fiéis, no seu fundamentalismo bíblico, encobrem o rosto com o véu do fanatismo e da alienação e ainda acham que tudo não passa de uma tramóia... É lamentável. O neopentecostalismo com a Teologia da Prosperidade não venceu a desilusão do mundo pós-moderno, onde ainda imperam poder, ganância e corrupção." (Celmo Antônio de Araújo, Veja cartas, 24/01/07, p.32)
"Sou contra a descriminalização do aborto porque entendo que a vida humana começa com a fecundação e que, por isso mesmo, é um direito natural que deve ser juridicamente protegida e garantida. Portanto, a descriminalização seria uma legalização às avessas, pois, o que o ordenamento jurídico não tipifica como crime passa a ser permitido. E o que passa a ser permitido? A prática do aborto. E o que é pior: sem nenhuma limitação. Seria o pior dos mundos para os nascituros que, sem defesa, estariam sujeitos a serem eliminados em qualquer fase de sua gestação. Sou contra esta proposta de plebiscito sobre o aborto porque entendo que é inconstitucional uma vez que a Constituição Brasileira, em seu art. 5°, dispõe que o direito à vida é inviolável." (Jaime Ferreira Lopes, Coordenador nacional do Movimento Brasil Sem Aborto)
Quanto à epígrafe, percebe-se que a intertextualidade entre esse texto introdutório e o que ele introduz diz sobre uma compreensão do autor sobre a sua própria obra e sobre como, a partir da intertextualidade, ela pode ser entendida. É um recurso possível em todos os tipos de texto, ainda que mais presente na Literatura, em especial em contos e poemas.
Sobre a paráfrase (argumento de autoridade), entendem-se as razões justificadoras do seu uso de forma muito semelhante às da citação, já que o procedimento de transpor as ideias de alguém para um discurso diferente no mesmo idioma do texto original é um meio de ratificar que as afirmações de alguém sobre um determinado assunto são razoáveis e pertinentes para que esses argumentos sejam recebidos pelos interlocutores de forma mais respeitosa e aberta. A paráfrase pode ser usada ainda como um mecanismo de adaptação de uma mensagem a um novo contexto para atualizá-la ou torná-la mais adequada a ele.
"O desenvolvimento da moda foi um dos eventos mais decisivos da história mundial, porque indicou a direção da modernidade. Há na moda um traço vital da modernidade: a abolição de tradições. Nietzche a enfatizou como uma característica do moderno porque ela é uma indicação da emancipação, entre outras coisas, de autoridades. Mas a moda encerra também em elemento que a modernidade não teria gostado de reconhecer. Ela é irracional. Consiste na mudança pela mudança, ao passo que a modernidade se vê como constituída por mudanças que conduzem a uma autodeterminação cada vez mais racional." (Lars Svendsen)
"Sou pessimista diante da ideia de que o homem, quando nasce, já começa a morrer, como notou Jean Paul Sartre. Mas, na vida, caminhamos rindo e chorando o tempo todo: é preciso, então, aproveitar o lado bom da vida, usufruir o melhor possível e aceitar os outros como eles são. Sempre digo: o importante é o homem sentir como é insignificante, é o homem olhar para o céu e ver como somos pequeninos. Ultimamente, no entanto, tenho me espantado como a inteligência do homem é fantástica! Tenho conversado sobre astronomia. Como é imprevisível o que ele pode criar!" (Oscar Niemeyer)
Já no caso da paródia, há uma intenção humorística, ou até sarcástica, na escolha de produzir um texto sob uma perspectiva intertextual, que é de criticar, satirizar as ideias e as concepções do autor de um filme, uma música, um livro, etc. Bandas como Língua de Trapo e Mamonas Assassinas, grupos humorísticos como o Casseta e Planeta, TV Pirata, Porta dos Fundos, Parafernalha, entre outros, usam a paródia para demarcarem posicionamentos sobre diversos assuntos, em especial os costumes de um povo, a vida política de um país, as celebridades, etc. Uma paródia pode ser usada para produzir uma caricatura de alguém com a ajuda de uma figura de linguagem chamada hipérbole ou mesmo para criticar discurso preexistente ao recriá-lo numa versão que hipertrofia, maximiza, ignora, extrapola ou agrava determinada característica com o objetivo de conseguir um efeito ao mesmo tempo cômico, difamatório e crítico em diferentes intensidades que dependem de um lado do interesse do autor de um texto em relação á intensidade com que quer criticar o texto, a pessoa ou a manifestação a ser parodiada e, de outro lado, da capacidade do interlocutor de percebê-los e relacioná-los com a obra parodiada.
6 – Retificação e ratificação
A retificação é um recurso argumentativo mais comum ao discurso espontâneo e oral, como meio de mostrar atenção ao que se diz, ou mesmo como forma de corrigir a si mesmo antes que outros o façam e enfraqueçam ainda mais a tese defendida em um texto.
“Se foi tão nobre a invenção do barco que leva de um lugar a outro as riquezas e os prazeres da vida e comunica entre si as regiões mais distantes para que compartilhem seus diversos produtos, muito mais se deve exaltar aos livros que, como os navios, atravessam os extensos mares do tempo e permitem aos homens participar da sabedoria, das luzes e dos descobrimentos das idades mais remotas.” (Francis Bacon)
Quanto à ratificação, é um recurso mais contundente e acertado de produzir impressões positivas em relação a determinado posicionamento, que, por ser reforçado e confirmado, ganha maior chance de alcançar confiabilidade por parte dos seus receptores.





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