segunda-feira, 31 de março de 2014

MONTEIRO LOBATO - URUPÊ - RESENHA CRÍTICA

Urupês é uma coletânea de contos e crônicas do escritor brasileiro Monteiro Lobato, considerada sua obra-prima e publicada originalmente em 1918. Inaugura na literatura brasileira um regionalismo crítico e mais realista do que o praticado anteriormente, durante o romantismo. A crônica que dá título ao livro traz uma visão depreciativa do caboclo brasileiro, estereótipo contrário à visão romântica dos autores modernistas.

Os contos do livro são:

Os faroleiros
O engraçado arrependido
A colcha de retalhos
A vingança da peroba
Um suplício moderno
Meu conto de Maupassant
"Pollice Verso"
Bucólica
O mata-pau
Bocatorta
O comprador de fazendas
O estigma
Velha Praga
Urupês

Monteiro Lobato escreve com um tom moralizante e didático que também aparece nas obras infantis, além do apreço pela linguagem e gramática. 

Dentre seus personagens, Monteiro Lobato apresenta o homem como produto do meio, como por exemplo o caboclo Jeca Tatu.

Tipos oportunistas, como o malandro vigarista, estão presentes em Urupês, por isso é preciso compreender muito bem o contexto histórico-social brasileiro do período, pois o autor está intimamente relacionado a ele. 

Suas descrições minuciosas de um Brasil primitivo, arborizado e provinciano fazem o leitor ser transportado para o período em que a história é narrada.

O autor, preocupado em reproduzir nos textos a riqueza da fala brasileira da zona rural, com seus coloquialismos e neologismos tipicamente orais, tem no recurso da oralidade a maior ousadia, pois nessa época o uso do português coloquial em obras era visto como algo “inferior” e sem valor literário. Pode-se dizer, então, que a obra antecede as convenções estilísticas propostas pelos modernistas da Semana de 22. 

Em ''Velha Praga'' originalmente um artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, passsa a ser publicado como parte da obra, uma vez que daí que vem a inspiração para o livro. Nesse texto, o autor denuncia as queimadas praticadas pelos caboclos nômades na Serra da Mantiqueira e os problemas por elas causados. Ao mesmo tempo, mostra o descaso em que essas pessoas vivem.

Jeca Tatu é o representante máximo do caboclo que vive na preguiça, alimentando-se e daquilo que a natureza lhe oferece, sem nenhum tipo de educação e alheio a tudo o que acontece pelo mundo. Sertanejo preguiçoso, cachaceiro e analfabeto, representa a ignorância do homem do campo...

É a denúncia do descaso do governo com relação às pessoas da zona rural uma vez que, segundo Monteiro Lobato, “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”. 

Lobato faz críticas às práticas devastadoras da natureza (queimada, derrubada de árvores, desmatamento) e culpa o homem rural por não ter consciência da preservação da natureza.

Apresenta, nesta obra, um estilo cheio de afeições amorosas e pela presença da morte.

Vejamos um exemplo no conto ''Bucólica'' – ele era um amante da natureza, gostava das flores... Era sensível. Ficou sabendo que a Anica tinha morrido, perguntava do quê, mas ninguém sabia responder. Tinha morrido. Só isso podiam e sabiam dizer. Finalmente encontrou Inácia, uma agregada da casa dos Suãs – família da menina – essa saberia do que a menina tinha morrido. A negra contou. A menina tinha morrido de sede! Era aleijada, estava doente e então Inácia foi ao bairro do Libório, mas começou a chover e ela ficou presa por lá. À noite, Anica pediu água para a mãe, mas ela não buscou e a pobre, já sofrendo na cama, ficou a gemer com sede. Encontraram o corpo dela na cozinha, aos pés do pote de água. Não conseguiu nem alcançar o pote, a caneca estava como antes, toda a cozinha estava como antes, exceto pelo corpo da aleijada que se arrastou até lá para morrer de sede tão perto da água.


O termo urupês tem sua origem no termo tupi-guarani uru-pê, forma abreviada de urupeba, fungo “orelha-de-pau” que cresce na madeira velha ou apodrecida.

domingo, 30 de março de 2014

CRÔNICA DE UMA DITADURA ANUNCIADA - 1964 / 2014


Não. O ano não é 2014. Estamos falando de 50 anos atrás, quando uma sucessão de crises (econômicas, políticas, sociais) acompanhada de uma série de desmandos deu origem ao Golpe Militar do dia 31 de março de 1964 (ainda que alguns digam que a data correta do levante, pelo desdobramento dos acontecimentos, seria o dia 1º de abril, mas que foi registrada de forma adiantada pelos militares para evitar tão infeliz coincidência – que talvez se mostrasse um mau presságio para tão infeliz acontecimento).
Ao contrário do que muitos costumam pensar, os conflitos que direcionaram os militares para o Golpe de 1964 não tiveram início em 1961 com a até hoje inexplicada renúncia de Jânio Quadros à presidência da República.  
Para podermos nos localizar no tempo e entender a dinâmica que deu origem ao golpe, devemos retornar a 1955, quando Juscelino Kubitschek foi eleito para suceder o mandato que não fora concluído por Getúlio Vargas. Juscelino teve dificuldade em lançar sua candidatura, pois os militares vetavam-na por acreditar que os comunistas o apoiavam.  Devemos nos lembrar de que estamos no período de Guerra Fria – (EUA vs URSS, capitalismo vs comunismo) e que o medo de uma revolução comunista habitava os países latino-americanos.
Há muito custo Juscelino consegue candidatar-se. Nesta época, votava-se em separado para presidente e vice-presidente e Juscelino (do Partido Social Democrático - PSD) tem como vice João Goulart (do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB), o Jango, que obteve mais votos do que o próprio presidente eleito. Para assegurar a posse dos dois, o então Ministro da Guerra, Gal. Henrique Teixeira Lott, depôs o presidente interino, Carlos Luz (da União Democrática Nacional - UDN) que, suspeitava-se, não daria posse ao novo presidente eleito. Com isso, o Brasil é presidido até 31 de janeiro de 1956, sob estado de sítio, por Nereu Ramos, presidente do Senado Federal, do mesmo partido de JK. 

Foi sob esta pressão política que JK cumpriu todo o seu mandato, porém sem maiores sobressaltos, conseguindo implementar algumas realizações como a construção da nova capital federal Brasília, estabelecer um processo de rápida industrialização com foco na indústria automobilística, e propiciar um forte crescimento econômico. Deixou, porém, como herança um aumento na dívida pública interna e na dívida externa, com reflexos em um aumento da inflação. 

Juscelino é sucedido, em 1961, por um candidato apoiado pela oposição, Jânio Quadros, que apresentava propostas de combate à corrupção, de modernização na forma da administração pública e no combate a inflação. Mais uma vez o vice-presidente é João Goulart, de chapa de oposição a Jânio. Anticomunista, mas adepto da provocação e da criação de fatos que o mantivessem na mídia, Jânio Quadros condecorou com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul o guerrilheiro Ernesto Che Guevara, um dos principais líderes da revolução que, em 1959, instituiu o regime comunista em Cuba, sob as mãos de Fidel Castro. Grupos militares sentiram-se provocados e a oposição, especialmente Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, aproveitou-se deste fato para tensionar o momento político.

Propondo um plano de política externa independente, nem ligada aos EUA nem tampouco a URSS, Jânio Quadros acabou por desagradar aos interesses americanos e a mídia nacional, capitaneada por Roberto Marinho (das Organizações Globo) e Júlio de Mesquita Filho (do jornal O Estado de São Paulo), passa a acusar o seu governo de aproximar-se do comunismo.
Sem suporte no Congresso Nacional, e pressionado pelos ministros militares, Jânio renuncia em 25 de agosto de 1961, informando que toma tal atitude pois “Forças terríveis levantam-se contra mim”. 
Seu vice, João Goulart, encontrava-se em missão diplomática na República Popular da China, justamente um país comunista. Por seus vínculos com políticos de esquerda, em especial do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Comunista Brasileiro (PSB), alguns setores militares cogitam vetar sua posse como presidente da República a ponto dos três ministros militares divulgarem um manifesto contra a sua posse e que descrevia Jango como um agitador com simpatia pela União Soviética e pela China e que, se assumisse o poder, levaria o país a um período “de agitações sobre agitações, de tumultos e mesmo choques sangrentos nas cidades e nos campos, de subversão armada”.
Ao retornar ao Brasil, Jango teve que aguardar no Uruguai até que o Congresso Nacional e os militares chegassem a um consenso sobre a sua posse. Neste meio tempo, Leonel Brizola, seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, organizou a Campanha da Legalidade para defender a posse de João Goulart.
Em setembro de 1961, por fim,  o Congresso Nacional aprovou o sistema parlamentarista, o que permitiria manter João Goulart na presidência, porém com perda de parte de seu poder que passaria para as mãos de um primeiro-ministro. Assim, em 8 de setembro Jango toma posse como presidente enquanto Tancredo Neves chefia o governo na posição de primeiro-ministro. 
Em 1962 o PTB de Jango conseguiu dobrar sua representação na Câmara dos Deputados passando a controlar a segunda maior bancada da casa. Jango também consegue antecipar o plebiscito para decidir entre a permanência do parlamentarismo e o retorno ao presidencialismo. Com uma forte campanha do governo, o presidencialismo é escolhido por 80% dos votantes e seu retorno se dá em janeiro de 1963.
Durante o ano de 1963, além do retorno do presidencialismo, tem-se um grande número de acontecimentos que acabam por abalar a estabilidade política do governo. O Plano Trienal, conjunto de reformas institucionais para atacar os problemas estruturais do país, não mostrou resultados, em grande parte por não ter contado com o apoio dos sindicatos nem dos empresários, e a economia encontrava-se em crise. Acrescente-se ainda o poder da direita que continuou com maioria no Congresso, maioria esta advinda do apoio clandestino fornecido pelos EUA que forneceu milhões de dólares para as campanhas de candidatos que faziam oposição a Jango.
Para piorar, tem-se ainda a revolta dos sargentos da Aeronáutica e da Marinha contra a decisão do Supremo Tribunal Federal de não permitir a eleição de sargentos para o legislativo. A posição de neutralidade do presidente acabou desagradando a grande parte das Forças Armadas que viu nessa atitude um desrespeito à hierarquia militar. Jango hesitava por necessitar do apoio da esquerda para enfrentar os adversários da direita, como Carlos Lacerda, que clamava aos militares que tomasse uma atitude para tirar Jango do poder.
Com todas estas situações a lhe minar as forças, Jango via-se constantemente pressionado pela direita e pela esquerda, ambas demonstrando um profundo desprezo pela democracia que então se mostrava cambaleante. Assim, aceitando uma sugestão dos ministros militares e alegando que a radicalização política ameaçava a segurança do país, Jango propôs então ao Congresso a decretação de estado de sítio. O plano de Jango era utilizar o estado de sítio para intervir em estados como a Guanabara de Carlos Lacerda. O pedido não encontra apoio da maioria dos parlamentares, pois até seus aliados viram nesse decreto a possibilidade de serem atingidos, sendo então retirado pelo presidente três dias depois. O vai e vem da proposta do estado de sítio serviu para fragilizar seu governo ainda mais.
Com a crise econômica batendo a sua porta e com a oposição de militares, o presidente procurou, enfim, mostrar estava no comando da situação e buscou se fortalecer, participando de manifestações e comícios que defendiam suas propostas. 
Fundamental para entender os rumos dos acontecimentos foi o comício de 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de 150 mil pessoas, incluindo sindicatos, associações de servidores públicos e estudantes.  Conhecido como Comício da Central do Brasil, ou Comício das Reformas, pois ali João Goulart deu uma guinada forte em direção à realização das reformas de base, dentre as quais se encontrava, por exemplo, a proposta de reforma agrária com a desapropriação de terras de particulares. Foi um comício em que, junto com as bandeiras vermelhas do PCB viam-se também faixas pedindo a ampliação do tempo de governo de Jango, o que deu a entender que pairava uma ameaça golpista no ar de parte dos partidários do presidente.
Entre os quinze discursos que precederam Jango, dentre os quais se destacavam a do então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra, e do governador de Pernambuco, Miguel Arraes, ouviam-se pregações contra a política conciliadora do presidente com setores conservadores, em especial vindas de seu cunhado, Leonel Brizola, que colocou o presidente contra a parede: “O nosso presidente que se decida a caminhar conosco e terá o povo ao seu lado; quem tem o povo ao seu lado nada tem a temer”. 
O presidente, então, em seu discurso de 54 minutos, anunciou uma série de medidas: defendeu a reforma da Constituição para ampliar o direito de voto a analfabetos e militares de baixa patente, anunciou que tinha assinado um decreto transferindo para o governo o controle de cinco refinarias de petróleo privadas e outro que desapropriava as terras às margens de ferrovias e rodovias federais com indenização paga com títulos da dívida pública, o que ia contra a Constituição, que previa desapropriações mediante indenização prévia em dinheiro.
Jango, em sua mensagem anual ao Congresso, informou que apresentaria uma proposta para apressar as desapropriações de terras, além de projetos de reforma bancária, administrativa, universitária e eleitoral, esta última objetivando dar a analfabetos, sargentos e praças o direito de votar e disputar eleições. Jango buscava ainda obter poderes legislativos para o Executivo para facilitar a aprovação das reformas e a convocação de um plebiscito sobre as reformas de base. Tais ações só fortaleceram em seus opositores a certeza de que Jango caminha em direção a um golpe e em seus apoiadores a ânsia em provocar situações que os levariam a tomar de vez o poder de tal forma que não contassem com a oposição das forças conservadoras do país. 
Em resposta ao que foi considerada uma provocação do governo à ordem democrática e uma guinada fortíssima em direção à esquerda, em 19 de março, em São Paulo, foi organizada a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, cujo objetivo era mobilizar a opinião pública contra o governo de Jango e a “ameaça comunista”. Aproximadamente 300 mil pessoas fizeram uma passeata no centro de São Paulo. 
A Marcha contou com o apoio de líderes religiosos (alguns do quais, futuramente, viriam a se posicionar de forma brava e corajosa contra a ditadura militar), bem como com o apoio de lideranças políticas como o governador de São Paulo, Adhemar de Barros representado pela esposa, e o governador do estado de Guanabara, Carlos Lacerda (sim, o mesmo que foi estopim da crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, que encampou o tensionamento político contra o governo de Jânio Quadros, e que fora chamado de energúmeno por Leonel Brizola em seu discurso na Central do Brasil seis dias antes) além de Auro de Moura Andrade, presidente do Senado e do Congresso e que, mais a frente, teria um papel importante na efetivação do golpe.
Em 20 de março de 1964, o general Humberto Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, envia uma circular reservada aos oficiais do Exército, advertindo contra os perigos do comunismo e classificando como ilegal a atuação do Central Geral dos Trabalhadores - CGT e revolucionária, para não dizer golpista, a ideia de uma Constituinte.
Uma semana após, precisamente no dia 28 de março, os marinheiros e fuzileiros navais comemoravam, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, os dois anos da sua associação (que era considerada ilegal) quando o ministro da Marinha, Silvio Mota, mandou prender seus organizadores. Os fuzileiros enviados aderiram aos insubordinados e Jango acabou por demitir Silvio Mota logo depois, assumindo mais uma vez uma postura que provocou a indignação dos oficiais da Marinha.
No dia 30 de março, Jango compareceu a uma festa promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, na sede do Automóvel Clube do Brasil, onde se sentou ao lado do líder da rebelião dos marinheiros e fez um discurso incendiário em que atribuiu a responsabilidade por um possível derramamento de sangue aos seus inimigos políticos que estavam em uma poderosa campanha contra o governo: “A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da ignorância”.
No dia 31 de março o general Olympio Mourão Filho dá início ao golpe durante a madrugada ao encaminhar suas tropas (antes do esperado pelos próprios conspiradores) de Juiz de Fora (MG) até o Palácio das Laranjeiras, no Rio, onde estava o presidente. O comandante do 2º Exército, Amaury Kruel, amigo pessoal de Jango, pede, por telefone, ao presidente que dissolva a CGT e demita ministros de esquerda. Como o presidente recusa ele alia-se aos golpistas.
No dia 1º de abril de 1964, o Forte de Copacabana é tomado pelos militares golpistas que defendem o Palácio da Guanabara, residência do governador Carlos Lacerda. No Recife, o governador Miguel Arraes é preso e, no Rio, a sede da UNE é incendiada. Jango retorna a Brasília de onde é aconselhado a ir para Porto Alegre, onde é recebido por Brizola. Brizola sugeriu um novo movimento de resistência, mas João Goulart não aceitou, para evitar o derramamento de sangue que ele sabia que adviria de uma guerra civil.O Gal. Arthur da Costa e Silva se autonomeou comandante-em-chefe do Exército e assumiu a frente do Comando Supremo da Revolução, que também incluía um representante da Marinha e um da Aeronáutica.
No dia 2 de abril, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional, convocou durante a madrugada uma sessão extraordinária no Congresso e declarou a vacância de João Goulart no cargo de presidente, ignorando a informação passada por Darcy Ribeiro, seu Chefe de Gabinete, de que Jango estava no Brasil. Foi entregue o cargo de chefe da nação novamente ao presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli (ele havia assumido anteriormente a presidência após a renúncia de Jânio Quadros, enquanto Congresso e militares discutiam a posso de Jango). O general Costa e Silva enviou um comunicado aos militares se autonomeando comandante-em-Chefe do Exército.
Jango escondeu-se em São Borja, no Rio Grande do Sul, partindo no dia 4 para o exílio no Uruguai mudando-se mais tarde para a Argentina, onde faleceu em 6 de dezembro de 1976, de ataque cardíaco. A ditadura negou seu enterro com honras de chefe de estado, como já havia feito com JK, que morrera alguns meses antes, em 22 de agosto.
Em 9 de abril Costa e Silva edita o Ato Institucional nº 1 (AI-1). Ele permite a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos. Na ocasião foram cassados os mandatos de 40 membros do Congresso Nacional, que tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos, junto com outras 87 pessoas, dentre as quais o próprio Jango. Também foram transferidos 146 militares para a reserva. Também foram marcadas eleições indiretas em dois dias para Presidência e vice-presidência da República.
Em um Congresso Nacional já esvaziado devido a cassações e prisões, Costa e Silva anuncia, em 15 de abril, o Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco como o novo presidente, com mandato definido até dezembro de 1966. Castello Branco havia se juntado ao golpe algumas semanas antes, e por seu grande prestígio despontou como favorito para liderar a formação de um novo governo, especialmente pela garantiria que oferecia de uma rápida devolução do poder aos civis. Políticos golpistas, como o Carlos Lacerda e o governador mineiro e banqueiro Magalhães Pinto, e oposicionistas ao golpe, como Juscelino Kubitschek, votaram em Castello Branco, pois viam nele a possibilidade de retorno às eleições democráticas para presidente em 1965, da qual todos eles tinham grande interesse em participar. 
Entretanto, havia uma grande parte da caserna que pedia que fosse adotada uma linha mais dura no poder.   Com a derrota dos candidatos do governo nas eleições estaduais de 1965 Castello Branco viu-se obrigado a editar o Ato Institucional nº 2 (AI-2) que extinguiu os partidos políticos e cancelou as eleições diretas para presidente. A Revolução, como os militares até hoje tentam vender a imagem do Golpe de 64, ficava cada dia mais parecida com a feia ditadura que veio a se tornar.
Mas vamos dar mais uma olhada nos rumos dos acontecimentos:
Não. O ano não é mais 1964.
Agora estamos em 2014 e vemos, 50 anos depois, a história se repetindo em muitos aspectos. Entretanto, não é porque as peças estão dispostas da mesma forma que se deve utilizar a mesma estratégia de jogo. Até porque, como já sabido, da forma como foi anteriormente jogado não dá para dizer que houve vencedores. Se não dá para mudar as peças, que se mudem as estratégias. E para isso a democracia tão duramente reconquistada nos dá o direito de mudarmos os jogadores. 
Buscando saber mais?
Livros:
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada.  2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/
GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/
GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/
GASPARI, Elio. A Ditadura Encurralada. 2ª Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. Mais informações disponíveis em  http://arquivosdaditadura.com.br/
CONY, Carlos Heitor. O Ato e o Fato: o som e a fúria das crônicas contra o Golpe de  1964. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil nunca mais. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985. Mais informações disponíveis em http://bnmdigital.mpf.mp.br/
Filmes:
Jango. Direção de Silvio Tendler, 1984.
O que é isso, companheiro? Direção de Bruno Barreto, 1997.
Pra frente, Brasil. Direção de Roberto Farias, 1982.
Lamarca. Direção de Sérgio Rezende, 1994.
Marighella. Direção de Isa Grinspum Ferraz, 201


segunda-feira, 17 de março de 2014

MOMENTO DO ENSINO NACIONAL

Levando em consideração que historicamente o ensino sempre foi a mola mestra para o desenvolvimento da sociedade, primeiro pelos escribas da antiguidade, mestres artesãos medievais, escolas e universidades católicas na transição do feudalismo para o capitalismo, observamos a partir do século XIX, a ilustre arte de ensinar e aprender, formando pessoas e desenvolvendo a humanidade, por intermédio da ciência e tecnologia.
No que diz respeito à secular disputa entre o capitalismo e o socialismo, observamos que o ensino se adequa conforme a ideologia vigente, podendo trazer benefícios ou malefícios à sociedade.
Dentro de um sistema capitalista/liberal temos como premissas a liberdade e o esforço individual do cidadão em alcançar seus objetivos, pautado no empenho e meritocracia nos seus estudos para desenvolver sua capacidade intelectual e empreendedora. Porém, vejamos um pouco mais atrás no tempo e afirmo que a humanidade sempre foi dividida em dois grupos: os que mandam e os que obedecem, segundo Aristóteles. Não quero com esta afirmativa simplesmente dizer que os que obedecem não tenham capacidade ou direito(?) de melhorar sua condição intelectual e avançar, alçando vôos maiores, mas o que seria da sociedade se todos fizessem parte só um ou outro grupo?
No modelo socialista temos a utopia de reconstruir, refundar, trabalhar para uma sociedade ideal e perfeita, por intermédio de inclusões, nivelamentos sociais, derrubada do modelo anterior e implantação do novo modelo, o socialista, pela mão invisível do Estado que planeja, promove e executa.
Tem no seu projeto de ensino, a proposta de emancipação do conhecimento, pautado na construção individual do aluno através da sua realidade, o conhecimento necessário para sua evolução e desenvolvimento como cidadão, isso, algo tão utópico e absurdo quanto a própria teoria marxista que sustenta o projeto igualitário e inclusivo do socialismo.
Incluir significa criar um grupo mediante parâmetros pré-estabelecidos por alguém, aqui temos a primeira atuação forte da mão estatal, que através de seus parâmetros socialistas, descabidamente nivela para limitar a ascensão e para mais facilmente dominar, já que dentro do seu discurso de promoção da educação inclusiva, observa-se um tom romântico e humanista que é de muito preocupante. Afinal, igualar crianças e jovens independentemente se há ou não grandes diferenças entre eles é sinônimo de que todos avançarão para a mesma direção ou que poderá haver uma estagnação intelectual de ambos? Não é difícil de responder esta questão, basta usar a lógica.
Quero deixar claro, que o Estado, que prática o ensino ideologizante, não quer ter cidadãos, mentes pensantes e inovadoras, mas pessoas limitadas e aprisionadas nas garras do Estado, que as priva do verdadeiro ensino, que forma e capacita e que de forma publicitária exibe meia dúzia de modelos de ensino de sucesso como se em todo o território nacional fosse assim, o que é uma grande mentira.
Até meados dos anos 80, prevaleceu no país o modelo de ensino promovido pelo regime militar, baseado na pedagogia de Skinner, pedagogo norte americano, que tinha como pressuposto que o treinamento, disciplina e a meritocracia eram as melhores ferramentas para o ensino.
No entanto, os governos posteriores adotaram uma visão marxista de ensino, afirmando que o modelo Skinneriano não formava pessoas, mas apenas criava "massa de manobra" sem autonomia de pensar e criticar.
Pois bem, o modelo Paulo Freire, a principio criado para jovens e adultos, hoje é aplicado abolindo certas ferramentas necessárias para a boa formação, a avaliação dos estudantes acabou por ser um proforma de sala de aula e os resultados todos nós sabemos nos índices apresentados periodicamente.
Muito curioso é vermos o ensino nacional em queda livre, criando uma massa de aculturados com certificados na mão e sem capacidade intelectual para exercer seu papel na sociedade, se limitando a formar o exército de reserva(desempregados) ou a pleitear trabalhos de baixo nível, sem contar a dependência de projetos sociais.
O ensino básico dividido é duas fases: Educação Infantil e Fundamental.
A educação infantil, antiga pré-escola, se tornou uma espécie de escolinhas privadas/creches mantidas pelo Estado com a finalidade de dar condições dos pais poderem trabalhar.
O ensino fundamental, antigo ginasial, se tornou outro modelo de creche, onde alunos desestimulados pela metodologia, falta de meritocracia e tutelados pelo ECA, fazem da escola um refúgio sem o menor interesse aos estudos. Citei o ECA, não obstante ser a ferramenta que o Estado usa para desvirtuar os valores familiares e porque não escolares no que tange a autoridade e a disciplina que ambos tentam exigir e o ECA neutraliza, blindando menores contra as ações que irão valorá-lo no futuro.
O Ensino Profissionalizante ou Médio, antigo cientifico/segundo grau, repete a realidade do ensino fundamental, com um diferencial, que de alguma forma tenta sem sucesso preparar/corrigir em parte o desastre do ensino fundamental em algumas disciplinas e tendo como fator de estímulo aos estudantes a entrada para a universidade. Sem sucesso. O grande caos educacional se encontra no policiamento da classe dos pedagogos que retiraram do professor sua autonomia e autoridade em sala de aula, acrescendo de tarefas burocráticas que não corroboram para o docente. Sem contar que pedagogos. Formados para atuar na alfabetização e na burocracia escolar, atuam sem preparo em salas de aula do ensino fundamental e médio.
Tirante esses fatos e exemplos da realidade do ensino básico que fundamenta e prepara o jovem para a universidade, é unânime dentro da docência a incapacidade metodológica aplicada e os parâmetros de função da pedagogia não corroboram para um ensino de qualidade.
As faculdades e universidades nos últimos 20 anos vêm progressivamente recebendo jovens mal preparados e orientados para a vida acadêmica, onde o simples exercício de leitura, escrita e interpretação, literalmente não é possível ser ministrado, afinal tanto foi desconstruído o ensino através destas ferramentas básicas, que ao chegarem ao ensino superior simplesmente não sabem ou conseguem pratica-la.
A pedagogia construtivista aplicada no ensino fundamental e médio, literalmente, atrofia a capacidade de aprender, através do seu mundo lúdico de ensinar e crer que o aluno, seja criança ou jovem, tem a capacidade de construir seu conhecimento. Nada disso. A única construção do construtivismo freiriano são jovens irresponsáveis, desestimulados e utópicos que acham que tudo ou quase tudo acontece sem esforço e dedicação.
A proliferação de escolas e faculdades públicas/privadas no período dos governos social democrata e socialista(PSDB/PT) foram importantes no que tange á visão de concorrência e oportunidades, mas quando observamos o MEC ditando as regras através do PCN e PNE para os três níveis de ensino incluindo o EAD, podemos ter de forma velada a chamada ditadura do ensino através do discurso de inclusão, onde rede pública e privada do ensino básico usam os mesmos livros didáticos, metodologia e policiamento pedagógico aos docentes, ou seja, o Estado promove o modelo de ensino que acredita ser ideal, não mais tendo a opção privada, pois este ou segue o modelo estatal ou pode perder o seu registro de funcionamento.
Com relação ao modelo EAD de ensino, observamos ser o formato que contempla apenas tão somente aos jovens que acreditam que apenas um diploma mudará sua vida.
É de longa data e de ciência de boa parte dos docentes e acadêmicos, que a pesquisa e a inovação tecnológica no ensino estão literalmente sucateadas e os poucos centros, que ainda produzem algum produto inovador nos ambientes acadêmicos, são apenas para serem usados na propaganda do Estado, onde não há um ensino de qualidade desde a base, nenhuma universidade entre as melhores do mundo, nenhum trabalho cientifico relevante divulgado e a maior prova do descaso e da falência do ensino nacional são os brasileiros atuando em academias estrangeiras, desenvolvendo o que poderiam fazer aqui, mas sem incentivo, acabam por se mudar para outros países e deixando projetos relevantes vinculados a universidades estrangeiras.
O problema: ensino nacional, se resolve facilmente: desvinculando o ECA do ensino, mudando a metodologia(construtivismo) por uma que realmente ensine e produza bons estudantes e futuros cidadãos, acabando com a ditadura do MEC ideologizador sobre as instituições de ensino, tratar os estudantes com o respeito que precisam para se desenvolverem como cidadãos, acabando com essa inclusão que não inclui ninguém, mas cria uma massa de jovens "imbecilizados" e nivelados por baixo.
Estruturalmente o ensino está literalmente sucateado e na prática os ditames de Gramsci se fazem cada dia mais presentes e atuantes para o cenário revolucionário que vive o país.
As observações acima citadas estão balizadas no texto constitucional:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
IX - educação, cultura, ensino e desporto.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Nesse artigo e inciso, podemos observar que existe claramente uma diferença entre educação e ensino. No caso da educação, ela é dever da família, ficando o Estado como um salva guarda em casos extraordinários onde a família não tem a capacidade para tanto, pois o Estado não tem a primazia de substituir a família.
O ensino é dever do Estado no que tange a organização e as diretrizes, porém é salvo guardado na constituição que o Estado proteja a pluralidade do ensino e do pensamento, algo que há muito tempo é descumprido, como podemos observar nos livros didáticos da FNLD distribuídos para as redes de ensino, onde a doutrinação e a falta de conteúdo necessário ao ensino é gritantemente visível.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
   I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
   II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
   III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica...
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado...
Pautado nos três artigos, deixo as seguintes considerações:
A confusão epistemológica criada propositadamente pelo Estado entre os termos educação e ensino é explicita, no momento em que o legislador constituinte originário esclarece as diferenças entre as denominações e suas funções legais, não obstante o ensino ser um direito do cidadão a sua permanência no estabelecimento escolar é uma opção dentro da liberdade que o cidadão tem por força constitucional.
O inciso I expõe, "Igualdade de condições para o acesso...", esta afirmação do texto constitucional deixa claro que qualquer tipo de cota ou privilégio ao acesso ao ensino está fora do contexto legal.
O inciso II, "pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas"... Esta afirmação tem no seu teor o bom senso democrático e o respeito às liberdades de um estado democrático de direito, no entanto na práxis o que observamos nos últimos dez anos é a implementação de um sistema de ensino engessado em uma cartilha pedagógica única (construtivismo) e um alinhamento ideológico explicito, observado nos teores e informações dos livros didáticos das redes públicas e privada.
O art. 207. "As universidades gozam de autonomia didático-científica"...se analisarmos a realidade universitária encontraremos uma tomada da politica ideológica e confirmando a constatação do padrão marxista/gramiscista, inclusive no ensino superior, onde incluiria uma politização exacerbada do ambiente acadêmico através dos DCE's, explicitando a atuação partidária no ambiente onde a ciência e o conhecimento deveriam imperar, que o diga os alunos da USP, UNICAMP, UFF, USFC...
O art. 208. "O dever do Estado com a educação será efetivado"...novamente observamos a tentativa do Estado em ser o mantenedor e promotor da educação(?) mantendo a interpretação errônea do termo educação. Este dever estatal se limita quando houver ausência da atuação familiar, mas se o termo educação se refere ao ensino, esta atuação é na efetivação estrutural e organizacional, respeitando as liberdades dos cidadãos e das instituições de optar, gerir e praticar as metodologias/didáticas que acharem mais eficazes para o ensino de seus discentes.
Concluo, acreditando que as observações e exemplos reais citados e comentados possam contribuir para a reflexão e elaboração do PNE que irá direcionar os rumos do ensino nacional nos próximos dez anos.


domingo, 16 de março de 2014

RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO

Retórica e argumentação
“A argumentação não age sobre evidências. O que é evidente não necessita nem de demonstração nem de apresentação de argumentos a favor ou contra. A argumentação não pode ser a afirmação da verdade, porque todo o verdadeiro diálogo nunca esgota a possibilidade de investigação da verdade.”
(Carlos Ceia)
“Argumentar é, em última análise, convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões, em face da evidência das provas e à luz de um raciocínio coerente e consistente.”
(Othon M. Garcia)
A Retórica é a ciência que reúne técnicas de organização do discurso utilizadas com o intuito de convencer um interlocutor por meio de estratégias linguísticas, argumentativas e estruturais (recursos retóricos) que fazem determinado conteúdo ou informação mais potente e persuasivo. Ainda que na Antiguidade Clássica, em especial na Grécia, esteja a origem dessa ciência e o uso consciente e predominantemente oral dessas técnicas, na maioria das vezes, em favor da dialética e da democracia, posteriormente, ela passou a ser vista como sinônimo de discursos empolados, vazios ou mal intencionados.
Essa concepção equivocada era frequentemente associada aos estudos retóricos até o início do século XX, quando princípios dessa ciência passaram a ser estudados com mais seriedade e menos afetação. Hoje, além de ser amplamente estudada na academia, ela pode ser percebida também com grande intensidade no discurso escrito, ou mesmo em discursos que contenham linguagem verbal e não verbal ao mesmo tempo, como é o caso muito frequentemente estudado do discurso da propaganda.
Assim, a Retórica manifesta-se em diversos contextos e por muitos meios na sociedade atual, são exemplos os casos de letras de bandas como O Rappa e Rage Against the Machine, como “Lado B Lado A” e “Freedom” respectivamente. Grande parte da obra de Chico Buarque também pode ser vista como detentora de uma intenção, às vezes, velada, de argumentar em favor de uma causa ou de uma ideologia, são exemplos as músicas “Deus lhe Pague”, “Construção”, “Cálice”, etc. Ainda que, pode-se entender que quaisquer textos carregam uma intencionalidade, o que faz deles mesmo que de forma sutil ou quase imperceptível argumentativos, o que muitas vezes inclusive os torna ainda mais potentes, justamente por serem reconhecidos popularmente como não providos de argumentos ou de defesas de uma dada e determinada concepção de mundo, são exemplos a maioria das narrativas literárias que para muitos são desprovidas de argumentação, mas são, ao contrário, carregadas de concepções de mundo e de argumentação como é o caso do machismo e do maniqueísmo típicos dos contos de fadas.

Nas artes visuais, foram vários os artistas que tiveram o objetivo de com suas obras expor um ponto de vista acerca de um fato, um acontecimento histórico ou mesmo uma pessoa, são os casos da série de quadros “Judith” de Artemisia Gentileschi; do quadro “Guernica”, de Picasso; da arte pop de Andy Warhol, etc.
artemisia

Guernica



Athlete

A Retórica (a dialética e a gramática) era uma das "três artes liberais" ou "trivium" ensinadas em diversas faculdades da Idade Média. Atualmente, um dos espaços mais privilegiados da Retórica é a publicidade, já que ela é um elemento crucial para alcançar o objetivo de uma propaganda e mesmo da linguagem publicitária. A Retórica, nesta área do conhecimento humano, é usada amplamente no sentido de tornar produtos ou ideologias mais atraentes para seus consumidores, ainda que que alguns processos de construção de argumentos para se justificar o consumo sejam construídos por meio de exageros, falácias, mentiras ou manipulações, como é o caso das propagandas de sabões em pó até o início do século XXI. É importante ressaltar que, quando empregada de forma eticamente responsável, ela pode ajudar tanto a construir mensagens muito persuasivas quanto ricas estética e ideologicamente, como é o caso das polêmicas e instigantes campanhas da Benetton a seguir:





Importante também é ressaltar que a imagem, dessa forma, pode constituir uma peça retórica em virtude das ideias que implícita ou explicitamente ela defende ou evoca. O século XX é chamado por muitos de “século da imagem” graças a certa popularização de tecnologias como a fotografia, o cinema e a televisão, que foram responsáveis por ampliar o universo da imagem reproduzida para além do escopo da arte. Assim, popularizaram-se também imagens como veículos de contestação, denúncia ou inspiração, provenientes primordialmente do jornalismo, o qual foi acrescido de grande força em função do poder persuasivo e sedutor da imagem, como é o caso dos exemplos abaixo:

Malcolm W. Browne, USA, The Associated Press.
Saigon, Vietnã do Sul, 11 de junho de 1963

(Nick) Ut Cong Huynh, Vietnam, The Associated Press

Jean-Marc Bouju, França, The Associated Press.
An Najaf, Iraque, 31 de Março de 2003.

Dessa forma, a Retórica é uma ciência fundamental para se entender não só as intenções e os argumentos que constroem a maior parte dos discursos com os quais se pode ter contato em sociedade, mas também fornece elementos para que seja possível o debate de maneira civilizada e pacífica. Com isso, o domínio de recursos argumentativos ou retóricos faz não só o produtor/leitor dos mais variados textos mais atento aos recursos usados linguísticos ou não usados de forma argumentativa, mas também garante que as pessoas se socializem sem perderem a autonomia intelectual, estética e ética que as faz indivíduos únicos e hábeis produtores/decodificadores de discursos.
Como processo retórico elementar entende-se a argumentação, que é um grupo de processos pelos quais um locutor, por meio do discurso e de estratégias objetivas ou subjetivas, almeja convencer um interlocutor sobre um ponto de vista. A maioria dos processos argumentativos eficientes sustenta-se na solidez do raciocínio e na confiabilidade das comprovações dele. Tais recursos são entendidos como todos os fatos, os exemplos, as ilustrações, os dados estatísticos (tabelas, números, mapas, etc.) e os testemunhos que sirvam para auxiliar a validação de argumentos que visem confirmar uma determinada hipótese; as relações de causa e consequência; as considerações históricas; as analogias; os discursos de autoridade; as enumerações; etc.
Portanto, a Retórica, sustentada por uma série de mecanismos argumentativos, é uma ciência não só atual, mas necessária para a construção de uma sociedade mais justa. Por outro lado, também é conhecimento indispensável para candidatos a vagas em universidade, tendo em vista que não mais só nas redações, mas também nas provas de Língua Portuguesa são exigidos conhecimentos apurados sobre como se constrói um processo argumentativo.
ALGUNS RECURSOS RETÓRICOS
“Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer.”
(Machado de Assis)
“Argumentar é, pois, em última análise, a arte de, gerenciando informação, convencer o outro de alguma coisa no plano das ideias e de, gerenciando relação, persuadi-lo, no plano das emoções, a fazer alguma coisa que nós desejamos que ele faça.”
(“A arte de argumentar”, Antônio Suárez Abreu)
Recursos retóricos (tipos de argumentos) são ferramentas empregadas especificamente para tornar o discurso mais convincente e eficaz, servem também como mecanismos capazes de moldar uma ideia de forma que ela se torne mais razoável, lógica, palpável, etc., para seus receptores.
Vale lembrar que são muitos os recursos retóricos fundamentados na razão e na lógica, além disso, vários deles são fundamentados em ferramentas subjetivas como emoções, no contexto da enunciação, nos costumes, na intenção comunicativa, no conhecimento dos interlocutores, etc. Diante dessa grande diversidade, é importante informar que os recursos retóricos listados a seguir são aqueles mais utilizados no âmbito científico, jornalístico, artístico e mesmo no cotidiano. Tal amplitude da argumentação é muito bem lembrada no “Sermão da Sexagésima” em que o Padre Antônio Vieira teoriza categoricamente sobre quais os recursos e ferramentas que garantem a criação de um sermão vigoroso e convincente, em última instância e com senão, de um texto argumentativo eficiente e capaz de convencer os interlocutores.
“Há-de tomar o pregador uma só matéria; há-de defini-la, para que se conheça; há-de dividi-la, para que se distinga; há-de prová-la com a Escritura; há-de declará-la com a razão; há-de confirmá-la com o exemplo; há-de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que hão-de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há-de responder às dúvidas, há-de satisfazer as dificuldades; há-de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há-de colher, há-de apertar, há-de concluir, há-de persuadir, há-de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.”
1 – Emprego de variações linguísticas (competência linguística)
Os recursos retóricos linguísticos são determinados pelo uso consciente que se faz do respeito ou não às normas gramaticais brasileiras, ou seja, são estratégias qualificadoras do discurso por meio do emprego de variação linguística adequada a uma dada situação comunicativa em função das condições de enunciação e dos interlocutores típicos dela. Isso é fato mesmo porque o simples uso da norma padrão é um meio de se afirmar e, muitas vezes, potencializar um discurso em função da forma como ele é comunicado, de forma alheia ou até independente do seu conteúdo. Contudo, a junção de variação linguística adequada e conteúdo pertinente, lógico e bem referenciado é razão de existência de textos não apenas eficientes quanto às suas intenções, mas valiosos para a sociedade como veículos de debates, novas ideias e desenvolvimento.
Por outro lado, diversos poemas de autores modernistas brasileiros, por exemplo, foram transgressores em relação às regras gramaticais para defender uma arte menos controlada por regras e imposições estéticas, mesmo as da Gramática. Para tanto, conscientemente, autores como Oswald de Andrade e Mário de Andrade romperam com a norma padrão da língua em muitas de suas criações, especialmente com o discurso erudito, que dominou a poesia do século XIX, em especial a parnasiana, a qual é - de forma sistemática - criticada pelos poetas modernistas brasileiros em seus poemas escritos com palavras oriundas do discurso da oralidade ou dos padrões linguísticos típicos das classes sociais mais humildes e menos abastadas. Eis um exemplo desse recurso linguístico e argumentativo:
Vício da fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados. (Oswald de Andrade)
2 – Ordenação das ideias, informações e percepções
A forma como as ideias são ordenadas mostra uma série de intenções argumentativas. Esse processo pode se dar de variadas formas, seguem algumas possibilidades de ordenação do discurso por razões argumentativas.
No plano sintático, pode-se entender que a escolha por colocar as ideias na ordem direta pode sugerir intenções de se construir um texto de forma clara e precisa com o intuito de favorecer o entendimento da maior parte possível de interlocutores a respeito dele. Por outro lado, a ordem indireta, que pode ocorrer em diversos níveis de intensidade, sugere certa preocupação do autor em dizer ou escrever de modo menos convencional do que o usual, o que pode produzir desde alguma dificuldade por parte do interlocutor para decodificar o texto até a completa incompreensão do enunciado. Tais escolhas podem sugerir diversas intenções por parte do locutor, as quais incluem o desejo de mostrar erudição para submeter pela forma do discurso seus interlocutores ou a orquestração de um meio de selecionar aqueles que podem ou devem compreender um texto daqueles que não podem ou ainda dar destaque maior a uma parte de uma sentença. Como no caso das seguintes sentenças:
Mario Quintana nunca teve em vida o reconhecimento merecido, embora fosse um extraordinário poeta.
Embora fosse um extraordinário poeta, Mario Quintana nunca teve em vida o reconhecimento merecido.
A ordem do discurso pode ser também temporal, quando as ideias são organizadas de modo cronológico com o intuito de propiciar ao leitor mais facilidade e conforto para compreender uma determinada tese. Esse recurso pode configurar o início de um processo de convencimento calcado no didatismo e na historicidade da ideia ou conceito a ser defendido ou questionado.
“As Copas do Mundo são ricos observatórios. Em 1938, o goleiro das Índias Holandesas Orientais, futura Indonésia, pretendeu proteger seu gol do ataque húngaro amarrando na rede uma boneca como amuleto. Como parte do equipamento que a Escócia levou para a Copa da Argentina, estavam 456 garrafas de uísque. Na Espanha, em 1982, a seleção do Kwait queria que, antes da partida de estreia, seu mascote, um dromedário, desse a volta em torno do campo.” (H. Franco Jr.)
“Na era pós-moderna, a configuração da identidade pessoal é num sentido decisivo, um projeto corporal. Podemos observar que o corpo tende a se tornar cada vez mais seminal para uma compreensão da identidade pessoal. O ego é constituído em grande parte por meio da apresentação do corpo. E possível ver isto em relação a varias práticas, como o ascetismo ou uma dieta, que outrora tinham uma finalidade mais espiritual, mas agora tem a ver principalmente com a moldagem do corpo. Foi só no fim do período vitoriano que as pessoas começaram a fazer dietas com o objetivo de alcançar um ideal especificamente estético. Sem dúvida, na cultura helênica, a aristocracia mantinha um ideal de moderação de consumo de alimentos porque isso indicava autocontrole. De maneira semelhante, jejuar era uma prática cristã central na Idade Média, indicando que o espírito era mais forte que a carne. Mas a diferença decisiva era que essas práticas tinham menos a ver com o corpo por si só que com o espírito nele alojado. Além disso, elas eram observadas sobretudo nos escalões mais altos da sociedade. A dieta do final do período vitoriano, por outro lado, foi um fenômeno que se difundiu na classe média e estava relacionada com a regulação do consumo de alimentos, de tal modo que disso resultasse um corpo idealizado, esbelto. Seus aspectos ‘espirituais’ eram claramente secundários. Isso não quer dizer que conotações ‘espirituais’ estivessem de todo ausentes. A obesidade era considerada, e em grande medida ainda é, um indicador de qualidades morais e mentais como preguiça e falta de força de vontade. O importante é que não era para combater essas qualidades mentais que a dieta era empreendida: o que a motivava era o desejo de moldar o corpo, não a alma. Desde então, essa tendência só se intensificou.” (Lars Svendsen em "Moda: uma filosofia")
Um discurso pode ser argumentativo em função de uma ordem lógica construída em torno de relações de causa e consequência como meio de explicitar as ações e as reações de indivíduos, grupos e instituições em determinados contextos. Tal estratégia, que é uma das mais utilizadas em variada sorte de argumentações, pode servir para tornar determinada tese mais potente em função das relações causais estabelecidas para defendê-la ou refutá-la, o que pode facilitar o convencimento do interlocutor a respeito de determinado ponto de vista por causa do pragmatismo desse recurso retórico. Exemplos interessantes desse uso são o trecho do discurso de posse do presidente dos EUA Barack Obama e os aforismos extraídos das obras de Fernando Pessoa e Herbert Blumer respectivamente.
“Que estamos no meio de uma crise agora já se sabe muito bem. Nossa nação está em guerra contra uma extensa rede de ódio e violência. Nossa economia está muito enfraquecida, uma consequência da ganância e irresponsabilidade por parte de alguns, mas também de nossa falha coletiva em fazer escolhas difíceis e em preparar a nação para uma nova era. Lares foram perdidos; empregos cortados; empresas fechadas. Nosso sistema de saúde é caro demais; nossas escolas falham demais; e cada dia traz mais provas de que a maneira como utilizamos energia fortalece nossos adversários e ameaça nosso planeta.”
“O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a ação sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.”
“Os esforços de uma classe de elite para se diferenciar na aparência não são a causa do movimento da moda, mas ocorrem dentro dele. O prestígio de grupos de elite, em vez de estabelecer a direção do movimento da moda, só é eficaz na medida em que esses grupos são reconhecidos como representando e retratando esse movimento. As pessoas de outras classes que seguem conscientemente a moda o fazem porque ela é a moda e não por causa do prestígio distinto do grupo de elite. A moda morre não por ter sido rejeitada pelo grupo de elite, mas por ter dado lugar a um novo modelo mais de acordo com o gosto em desenvolvimento. O mecanismo da moda aparece não em resposta a uma necessidade de diferenciação e emulação, mas em resposta a uma necessidade de estar na moda, de estar em dia com o que é bem-visto, de expressar novos gostos que estão emergindo num mundo em mudança.”
A ordem também pode ser estabelecida por força de uma figura de linguagem chamada gradação que, quando ascendente, também é conhecida como clímax, ou como anticlímax, quando descendente. Assim, ao apresentar os argumentos de forma que, em função de algum fator comum a eles, seja dada a impressão de aumento ou perda de intensidade, produz-se a sensação de que a argumentação cresce em importância ou força. Exemplos dessa prática são muito comuns em sermões, em que a intensidade aumenta em função do fervor religioso e do conteúdo emotivo do discurso; em textos argumentativos nos quais a ordem dos argumentos respeita variáveis como grandeza e abrangência dos exemplos que ilustram e fundamentam os argumentos; entre muitas outras possibilidades. Eis dois exemplos desse recurso:
"(...) um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!" (“Sermão de Santo Antônio aos peixes”, Padre Antônio Vieira)
"Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias... tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia." (Antônio Candido)
3 – Antítese e paradoxo
Usar ou opor ideias contrárias é uma forma clássica de construir um discurso argumentativo. Pela oposição de ideias confrontam-se abertamente conceitos com o intuito, na maioria das vezes, de defender um deles, mesmo que, para isso, valorize-se um a partir da denúncia e do apontamento das falhas ou incongruências do outro.
No caso da antítese, o uso de ideias opostas ou a oposição delas resulta num recurso retórico de mais fácil entendimento, já que são confrontadas ideias de forma verossímil e conciliável com a realidade imediata comum à maioria das pessoas. Esse recurso é muito empregado no discurso religioso cristão, quando as ideias de bem e mal, céu e inferno são confrontadas de forma moralista e rígida. A partir desse dualismo religioso, mas antes retórico, construiu-se o maniqueísmo, que foi e é ainda importante para referenciar a moral, as escolhas e os pontos de vista de milhões de religiosos cristãos do passado e na atualidade. Contudo, argumentos fundados na antítese são usados também com frequência em ambientes acadêmicos e científicos. São exemplos desse recurso os seguintes trechos:
“Os ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos espinhos, nasceu, mas afogaram-no: Simul exortae spinae suffocaverunt illud. O trigo que caiu nas pedras, nasceu também, mas secou-se: Et natum aruit. O trigo que caiu na terra boa, nasceu e frutificou com grande multiplicação: Et natum fecit fructum centuplum. De maneira que o trigo que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão funda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus, são as pedras e os espinhos.” (Padre Antônio Vieira)
''Aquele que está disposto a matar pela sua fé é um crente falso. Persegue os outros porque não tem certeza em sua crença. Um cientista nunca se disporá a lutar pelos fatos que aponta. Nenhuma guerra foi originada pela solução de um teorema geométrico. Mas existe a arrogância de se assassinar semelhantes por um sistema de teologia que não passa de um mito e por um conjunto de dogmas que não são mais que opiniões.” (Voltaire)
“A argumentação deve basear-se nos sãos princípios da lógica. Entretanto, nos debates, nas polêmicas, nas discussões que se travam a todo instante, na simples conversação, na imprensa, nas assembleias ou agrupamentos de qualquer ordem, nos Parlamentos, a argumentação não raro se desvirtua, degenerando em ‘bate boca’ estéril, falacioso ou sofismático. Em vez de lidar apenas com ideias, princípios ou fatos, o orador descamba para o insulto, o xingamento, a ironia, o sarcasmo, enfim, para invectivas de toda ordem, que constituem o que se costuma chamar de argumento ad hominem; ou então revela o propósito de expor ao ridículo ou à execração pública os que se opõem às suas ideias ou princípios, recorrendo assim ao argumento ad populum. Ora, o insulto, os doestos, a ironia, o sarcasmo por mais brilhantes que sejam, por mais que irritem ou perturbem o oponente, jamais constituem argumentos, antes revelam a falta deles. Tampouco valem como argumentos os preconceitos, as superstições ou as generalizações apressadas que se baseiam naquilo que a lógica chama, como já vimos, juízos de simples inspeção.” (Othon M. Garcia)
“Todo homem nasce original e morre plágio.” (Millôr Fernandes)
Quanto ao paradoxo, é outra figura de linguagem associada à oposição de ideias, ainda que, nesse caso, elas sejam empregadas de forma inconciliável, impossível ou irrealizável. A intenção dessa associação de termos imprevisível, porque absurda ou inverossímil, é atrair a atenção do interlocutor em função do desafio da decifração do paradoxo, que é, por meios estéticos e refinados, um mecanismo importante de argumentação que auxilia no convencimento do outro por meio das suposições oriundas da decodificação da contradição estabelecida no paradoxo.
“O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, (...) o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. (...) O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz, para que não distinga as cores. (...) E que neste mesmo elemento se crie, se conserve e se exercite com tanto dano do bem público um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor.” (“Sermão de Santo Antônio aos peixes”, Padre Antônio Vieira)
4 – Comparação ou analogia
A comparação, seja objetiva ou subjetiva, é um meio comum de, ao aproximar duas realidades, pessoas ou situações, pelas similaridades e disparidades encontradas, argumentar em favor de um ponto de vista. É um recurso de fácil uso, presente desde a comparação entre a atuação do crime organizado na Itália confrontada com a do crime organizado brasileiro até a construção de metáforas para se enfatizar uma ideia pelo viés conotativo, como é o caso do posicionamento de Albert Einstein sobre o nacionalismo, clara e enfaticamente exposto na expressão: “O nacionalismo é uma doença infantil. É o sarampo da humanidade.”. São exemplos desse tipo de recurso:
“Se naturezas grosseiras e embrutecidas pelo trabalho diário e sem encanto encontram no ópio grande consolo qual não será então o seu efeito num espírito sutil e letrado, numa imaginação ardente e cultivada?” (Charles Baudelaire, “Paraísos artificiais”)
“É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música.” (Honoré de Balzac)
"Como a fotografia é capaz de reproduzir a realidade com mais precisão do que nunca para mostrar a verdade, esse novo meio é inimigo mortal da arte, e, na medida em que o desenvolvimento da fotografia é produto do processo tecnológico, poesia e progresso são como dois homens ambiciosos que se odeiam. Quando seus caminhos se cruzam, um deles deve dar passagem ao outro." (Marshall Berman)
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. O drama do nascimento, o da desmama desenvolvem-se da mesma maneira para as crianças dos dois sexos; têm elas os mesmos interesses, os mesmos prazeres; a sucção é, inicialmente, a fonte de suas sensações mais agradáveis; passam depois por uma fase anal em que tiram, das funções excretórias que lhe são comuns, as maiores satisfações; seu desenvolvimento genital é análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a mesma indiferença; do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto; na medida em que já se objetiva sua sensibilidade, voltam–se para a mãe: é a carne feminina, suave, lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são preensivos; é de uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a mãe, acaricia-a, apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança; manifestam-no da mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários; recorrem aos mesmos ardis para captar o amor dos adultos.
Até os doze anos a menina é tão robusta quanto os irmãos e manifesta as mesmas capacidades intelectuais; não há terreno em que lhe seja proibido rivalizar com eles. Se, bem antes da puberdade e, às vezes, mesmo desde a primeira infância, ela já se apresenta como sexualmente especificada, não é porque misteriosos instintos a destinem imediatamente à passividade, ao coquetismo, à maternidade: é porque a intervenção de outrem na vida da criança é quase original e desde seus primeiros anos sua vocação lhe é imperiosamente insuflada.” (Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”, volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967, 2ª edição, pp. 9-10.)
5 – Intertextualidade
Formas de intertextualidade explícita como a epígrafe, a citação, a alusão, a epígrafe, a paráfrase e a paródia são recursos retóricos muito eficientes e, por isso, muito usados principalmente porque produzem argumentos de autoridade amparados em afirmações tidas como verossímeis e merecedoras de respeito.
Quanto à citação (argumento de autoridade) e à alusão, é perceptível o emprego delas mais frequentemente em textos de caráter científico, visto que eles são construídos com o amparo de argumentos e descobertas anteriores tornados pontos de partida de pesquisas e textos subsequentes. Por isso, especialmente a citação é um pilar do pensamento científico.
"Em apresentações de utopias, a moda em geral está ausente. Já podemos ver isso na 'Utopia" de Thomas More, em que todos usam o mesmo tipo de roupas funcionais que não foram tingidas e não mudaram de forma por séculos. More frisa também que todas as roupas são usadas até que se estraguem. Regimes totalitários também tenderam a levar todos os cidadãos do país a usar uniformes. O 'termo Mao' é um exemplo típico. Borus Goys descreve a moda como antiutópica e antiautoritária porque sua constante mudança solapa a possibilidade da existência de verdades universais que seriam capazes de determinar o futuro." (Lars Svendsen em "Moda: uma filosofia")
O velho Marx tinha razão quando disse: “A religião é o ópio do povo”. Fiéis, no seu fundamentalismo bíblico, encobrem o rosto com o véu do fanatismo e da alienação e ainda acham que tudo não passa de uma tramóia... É lamentável. O neopentecostalismo com a Teologia da Prosperidade não venceu a desilusão do mundo pós-moderno, onde ainda imperam poder, ganância e corrupção." (Celmo Antônio de Araújo, Veja cartas, 24/01/07, p.32)
"Sou contra a descriminalização do aborto porque entendo que a vida humana começa com a fecundação e que, por isso mesmo, é um direito natural que deve ser juridicamente protegida e garantida. Portanto, a descriminalização seria uma legalização às avessas, pois, o que o ordenamento jurídico não tipifica como crime passa a ser permitido. E o que passa a ser permitido? A prática do aborto. E o que é pior: sem nenhuma limitação. Seria o pior dos mundos para os nascituros que, sem defesa, estariam sujeitos a serem eliminados em qualquer fase de sua gestação. Sou contra esta proposta de plebiscito sobre o aborto porque entendo que é inconstitucional uma vez que a Constituição Brasileira, em seu art. 5°, dispõe que o direito à vida é inviolável." (Jaime Ferreira Lopes, Coordenador nacional do Movimento Brasil Sem Aborto)
Quanto à epígrafe, percebe-se que a intertextualidade entre esse texto introdutório e o que ele introduz diz sobre uma compreensão do autor sobre a sua própria obra e sobre como, a partir da intertextualidade, ela pode ser entendida. É um recurso possível em todos os tipos de texto, ainda que mais presente na Literatura, em especial em contos e poemas.
Sobre a paráfrase (argumento de autoridade), entendem-se as razões justificadoras do seu uso de forma muito semelhante às da citação, já que o procedimento de transpor as ideias de alguém para um discurso diferente no mesmo idioma do texto original é um meio de ratificar que as afirmações de alguém sobre um determinado assunto são razoáveis e pertinentes para que esses argumentos sejam recebidos pelos interlocutores de forma mais respeitosa e aberta. A paráfrase pode ser usada ainda como um mecanismo de adaptação de uma mensagem a um novo contexto para atualizá-la ou torná-la mais adequada a ele.
"O desenvolvimento da moda foi um dos eventos mais decisivos da história mundial, porque indicou a direção da modernidade. Há na moda um traço vital da modernidade: a abolição de tradições. Nietzche a enfatizou como uma característica do moderno porque ela é uma indicação da emancipação, entre outras coisas, de autoridades. Mas a moda encerra também em elemento que a modernidade não teria gostado de reconhecer. Ela é irracional. Consiste na mudança pela mudança, ao passo que a modernidade se vê como constituída por mudanças que conduzem a uma autodeterminação cada vez mais racional." (Lars Svendsen)
"Sou pessimista diante da ideia de que o homem, quando nasce, já começa a morrer, como notou Jean Paul Sartre. Mas, na vida, caminhamos rindo e chorando o tempo todo: é preciso, então, aproveitar o lado bom da vida, usufruir o melhor possível e aceitar os outros como eles são. Sempre digo: o importante é o homem sentir como é insignificante, é o homem olhar para o céu e ver como somos pequeninos. Ultimamente, no entanto, tenho me espantado como a inteligência do homem é fantástica! Tenho conversado sobre astronomia. Como é imprevisível o que ele pode criar!" (Oscar Niemeyer)
Já no caso da paródia, há uma intenção humorística, ou até sarcástica, na escolha de produzir um texto sob uma perspectiva intertextual, que é de criticar, satirizar as ideias e as concepções do autor de um filme, uma música, um livro, etc. Bandas como Língua de Trapo e Mamonas Assassinas, grupos humorísticos como o Casseta e Planeta, TV Pirata, Porta dos Fundos, Parafernalha, entre outros, usam a paródia para demarcarem posicionamentos sobre diversos assuntos, em especial os costumes de um povo, a vida política de um país, as celebridades, etc. Uma paródia pode ser usada para produzir uma caricatura de alguém com a ajuda de uma figura de linguagem chamada hipérbole ou mesmo para criticar discurso preexistente ao recriá-lo numa versão que hipertrofia, maximiza, ignora, extrapola ou agrava determinada característica com o objetivo de conseguir um efeito ao mesmo tempo cômico, difamatório e crítico em diferentes intensidades que dependem de um lado do interesse do autor de um texto em relação á intensidade com que quer criticar o texto, a pessoa ou a manifestação a ser parodiada e, de outro lado, da capacidade do interlocutor de percebê-los e relacioná-los com a obra parodiada.
6 – Retificação e ratificação
A retificação é um recurso argumentativo mais comum ao discurso espontâneo e oral, como meio de mostrar atenção ao que se diz, ou mesmo como forma de corrigir a si mesmo antes que outros o façam e enfraqueçam ainda mais a tese defendida em um texto.
“Se foi tão nobre a invenção do barco que leva de um lugar a outro as riquezas e os prazeres da vida e comunica entre si as regiões mais distantes para que compartilhem seus diversos produtos, muito mais se deve exaltar aos livros que, como os navios, atravessam os extensos mares do tempo e permitem aos homens participar da sabedoria, das luzes e dos descobrimentos das idades mais remotas.” (Francis Bacon)
Quanto à ratificação, é um recurso mais contundente e acertado de produzir impressões positivas em relação a determinado posicionamento, que, por ser reforçado e confirmado, ganha maior chance de alcançar confiabilidade por parte dos seus receptores.