RESUMO
De 1978 a 1987, a
vida política nicaraguense foi marcada pela predominância dos afrontamentos
armados. Longe de serem momentos atípicos na história nicaraguense do século
passado, essas duas guerras, muitas vezes, parecem a sequência ou a retomada de
gestos, cujas primeiras manifestações são atestadas desde o começo do citado
século, por ocasião dos afrontamentos entre liberais e conservadores,
particularmente no curso do levante de Augusto César Sandino, de 1927 a 1934,
contra o general Emiliano Chamorro. A análise das guerras da América Central,
na segunda metade do século XX, durante muito tempo, apresenta a oposição da
práxis dos grupos de guerrilhas àquela das forças armadas regulares. Esta
nascia da recusa dos grupos dominantes de que os grupos subalternos pudessem
aceder aos postos mais altos. Aquela outra guerrilha visava stricto sensu à
conservação da ordem estabelecida. Uma e outra seriam desde então perfeitamente
antagônicas. O estudo das guerras civis nicaraguenses convida a outras
aproximações e abordagens. Desde o começo do século XX, além das referências
constitucionais de modelo democrático liberal, as referências à ordem e à
violência estão no coração da experiência política nicaraguense.
Palavras-chave: Nicarágua,
Sandinismo, Democracia, Soberania, guerrilha.
Introdução
De 1978 a 1987, a
vida política nicaraguense foi marcada pela predominância dos afrontamentos
armados. Com efeito, o país conheceu duas guerras civis. Na primeira, de 1978 a
julho de 1979, a Frente sandinista de libertação nacional, FSLN, o Conselho
Superior da empresa privada, COSEP, o Partido conservador, os sociais cristãos
e os comunistas enfrentaram todos os sindicalistas ligados a Anastasio Somoza
Debayle e aos seus partidários, o que acabou com a derrota do Ditador. Na
segunda, de 1982 a 1987, o novo Estado, dominado pelos sandinistas, teve de
enfrentar certa nebulosa de opositores: os Contras, composta de
dissidentes do sandinismo, de antigos partidários de Somoza e da organização
indígena da Costa Caraíba. Essas duas guerras se traduziram por afrontamentos
particularmente mortíferos entre os grupos armados; mas a população civil nunca
esteve livre de crueldades perpetradas por diferentes clãs combatentes; muito
pelo contrário. Em cada uma das guerras, as partes confrontantes fizeram largo
apelo à ajuda estrangeira. Ademais, os motivos religiosos permearam-se
estreitamente de motivos políticos.
Duas interpretações
dessas guerras foram apresentadas. Uma enfatiza os fatores internos, tanto
sociais quanto políticos; a outra sublinha o papel decisivo das intervenções
exteriores. A primeira, à qual se associa o nome de Edelberto Torres Rivas1,
insiste na desestruturação das relações sociais, induzida pelo desenvolvimento
socioeconômico, que a Nicarágua conheceu, a partir do decênio de 1960.
Ela vê nesses
fenômenos o motor dos movimentos reivindicativos e revoltas que se multiplicam,
a partir do final do decênio de 1970. Ela sublinha também os transtornos e
desequilíbrios reinantes no seio das classes dominantes, o que favoreceu “a
fuga para frente” de uma tirania incapaz de se reformar. A partir de 1982,
houve a escolha da opção armada pela “oposição burguesa” aos sandinistas, que
estavam no poder desde 1979. Essas explicações se combinam com certo raciocínio
inspirado pelo funcionalismo. Os atores sociopolíticos teriam sido levados a
“radicalizar” as suas opções pela incapacidade do “sistema político” de
absorver as demandas que vinham da sociedade, tanto na época de Anastasio
Somoza como naquela de rito sandinista de Daniel Ortega. Tal incapacidade dos
governos de Somoza e de Sandino no atendimento dos atores sociais não lhes
deixou outra escolha que não fosse aliarem-se às alternativas armadas mais
radicais, seja a FSLN no fim dos anos 1970, seja a dos Contras no começo dos
anos 1980. Outra interpretação explica as duas guerras civis pelo jogo das
rivalidades imperiais2. Como sublinha Alain Touraine, a luta armada, levada a
efeito pela Frente sandinista, a partir de 1974, teria sido “guerra de
libertação nacional ou até mesmo guerra de criação nacional”3. A guerra entre
os contras e os sandinistas testemunharia a vontade do Presidente Reagan, e dos
seus conselheiros, de enquadrar uma nação que aspira à soberania plena e
completa, em região que esteve sob o seu controle direto desde o começo do
século XX. Assumem tal interpretação aqueles que, ademais, sublinham a vontade
expansionista soviética “na parte dos fundos” da República Imperial, na
expressão de Raymond Aron, pelo seu apoio à Cuba de Fidel Castro4.
Sem dúvida, essas
explicações não tiveram o mérito de sublinhar os fenômenos no plano de fundo
dessas duas guerras civis. As estruturas sociais nicaraguenses foram
transtornadas no curso de dois decênios de modernização acelerada. Ainda assim,
contrariamente àquilo que asseguram não poucas explicações dependentistas, essas
transformações não conduziram somente ao “empobrecimento das classes populares
e à sua marginalização” e, conseguintemente, à sua revolta; elas caminharam no
sentido do aparecimento de sentimentos de injustiça que, obviamente, exerceram
papel decisivo na mobilização de largos setores da sociedade nicaraguense, seja
nos afrontamentos contra Somoza em 1979, seja contra os sandinistas, a partir
de 1981. Do mesmo modo, se a tese da “radicalização” ou aquela dos conflitos
imperiais entre o nacionalismo emergente e os objetivos dos Estados Unidos,
evidentemente, têm alguns fundamentos; ainda assim, não se saberia explicar
essas duas guerras civis nicaraguenses apenas pelos termos de “bloqueio “ do
jogo político ou de luta de “libertação nacional”.
Proponho-me, pois,
separar-me dessas explicações, para tentar outra interpretação das duas guerras5.
Sejam quais forem as suas especificidades sociopolíticas, elas parecem
inscrever-se também na continuidade de uma série de afrontamentos armados, que
marcaram a vida política de todo o século XX nicaraguense. Esses afrontamentos,
cujas especificidades representam formas paroxísmicas e, assim agindo, constituem,
sem dúvida, o terminus ad quem, termo a que se dirigem. Com efeito,
longe de serem momentos atípicos na história nicaraguense do século passado,
essas duas guerras, muitas vezes, parecem a sequência ou a retomada de gestos,
cujas primeiras manifestações são atestadas desde o começo do citado século,
por ocasião dos afrontamentos entre liberais e conservadores, particularmente
no curso do levante de Augusto César Sandino, de 1927 a 1934, contra o general
Emiliano Chamorro e a ocupação norte-americana do país. Importa, portanto,
começar por retraçar o continuum das ações guerreiras, em que se
inscreve a guerra civil de 1978-1979, bem como os afrontamentos de sandinistas
e contras, no período 1979-1987. A ancoragem dessas duas guerras, em certo “tempo
longo” da violência nicaraguense, na sua sequência ao longo do século XX, vai
permitir a análise de como a violência constituiu modalidade de ação legítima e
codificada; e como esta permitiu, simultaneamente, a aparição de novos atores
sociopolíticos e o acesso legítimo a esses recursos econômicos. Mostram-se
quais foram os tipos de estruturação interna desses atores. Tenta-se também
distinguir a “cultura política” na qual se inscreveu essa sucessão de episódios
de violência. Fica por marcar a especificidade dos dois conflitos no
concernente ao tal continuum guerreiro. Haverá perguntas que terminarão
por desequilibrar o que apareceu no fim do afrontamento de contras e
sandinistas e durante o mandato presidencial de Violeta Barrios de Chamorro, no
período 1990-1996.
Um guerreiro
Para além dos
aparentes períodos de estabilidade, que foram os do governo do general Zelaya
(1893-1909), na primeira ocupação norte-americana (1912-1925); o longo reinado
de Somoza García, depois o dos seus filhos e de René Schick Gutiérrez
(1956-1979); os afrontamentos armados e as provas de força entre diferentes
facções políticas e os seus aliados estrangeiros, tudo isso não somente
escandiu em permanência o século XX nicaraguense; mas, em muitos respeitos, lhe
constituíram a trama. Os períodos de paz civil nunca estiveram isentos de
demonstrações de força das partes em confronto, que fizeram apelo muito regular
às potências estrangeiras, em particular aos Estados Unidos. Isso significa
dizer até que ponto, do começo do século ao decênio de 1980, o jogo político nicaraguense
se inscreve em fundo guerreiro continuado, em que a intromissão das
potências estrangeiras foi a norma.
Tomemos o primeiro
sinal, examinando os dezesseis anos da presidência do general Zelaya. Sem
dúvida, ele logrou impedir as guerras entre os liberais de León e os
conservadores de Granada, guerras incessantes no século XIX. Sem dúvida, ele
conseguiu, de igual modo, enfrentar os britânicos e pôde estabelecer a
soberania da Nicarágua na costa atlântica, que estivera sob o seu protetorado
desde o século XVII6. Sem dúvida, em suma, ele logrou apoiar militarmente os
seus homólogos liberais, seja em Honduras seja no Salvador e na Costa Rica,
começando por lançar as bases, em 1905, de uma República maior na América
Central. Mas tanto essa última tentativa quanto o seu projeto dede construir
uma futura via por água entre o Atlântico e o Pacífico, passando pela
Nicarágua, com apelo aos capitais alemães, encontraram a oposição decidida dos
Estados Unidos. Além disso, por ocasião do revés de William Walker de
transformar a Nicarágua em Estado escravista, integrado à confederação do sul
norte-americano (1860), quando os Estados Unidos estavam implicados no cenário
político nicaraguense, eles souberam imiscuir-se durante longo tempo no jogo
político nacional; apoiaram mais de cinco levantes armados dos conservadores ou
dos opositores liberais contra Zelaya. Apesar de que o general liberal pôde
esmagar essas tentativas de golpes de força, não conseguiu evitar de ser
derrubado por maquinação conjurada dos conservadores, que lograram mais
facilmente o apoio do governo norte-americano, até porque este estava, outra
vez, em luta com a Nicarágua, por causa da decisão de Zelaya de pôr fim a
certas concessões fiscais feitas a companhias norte-americanas.
Em 1911, Adolfo Díaz,
presidente conservador interino, em consequência de iniciativa infeliz, tornou
a deflagrar a guerra civil entre conservadores e liberais; no ensejo, os
Estados Unidos intervieram pela primeira vez militarmente, despachando um
contingente de infantaria da marinha, cujos efetivos passaram rapidamente de
algumas centenas de homens a dois mil e setecentos. Este “protetorado7” dos
Estados Unidos (1912-1925) permitiu que os conservadores mantivessem
provisoriamente a sua hegemonia. O corolário disso foi a assinatura. em 1913,
do tratado entre os Secretários de Estado: o norte-americano William Jennings
Bryan e o nicaraguense Emiliano Chamorro; esse tratado concedia aos Estados
Unidos a exclusividade dos direitos sobre o Río San Juan, assim como o uso das
ilhas do Maïs e do golfo de Fonseca para a sua marinha de guerra. Os Estados
Unidos, paralelamente, obtiveram influência nas finanças nicaraguenses, de
igual modo na redação de um projeto de lei eleitoral, aprovada em 1924, que
vigeu até 1960.
Em 1925, a retirada
das forças norte-americanas catalisou imediata a guerra entre liberais e
conservadores, seguida do golpe de força do general conservador Emiliano
Chamorro contra o candidato liberal nas eleições, Juan Bautista Sacasa. Os
liberais receberam o apoio do presidente mexicano Plutarco Elias Calles, então
em conflito com os Estados Unidos. Com o reforço deste socorro diplomático e
militar do México e do incontestável apoio popular, os liberais tomaram logo a
vantagem militar sobre os rivais conservadores, que tornaram a fazer apelo aos
Estados Unidos; estes enviaram um corpo expedicionário. Em 1928, depois da
assinatura do pacto entre liberais e conservadores, o general liberal José
Maria Moncada foi eleito presidente da República. Não por isso a força
norte-americana deixou o país; mantiveram-se nele até 1933, isto é, até
depois das eleições
de 1932, que deram a vitória ao candidato liberal Juan Bautista Sacasa8.
Por ocasião da
primeira ocupação, os Estados Unidos não tiveram oposição maior; mas a segunda
ocupação suscitou vigorosa protestação em plano internacional e oposição armada
do general liberal dissidente, Augusto César Sandino. O nome dele virou símbolo
da luta anti-imperialista, porque o seu combate não terminou com a saída dos
fuzileiros navais. Com efeito, até então, as guerras internas da Nicarágua e as
intervenções dos Estados Unidos nesse país tinham, por certo, atraído a atenção
dos povos da América Central; haja vista o eco do poema de Rubén Dario “A
Roosevelt”. Haja vista ainda as elites políticas e financeiras europeias e
norte-americanas. Agora, pela primeira vez, o combate de Sandino mobilizou a inteligência
de esquerda, tanto na Europa como no continente americano. Assim, por algum
tempo, houve o auxílio vermelho internacional, organização satélite da Internacional
comunista. Depois, denunciado por ela, após a sua ruptura com o secretário
salvadorenho Farabundo Martí, uma das figuras do partido comunista
salvadorenho. Nesse contexto, o punhado de combatentes do caudilho se
transformou, a pouco e pouco, no ”exército de defesa da soberania nacional”,
com mais de mil homens, composto principalmente de gente do campo e das minas
da região de Nueva Segovia, nas montanhas situadas no norte do país. A tais
recrutas nicaraguenses juntaram-se voluntários da América Latina, sobremodo da
América Central, vindos em apoio do “Davi nicaraguense”. O governo da Nicarágua
e os seus mentores norte-americanos mobilizaram contra “os bandidos de Segovia”
até doze mil fuzileiros navais, substituídos, a pouco e pouco, pelos soldados
do novo exército nicaraguense, a guarda nacional, organizada com o apoio dos
Estados Unidos. Esta guerra de sete anos fez vários milhares de mortos nos
departamentos centrais de um país de seiscentos e oitenta mil habitantes, em
1930; aproximadamente eram cento e cinquenta mil nas zonas onde houve o grosso
dos combates9. A segunda ocupação militar se encerrou com o acordo do
presidente Juan Bautista Sacasa com o general Sandino que, diante da vontade
dos Estados Unidos de retirar as suas forças no quadro de nova política da “boa
vizinhança” de Roosevelt, assinou o pacto com o governo nicaraguense (1933).
Ele desarmou mil e oitocentos soldados, ficando apenas com a guarda de uma
centena de homens; mas os afrontamentos entre os membros das suas antigas
forças e a Guarda nacional continuaram. Ele próprio foi assassinado em 1934, às
ordens do novo comandante da Guarda nacional, Anastasio Somoza García, quando
vinha de novo negociar com o presidente Sacasa10.
A presidência de
Somoza e dos seus dois filhos, Luis e Anastasio, durou mais de quarenta anos e
foi de inesperada estabilidade, pelo que os três Somozas não dirigiram apenas o
país, multiplicando os pactos com certos ramos do partido conservador. Ocorre
que eles multiplicaram também os golpes de força e se valeram do terror contra
os seus opositores. A primeira eleição de Somoza García como chefe de Estado,
em 1936, começou pela derrubada de Sacasa. Em 1944, ele reduziu pela força as
manifestações civilistas que, fortalecidas pela esperança que suscitava a
derrota das potências do Eixo e da nova “Carta das Nações Unidas”, denunciavam
a vontade dele de pretender o segundo mandato presidencial. Apesar de tão
poderoso, teve de ceder aos desejos norte-americanos, que lhe fizeram saber que
o seu continuísmo não era conveniente, e que devia aceitar de não se
candidatar. Ainda assim, ele derrubou o presidente eleito, Leonardo Argüello,
em 1947, por um golpe de Estado, quando este tentava tirá-lo do seu comando das
forças armadas. Com isso, a título passageiro, atraiu a reprovação dos Estados
Unidos, que suspenderam a sua ajuda militar e esperaram o ano de 1948, para
reconhecer o novo presidente, Victor Román y Reyes, tio de Somoza, eleito na
sequência do golpe. Somoza reprimiu, sem se valer de golpe, os dois levantes
armados, lançados pelos conservadores e oficiais da Guarda nacional em 1947 e
1948; lançou na prisão ou fixou residência vigiada a muitas personalidades da
oposição, geralmente não incursas nos movimentos insurrecionais. O seu
assassínio em 1956 causou repressão particularmente brutal contra todos os
chefes da oposição11.
As presidências de
Luis Somoza (1957-1962) e de René Schick (1963-1967) tiveram de afrontar
diferentes levantes armados, tanto dos conservadores como dos dissidentes liberais
ou dos antigos partidários de Sandino. Tiveram de fazer face também às ações de
nova organização armada, a Frente sandinista de libertação nacional, FSLN,
fundada por um núcleo de velhos membros do antigo partido socialista
nicaraguense, em 1961, na esteira da revolução cubana. Os dois presidentes
liberais deixaram as mãos livres ao novo comandante chefe da Guarda nacional,
Anastasio Somoza Debayle, que virou presidente da República em 1967, na sua
vez; ele teve de enfrentar uma oposição reorganizada, no seio da União
democrática libertação, UDEL, como parte da iniciativa de Pedro Joaquín
Chamorro, diretor do cotidiano La Prensa. O terremoto de 1972, que feriu
Manágua, marcou o começo da sua queda. Depois de quarenta e oito horas de caos,
Somoza, com apoio do embaixador dos Estados Unidos, restabeleceu certo
simulacro de ordem. Ele ficou sendo, desde então, o alvo dos ataques que
cresceram vigorosamente, tanto da parte da Igreja Católica quanto de Pedro
Joaquín Chamorro. Com apoio da Igreja, a oposição entrou em campanha em favor
da abstenção nas eleições de 1974. Reeleito fraudulentamente, o chefe do Estado
enfrentou, em dezembro desse mesmo ano, a tomada de reféns organizada pela
FSLN, na casa de um dos seus ministros. Então, ele teve
de cumprir vários
gestos de conciliação, nunca vistos na história do seu pai e do seu irmão. Não
somente aceitou a mediação da Igreja, mas libertou prisioneiros e os deixou
partir para Cuba, com o comando sandinista e os seus reféns, como fez ainda em
1978, após a tomada do Palácio nacional. O ano de 1975 foi assinalado pela
retomada das atividades militares da Frente sandinista no departamento de
Matagalpa e, além disso, por uma campanha de contrainsurreição, particularmente
brutal, da Guarda nacional12.
A nova política do
presidente Jimmy Carter, que condicionou a ajuda estadunidense ao respeito dos
direitos do homem, levou o conjunto da oposição a multiplicar os gestos de
desafiar o poder. O assassínio de Pedro Joaquín Chamorro, em 10 de janeiro de
1978, fez prevalecer, em compensação, a opção armada sobre qualquer outra e, a
partir daí, a insurreição sandinista se beneficiou de largo apoio popular. A
oposição contra Somoza, daí por diante unida à FSLN, não cessou de ganhar
terreno, lucrando com o apoio da opinião pública internacional, até a derrubada
de Somoza, em julho de 1979. A guerra afetou sobremodo as cidades da parte
oriental do país e, no todo, chegou a cinquenta mil mortos. Celebrada por um Te
Deum na catedral de Manágua, a revolução reuniu o conjunto da população,
com todos os estratos sociais misturados. A vitória se traduziu pela
instauração de uma Junta de governo de reconstrução nacional, JGRN, de maioria
sandinista; no Conselho de Estado, tomavam assento os representantes dos
partidários da coalizão contra Somoza. O programa da junta apelou para excluir
Somoza e os seus partidários, bem como para dar lugar a um regime liberal
democrático. Previa-se também o confisco dos bens “mal adquiridos” por Somoza e
os seus partidários, ademais da criação de uma economia mista. Instalado o
governo revolucionário, empreendeu-se a reforma agrária, com base na criação de
cooperativas e na transformação dos latifúndios de Somoza em fazendas do
Estado. Desde o primeiro ano, o governo se lançou em “cruzada nacional de
alfabetização”. Se os afrontamentos armados contra os sandinistas começaram a
partir do final de 1979, os seus primeiros oponentes não foram apenas os
contrarrevolucionários, mas irromperam no seio das suas próprias fileiras. A
partir de 1982, esses diferentes núcleos de opositores obtiveram auxílio
militar direto e indireto estadunidense; e os sandinistas não souberam evitar a
guerra aos contras, custosa em termos políticos e em termos econômicos. O
processo de paz só foi possível graças aos acordos de paz regionais, postos a
funcionar em 1987. O plano de Esquipulas permitiu, simultaneamente, a
assinatura do acordo de paz entre o governo sandinista e os contras,
incontestável liberalização e a organização de eleições democráticas, em que os
sandinistas foram derrotados. Enfim, eleita Violeta Barrios de Chamorro
presidente da República, ela conseguiu desmobilizar os vinte mil guerrilheiros
dos contras, ao passo que os oitenta e cinco mil do exército popular sandinista
se viram reduzidos a catorze mil13.
Não há dúvida de que
esse sobrevoo na história nicaraguense apresenta o inconveniente de apagar as
diferenças entre os projetos políticos dos atores em competição: entre Sandino e
Somoza García; entre os próceres da revolução de 19 de julho de 1979 e
Anastasio Somoza Debayle e, para terminar, entre os sandinistas e os contras.
Não há dúvida de que tal sobrevoo propende a esmagar programas, reformas e
práticas políticas, que se inscrevem em registros por inteiro dissemelhantes.
Esta vista a cavaleiro dos acontecimentos é, porém, indispensável para aquele
que quer reinscrever os acontecimentos e os atores em contexto e temporalidade
que favoreçam certas ações e bloqueiem outras. Esse sumário permite compreender
como a violência e a presença das potências estrangeiras constituíram dados
centrais da vida política nicaraguense no século XX, e isto até ao decênio de
1980, de modo especial nos períodos de aparente estabilidade.
Terror e contraterror
Lembremo-nos das
imagens mais de uma vez difundidas na imprensa internacional: prisioneiros
sandinistas torturados e abatidos pela Guarda nacional, no começo da
insurreição de 1979; a justiça sumária dos moços sandinistas contra as
“orelhas” dos de Somoza; o assassínio de Pedro Joaquín Chamorro em janeiro de
1979; depois aquele de Anastasio Somoza Debayle, em setembro de 1980, no
Paraguai. Recordemos ainda os excessos dos afrontamentos entre sandinistas e
contras: torturas, assassínios, estupros cometidos por estes, como pelos
sandinistas, nas zonas rurais supostas como aquisições dos
contrarrevolucionários e nas prisões da zona do Pacífico14. Essas imagens são
incompreensíveis, se não são aproximadas das demais violências, praticamente
idênticas, perpetradas por ocasião dos afrontamentos de Sandino e dos seus
partidários com os fuzileiros navais estadunidenses e os da Guarda nacional;
ou, ainda, os excessos anteriores das guerras entre conservadores e liberais15.
Tais atos, para serem compreendidos, devem ser considerados não como simples
excessos que suscitam a condenação, mas como outros tantos gestos conformes a
todo um código de procedimento e de representação, tacitamente aceito pelo
conjunto dos atores sociopolíticos.
As crueldades
evocadas acima constituem um modo de dizer a superioridade hierárquica dos seus
autores sobre as vítimas. Os primeiros são apresentados como “heróis
civilizadores”; os segundos como a encarnação da barbárie. As cobranças
exageradas da Guarda nacional contra os militantes sandinistas e contra os
jovens combatentes que se juntam à insurreição, as matanças de supostos espiões
de Somoza ou de guardas aprisionados, os assassínios cometidos pelos contras,
colaboradores da Frente sandinista: são atos de vingança contra adversários,
cujo poder destruidor se temia. Ainda assim, para além desses impulsos
imediatos, tais exações constituíram outros tantos gestos legítimos contra
aqueles que encarnaram a barbárie. Fazendo isso, eles tornam a juntar os cenários
macabros de Sandino e dos seus lugar-tenentes contra “os imperialistas” e os
seus aliados, como no caso de Somoza García contra Sandino e os seus
companheiros ou Pedro Joaquín Chamorro. O selo do primeiro representa um
soldado do exército de defesa da soberania nacional da Nicarágua, EDSNN,
preparando-se a decapitar a machado um fuzileiro aterrado: o patriota
nicaraguense, encarnação da civilização indoamericana contra a hidra
imperialista. Tais imagens não se inscrevem apenas em retórica contraimperialista,
mas se encarnam também em gestos repetidos e justificados pelo próprio Sandino
contra os “traidores” e outros partidários do “governo fantoche”. O seu
“manifesto aos capitalistas” pauta-se por este ponto de vista perfeitamente
explícito16. Por ocasião de uma intervenção estrangeira, a ocupação do país
pelos Estados Unidos, para apoiar um governo vassalo, não interessava que
dessem garantias aos aliados deles. Tendo “salvo a honra da família
nicaraguense, em face dos homens livres da terra”, pouco importa que o EDSNN e
o seu general devessem, às vezes, “dar ordens drásticas em benefício da
salvação da nação “. E daí se passa a concluir: “A liberdade não se conquista
com flores, senão com balas, pelo que tivemos de recorrer até mesmo a gestos
brutos de retalhar a vítima”17.
Gestos desse jaez no
encontro dos oponentes a este contraestado dos Segovias, que era o
exército sandinista, sublinham um tipo de terror funcional e traçam muito bem a
fronteira entre o polo da civilização, “os homens livres”, e aquele da
barbárie, “os vendilhões da pátria”. A mutilação e a subsequente exposição dos
corpos colocam as vítimas fora humanidade. O informe que Somoza García fez
publicar em 1936, com o título o verdadeiro Sandino ou o calvário das
Segovias, traduz as mesmas pressuposições, mas de sentido inverso.
Relatando os fatos e gestos do “bandido” Sandino, esse livro se comprazia em
exibir as exações deste e dos seus partidários, publicando de tropel as provas
das suas atrocidades, as fotos das vítimas de mutilações e as cópias dos
documentos provindos de Sandino. Aqui ainda, e no momento mesmo da tomada de
posse do poder por Somoza, convinha estigmatizar a bestialidade do inimigo,
modo como outro de justificar o assassínio de Sandino e dezenas dos seus
partidários, bem assim de membros das suas famílias, alguns anos antes.
Vinte anos depois, o
comportamento de Somoza García no encontro do líder dos “jovens turcos”
conservadores, Pedro Joaquín Chamorro, testemunham o mesmo cenário. Na obra Estirpe
sangrenta, este narra, com efeito, como o ditador o torturou pessoalmente,
no “quarto de costura”, uma das peças da residência presidencial, antes de
encerrá-lo no seu jardim, durante semanas, numa jaula. Esta estava dividida em
dois espaços: um para ele, outro para um casal de jaguares, doados pelo ditador
guatemalteco Ubico. A peça das sessões das suas torturas redigida pelo futuro
diretor do jornal La Prensa obedece aos mesmos recursos narrativos que
aqueles de Somoza na obra O verdadero Sandino: toda a retórica visa
mostrar que o outro se situa fora da humanidade. Ele próprio ousou torturar; o
ditador praticava esses atos ignóbeis no espaço da própria casa. Em suma, ele
agia com Pedro Joaquín Chamorro da maneira como os imperadores romanos haviam
tratado os cristãos. Os fatos, que não parecem exagerados, são susceptíveis de
leitura de espelho. Para os somozistas, Pedro Joaquín Chamorro não é o herdeiro
de uma linhagem de antepassados, em que dois foram presidentes do país; ele é a
encarnação do caos, como o prova a sua recusa do pacto entre conservadores e
liberais e a sua participação em levante armado. Os golpes que recebeu do
ditador e de um dos seus filhos, Anastasio Somoza Debayle, auxiliados por
diversos guardas, fazem ver esse novo estatuto, tudo como o seu aprisionamento
em companhia de animais selvagens. E as torturas que o filho do ditador fez
infligir, nos anos 1970, a alguns prisioneiros sandinistas, como os assassínios
de gente do campo tidos como colaboradores da Frente, participaram dos mesmos
desígnios.
Toda uma série de
ações, realizadas pelos sandinistas na mesma época, beberam das mesmas fontes.
A mais conhecida é a armadilha na qual caiu, em 1977, o chefe do estado maior
da Guarda nacional, general Reynaldo Perez Veja. Nora Astorga, jovem de boa
sociedade, tornada militante sandinista, o atraiu, sob pretexto de encontro
amoroso, para que dois guerrilheiros o pudessem assassinar. A cena parece
copiada de história bíblica; Nora Astorga tornou-se uma como Judite moderna; a
sua vítima é o carrasco dos seus irmãos de armas: bárbaro brutal, escravo da
sua sensualidade. Os termos empregados por Eden Pastora, por ocasião da sua
ação brilhante de 1978, para designar os parlamentares retidos como reféns,
“porcos”, e o Parlamento, “a porcaria”: não tomam o seu sentido senão com
respeito a esse díptico, isto é, barbárie e civilização; e não sublinham apenas
o caráter destemido de Pastora. Empregando esses termos, ele rejeitou o
somozismo como o lado da animalidade. Apossando-se da bandeira nacional e
declarando que ele somente o restituiria, quando o país ficar “livre” e quando
ele tiver “verdadeiros representantes do povo”. Ele se apresentava como herói
civilizador, assinalando a fronteira entre o mundo infra-humano e o mundo
livre”18. Essa denegação da humanidade do inimigo e essa situação de
onipotência dos civilizadores em armas tomaram também atitudes mais brutais,
como a justiça sumária contra os “sapos”, os supostos informantes da Guarda
nacional durante a insurreição sandinista. Depois, após a vitória, certas
execuções sumárias de prisioneiros da Guarda nacional, cujos corpos, muitas
vezes, foram abandonados sem sepultura, nos barrancos dos pobres caminhos19. Aí
ainda o imaginário de tais gestos é aquele da carniça em face das feras. O
proselitismo dos militantes sandinistas, em geral membros das novas forças
armadas, nas Segovias como em Moskitia nos dias subsequentes da
revolução, foi pensado de igual modo como verdadeira empresa de “civilização”
de gente do campo e de indígenas bárbaros. Pouco importa que nas Segovias
muitos campesinos tenham sido colaboradores da Frente, como membros das
milícias populares antissomozistas (Milpas). Para muitos membros dos quadros
sandinistas, eles eram pessoas sem razão, que importava enquadrar, até mesmo
pela força. Muitos dos que manifestaram, nos dias seguintes de 19 de julho de
1979, as suas reticências no atinente às comissões de defesa sandinista e de
outras organizações de massa, foram golpeados, torturados e humilhados
publicamente20. As torturas contra um sindicalista comunista independente, el
Chaguitillo, ou aquelas de que foi vítima o comandante Comanche, por ocasião da
sua campanha em favor de Eden Pastora em 1982, obedeceram aos mesmos
princípios: desaprumar os adversários reputados bárbaros, visto que eles
aparentaram ser obstáculo, dado que se opunham à construção do novo povo,
tornado uno pela ação dos sandinistas. As exações sangrentas, cometidas
pelos contras, foram também tomadas nesse mesmo díptico de barbárie e
civilização21.
Há ainda outro tipo
de crueldade, largamente admitido pelas partes em combate: o estupro. Tanto é
banalizado quanto negado, mas se atesta por numerosos testemunhos, sem que se
disponha de estudos sistemáticos deles. Isto implica, evidentemente, o machismo
da sociedade nicaraguense. Este machismo, embora combatido por certas
militantes sandinistas e pelas organizações de mulheres, mantém-se como traço
dos costumes nicaraguenses até nos nossos dias22. Inscreve-se, ademais, na
vontade de humilhar o adversário e de lhe impor uma como mancha. As
colaboradoras e as militantes da Frente foram também sistematicamente
estupradas pelos membros da Guarda nacional, quando elas caíram nas mãos do
inimigo. Muitas mulheres dos guardas nacionais ou pertencentes a famílias
acusadas de somozismo sofreram este tipo de injúria, depois do 19 de julho.
Enfim, os contras, tanto Miskitu quanto os de língua castelhana, ninguém ficou
livre desse gênero de exação23.
Poucos foram os
responsáveis políticos, militares e outros próceres que se opuseram a essas
práticas24. Os estupros foram largamente tolerados pelas forças armadas
sandinistas, como pelos contras. Um dos sinais dessa “normalidade” dos estupros
é que tais fatos foram pouco utilizados na propaganda dos sandinistas e dos
contras ou na crítica mútua. Essas exações eram consideradas como da esfera e
domínio privados. Tendo em conta o esquema de tal guerra de amigo/inimigo, em
que a humanidade da parte adversa era oficialmente denegada, os estupros foram
assemelhados à mutilação dos corpos, ou a certos assassínios, como a
manifestação da denegação da humanidade do adversário. Para além das vítimas,
essas exações foram pensadas como ofensas dirigidas contra os chefes das redes
familiares, únicos habilitados a exigir reparação, no espaço de transação
privada, decidida pela eliminação do ofensor, ou obrigá-lo a despender alguma
reparação material25. Na mesma ordem de ideias, na guerra civil de 1912, toda
uma violência antielitista se desenvolveu em Granada contra as grandes famílias
conservadoras. Os seus
chefes foram
chicoteados em público, depois foram obrigados a desfilar de nádegas nuas pela
cidade. Alguns dias mais tarde, mulheres e filhas dessas boas famílias da
burguesia foram aprisionadas pelos revolucionários e constrangidas a se unir
aos seus aprisionadores. Ademais, houve até mesmo verdadeiras expedições de
estupros coletivos nos colégios das jovens da cidade e nas moradias
conservadoras.
A formação de novos
atores
No continuum guerrilheiro
do século XX, o emprego raciocinado da violência e o seu respectivo controle
ofereceram a possibilidade de que indivíduos, considerados à margem das
posições de influência, acedessem à posições do primeiro escalão. As guerras
civis recentes, como aquelas do começo do século, nutriram-se tanto dessa
vontade dos plebeus de chegar a um escalão elevado, quanto da luta entre atores
sociopolíticos já bem estabelecidos. Esse tipo de ascensão e promoção pelas
armas é visível em todos os escalões da hierarquia administrativa e política.
Conseguintemente, no irromper de cada um desses conflitos, a vontade dos chefes
da guerrilha de adquirir novo estatuto pesou no procedimento das próprias
operações militares.
No decênio 1980,
muitos desses recém-chegados à política foram incontestavelmente personagens
saídas das filas das guerrilhas; a sua influência eclipsou aquelas dos notáveis
mais antigos. No seio da primeira Junta do governo, Alfonso Robelo e Violeta
Barrios de Chamorro fizeram pálida figura em comparação do comandante Daniel
Ortega, coordenador da Junta, e dos seus subalternos provindos da nebulosa
sandinista, Moisés Hassán e Sergio Ramírez. Sem tardar, o aparelho de Estado
foi povoado de certo pessoal provindo da esteira da Frente, muitos dos quais se
deram ares de guerrilheiros veteranos, mesmo que nunca houvessem sido tais. Se
alguns membros das famílias conservadoras guardaram lugares eminentes, eles não
os lograram pelos seus laços de família ou por alianças matrimoniais com os
recém-chegados ao mundo da política, que eram os sandinistas. De igual modo, no
seio dos contras, os homens de maior peso foram todos soldados, ou procuraram aparentá-lo.
Eden Pastora constitui bom exemplo, como também Enrique Bermudez, antigo
oficial da Guarda nacional. Alguns, que nunca participaram de ação armada,
assumiram postura de comandantes. Em face de todos esses condottieri,
as elites civis reescapadas do antigo regime de Somoza, ou os antigos
companheiros de rota dos sandinistas, como Adolfo Calero Arturo Cruz ou Alfonso
Robelo ficaram geralmente com quinhão apoucado, não muito diferente na
Nicarágua do começo do século. Sandino e Somoza, ambos homens chaves no decênio
de 1930, não apareceram diferentemente. Tanto um como outro, de começo, não
eram senão obscuros generais liberais. O primeiro tomou por título de glória a
sua recusa do pacto entre liberais e conservadores, captando para a sua
vantagem o apoio mexicano e toda uma corrente de simpatia latino-americana26.
Somoza construiu a sua ascensão tornando-se responsável de novo corpo militar,
no caso a Guarda nacional, ademais do apoio estadunidense.
Durante a revolução
sandinista, essa mobilidade social abrangeu também a multidão de homens e
mulheres que povoaram a organização de massa do novo poder e ocuparam posições
de responsabilidade: comissões de defesa sandinista, CDS; confederação
sandinista do trabalho; associação de mulheres e jovens. Os antigos
guerrilheiros obtiveram postos vistosos nas novas organizações, como no seio do
exército popular sandinista, EPS, ou na polícia sandinista. Heróis da guerra
contra Somoza, os chamados muchachos, originários de famílias as mais
modestas, foram por vezes elevados a altas funções no exército ou na polícia e
se tornaram personagens públicas do primeiro escalão, como el Zorro, comandante
Francisco Rivera Quintero27. Se a maioria não logrou senão responsabilidades
medianas, pelo menos conseguiu beneficiar-se de promoção social muita rápida. A
história de Charrasca, moço de León, que fez tremer os guardas nacionais por
ocasião da insurreição nessa cidade, neste ponto de vista, é figura
emblemática. Menino de rua, na margem da delinquência, como adolescente assumiu
o comando de um grupo de combatentes, provindos do seu bando de amigos; ficou
famoso pela sua louca bravura diante dos soldados da Guarda. Charrasca e os
seus companheiros foram forçados a integrar o exército sandinista. Ele foi
assassinado em razão da sua indisciplina, enquanto os seus companheiros foram
enviados a Cuba, para certo estágio de “formação”28. As guerras entre
conservadores e liberais, depois daquelas de Sandino, ofereceram exatamente as
mesmas oportunidades de mobilidade social. Durante todos esses anos de
maquinações e intrigas que foi o regime de Zelaya, como depois da sua
derrubada, apareceram novas redes de caciques. Zelosos na defesa das suas
famílias, os seus membros filiavam-se a um ou outro partido, em função das
circunstâncias locais e das benesses que esperavam extrair daí. Eles respondiam
às ofertas dos pequenos notáveis, que recrutavam partidários para os seus
feudos de origem, para em seguida negociar em boa posição com os chefes
liberais ou conservadores. O exército de Sandino foi assim um conglomerado
dessa natureza. Para além do círculo dos seus partidários da primeira hora e
dos veteranos dos afrontamentos de conservadores e liberais, surgiram centenas
de soldados improvisados, muitas vezes também ansiosos em fazer fortuna ou de
se proteger das exações dos potentados locais, mais do que em participar da
defesa da soberania nicaraguense. De igual modo, as ofertas de recrutamento da
Guarda nacional representaram tanto oportunidades para o campesino melhorar a
sua sorte, como de aceder a posições de responsabilidade local: por exemplo,
como juízes de paz, nomeados para presidirem as zonas rurais.
A nota própria de
todos esses fenômenos é que eles se levaram a termo em contextos em que a
concorrência entre os aliados constituiu a regra tacitamente aceitada. Nos anos
1980, os contras em vão multiplicaram as alianças oficiais, como União nacional
de oposição, UNO, em 1985; Resistência nicaraguense, em 1987; os diferentes
grupos armados continuaram sempre fundamentalmente rivais. A lógica de
unificação ficou sempre contrabalançada pelas forças centrífugas de afirmação
dos diferentes grupos, uns às custas dos outros. Os Milpas nunca foram uma
organização unificada, mas um conglomerado de grupos armados independentes29.
Os achegados a Pastora, sandinistas dissidentes da Frente revolucionária
Sandino, sempre se opuseram aos comandos30 da Frente norte, reorganizada por
Enrique Bermudez. Para os primeiros, os segundos não passavam de antigos
guardas nacionais que, na sua vez, os consideravam como sandinistas mal
arrependidos. Mesmo no interior desses dois blocos da oposição armada, as
rivalidades eram manifestas: no sul, entre partidários fiéis a Negro Chamorro e
pastoristas; no norte, entre antigos Milpas e antigos guardas nacionais.
Ademais, essas tropas hispanofônicas nunca conseguirarm atrair os combatentes
Miskitu e Mayangna, os quais também hesitavam entre dois estados maiores: um
instalado na Costa Rica, aquele de Brooklin Rivera; o outro tinha os seus
dirigentes maiores na Moskitia hondurenha. Para muitos contras, a pertença a
essas organizações armadas significava tanto a participação da luta política
quanto a forma de se proteger das arbitrariedades e exações do novo poder
sandinista: em suma, era a maneira de adquirir maior peso no jogo político, em
muitos níveis.
Na história dos
contras, essas rivalidades não foram, de forma alguma, anedóticas, mas
obedeceram sempre a um desígnio político perfeitamente pensado: obter prebendas
nas organizações centrais, posições de influência para aceder aos arrendadores
de fundos estadunidenses e assegurar postos no jogo político nicaraguense.
Houve muitos momentos em que o jogo de tais rivalidades internas superou a ação
puramente militar contra os sandinistas. A atitude vira-casaca de Eden Pastora,
como a paralisia da Frente sul não se explicam de outro modo. Pastora, não
poucas vezes, foi mais preocupado em ameaçar os sandinistas, para obrigá-los a
negociar com ele, do que combatê-los verdadeiramente no seio de uma aliança com
a Força democrática nicaraguense, FDN, que ele considerava fagocitada por
antigos partidários de Somoza. Ele esteve também paralisado em certo tempo pela
falta da ajuda estadunidense, e isto a pedido do diretório da FDN, a fim de que
ele não pudesse comparecer omo figura de proa dos contras. A escolha de Pastora
de abandonar a luta armada em 1987 e integrar a oposição cívica foi também uma
tentativa de recuperar melhor posição, em face do seu enfraquecimento no seio
da Resistência Nicaraguense. Enfim, as diferentes tensões que existiram entre
os comandantes de base dos diferentes grupos guerrilheiros e dos estados
maiores respectivos explicam-se, mais de uma vez, por razões de rivalidades
internas. Os comandantes entravam em concorrência, seja para assegurarem
melhores recursos, seja para lograrem posições de menor perigo. Tais fricções,
não poucas vezes, levaram os círculos dirigentes das organizações guerrilheiras
a expulsarem certas personalidades mais ciosas de conservar o seu poder e das
prebendas que ele comporta.
Observa-se o mesmo
tipo de dinâmicas, por ocasião da guerra contra Somoza. A concorrência entre
opositores de Somoza foi também feroz, não apenas entre a oposição “burguesa”
civilista e a FSLN, mas também entre grupos armados da própria Frente
sandinista. Tais rivalidades no seio do feudo sandinista expunham as
fendas quanto à estratégia revolucionária que importava adotar: proletária,
guerra popular prolongada e terceirista31; tanto quanto, porque dobravam
as querelas de pessoa, de precedência e mesmo de posições táticas. Os golpes de
brilho dos terceiristas, como na tomada de reféns do Palácio nacional de
1978, o que permitiu a libertação de numerosos prisioneiros sandinistas, foram
reprovados pelos membros da tendência de guerra popular prolongada, GPP. Como
narrou Hugo Torres, nas suas memórias, certos membros dessa tendência se
recusaram a integrar as frentes militares dos terceiristas depois da
libertação, preferindo partir para Cuba, onde se preparou a reunificação da
FSLN, por instigação de Fidel Castro. Eden Pastora ficou enfurecido de não ser
nomeado membro da nova Direção nacional da Frente. Para ele como para alguns
dos seus companheiros, o seu papel na tomada do Palácio nacional tinha de lhe
valer tal promoção32. Orgulhosos da sua nova cotação internacional e da ajuda
panamenha, venezolana e costarriquenha, os terceiristas privilegiaram
também o reforço das suas unidades militares, às custas dos outros. O seu
objetivo, graças aos seus feitos militares, era assegurar posições estratégicas
no novo aparelho do Estado, notadamente no seio das forças armadas, cujo maior
responsável há pouco foi um dos seus, Humberto Ortega. Certos momentos chaves
da luta contra Somoza, como por ocasião dos combates na região de Esteli, foram
marcados pela vontade de vários membros da tendência “guerra popular
prolongada”, que se recusaram a levar assistência a guerrilheiros terceiristas,
tomados sob o fogo da Guarda nacional33.
Por vezes, as tensões
foram tais que provocaram o assassínio de certos adversários. Se esses crimes
ou essas tentativas de assassínios foram relativamente pouco numerosos, eles
foram a explicação privilegiada de todos os reveses da guerra, tanto na época
dos contras como por ocasião da guerra contra Somoza. Assim, no atentado de
Penca, que quase custou a vida a Pastora, em 1984, ele e os seus subalternos
pensaram que havia sido tramado pela FDN e não como isto se demonstrou, em
seguida, pelos sandinistas. Igualmente, todo o atraso na entrega de armas
prometida pelos “aliados” em perseguição dos contras levava a suspeitar de
certa maquinação de algum contingente rival. Essas práticas não eram
desconhecidas da FSLN. Jaime Wheelock, chefe da “tendência proletária”, foi
ameaçado de morte por Tomás Borge e julgou mais prudente fugir. A morte de
Danto, isto é, Germán Pomares, durante o ataque de Jinotega, em maio de 1979,
não foi considerado acidente por muitos dos seus companheiros; foi considerado
assassínio, ordenado por certos dirigentes da Frente, em razão das suas
posições sociodemocráticas e da sua vontade de promover uma revolução à imagem
da revolução da Costa Rica de 1948, e não daquela da Cuba castrista34. Pura
conjectura ou fato comprovado, esse assassínio, em todo o caso, é a origem da
primeira dissidência no seio das guerrilhas da Frente, dissidência que
forneceu, mais tarde, um dos primeiros núcleos dos contras, isto é, os Milpas35.
Aqui, ainda, essas
práticas inscrevem-se no traçado daquelas que têm estado em uso desde o começo
do século XX. As guerras entre
liberais e
conservadores foram, de igual modo, guerras pessoais entre caudilhos dessas
duas nebulosas36. Sandino, “general dos homens livres”, como prova a sua
correspondência, passou boa parte do seu tempo em negociar com os chefes do
bando, para que estes não somente lhe manifestassem apoio e pusessem em surdina
as suas rivalidades, mas se dobrassem efetivamente às suas ordens; e até mesmo
coordenassem as suas ações, em função dos seus planos de batalha. Somoza García
e os filhos, eles também, tiveram de fazer face a fenômenos análogos no seio da
Guarda nacional, na qual conjurações e lutas de influência em ligação com os
chefes do partido conservador foram constantes37.
Enriquecimentos e
prebendas
Para muitos
guerrilheiros a participação nas operações armadas não constituiu apenas o meio
de chegar às novas responsabilidades políticas, senão também à via de acesso a
recursos econômicos, e isso, por vezes, desde os anos de guerra. O fato é
evidente, considerando as trajetórias de numerosos sandinistas como de certos
contras. É depois de 19 de julho que muitos combatentes gozaram de bens
adquiridos graças às operações, que oscilam entre a pura e simples pilhagem e a
atribuição muito oficial de “bens vacantes”. Grande número de moradias,
com efeito, se encontraram abandonadas, seja porque os seus proprietários eram
ligados ao regime de Somoza, seja porque tenham fugido ao estrangeiro, seja
porque os seus ocupantes tenham procurado outro refúgio para se proteger dos
combates razoavelmente mortíferos e destrutivos. Assim, casas se acharam
vacantes com os bens que elas continham. Alguns deles, pertencentes a
partidários de Somoza ou a membros da família do ditador, muito oficialmente
foram confiscados e atribuídos a responsáveis políticos e militares
recentemente entronizados pela JGRN; outros foram objetos de apropriação de
fato, especialmente os automóveis ou aparelhos elétricos do lar. O fato implica
dizer que se assiste a transferências de propriedade que, sob a coberta da
socialização, não foram senão simples roubos em prejuízo dos particulares
ausentes. Os bens de “função” foram, não raro, objeto de apropriação particular38.
Na véspera da renovação da Assembleia nacional, que selou a derrota eleitoral dos
sandinistas em 1989, as leis ditas da piñata, ou panela, legalizaram,
“em razão dos serviços prestados à revolução”, essas transferências de
propriedade. Tal enriquecimento da maioria do pessoal político e militar foi
para os seus beneficiários efêmero e pouco importante; para outros foi durável
e vultoso. Vários membros da Direção nacional da FSLN, em cujo primeiro escalão
estavam os irmãos Ortega e Tomás Borge, e respeitável série de oficiais das
forças armadas, tornaram-se poderosos homens de negócios, à testa de
patrimônios imóveis em Manágua ou na costa do Pacífico, tanto nos domínios de
terras como de empresas industriais nacionalizadas pela revolução39. Esse
enriquecimento, por vezes, foi o resultado de espoliação dobrada: em prejuízo
dos antigos proprietários e do próprio Estado; mas, às vezes, também dos seus
subalternos. Muitos militares, oficiais e suboficiais, aposentados por ocasião
da chegada à posse dos negócios da UNO, em 1990, nunca receberam indenização do
licenciamento que os oficiais superiores deviam repartir, o que causou muitas
ações de protesto no seu dissídio de 1991 e 199240. Esta piñata sandinista
teve o seu equivalente nas fileiras dos contras. Quando a grande massa de
soldados volveu à vida civil, com ajuda mínima, no quadro de diferentes
programas de reinserção, geralmente administrados pela Organização dos Estados
Americanos, OEA; diferentes comandantes se fizeram atribuir ajudas
especiais a uns, enquanto outros receberiam terras ou liquidações. Outros
imitaram certos altos responsáveis sandinistas, e roubaram sem vergonha dos
próprios antigos companheiros de armas, em nome dos quais negociavam diferentes
subsídios41. Essas indébitas apropriações foram denunciadas publicamente e
suscitaram diversos movimentos de revolta entre os desmobilizados de todos os
lados, contra aqueles que os haviam espoliado, como da parte de certas pessoas,
cujos bens haviam sido confiscados. Cumpre constatar que nunca se pôs em causa
o princípio de tais indenizações. A questão, pelo contrário, foi a de saber
como elas poderiam ser estendidas ou atribuídas com mais justiça. O jogo
consistia, pois, em avalizar as prevaricações do adversário para justificar as
próprias. Muitos contras apresentaram o argumento de que eles não faziam senão
repetir o que haviam feito os sandinistas. Estes sustentaram o argumento da
necessidade de recompensar os “serviços prestados à revolução”. Enfim, os
pequenos piñateros não lograram abrigar-se atrás das práticas dos
grandes. Os grandes em geral tiveram a inteligência de fazer beneficiários os
seus dependentes diretos com a mesma largueza. Mais de uma vez, fez-se crer que
os “ deixados por conta” acabariam por ter a sua parte e quinhão.
Ocorre que tais
práticas são diretamente herdadas de um passado mais ou menos próximo, mas
muito presente na memória coletiva; e o argumento subjacente foi muita vez
alegado em numerosos debates políticos. Desde o começo do decênio de 1980, o
paralelo se estabelecera entre a “voracidade” do clã de Somoza e a “rapacidade”
de certos dirigentes sandinistas. Havia piadas sobre a mesma capacidade de cada
um deles de se “apropriar da maior parte do bolo”. Prevaleceu a ideia de que se
atividade político-militar comportava inegavelmente direitos de contrapartidas
materiais, tais exigências deveriam ser “decentes”. Desse modo, certas
“confiscações” da revolução, por injustas que possam ter sido, apareceram como
inevitáveis, ainda que não conformes a um tipo de justiça. Os críticos do
procedimento de Anastasio Somoza García e, depois, do seu segundo filho,
Anastasio Somoza Debayle, participaram do mesmo espírito; estigmatizou-se não a
preocupação de bons negócios, mas a propensão imoderada para eles.
Qualificou-se, assim, de “ditadura omnívora” o regime de Somoza Debayle depois
do terremoto de 1972, em razão das suas operações imobiliárias e dos roubos
cometidos pela Guarda nacional, nessa ocasião. Havia-se feito observação
análoga contra Somoza García, por ocasião da declaração de guerra à Alemanha
nazista em 1944, e da confiscação dos bens dos cafeicultores alemães, que
haviam chegado à Nicarágua no século XIX. Semelhantemente, as tratativas de
Sandino para que lhe fossem concedidas terras, a fim de que pudesse formar uma
cooperativa com os seus companheiros de armas: tais terras pareciam um modo
normal de recompensá-lo e aos seus companheiros. Em suma, as guerras entre
conservadores e liberais do começo do século XX, como aquelas do século
precedente, haviam feito espoliações dos vencidos, como se fora na base de certa
regra de procedimento. Os membros do partido derrotado eram espoliados da
totalidade ou da maior parte dos seus bens. Sem dúvida, não raro, houve o
cuidado de deixar uma porção condizente às grandes famílias do partido adverso;
mas poucas vezes houve a mesma consideração com os líderes do grupo derrotado42.
Todas essas guerras
foram também ocasião de consideráveis enriquecimentos ou de melhoramentos
notáveis no modo de vida dos homens de armas, ao longo de todas as
hostilidades. Sem dúvida, porém, as condições de existência dos guerrilheiros
sandinistas, muitas vezes, eram de extrema precariedade, como comprova a
narrativa de Omar Cabezas Quintero ou de Hugo Torres43. A justo título, eles
põem o acento na fome e no desnudamento em que se encontraram, mais de uma vez,
mormente no decênio de 1970, quando tiveram de andar nômades nas montanhas
centrais do país. Ainda assim, cumpre notar que essa experiência, que
igualmente foi para os primeiros núcleos dos contras, não era geral. Foi tal
para pequeno número de pioneiros desses dois movimentos. Muitos deles, em
contraposição, ficaram beneficiários de formação militar profissional e
política, em Cuba e nos países socialistas, ou nos exércitos centro-americanos,
até mesmo na Argentina para alguns poucos. O grosso dos batalhões guerrilheiros
foi integrado em contexto em que a abundância nunca foi geral; as condições
materiais eram antes espartanas ou de mediania. Este fenômeno evidencia-se,
considerando as condições de vida dos ambientes sociais de onde provinha a
maioria dos guerrilheiros. Haja vista o caso dos assim chamados muchachos: improvisados
combatentes da Frente, por ocasião da insurreição final de 1979 na cidade de
Manágua ou de León. Charrasca é emblemático quanto a isso. Ele próprio e muitos
companheiros de armas viviam em extrema pobreza e faziam parte do setor dito
informal. Os trabalhadores do campo, não raro, eram operários diaristas, que se
reuniam aos soldados das cidades da zona cafeeira; todos viviam muito
pobremente. É o que podem contar os que trabalhavam na colheita do café. A
participação na insurreição deu-lhes acesso a uma alimentação mais variada,
melhor daquela que consumiam antes. Puderam também vestir-se melhor e melhorar
o calçado. O fenômeno fica mais claro, se é ponderada a vida material dos
contras. Tanto eles como as suas famílias eram beneficiários de diversas
vantagens. Havia ajuda do HCR nos campos de refugiados hondurenhos e cuidados
médicos como eles não tinham antes. Esses fatos têm a sua importância,
considerando a penúria que sofriam os nicaraguenses no tempo do sandinismo,
especialmente para a gente rural, no período dito “comunismo de guerra”, de
1985 a 1987. No atinente aos dirigentes da oposição armada, os soldados tiveram
acesso a salários e a prebendas que fizeram deles homens ricos. A aliança deles
com os antissandinistas foi excelente negócio, em termos econômicos. Aqui
também os desvios de fundos e os abusos constituíram moeda corrente. Houve
roubo sem vergonha: mobília material das famílias dos combatentes, fundos
destinados à compra de alimentos e equipamento. Conheceram-se fenômenos
análogos nas fileiras sandinistas; aí havia ainda a concussão e o enriquecimento
sob o embargo estadunidense. Muitos chefes de guerra de ambos os campos
rivalizavam nas despesas de luxo: casas reservadas aos diplomatas de Manágua,
restaurantes, lugares de prazer em Tegucigalpa, San José ou Miami44.
No atinente às
experiências passadas, a melhora das condições materiais durante as próprias
guerras não é novidade; elas diferem, porém, em ponto capital: o modo de
financiamento das guerras. Quaisquer que fossem os aportes estrangeiros em
homens e armas, nas guerras do decênio de 1910 e por ocasião dos afrontamentos
entre Sandino e a Guarda nacional, ele foi muito reduzido e não dizia respeito
senão a pequeno número de atores45. Essas guerras foram fundamentalmente
financiadas por recursos e dinheiro obtidos à força nas populações das regiões
em operação do exército em campanha. Sandino se apropriou assim de uma mina de
ouro e recorreu regularmente ao sistema das “garantias”, o que vigorava nas
guerras precedentes. O sistema consistia em exigir um imposto de guerra em
troca de proteção contra possíveis prejuízos, sob pena de haver represálias as
mais severas46. Acrescentou-se a esse sistema a apropriação de rebanhos,
grandes e pequenos, para alimento, vestimenta e transporte. Isto implica que os
exércitos viviam às custas da população civil, forçada a cooperar para salvar a
vida e, para os ricos, parte dos seus bens. Inversamente, a guerra contra
Somoza, na sua última fase, tudo como na guerra entre sandinistas e contras,
tudo foi financiado pelas potências estrangeiras. Os sandinistas tiveram o
apoio financeiro e militar da Costa Rica, Cuba, Panamá e da Venezuela. Desde
1980, a ajuda fornecida aos sandinistas pelos países comunistas foi tanto
maciça quanto decisiva, como sucedeu com os americanos, a partir de 1982, e de
alguns dos seus aliados, para os diferentes grupos da oposição armada. O volume
de tais ajudas, como a ausência quase completa do controle sobre o seu emprego
facilitaram grandemente todas as operações de enriquecimento pessoal. Mais
ainda, a vontade dos protetores de cada um dos clãs combatentes de sustentar, a
qualquer preço, os seus protegidos permitiu a ditas práticas de não serem
postas em discussão. Se as operações dos velhacos não desapareceram totalmente,
foi muito mais eficaz e lucrativo desviar o dinheiro dos empréstimos de fundos
estrangeiros que de fazer pressão sobre as populações civis.
A ordem e a barbárie
O lugar eminente da
violência e da guerra na história nicaraguense é, contudo, incompreensível, se
não se leva em conta as concepções do assunto político em voga ao longo da
maior parte do século XX. A ideia de uma nação nicaraguense foi pelo menos
problemática. Como o escreveu Sarmiento, num ensaio sobre a América Central: “A
América Central fez um Estado soberano de cada vila47”. O melhor observador da
Nicarágua, no decênio de 1960, foi o politólogo estadunidense Charles Anderson,
que qualificou esse país de “nação desintegrada48”. De fato, dos anos de Zelaya
àqueles dos sandinistas, os nicaraguenses não se percebiam, de forma alguma,
como membros de uma nação composta de indivíduos iguais perante a lei; eles se
sentiam, primeiro, como membros de uma linhagem familiar; depois, de uma cidade
ou vila; assim faziam disso uma facção política. Granada e o seu interior eram
as terras da eleição dos conservadores, ao passo que León e os territórios que
o cercam eram liberais. Aliás, as pessoas não eram propriamente membros do
partido liberal ou do partido conservador; elas eram ligadas a alguma das suas
numerosas facções. Daí o complexo e dificultoso da fidelidade partidária e
eleitoral. A fidelidade ia para a família e para o nascimento; ou, depois, para
as ações ao serviço do patrão. Tal localismo e tais relações de dependência do
protetor ficavam como modos de definição de si e não foram, de forma alguma, o
apanágio dos campônios deserdados da modernização e do progresso. A marca de
tais definições foi sentida em setores sociais os mais em contato com a
modernidade. As observações formuladas por François Chevalier sobre a
onipresença dos “laços pessoais”, no jogo político da Nicarágua de Anastasio
Somoza García, podem aplicar-se, sem risco de erro, até ao fim da guerra
sandinista e dos contras49. Os nicaraguenses conceberam o seu país como uma
justaposição de corpos heterogêneos, cada um reagrupado atrás dos seus chefes e
dos seus achegados que deviam assistência aos seus dependentes. A sua
administração e o Estado ficaram embrionários até às empresas modernizadoras de
Anastasio Somoza García, de 1934 a 195650. O aparelho do Estado fica em mãos de
rarefeita elite, partilhada entre os clãs conservadores e liberais. Os postos
da função pública eram repartidos em função das afinidades políticas, após
acordos dos chefes de facção. O primeiro exército nacional, a Guarda de mesmo
nome, não foi formado senão no decênio de 1930; e ficou como grupo pretoriano a
serviço da família Somoza. A ideia de uma nação formada de cidadãos, tudo como
aquela do território nacional, onde o Estado estaria presente e marcaria o seu
domínio, de forma uniforme, não tinha sentido ou muito pouco, até à revolução
sandinista. A muitos respeitos, a revolução sandinista, com o seu projeto de
transformação social do país, constituiu um acelerador da integração nacional
e, paradoxalmente, a vontade de sair de um ciclo de violência selou a unidade
nacional que, até aí, não passava de invocação.
O lugar eminente da
violência no jogo sociopolítico se liga também a concepções do político, que
lhe dão lugar nuclear. Diferentemente dos europeus e estadunidenses e na imagem
dos demais latino-americanos, os nicaraguenses se nutrem de dúvidas quanto à
capacidade do social de regular-se, seja mediante mecanismos do mercado, seja
por meio da expressão da vontade geral. Para retomar os termos de Daniel
Pécaut, por muito tempo prevaleceu a ideia de que o social, entregue a si
mesmo, era votado à incompetência e à barbárie51. Daí decorre o corolário de
que não haveria social que não fosse organizado “do alto”. As concepções do
político outorgariam à ordem e à violência os lugares centrais e
complementares. Os atores políticos, portanto, têm a incumbência de pôr em
forma o social. A violência, evidentemente, em tal contexto, constitui uma das
modalidades de ação legítima, a fim de evitar o caos bárbaro e responder-lhe.
Discerne-se a força deste imaginário na pintura que fizeram os
nicaraguenses da sua história. Numerosos escritores e historiadores demonstram
predileção pelas narrativas de batalhas e pelos heróis guerreiros e
civilizadores, mesmo se eles visam a também estigmatizar tais costumes
bárbaros. Eles questionam-se, igualmente de modo lancinante, sobre a
decomposição social que, ao seu olhar, ameaça as classes populares, por pouco
que elas sejam entregues a si próprias52.
Essas concorrências
não implicam apenas os partidos políticos; mas, como indica C. Anderson, “todo
o indivíduo ou grupo que procura ver realizadas as suas demandas e controlada a
designação dos valores para a sociedade mediante a maquinaria do Estado, ou
legitimada a fonte de poder, em face da sociedade, por meio do exercício de uma
capacidade de poder”. Assim, negociam, lado a lado, atores muito heterogênios:
instituições como as forças armadas; a Igreja, ou frações da Igreja; partidos
políticos; associações profissionais ou agrupamentos de interesses econômicos;
comunidades territoriais ou étnicas ou linhagens; sem contar os grupamentos
estrangeiros, como firmas transnacionais, partidos políticos e as forças
armadas dos países vizinhos, até mesmo representantes de diferentes
administrações estadunidenses. Esses modos de ação oferecem não poucos
paralelos com aqueles dados à luz por François-Xavier Guerra, na sua análise
dos pronunciamentos no México do século53 XIX. O levante armado, de
certa forma, sempre se negocia e anuncia. Ele é precedido de verdadeiras
consultas, para significar ou que se deseja obter retificações da política em
curso, ou que se quer tomar pé na cena política.
Essa visão do
político como sistema de negociação entre concorrentes pelo poder vai na linha
do acordo implícito, no atinente ao fato de que esse sistema pode acolher novos
concorrentes, por pouco que eles façam prova da sua “capacidade de poder”. Em
contraposição, é impossível deixar de fora um desses associados rivais, mesmo
no caso em que os recursos dele venham a diminuir ou a desaparecer. Há apenas
duas exceções a esta regra tácita: quando o recém-vindo pretende eliminar do
jogo das negociações o concorrente mais velho, ou quando um dos concorrentes
tenta derrubar algum ou a totalidade dos seus rivais. Nesses casos, os diferentes
associados se ligam para excluir, pelo menos momentaneamente e por vezes
durante tempo suficiente, o recém-vindo ou o concorrente que pretende a
hegemonia, sem partilhar, sem respeitar o código da vida política54.
Essas concepções são
endossadas por dois outros esquemas, cada um deles não necessariamente uno.
Há o partido provindo do direito natural, ius naturalis; o outro procede
da concepção agostiniana da autoridade. Não se concebem direitos abstratos,
assegurados por um Estado neutro e imparcial; em contraposição, prevalece a
ideia de que existe um tipo de lei natural que os governos devem respeitar.
Todo o descumprimento dela é ressentido como intolerável agressão contra a
pessoa e atentado contra a honra. Todo o atentado desse tipo requer reparação.
Assim, as vítimas de tais descumprimentos sentem-se justificadas para apelar ao
respeito do “seu direito” e ao restabelecimento da sua honra, se necessário,
pelas armas. Em suma, como em toda a cidade cristã bem ordenada, a parte maior
deve auxiliar a parte menor; mas também a libido de dominação precisa ser
controlada55.
A ponderação dessas
particularidades políticas e sociológicas facilita a avaliação tanto da guerra
contra Somoza quanto os afrontamentos entre os sandinistas e os contras. A
primeira como os segundos correspondem ao caso de figura, em que um dos
concorrentes do poder entende reinar sem partilha, afastando os seus rivais; os
paralelos com outros momentos da história nicaraguense, como a luta contra
Zelaya, são evidentes. Recordemos os contextos que prevaleceram entre o período
de 1978-1979 e aquele de 1980-1982. No primeiro caso, Anastasioa Somoza Debayle
já estava em situação crítica pelo fato da sua incapacidade de seguir o modus
vivendi estabelecido pelo pai e seguido pelo irmão Luis. Longe de dar lugar
às diferentes facções conservadoras, Somoza Debayle não cedeu poder, desde a
época subsequente ao terremoto de Manágua de 1972. Tal gesto e prática não
tardaram em catalisar a união das frações rivais da nebulosa conservadora, que
fizeram como seu o programa do oponente perpétuo dos Somozas, Pedro Joaquín
Chamorro. Em janeiro de 1978, o assassínio dele desencadeou nova leitura da
situação. Atribuído a homens ligados ao filho do ditador, o crime apareceu como
transgressão maior das regras do jogo político. Em contraposição, o emprego de
violência, mesmo brutal, contra oponentes periféricos na cena política, como os
membros da Frente sandinista, ou de dependentes dos responsáveis da política
nicaraguense, era tolerado. Tais gestos representavam um prelúdio de
negociações inevitáveis. No caso de Pedro Joaquín Chamorro, o assassínio era de
um alter ego de Somoza, que só podia desqualificar o seu suposto
comanditário. Então não restava outra via possível senão a eliminação pela
força do infrator das regras que regulam o emprego da violência entre os
associados rivais. Tal saída pareceu inevitável não somente à plêiade de
oponentes “burgueses” do ditador, mas também a alguns dos seus partidários.
Alguns deles se viram tentados a apelar a uma “saída de honra” e a novo pacto
entre conservadores e liberais. Além disso, a condenação firme das práticas da
ditadura pela Igreja nicaraguense, como encarnação do pecado e as ameaças de
excomunhão para membros da Guarda nacional, tudo isso fez da luta contra Somoza
uma espécie de cruzada, para tornar a fundar uma cidade cristã.
A situação não foi
diferente no começo do decênio de 1980. O pacto concluído entre os múltiplos
segmentos da oposição, na véspera da queda de Somoza, colocou no lugar nova
partilha dos papéis da cena política. Os sandinistas lograram aí posições de
força, tanto no seio da Junta do governo de reconstrução nacional, em que
ficaram majoritários, como no seio do gabinete ministerial e do Conselho de
Estado. Foi admitido pelo conjunto dos atores que tal escalação de força era
legítima, em razão do seu papel na queda do ditador. Ainda assim, logo após a
tomada de posse das suas funções, os sandinistas multiplicaram as iniciativas
para impor a sua hegemonia; tal fizeram de dois modos. Eles exerceram pressões
as mais brutais nos territórios do centro e do leste do país, para obrigar os
campesinos a participar das organizações de massa, ou entrar no novo exército,
não hesitando em assassinar certos dirigentes locais recalcitrantes em aceitar
o novo enquadramento. Paralelamente, perseguiram os seus rivais
revolucionários, ditos trotsquistas, os maoistas do jornal El Pueblo e
os sindicalistas do partido socialista nicaraguense, que se recusaram a se
fundir no novo sindicato unitário, a Confederação sandinista do trabalho,
colocada sob o controle da FSLN. Paralelamente, os sandinistas multiplicaram o
seu trabalho de infiltração subversiva no aparelho do Estado. Desde
setembro de 1979, um dos membros da direção nacional da FSLN, Humberto Ortega,
foi promovido ao comando das forças armadas. Alguns meses depois, diferentes
ministros burgueses foram substituídos por partidários dos sandinistas.
Em seguida, visaram obter a maioria no Conselho de Estado, que era o poder
legislativo provisório, introduzindo aí novos membros provindos da sua
organização de massa, decisão que provocou a demissão, em abril de 1980, de
dois membros não sandinistas da Junta: Alfonso Rebelo e Violeta Barrios de
Chamorro. As reações dos seus aliados de ontem, fazem lembrar, em todo o ponto,
aquelas de multiplicar oponentes a Somoza, após o terremoto. Como durante o
decênio de 1970, a maioria dos atores sociais políticos optou por demonstrações
de força, concebidas como outros tantos prelúdios dos novos arranjos de cúpula,
ou acordos ad hoc, em prejuízo dos seus rivais imediatos56.
O entrelaçamento do
religioso e do político
Esta ideia do social
que, entregue a si mesma, não passa de caos, faz par com aquela de que o dogma
católico é, de certa forma, a abóbada da ordem social. O fato fica patente no
tempo de perturbações: os sinais do divino servem então para guiar os homens, e
a Igreja, mais que nunca, tem o dever de orientar as ações dos leigos. Se
alguns tentam pôr em causa essa crença, as próprias formas das suas críticas se
dizem sempre em
linguagem, no mínimo, religiosa.
Esse entrelaçamento
do religioso com o político foi mais que visível nos acontecimentos que
marcaram as premissas da separação entre os sandinistas e os seus opositores.
Para além das provas de força que, como se viu, assinalaram o fim do ano de
1979, dois acontecimentos trouxeram diferentes atores sociopolíticos a julgar
que a hora já não era de pactos e arranjos, senão dos afrontamentos sem
piedade: as aparições de Maria em Cuapa, entre abril e outubro de 1980, e o
assassínio de Jorge Salazar, dirigente do Conselho superior da empresa privada,
em 17 de novembro de 1980. Em cada uma das suas aparições, a Virgem fez apelo
ao espírito de conciliação dos nicaraguenses e estigmatizou “o ódio de classe”
professado pelos sandinistas. Longe de passar despercebidos, esses milagres
foram, pelo contrário, poderosamente trabalhados em La Prensa, jornal
inflamado de Pedro Joaquín Chamorro e dona Violeta, e pela hierarquia católica,
na pessoa do arcebispo de Manágua, Sua Excelência Obando y Bravo. Os editorais
desse jornal, como as prédicas do prelado, puseram o acento sobre o necessário
retorno ao espírito de conciliação, que havia prevalecido por ocasião dos
primeiros momentos da formação dos órgãos do governo. A resposta foi percebida
pelos seus rivais como idêntica daquela de Somoza. No começo de novembro,
depois da última aparição da Virgem, Alfonso Robelo convocou os seus
partidários e os membros do partido “Movimento democrático nicaraguense” a uma
reunião em Nandaime. Essa reunião, perfeitamente legal, foi objeto dos ataques
das tropas de choque FSLN, o que impediu o fim da reunião. Pouco depois, em 17
de novembro, o responsável da COSEP, que conluios com setores dissidentes das
forças armadas, foi atraído a uma cilada pela polícia e friamente abatido. No
enterro de Jorge Salazar, a que assistiram muitos chefes da oposição nascente
aos sandinistas, muitos compararam este assassínio com aquele de Pedro Joaquín
Chamorro.
Nada é mais
significativo que a cronologia dos acontecimentos. A derrota de Somoza e
a tomada de posse do novo governo haviam sido marcados por toda uma série de
ritos cristãos, que sublinhavam o papel central do dogma da Igreja Católica. O
novo governo, composto de diferentes facções de oposição a Somoza, havia
prestado juramento diante do arcebispo de Manágua e um Te Deum fora
celebrado para significar a reconciliação nacional. Diante dos novos
transtornos e novas tensões sociopolíticas que se desenrolaram desde o fim do
ano, os atores estavam como ligados pelo dito pacto, tendo recebido a unção da
Igreja e, de inopino, deviam aguardar um sinal que marcasse o fim do tempo da
concórdia. As supostas aparições de Cuapa vieram muito a propósito para que a
Igreja, que achou nelas matéria com que justificar a inflexão da sua política
no atinente aos sandinistas, a mensagem manifestada sendo considerada uma injunção
divina em favor do reaggiornamento ou reatualização. Embora a Igreja não
tenha ousado pronunciar uma condenação ex abrupto dos sandinistas e, por
isso, para logo legitimar a luta armada contra eles, ela não significou menos o
fim da conciliação. Por ocasião da peregrinação a Cuapa, em janeiro de 1981, em
gesto inverso da mensagem do Te Deum de 19 de julho de 1979, as
autoridades eclesiásticas sinalavam o acontecimento de um tempo de discórdia
contrário aos ensinamentos cristãos57. A Igreja retomava nisso a sua cruzada
contra o marxismo, encorajada pelo Vaticano; este estava em luta contra a
influência da teologia da libertação nas igrejas latino-americanas.
O caso da Nicarágua
sandinista, com os seus padres no governo e a sua base popular, representava um
espantalho ao seu olhar. A demissão dos oponentes da Junta governamental de
reconstrução nacional havia precedido de pouco a organização desta
peregrinação. Por duas vezes, o arcebispo de Manágua deu a sua unção às
operações militares: primeiro, em favor dos sandinistas, em seguida dos
contras. Com base numa referência de são Tomás, ele declarou, durante a
ofensiva final de junho de 1978, que a guerra contra Somoza era justa,
legitimando assim a insurreição. Alguns anos mais tarde, interrogado sobre as
ações dos contras, ele concordou também com os contras; afirmou que Davi tinha
de empregar todos os meios contra Golias. Sente-se também o peso da doutrina
cristã na maneira como foi interpretada a morte de Pedro Joaquín Chamorro e de
Jorge Salazar, aquela de Carlos Fonseca Amador e de outros combatentes sandinistas
ou dos contras. Os assassínios dos dois primeiros tiveram o perfil do
sacrifício cristão, justificando as opiniões que encarnava. Não poucos dos
oponentes a Somoza desconfiavam de Pedro Joaquín Chamorro, antes da sua morte.
Agora, ele se tornou uma espécie de herói, cujas teses, daí em diante, foram
assimiladas às da oposição. A sua preocupação de contrapor-se, como herdeiro de
uma dinastia de presidentes conservadores, com as suas maneiras autoritárias;
tudo foi esquecido; os seus apelos a uma nova fundação de uma cidade livre da barbárie
somozista figuraram no novo credo. O lugar dado a Jorge Salazar, dos contras,
foi em tudo semelhante. A sua tentativa de maquinação militar contra as novas
autoridades, considerada no primeiro momento como insensata e contrária ao
espírito de conciliação, figurou, em seguida, como única via de ação possível,
ao passo que o seu sacrifício forneceu a prova da verdade de tal asserção. A
retórica dos sandinistas não obedece a outra lógica. Os sandinistas também
arriscaram a sua morte para lastrar as suas pretensões a governar. Enquanto
Pedro Joaquín Chamorro foi proclamado “mártir da liberdade”, Carlos Fonseca
Amador teve o seu mausoléu na praça, onde foi entronizada a Junta. Camilo
Ortega e Luisa Amanda Espinosa acederam à imortalidade, dando respectivamente
os seus nomes à mais alta distinção militar do novo exército e à organização
das mulheres sandinistas. Os apelidados muchachos, caídos anonimamente,
tiveram os seus altares nos seus quartéis ou nos lugares onde foram mortos. No
caso de Pedro Joaquín Chamorro, dos mortos sandinistas ou de Jorge Salazar,
tudo se passa como se a prova da verdade e da justiça das suas causas
respectivas dependesse do dom que eles tinham feito da sua vida. Melhor
dizendo, tais sacrifícios impediam, daqui em diante, de contestar a justeza da
sua causa, a adequação dos meios aos fins colimados e o devir dos seus
combates. Se postas em julgamento, tais colocações virariam quase sacrilégios.
Assim, foi também impossível fazer ouvir a linguagem do direito para os
sandinistas ou para os contras. Os sofrimentos passados ligavam os vivos à aura
dos mártires e certas exações figuraram como pecados menores, em face dos pecados
estruturais do adversário, como a “barbárie de Somoza” ou o “totalitarismo
sandinista”. O paradoxo deste emprego de toda uma simbologia cristã e de um
modelo de sacrifício é que nunca esteve tão presente na história nicaraguense
como no fim do século XX. O político e o religioso certamente foram por inteiro
mesclados desde a independência, como testemunham numerosas referências a Deus
nas diferentes constituições; comparece o papel da hierarquia católica em todas
as cerimônias oficiais, como o ensino do catecismo católico nas escolas
públicas no tempo de Somoza. Mas as guerras dos últimos decênios do século XX
marcaram incontestavelmente um tempo forte nessa gravidez dos esquemas
cristãos, com a dimensão profética que aqui adquire a atividade político-militar,
mesmo que essas dimensões não estivessem ausentes da experiência militar de
Sandino58.
O esgotamento dos
modelos guerreiros e a descoberta dos esquemas democráticos
O fim do decênio de
1980 foi marcado pelo abandono progressivo dos esquemas políticos em uso desde
o começo do século. Tal recolocação crítica inscreve-se em contexto
internacional novo, infindamente menos favorável ao financiamento da guerra
civil por empréstimos de fundos estrangeiros. Esgotada pela corrida
armamentista, a União Soviética decidiu reduzir drasticamente o seu apoio aos sandinistas,
a partir de 1987, ao passo que os republicanos estadunidenses foram obrigados a
uma política de baixo perfil, em função de um Congresso majoritariamente
democrático, após o escândalo do Irangate em 1987. Os Estados Unidos não
aportaram mais do que uma ajuda humanitária aos contras. Paralelamente, os
esforços diplomáticos do grupo de Contadora59, qualquer que fosse a vontade dos
seus membros de apoiar in fine os sandinistas, esboçaram uma possível
saída negociada e civilista para os afrontamentos armados da Nicarágua e no
restante da América Central. Esta transformação do contexto internacional pesou
em favor da adoção do plano de paz regional, proposto pelo presidente da
República da Costa Rica, Óscar Arias, e do seu homólogo guatemalteco, Vinicio
Cerezo; mas o seu sucesso se articulou também com a reconfiguração das práxis
políticas internas. As eleições semidemocráticas de 1984 foram, com efeito,
marcadas por dupla mudança: o rejeito do imaginário guerreiro para o
conjunto dos nicaraguenses e a valorização da temática dos direitos do homem,
o que significava, paralelamente, a descoberta dos esquemas democráticos.
Sem dúvida, a própria
duração dos afrontamentos e a sua crueldade não jogaram papel capital na posta
em discussão dos modelos até então em prestígio e honra. Diferentemente das
guerras precedentes, incluindo aquela contra Somoza, a guerra dos contras e dos
sandinistas afetou profundamente o conjunto das populações, tanto rurais quanto
urbanas. Grande parte dos habitantes da Miskitia foram deslocados à força, a
partir de 1982, reinstalados em aglomerações estratégicas ou estabelecidos nas
zonas cafeeiras do
centro do país60. Cerca de 350 mil campesinos das montanhas centrais foram
submetidos aos mesmos processos de evacuações forçadas, esta vez em direção de
núcleos urbanos61. A partir de 1983, o conjunto da juventude foi mobilizada
pelos grupos beligerantes. As diferentes facções dos contras obrigaram muitos
refugiados a colaborar, alguns combatendo, outros cooperando na logística e no
correio. O governo sandinista instituiu, em setembro de 1983, pela primeira fez
na história nicaraguense, um “serviço militar patriótico” e logrou mobilizar
150 mil homens, mas suscitando reações de resistência a este recrutamento62. No
começo dos afrontamentos de contras e sandinistas, afluíram os recrutas aos
dois campos; mas o prolongamento do conflito foi acompanhado de maciço
desencanto. No lado dos contras, os combatentes perceberam que a guerra, contra
a sua expectativa, seria longa e de grandes perdas humanas. Também descobriram
a dupla linguagem dos Estados Unidos, particularmente depois da invasão de
Granada, em dezembro de 1983. Os conselheiros americanos lhes fizeram crer que
a intervenção prevista para 1984 seria semelhante. Ficaram em tal expectativa;
ocorre que nas eleições a vitória sorriu aos sandinistas, dando ares de
legitimidade ao governo perante a opinião pública internacional. Esses
soldados, pelo contrário, apareceram como párias ao olhar da maioria da mídia
mundial e para o Alto Comissariado dos refugiados, HCR. Longe de ver neles os
“paladinos da liberdade”, gabados pela Administração Reagan, eles foram
estigmatizados como outros tantos carrascos treinados pela CIA63.
Os chefes dos contras
foram criticados, porque haviam prometido vitória rápida aos refugiados que os
haviam acompanhado no seu exílio. Enfim, desde 1985, esses últimos denunciaram
às autoridades do HCR as pressões dos contras para com eles. No lado
sandinista, os combatentes e as suas famílias descobriram, sem demora, os
aspectos mais mortíferos da guerra. Militarmente mal preparados, os conscritos,
enviados às zonas de guerra, foram dizimados pelas emboscadas dos guerrilheiros
da oposição armada. De fato, muitos jovens, até então favoráveis aos
sandinistas, viram neles os representantes de um poder militar de ares
totalitários, que os enviavam à morte certa. A guerra, em suma, lhes fez
descobrir atitudes de “senhores da guerra” em certos oficiais e suboficiais
sandinistas. Mais de um recruta, com efeito, teve a experiência das
brutalidades e sevícias da parte dos militares contra os campesinos que foram
considerados apoiadores da oposição armada; muitos ficaram revoltados por tais
exações e violências.
A partir de 1985,
diferentes vozes dissidentes começaram a se fazer ouvir, tanto no seio da
nebulosa sandinista quanto no seio dos contras, sempre a favor de encerrar a
guerra. Para além das suas diferenças, essas críticas apontaram o seguinte
diagnóstico. Longe de serem a fortaleza contra um adversário bárbaro e desejoso
somente de terminar os
afrontamentos
armados, para continuar a construção de um sociedade socialista ou então
instituir a democracia, os responsáveis sandinistas como os dirigentes dos
contras foram considerados meros aproveitadores da guerra, prontos para
estabelecer o poder ditatorial e justificar as prebendas que eles extrairiam da
guerra. Falou-se, assim do “verticalismo” dos comandantes da revolução, dos
privilégios dos que os cercavam e dos seus seguidores. A revista Pensamiento
propio dos jesuítas da universidade centro-americana, UCA, publicou desde
1985, as entrevistas dos combatentes Miskitu, que haviam aceitado a anistia, e
que justificaram a sua participação na oposição armada de 1981 a 1985. A
revista publicou, no ano seguinte, as declarações do presidente da União
nacional dos agricultores e dos criadores de gado, UNAG, que denunciava as
exações cometidas desde o início da revolução pelos responsáveis da FSLN, na
região rural, em nome da luta contra os “burgueses” e aqueles da
“contrarrevolução64”. Paralelamente, as discussões do futuro estatuto de
autonomia da costa atlântica colocaram muita dúvida nas anteriores certezas.
Com efeito, quaisquer que tenham sido os cálculos táticos de um Tomás Borge no
seu apoio ao projeto, as negociações conduzidas por Orlando Núñez e Manuel
Ortega foram como brecha profunda no dogma sandinista. No trabalho de
preparação desse Estatuto, votado em 1987, os legisladores reconheciam nos
fatos a iniquidade cometida contra os Miskitu.
Diferentes membros da
oposição armada, com base na Costa Rica, isto é, a Aliança revolucionária
democrática, ARDE, de Eden Pastora, Alfonso Robelo e Brooklyn Rivera
estigmatizaram, desde 1982, as execuções sumárias e as outras atrocidades
cometidas pelos seus rivais, que tinham a sua base em Honduras. Tais denúncias
não foram apenas ditadas pelo senso moral, mas igualmente pela vontade de obter
a melhor parte do maná estadunidense. As denúncias abriram, em todo o
caso, uma brecha no razoado amigo/inimigo, o que legitimava os piores
crimes, em nome das “necessidades da guerra”. Enfim, nas suas declarações,
Arturo Cruz expressa a sua vontade, desde março de 1987, de optar por nova via
cívica; ele não hesita em comparar os atos dos contras com aqueles dos antigos conquistadores
do século XVI; com isso ele como que inaugura nova maneira de refletir no
fracasso da ação armada. Ao olhar as particularidades da história da Nicarágua
e os efeitos destruidores da Conquista65, tal comparação teve efeito
devastador. Mais ainda, viu-se refeita a parte externa da noção de genocídio.
Isso havia sido utilizado com sucesso pelos sandinistas e pelo grupo dos doze,
seus porta-vozes, nas zonas rurais contra Somoza. Foi retomada, depois, sem
resultado, por alguns jornalistas ou ativistas dos direitos dos povos
indígenas, no atinente às suas denúncias de exações cometidas contra os
Miskitu. Desse modo, montou-se certa equivalência entre os massacres cometidos
pela Conquista do século XVI: as exações da Guarda nacional de Somoza, por
ocasião da repressão da “insurreição final” de 1979, foram cotejadas com as
destruições operadas pelos sandinistas nas transferências forçadas dos povoados
Miskitu e Mayangna, em 1982, e as barbáries cometidas pelos contras. Em suma,
depois de ter legitimado as duas últimas guerras civis, o cardeal arcebispo de
Manágua apelou também ao abandono da via armada e, a partir de 1986, ao
abandono das negociações.
Longe de ficar
isoladas, essas críticas entraram em ressonância com a temática da defesa dos
direitos do homem. Esta ocupou o lugar central na retórica contra Somoza, de
modo especial na Organização dos Estados Americanos, como, em seguida, nas
retóricas dos seus oponentes. Melhor dizendo, os direitos do homem tornaram-se
o novo modo aferidor para julgar a revolução e os projetos dos seus oponentes.
Preconizou-se o restabelecimento das liberdades fundamentais e o tratamento
humano dos guardas nacionais, feitos prisioneiros; louvou-se o mote de que “a
nossa vingança será o perdão” do novo ministro do Interior, Tomás Borge. Sem
dúvida, no campo dos simpatizantes da revolução como naquele dos detratores,
tal preocupação pelos direitos do homem, no começo primordialmente, não passou
de dimensão tática. Uns e outros se valeram dos direitos do homem, sabendo as
esperanças que eles levantavam e o favor que os envolvia na Europa e na América
do Norte. Mas a maioria sentia-se estranha quanto aos princípios democráticos e
liberais que os fundamentavam. Os núcleos dirigentes dos sandinistas, como os
primeiros contras, estavam em polos opostos. As manobras que consistiram no
apoio das organizações de defesa dos direitos do homem, concebidas como outras
tantas oficinas de propaganda contra o adversário, tiveram efeitos perversos.
Muitos dos seus membros tomaram a sério a sua missão; ciosos de reconhecimento
internacional, denunciaram não apenas os crimes do adversário, mas também
aqueles que manavam dos grupos do seu movimento.
Tais colocações e
discussões propendiam à reavaliação do papel dos atores armados, como
modalidades de ação política. Outrora percebidos como heróis civilizadores,
esses atores vieram a figurar como a encarnação do caos, não apenas para os
adversários, mas igualmente no seu próprio campo. A própria garantia moral de
diferentes frações da Igreja, doravante, havia desaparecido. As figuras da
ordem e da violência, antes valorizadas como esquemas políticos os mais
adequados para a instauração de um ordenamento legítimo, eram agora
consideradas suspeitas. Assim, assistiu-se à valorização dos esquemas políticos
democráticos. A organização de eleições livres, para designar os governantes,
apareceu como a sequência natural de tais críticas e discussões,
apresentando-se como a única solução possível.
Essas eleições, por
certo, foram postas em execução como saída da cúpula de sandinistas e chefes da
oposição; a oposição se reagrupava no conglomerado da União nacional da
oposição; o arranjo foi avalizado pelo cardeal e pelos jesuítas. Ainda assim,
havia grande diferença dos pactos anteriores entre conservadores e liberais,
nos anos da dinastia Somoza, entre os sandinistas e os oponentes a Anastasio Somoza
Debayle de 1979 a 1982. As eleições gerais de 1990, contrariamente daquela de
1984, se organizaram não para convidar os nicaraguenses a apoiar a fórmula de
governo imaginada pelos diversos componentes da elite da sociedade; mas, desta
vez, a parte mais neutra convocava o povo para livremente fazer uso da
sua parcela de soberania diante da urna. Este uso da soberania popular foi
estendido. Os prefeitos e os conselheiros municipais seriam, doravante, eleitos
pelo sufrágio universal, enquanto, em outos tempos, eles eram designados por
Somoza García. As diferentes forças em presença reconheceram que a sabedoria, o
espírito de moderação, melhor dizendo, e a “civilização” consistiam doravante
no respeito da vontade do povo. Ademais, qualquer veleidade de não respeitar a
liberdade do sufrágio e as suas incertezas seria considerada como sinal do
caos. O próprio estilo da campanha eleitoral comportou a marca desse novo
espírito do tempo. Diferentemente das eleições de 1984, Daniel Ortega não teve
de se desfazer da sua imagem de guerrilheiro. Contrariamente daquilo que se
podia ver em 1984, os seus partidários renunciaram à intimidação dos eleitores.
A candidata de UNO, Violeta Barrios de Chamorro, valeu-se de retórica de todo
nova: prometeu terminar a guerra e mudar o serviço militar; assegurou que a
liberdade de voto não seria impedida nessas eleições e convidou também a
“família nicaraguense” à reconciliação. Era dizer que essas primeiras eleições
democráticas da história nicaraguense foram o momento da instituição das
práticas de fundamento da democracia representativa: eleições livres e
repetidas, em que os vitoriosos, doravante, não podem reduzir ao silêncio os
seus concorrentes derrotados. Com efeito, o país conheceu, desde então, não
menos que três processos eleitorais: 1990, 1996 e 200266, processos
apaixonantes e disputados, em que as forças em competição aceitaram a sanção
das urnas. Quiçá os sandinistas tivessem a tentação do golpe de força, depois
da tomada do poder de Violeta Barrios de Chamorro em 1990, como provam as
manifestações violentas de maio e junho de 1990, organizadas pelos sindicatos
sandinistas. Diga-se o mesmo dos afrontamentos entre militares sandinistas e
contras; ou dos assassínios que
ocorreram no começo do seu mandato; ou, depois, os próprios levantes dos
antigos militares sandinistas e dos antigos contras faziam prever o retorno da
guerra civil. Os desejos de vingança de certos setores sandinistas ou dos
contras, a pouco e pouco, cederam, graças à habilidade da presidente e dos seus
conselheiros. A perspectiva da retomada do conflito comparecia então como espectro
da barbárie.
Esse novo estado de
espírito imprimiu a sua marca nas instituições; o laço que Somoza e, depois, os
sandinistas haviam ligado entre o poder político e a força militar se desfez. O
jogo político por inteiro de Somoza havia consistido em apoiar-se na Guarda
nacional, para dominar a política; o apelo à separação do poder civil e do
poder militar constituiu o alfa e o ômega das críticas formuladas contra
Somoza. Os sandinistas, da sua parte, tiveram estratégia muito semelhante,
quando o irmão mais novo do membro mais influente da Junta de governo, Humberto
Ortega, foi colocado à testa das forças armadas. A senhora Violeta foi a
presidente da República capaz de desfazer tais laços daninhos. Ela começou por
fazer que o comandante chefe das forças armadas prestasse juramento de
obediência às autoridades civis eleitas. Com base neste primeiro reajustamento,
ela impôs, pouco depois, a discussão no Parlamento do novo código da
instituição militar. Depois disso, dispensou do cargo Humberto Ortega e nomeou
outro comandante chefe das forças armadas. Em suma, ela rebatizou o exército
popular sandinista que, doravante, tomou o nome de “Exército da Nicarágua67”.
Desde o fim do seu mandato, as forças armadas desapareceram da cena política,
bem como os fenômenos de violência organizada.
Há o último sinal
desse novo espírito do tempo; por certo é ainda tímido, mas revelador dessa
transformação dos costumes políticos. A piñata sandinista, por um lado,
pagou a crônica durante o mandato de Violeta Barrios de Chamorro;
depois, no período do seu sucessor, Arnoldo Alemán, a piñata, por outro
lado, levou à cisão o centro da FSLN, com a formação do Movimento renovador
sandinista, que reagrupou os quadros estranhos a essas práticas, como Sergio
Ramírez e Henry Ruiz. Dito isto, nada foi legalmente feito contra essas
prevaricações, que tiveram a contrapartida dos contras e de alguns membros da
UNO. Houve privatizações, como aquelas das empresas açucareiras, que
favoreceram algumas das grandes famílias conservadoras. Ainda assim, novo passo
foi dado no fim do mandato de Arnold Alemán. Ele foi declarado culpado de
corrupção, como alguns dos seus companheiros. Hoje é um dos dois homens mais
influentes do Parlamento, com Daniel Ortega. O ex-presidente foi encarcerado
mais de uma vez e o seu processo continua.
A análise das guerras
da América Central, na segunda metade do século XX, durante muito tempo, apresenta
a oposição da práxis dos grupos de guerrilhas àquela das forças armadas
regulares. Esta nascia da recusa dos grupos dominantes de que os grupos
subalternos pudessem aceder aos postos mais altos. Aquela outra guerrilha
visava stricto sensu à conservação da ordem estabelecida. Uma e outra
seriam desde então perfeitamente antagônicas. O estudo das guerras civis
nicaraguenses convida a outras aproximações e abordagens. Desde o começo do século
XX, além das referências constitucionais de modelo democrático liberal, as
referências à ordem e à violência estão no coração da experiência política.
Deste ponto de vista, as duas guerras civis nicaraguenses dos decênios
1970-1980 reproduzem esquemas postos em cena no começo do século, mesmo que
eles se tenham estabelecido naquilo que se chama “guerra fria” das
superpotências. Consoante esses códigos implícitos, as demonstrações de força e
o emprego de violência a mais brutal no choque dos adversários não apresentam
propriamente algo incomum; eles constituíram o contrário dos modos legítimos de
ação política, prelúdio dos arranjos de facções rivais, como possibilidade de
que os novos próceres logrem impor-se na cena política e, fazendo isto,
consigam fortuna e realização. Considerando o fim da guerra entre sandinistas e
contras e o curso dos acontecimentos desde o mandato de Violeta Barrios de
Chamorro, essas práticas que modelaram o século XX parecem ter achado o seu
termo. Retome-se a fórmula de Charles Tilly; aqui versa-se um “repertório da
ação coletiva que parece tornar-se caduco68”. A violência e as prebendas que
estiveram no coração da experiência política, realmente valorizadas; hoje
tornaram-se ilegítimas. Os códigos políticos vigentes, doravante, são aqueles
da democracia representativa, nela compreendida a sua fragilidade. Barbárie e
caos não mais estão do lado das classes subalternas, entregues a si próprias,
mas dos políticos ávidos de poder como de riquezas e pouco interessados nas
liberdades fundamentais.
1 RIVAS, Edelberto Torres. Para entender a crise centro-americana, os fatos que formaram a crise. San
José, Icadis, 1985; e ID. Crise do
poder na América Central. San José, EDUCA, 1986.
2 LEIKEN, Roberto (Ed). Anatomia de um conflito. New York. Pergamon Press,
1984.
3 TOURAINE, Alain. A palavra e o sangue. Paris. Odile Jacob, 1988. P. 338.
4 CERDAS, Rodolfo. Novas direções da política soviética na América Latina. Jornal
de Estudos latino-americanos, 21, 1,1983, p. 3-19; id. Perestroika e revolução:
as mudanças na política soviética para com a América Latina. Anuário de Estudos
centro-americanos, San José, 15,2, 1989, p.5-25.
5 Detalhe dessas explicações dos conflitos em
trabalho anterior em "Gênese das guerras internas na América Central
(1960-1983)", Paris. Les Belles Lettres, 2003 P. 157-229.
6 Para a boa compreensão dessas rivalidades no
controle da costa atlântica nicaraguense, convém reportar-se a CRAIG L. DOZIER,
A praia dos Mosquitos da Nicarágua,
nos anos da presença britânica e estadunidense. The University of
Alabama Press, 1985.
7 A expressão é de KNUT WALTER, O regime de Anastasio Somoza, 1936-1956.
Manágua. Instituto de história da Nicarágua e América Central. Universidade
Centro-americana, 2004.
8 Obra de José Luis Velásquez Pereira. A Formação do Estado na Nicaráguia,
1860-1930, Manágua, Fundo Editorial, Banco Central da Nicarágua, 1992,
oferta de anotações de algum mérito sobre o período.
9 Ver a obra de NEIL MACAULAY. O Negócio Sandino. Chicago,
Quadrangle Books, 1971, P.237.
10 Além do livro de Neil Macaulay, ver RODOLFO
CERDAS, A foice e o sabre, a
Internacional comunista, América Latina e a revolução na América Central, San
José, Universidad Estatal a Distancia, 1986. MICHAEL JAY SCHROEDER Em defesa da honra da nossa nação; acerca de
uma história social e cultural da rebelião de Sandino na Nicarágua, 1927-1934.
Ann
Arbor, The University of Michigan Press, 1993. WOLKER WÜNDERLICH, Sandino, biografia política. Manágua, Ed. Nueva Nicaragua, 1995. Acrescentar: as
obras de Sandino, editadas por Sergio Ramírez, O pensamento vivo de Sandino, EDUCA, 1980; como as obras de
EDELBERTO TORRES, Sandino e os seus
pares, Manágua, Ed. Nueva Nicaragua, 1983. GREGORIO SELSER, Sandino general de homens livres, San
José, EDUCA, 1957-1974; e o livro publicado por Anastasio Somoza García, O verdadeiro Sandino e o calvário das
Segovias, Manágua, Tip. Robelo, 1936: este contém documentos
excepcionais.
11 História do primeiro Somoza, em K. WALTER, O regime de Anastasio Somoza. Mais: JEFFREY GOULD, To lead as equals. Chapell Hill,
Univ. North Carolina Press, 1992. Orgulho amargo, o desenvolvimento do movimento operário nicaraguense,
1912-1950. Manágua, Inst. Hist. Nic. e Centro Am. 1997. RICHARD MILLET, Os guardas da dinastia; a história da guarda
nacional da Nicarágua e da família Somoza, criada pelos EUA, Maryknoll,
Orbis Book, 1977.
12 Cf. MILLET, Os guardas da dinastia, op. cit. P.331-341.
13
Sobre a FSLN e a revolução, ver JOHN A. BOOTH, O fim e o começo: a revolução da Nicarágua. Boulder, Westview Press,
1982. SHIRLEY CHRISTIAN, Revolução da
Nicarágua em família, New York, Random House, 1985. THOMAS W. WALTER, Ed, Nicarágua, os primeiros cinco anos. New York, Praeger, 1985.
Sobre os Contras: SAM DILLON, Commandos,
a CIA e os rebeldes Contras, N. York, Henry Holt & Company, 1992; e
ROY GUTMAN, República da Banana, fazer
política na Nicarágua, 1981-1987. N. York, Simon & Schuster, 1988.
14 Consultar reportagens da Anistia internacional
dos decênios 1970-1980. Comissão permanente dos direitos humanos, CPDH;
Associação nicaraguense em prol dos direitos humanos, ANPDH, e Americas watch.
15 MICHEL GOBAT, Revolucionários conservadores de Granada: violência e guerra civil
nicaraguense de 1912, 3º Congresso centro-americano de história, San
José, Costa Rica, 15-18 julho 1996; e M. J. SCHROEDER, op,cit. Em defesa....
16 AUGUSTO CESAR SANDINO, Manifesto aos capitalistas, 15-11-1931. In O pensamento vivo, op, cit. P. P.238-239.
17 “Cortar coletes, chapéus, melões e calções; eis
metáfora de gosto duvidoso, para significar cortar braços, crânios, pernas...
metáfora macabra.
18 Ver narrativas dos fatos de um membro do comando
sandinista: HUGO TORRES, Rumo norte.
História de um sobrevivente. Manágua, Hispamer, 2003.
19 Boa evocação dessas cenas no romance de SERGIO
RAMÍREZ, Sombras e nada mais. México,
Alfaguara, 2002. Reporte-se a RONAN JAHENY. O papel dos combatentes na tomada
do poder da Frente sandinista de libertação nacional. Estudo do processo
revolucionário em León, set. 1978 a ag. 1979. Tese doutorado, Paris III.
Sorbonne Nouvelle, 2005.
20 Ver TIMOTHY BROWN, A guerra real dos Contras: a resistência do campesino das montanhas na
Nicarágua, Norman. A imprensa da universidade de Oklahoma, 2001; e S.
DILLON, Commandos... op, cit.
Entrevistas realizadas pelo autor nas mesmas zonas, em 1992, confirmam
amplamente tais dizeres.
21 Ver Gilles Bataillon, “Reflexões sobre a ação
armada e a constituição de atores político-militares: contras e recontras nicaraguenses, 1982-1993. Culturas e conflitos, 12, 1993-1994
P. 65-103. Os arquivos da ANPDH. Há numerosas informações do assunto.
22 Ver DELPHINE LACOMBE. A punição da violência
intransmissível na Nicarágua. Ver democratização do gênero etc. DEA, sociologia
política etc. Paris, IEP, 2003.
23 Ver arquivos da ANPDH; numerosos testemunhos.
24 Na tomada de Rivas, Comanche, subalterno de Eden
Pastora, formou uma corte marcial, a qual condenou a passar pelas armas
diversos jovens, unidos na última hora às forças da guerrilha, acusados de
estupros e roubos. Entrevistas de Comanche, San José, Costa Rica, maio de 1985.
25 M. GOBAT, “Revolucionários conservadores de
Granada”. Uma vez mais, essas práticas só se compreendem num continuum de fatos mais velhos.
26 R. CERDAS, A foice e o sabre, op, cit
27 Ver livro de SERGIO RAMÍREZ, A marca do Zorro. Façanhas do comandante
Francisco Quintero. Manágua, Ed. Nueva Nicaragua, 1989. Mais Adios muchachos, México, Aguilar,
1999.
28 A mídia nicaraguense da época tem numerosos
retratos. Mais, R. JAHENY, “O papel dos combatentes”. Tese. Op,cit P.265-283.
29 T. C. BROWN, A real guerra dos Contras, op. cit.P 18 e seg.
30 Foi o nome autodesignado dos contras da Frente
Norte.
31 DONALD C. HODGES, Fundações intelectuais da revolução nicaraguense, Austin,
University of Texas Press, 1986. DAVID NOLAN, A ideologia dos sandinistas e a revolução nicaraguense, Miami, University.
Miami Press, 1985.
32 Ver narrativa de H. TORRES, Rumo norte, op, cit, P. 460-461.
33 Ibidem, p. 470-471
34 T.
C. BROWN, op. cit, P. 23-24.
35 Descrição convincente de Ronan Jaheny. Na Frente
sul de Eden Pastora idem. O testemunho de Alejandro Martínez sobre o
funcionamento da Frente sul, publicado por Brown, Quando o AK 47 fica em silêncio: revolucionários, guerrilhas e os
perigos da paz. Standford, Hoover Inst. Press, 2000. Está repleto de
informes.
36 Ver memórias do general Emiliano Chamorro,
publicadas em 1969, na Revista do
pensamento conservador; Manágua, diversas Ed.
37 Ver livro R. MILLET, Guardas da dinastia, op cit, p. 255-344.
38 As informações recolhidas por Ronan Jaheny nos
arquivos militares sandinistas e apresentadas na sua tese levantam um quadro
que parece falar sobre os fenômenos de León e cercanias dessa cidade.
39 TOM WETZEL, “Nicarágua, diga alô aos novos
chefes”. Perspectivas antiautoritárias
na América latina e no caribe”, 1, N. York, Iibertarian aid for Latin
America, 1983. Foi o primeiro a descrever a aparição dessa nova classe. Ver
ROSE SPALDING, Capitalistas e
revolução na Nicarágua. Chapell Hill. Univ. North Carolina Press,
1996. P. 156-188. Sobre essa
burguesia vermelha.
40 Excelentes análises dos fenômenos do surgimento
dos recompas ou revoltosos; nos números de 1991 e 1992 na revista Envío. Publicada em Manágua.
41 Cf. G. BATAILLON, “Reflexões”, op.cit. P. 92-97.
42 Reportar-se a J. L. VELÁSQUEZ PEREIRA, A formação do Estado, op. cit. P.
96-98.
43 OMAR CABEZAS, A montanha é algo mais que uma imensa estepe verde, Manágua, Ed.
Nueva Nicaragua, 1982; C. QUINTERO e S. RAMÍREZ, A marca do Zorro, op. cit. H. TORRES, Rumo norte, op. cit.
44 Reportar-se ao citado Tom Wettzel e Rose
Spalding e Sergio Ramírez. O livro de MANUEL GIRÓN, Exílio S. A. San José, Ed. Radio Amor, 1984, constam cenas reais
dos fenômenos de concussão entre os Contras. O autor é confirmado pelas
pesquisas aparecidas na imprensa estadunidense, no tempo do escândalo Irangate,
em 1987, especialmente no New
Republic. Washington.
45 Ver memórias de Pedro Joaquín Chamorro sobre
Olama e Mollejones. Os Somozas, estrpe
sangrenta, México, Costa Amic, 1957, como testemunho de Alejandro
Martínez, op,cit, Mais: T. C. BROWN, Quando
o AK47 cai em silêncio, etc. op.cit.
46 Cf. M. J. SCHROEDER, Em defesa da honra da nossa nação, op. cit. P. 211-301.
47 Cit. In MARIO RODRÍGUEZ, América Central, N. Jersey, Englewood Cliffs,1965. P. 49.
48 Charles Anderson, “Nicaragua, a dinastia Somoza”,
in NEEDLER, Sistema político da América Latina, Princeton,
D. Van Nostrand Company Inc. 1964, P. 91-111.
49 FRANCISCO CHEVALIER, “Caudilhos e caciques na
América”. Mais. Notas ofertadas a
Marcel Balataillon. Bordeaux, Féret & Fils Ed. 1962, P. 30-47.
50 Para o aparelho do Estado, ver K. WALTER, O regime de Anastasio Somoza, op.
cit. P. 119-210. Mais. R. MILLET, Os guardas da dinastia, op. cit. P. 255-296.
51 DANIEL PÉCAUT, A ordem e a violência, evolução sociopolítica da Colômbia, entre 1930 e
1953. Paris, Ed. de EHESS, 1987,P. 9-15.
52 Ver JOSÉ CORONEL URTECHO, Reflexões sobre a história da Nicarágua de
Gainsa a Somoza, Manágua, coleção cultural da América Central, Banco da América,
1962, 2001. O romance de ADOLFO CALERO, Sangue
santo, Manágua, Ed. Nueva Nicaragua, 1946, 1993; Mais. ANTONIO CUADRA, O nicaraguense, Manágua, Ed. El Pez y
la serpiente, 1967, 1981.
53 FRANÇOIS-XAVIER GUERRA, “O pronunciamento em
México, práticas e imaginários”, Traço,
37,”“Discursos, práticas e configurações do poder”, 2000, P. 95-111.
54 “Partidos Políticos da América Central:
abordagem funcional”. Publicação
trimestral de política ocidental, XII, 1962, P. 125-139. Mais. Mudança política e econômica na América
latina, México, 8 1967, 1974, P. 102-131.
55 O aspecto foi sublinhado por RICHARD MORSE. “A
herança da América Latina”. Cit. Em Os
filhos da Europa”, Paris, Le Seuil, 1968, P. 136-185. Mais. O espelho de Próspero. México, Séc.
XXI, 1982.
56 Sobre as tensões nos primeiros meses da
revolução sandinista: JORGE ALANIZ PINELL, Nicarágua, uma revolução reacionária. México. Kosmos-Edit. 1985; T. C. BROWN, A real guerra dos Contras, op. cit. P. 13-68; JEAN-MICHEL
CAROTT E VERONIQUE SOULE, Nicarágua, o
modelo sandinista, Paris; Le Sycomore, 1981; SHIRLEY CHRISTIAN, Nicarágua, revolução em família, N.
York, Random House, 1985; ELVYRA SANABRIA e OCTAVIO SANABRIA, Nicarágua, diagnóstico de uma traição, a
Frente sandinista de libertação nacional no poder, Madrid, Plaza y
Janes, 1986; DANIEL VAN EEUVEN, “Nicarágua, ano II da revolução: hegemonia
sandinista e ladeira dos perigos”; Problemas
da América latina, 63, 1982, P. 10-67; HENRY WEBWE, Nicarágua, a revolução sandinista, Paris,Maspéro,
1981.
57 O número 176 de julho-setembro, 1982, Revista do pensamento centro-americano, oferece
panorama hagiográfico deste milagre, como da sua utilização pela Igreja.
58 Sandino foi celebrado como certo tipo de Cristo
por dois poetas: Pablo Antonio Cuadra e Ernesto Cardenal, cujos versos muitos
nicaraguenses conhecem. As canções de
protesto dos irmãos Mejía Godoy, que evocam Sandino e os combatentes
sandinistas, muito participam nesta encenação de inspiração cristã. Acerca da
imbricação política e religiosa, ver ROGER LANCASTER, Graças a Deus e à revolução. Religião popular e consciência de classe
na nova Nicarágua. N. York, Columbia University Press, 1988; JOSEPH
MULLIGAN, A Igreja da Nicarágua e a
revolução, Kansas City, Sheed & Ward, 1991.
59 Constituído em 1983 pela Colômbia, México,
Panamá e a Venezuela.
60 Ver Gilles Bataillon, “Mudanças culturais e
sociopolíticas nas comunidades mayangnas e miskitus do río Bocay e do alto Coco
(1979-2000)”, Jornal da sociedade dos
americanistas, 87, P. 376-392; e Wangki/Río Coco: do pós-guerra às
catástrofes naturais”, Jornal da
sociedade dos americanistas, 88, P. 260-278.
61 Ver CARLOS VILAS, Mercado, Estado e revoluções. América Central, 1950-1990,
México. UNAM, 1994, P. 222
62 Ver ALAIN ROUQUIÉ, Guerra e Paz na América Central, Paris, Le Seuil, 1992, P.252.
63 Artigos de Charles Vaneckhe, Le Monde, 5-1-1983; Shirley
Christian, reportagens em The Miami
Herald, no decênio de 1980. 64Em 1986 e 1987,New York Review of Books; mais em Village Voice, N. York; Figaro,
1982, mal informado sobre os Miskitu.
65 Reportar-se à Ed. de Louise Bénat-Tachot da
crônica de GONZALO FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Singularidades
da Nicarágua de Gonzalo Fernández de Oviedo, (1529), Paris.
Chandeigne/Presses universitaires de Marne-la-Vallée, 2002.
66 Eleições do presidente e do legislativo devem
realizar-se em novembro de 2006.
67 Acerca das eleições de 1990, ver GILLES
BATAILLON, “Eleições na Nicarágua: rearrumação do sistema dos concorrentes do
poder”, Problemas da América Latina,2,
1991,P. 21-40; sobre o governo de Violeta, “Nicarágua: a presidência de
Chamorro, a instauração de um regime democrático desencantado”, Problemas da América Latina, 30, 1998, P.
71-92
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