"Já
não temos nossas matas, os lugares onde íamos buscar as plantas, o dom da cura.
Já não temos boa assistência de saúde, nem de educação, e o nosso povo sofre
com a falta de água. Não podemos plantar as roças. Mas a nossa identidade, a
nossa alma, que os brancos tentaram nos roubar, não conseguiram. Somos Pataxó
Ha ha hãe, um povo de coragem, lutando juntos para ser livres."
Maura
Titihã, Povo Pataxó Ha ha hãe
Aldeia
Caramuru
Introdução
Os
índios, foram chamados de gentios, silvícolas, negros da terra, selvagens,
todas expressões depreciativas, considerados ao longo do período colonial e
imperial, homens de intelecto atrasado e inferior, sem fé, sem rei e sem lei.
Povos que viviam da barbárie, até devorando uns aos outros. Nas narrativas dos
jesuítas nos séculos XVI, os índios, nomenclatura utilizada para designar de forma
preconceituosa a diversidade de povos e culturas que já habitavam estas terras
há vários séculos, designa todos os nativos aqui encontrados pelos portugueses
após terem “descoberto” estas terras naquele 22 de abril de 1500, a educação indígena data de uma história tão
longa quanto o contato entre índios e europeus, tão antiga quanto o Brasil;
esta relação nem sempre foi ou tem sido pacífica, muito menos recíproca sob o
olhar do respeito à interculturalidade, ao multilinguismo e a etnicidade e
preservação.
Com
esta visão violenta e retrógrada, os indígenas, foram escravizados,
perseguidos, raptados, massacrados, convertidos, tanto em seus hábitos,
costumes, línguas e religiões. As bandeiras caçaram índios como se caçam
animais, muitos bandeirantes se especializaram em prear índios, termos usado na
época para se referir a caça de indígenas para serem escravizados.
E
quando chegamos em 1889, ou seja, a partir da República a história dos povos
indígenas assim como dos afro-brasileiros morre, não se ouve falar de
história de índios e negros após 1888. Ao longo de todo o século XX, a imagem
que o povo brasileiro tem sobre o índio é a mesma do século XVI, esta realidade
só começa a mudar, a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal,
a qual garantia direitos antes negados aos indígenas, e na década de 90, viu-se
a reformulação da educação brasileira a partir da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, decretada em 1996, marcando o início de uma nova fase da
política, gestão e legislação da educação brasileira. É a partir deste momento
que se fundamenta a criação de escolas indígenas e de um sistema de ensino
indígena, a fim de educar as crianças, jovens e adultos na cultura, idioma e
costumes de seu povo, garantindo assim, a vivacidade de sua identidade e
cultura, para a preservação das mesmas para as gerações futuras.
Como
vimos desde o início da colonização brasileira as nações indígenas sofreram com
a exploração e a exclusão. Estes povos foram, durante muito tempo,
desconhecidos como seres humanos. Como afirma Marconi (2001, p.224).
Nas
primeiras décadas do séc. XVI eram tidos pelos colonizadores como seres
subumanos, desprovidos de alma, estando mais próximos dos animais. Sua
dignidade humana só foi restabelecida após 1537 quando a bula do Papa Paulo III
os reconheceu como ‘verdadeiros homens livres’..
Em
Porto Seguro, Bahia o grupo indígena Pataxó, objeto deste estudo, está
submetido aos mesmos processos sociais que outros grupos humanos, só que isso
não significa que tenham as mesmas oportunidades, que lhes assegurem a
sobrevivência. O extermínio de etnias indígenas é a consequência mais visível
deste processo, o dano, porém vai além, na perda de seu idioma, de sua cultura
mesmo naqueles supostamente preservados, vemos a aniquilação de sua identidade.
O
PRIMEIRO CONTATO
Meu
primeiro contato com grupos indígenas não se deu com os Pataxó, nem mesmo no
litoral, por força de atividades laborais já havia tido contato com grupos
étnicos indígenas da região do Parque Nacional do Xingu, na porção norte do
país que concentra mais de 50% dos cerca de 896,000 índios no Brasil
distribuídos remanescentes dos grupos étnicos primitivos em mais de 238 povos,
vivendo espalhados por todo o país. Escolhi este propositalmente, pois os
pataxós segundo diversas fontes
históricas, viviam tradicionalmente entre as bacias dos rios João Tiba e São
Mateus, ao sul, e Pardo e Contas, ao norte, convivendo com um bom número de
outras etnias, este local segundo fontes históricas teria sido o de atracação
das naus que trouxeram os primeiros portugueses ao Brasil, fazendo dos Pataxós
os primeiros nativos a terem contato com o europeu.
Ainda
segundo fontes de pesquisa partir deste contato inicial, a sociedade brasileira
através de suas frentes de expansão predominantemente agrícolas, alcança-os em
épocas históricas diversas desde o descobrimento, sempre de forma violenta,
atingindo primeiramente os bandos situados ao sul, entre Santa Cruz de Cabrália
e Porto Seguro, conforme permitem concluir os dados existentes. Os Pataxó
tiveram no processo de colonização, a redução das especificidades culturais de
sua etnia.
O
aldeamento do povo Pataxó no sítio da atual Aldeia de Barra Velha data, segundo
fontes históricas, de 1861, atendendo deliberação do governo da Província à
época, desde então, têm os Pataxó permanecido neste local, onde durante muito
tempo mantiveram-se relativamente isolados da sociedade nacional, isolamento
este que vem sendo crescentemente rompido nos últimos quarenta anos.
O
território tradicional dos Pataxó de Barra Velha passou, a partir de 1961, com
a criação do Parque Nacional do Monte Pascoal, a ser objeto de disputa entre os
índios e o IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, tendo os
primeiros enfrentado um longo período de privações provocado pela proibição de
utilização econômica do seu próprio território, imposta por aquele órgão –
situação que motivou uma grande dispersão dos Pataxó, compelidos a buscar meios
de subsistência em outras áreas, concentrados em duas aldeias de uma mesma
reserva, criada nestes trinta anos para atender ao êxodo desse grupo as aldeia
de Coroa Vermelha, da Jaqueira. As reservas de Barra Velha, considerada a
aldeia mãe e Aldeia Pé do Monte, na base do Monte Pascoal – referência
espiritual para os Pataxós são desde 1861 até hoje objeto de disputa com órgãos
governamentais.
Por
mais de cinco séculos as populações indígenas sofreram exposições a doenças,
violência, desapropriações, processos de aculturação e foram colocados à margem
da sociedade, tais ações aniquilaram a vasta maioria dessa população indígena, aos
sobreviventes os resultados foram a invasão de seus territórios e a perda quase
total de sua cultura – um processo intensificado, principalmente com a
implantação de grandes fazendas de pecuária.
Os
pataxós não seriam diferentes, originários da costa do descobrimento, acreditei
poderiam fornecer o material necessário para avaliar a extensão da influência
não-índia, nas sociedades indígenas, e mais detalhadamente em sua educação,
imaginei as áreas de reserva remanescentes tal como as descritas nos artigos
acadêmicos, preservadas e restritas, ou as que já havia contatado na região do
Vale do Araguaia no Mato Grosso, nada me preparou para este encontro.
Já
no desembarque no aeroporto de Porto Seguro, cidade litorânea e turística ao
sul da Bahia; em 2012 fui literalmente assediada por uma profusão de pessoas
oferecendo serviços, distribuindo panfletos, publicidades, materiais promocionais
diversos que enalteciam as qualidades turísticas das cidades de Porto Seguro e
Santa Cruz de Cabrália, os municípios em que estão inseridas as duas reservas
objetos deste estudo, respectivamente Coroa Vermelha, em Santa Cruz de Cabrália
junto ao litoral e a segunda poucos quilômetros mata adentro, na divisa entre
ambos esta última, uma conquista recente, decisão do Supremo Tribunal Federal
(STJ), que reconheceu o direito dos Pataxós às terras da reserva
Caramuru-Paraguassu, anulando todos os títulos de propriedade concedidos a
fazendeiros, em terrenos localizados dentro dessa área indígena que recebe o
nome de reserva da Jaqueira.
Esta
conquista resultado do trabalho das lideranças indígenas para conquistar
qualidade de vida para cerca de 20 mil brasileiros que compõem o povo Pataxó. Trata-se
da luta de um povo guerreiro que encontrou meios para resistir à pressão dos
homens brancos e para manter sua cultura viva.
A
Reserva da Jaqueira, curiosamente, constava destes materiais promocionais como
mais um passeio “exótico” às origens brasileiras, nenhuma outra menção era
feita aos pataxós ou a qualquer outro grupo indígena, nem ao resultado do
contato entre os povos originários desta porção do país com os europeus,
nenhuma referência cultural, apenas a exploração comercial típica de turismo.
UM POVO - DUAS ALDEIAS – UMA RESERVA
Os
índios conhecidos sob o etnônimo Pataxó Hãhãhãe abarcam, hoje, as etnias Baenã,
Pataxó Hãhãhãe, Kamakã, Tupinambá, Kariri-Sapuyá e Gueren. Habitantes da região
sul da Bahia, o histórico do contato desses grupos com os não-indígenas se
caracterizou como visto, por
expropriações, deslocamentos forçados, transmissão de doenças e assassinatos. A
terra que lhes foi reservada pelo Estado em 1926 foi invadida e em grande parte
convertida em fazendas particulares, a outra porção transformada em Parque
Nacional em 1961. Apenas a partir da década de 1980 teve início um lento e
tortuoso processo de retomada dessas terras, cujo desfecho parece ainda longe,
permanecendo a maior parte de suas terras sub-judice.
Nas
terras onde está localizada a Reserva Caramuru-Paraguaçu, criada pelo então
Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 1926, em terras devolutas do Estado da
Bahia, para “gozo dos índios Pataxós e Tupinambás” (Lei Estadual nº 1916/26.
Diário Oficial. Salvador, 11/08/1926. Pp. 9935.), viviam tradicionalmente os
Pataxó Hãhãhãe e Baenã, conforme preconiza a tradição oral. O índio
Kamuru-Iguaxó Igueligecis, por exemplo, se referiu aos Hãhãhãe como “os índios
nativos do posto, conquistados na Serra do Couro Dantas eram mais numerosos do
que todas as outras nações juntas”.
O
português João Gonçalves da Costa, o primeiro preposto de Portugal a ocupar
economicamente a região que em tempos remotos era denominada Sertão da Ressaca
se utiliza o etnônimo Cutachós como alternativo ao Patachó, emprega também Cotochós,
e afirma que no sertão eram conhecidas, de “largo tempo duas nações pagãs:
Patachós ou Cotochós, e Mongoiós” em
fins do século XVIII.
A RESERVA CARAMURU-PARAGUAÇU E SUAS ALDEIAS COROA VERMELHA E JAQUEIRA
COROA VERMELHA
Guardei
aqueles panfletos com um misto de preocupação e curiosidade, pois a ideia era
estabelecer o impacto da presença branca na formação educacional e identitária
destes povos e não a visão turística, por mais idílica ou exótica que pudesse
ser; enfim dirigi-me a reserva urbana, que nos termos da Lei é a Aldeia de
Coroa Vermelha, uma vez que as autoridades encaram as duas porções de terra
como a mesma Reserva, ao longo desta pesquisa usaremos a nomenclatura de Coroa
Vermelha ou Jaqueira para determinar tais espaços, pois são tão singulares e
diferentes entre si que mal podemos classificá-los como pertencentes à mesma
etnia. Em Coroa Vermelha o processo de aculturação encontra-se de tal forma
estratificado que torna praticamente impossível num contato superficial
identificarmos aquele espaço como uma reserva indígena, seja pelo espaço físico
ocupado, uma pequena faixa litorânea entre a Rodovia Federal que corta o Estado
e o mar, seja pela presença maciça de turistas e comércio, seja pela falta de
referências autênticas dos pataxós, a impressão inicial é de estarmos num centro
de comércio qualquer e não em uma reserva indígena, a diferença neste espaço de
Coroa Vermelha já começa a delinear seus contornos identitários, exceto pelos
monumentos presentes aqui e ali poderíamos estar que qualquer cidade litorânea
do país.
Comove
e incomoda a forma como Coroa Vermelha, meu destino inicial, em nada se
assemelha ao descrito nas teses e monografias sobre as reservas indígenas, nem
mesmo ao contato que já havia tido com outras reservas de outras etnias no
interior do país; na área desta pequena aldeia espremida e fincada entre a
praia e a rodovia com suas seis quadras, as péssimas condições das moradias,
falta energia elétrica, água encanada, tratamento de esgoto, coleta de lixo,
condições mínimas de saneamento; do centro comercial revigorado por ocasião do
cinquentenário do descobrimento fica bem em frente ao antigo edifício do centro
comercial Pataxó uma construção semi-circular, degradada, irregularmente
ocupada numa contínua, opressiva e silenciosa lembrança do quanto o branco pode
piorar a vida do índio.
A
reforma nestes espaços, seja do centro comercial, seja da própria área
residencial do centro médico ou da escola só foi possível graças à organização
da Cooperativa Pataxó de Coroa Vermelha, o projeto de reurbanização da porção
habitacional, do centro comercial e da escola só foram levados a termo com a
participação ativa destes indivíduos, inclusive na busca de recursos
financeiros, muito já foi melhorado, como a distribuição equitativa de renda, a
restrição da parte habitacional “apenas aos índios”, mas há muito que caminhar
para melhorar as condições de trabalho, cultura e cidadania, como veremos.
O
comércio é relativamente intenso e de toda sorte de itens, artesanais ou não,
há uma mistura e profusão de indivíduos de tantas etnias e origens que se tem a
sensação de estarmos em um centro comercial de qualquer cidade média e não numa
área de reserva; os Pataxó de Coroa Vermelha vivem basicamente de artesanato,
da exploração do turismo litorâneo, de algumas roças de mandioca e milho e da
pesca marinha, esta última fiscalizada pelo IBAMA. Nesta mesma aldeia
encontra-se o Marco da primeira missa, celebrada por Henrique Soares, o marco
deste processo educacional embrionário é hoje uma cruz de gosto duvidoso em
aço, que substituiu por ocasião do aniversário dos 500 anos a original de
madeira periodicamente trocada, degradada pela maresia do ilhéu; perdeu-se a
magia do simbolismo primitivo, e a referência ao pau-brasil.
Neste
centro comercial, vestidos a caráter, os Pataxó vendem seus artesanatos:
objetos e adornos feitos de pena, tangas, arco, flecha, gamela, peças em
madeira; oferecem-se para fotografar com os turistas e apresentam um espetáculo
de dança e canto nos finais da tarde com a contribuição voluntária dos
passantes, poucos sabem o significado dos objetos, sua utilidade primária,
apenas algumas palavras ainda mantém do vocabulário original. Deste modelo
econômico não conseguem garantir a própria sobrevivência e sem incentivo ou
subsídio das autoridades chegam a passar fome nos meses de pouco movimento,
apelam então para a venda de bebidas alcoólicas, cigarros e quaisquer outros
produtos contrabandeados dentro e fora da aldeia, bem como da sublocação dos
quiosques no centro comercial para biroscas e barracas de praia.
Do
centro comercial caminha-se uns trezentos metros até depararmo-nos com única
escola existente em Coroa Vermelha, de fundamental, com gestão e professores
não-índios, e pouco mais de 200 alunos entre índios e não-índios moradores de
Santa Cruz de Cabrália, Belmonte, Santo André e mesmo de Porto Seguro, não
vimos grandes preocupações com a preservação dos costumes e as tradições
indígenas, ao contrário, nem mesmo a estrutura é cuidada de nossa observação e
conversas com os habitantes locais queixaram-se de falta de água, de merenda,
não há cadeiras e mesas para todos, alguns banheiros não tem portas e é visível
que há telhas quebradas além do madeiramento estar comprometido.
Há
igualmente um posto médico da FUNAI, que segundo informações atende aos índios,
numa aparição única mensal do médico, no período em que estivemos lá não esteve
aberto nenhum dia, os índios desta reserva com quem conversei vão às cidades
próximas buscar atendimento, mesmo sabendo da existência do pagé na Jaqueira,
quando perguntei o porquê a resposta surpreende; contam que “optaram por viver
na reserva urbana e que isso fez deles menos índios, menos suscetíveis aos
tratamentos que o pagé poderia aplicar” ao mesmo tempo não conseguem
atendimento nos postos fora da reserva, pois segundo contaram os atendentes dos
demais postos médicos das cidades no entorno afirmam que “eles (os Pataxó) tem
o posto em Coroa Vermelha pra isso”.
É
claro que a qualidade de vida deixa muito a desejar, o Pataxó, primeiro morador
de nossa costa baiana, primeiro a contatar nossos irmãos lusos é tratado de
forma marginal, suas terras foram as primeiras a serem invadidas, sua cultura
conspurcada, foram os primeiros a lutar pela preservação perderam muitas
batalhas, não se entregaram, nem perderam o orgulho de serem o que são.
JAQUEIRA
Uma
realidade bem mais alentadora nos aguardava na Jaqueira, seja pelo distanciamento
da agitação turística; os mais de 800 hectares de mata nativa e as Kijemes
espalhadas pela reserva no formato original, com as três principais construções
ao centro a Kijeme cerimonial, a Kijeme escola e a cozinha comum, ao redor
estruturas menores remetem a épocas longínquas, é claro que se trata de uma
montagem cenográfica, cuidadosamente desenvolvida para levar o turista a
imaginar como viviam os Pataxó quando eram donos de fato destas terras, mas não
ao ponto de privar-lhe um banheiro, de alvenaria, coberto com telhas cerâmicas,
azulejado, com pia e sanitário.
Percebemos
que toda esta estrutura foi criada com um propósito o do desenvolvimento
sustentável, ou ecoturismo como querem alguns, ainda que a proposta deste
estudo não seja esta, precisamos entender a dinâmica destas estruturas e sua
finalidade na comunidade de menos de uma centena de homens e mulheres que vivem
da e pela Jaqueira. O terreno em que esta situada esta aldeia foi uma conquista
recente (2005) a partir da decisão do STF Supremo Tribunal Federal, que
reconheceu o direito dos Pataxós às terras e anulou todos os títulos de
propriedade concedidos a fazendeiros e industriais, nos terrenos localizados
dentro dessa área indígena, talvez seja uma compensação às porções que ainda
estão em meio a disputas judiciais, seja pelas pressões exercidas pelas lideranças
locais, seja pelas ações dos grupos ambientais interessados em promover a
conservação natural e cultural, formar uma consciência ecológica e realizar a
integração das comunidades, com vistas a sua sustentabilidade.
Desta
área da Jaqueira há uma porção destinada à visitação, palestras, prática de
arco e flecha, participação de danças e rituais, caminhadas pelas trilhas
(monitoradas), degustação de culinária típica com o peixe na patioba (tipo de
palmeira multifuncional, serve para cozinhar, cobrir as Kijemes, vestimenta,
comunicação na mata) o modo de viver, os costumes e tradições.
Vemos
ai uma curiosidade a potencialização da afirmação cultural e de modo de vida; o
resgate da autoestima do indivíduo e da comunidade através do sentimento do
orgulho de ser Pataxó; os guerreiros que nos guiam e nos ensinam a manusear o
arco não são atores, são envoltos por uma atmosfera mítica onde o passado
(referido) e o presente (significante) parecem coexistir, as pinturas
corporais, as palhas, as armadilhas nas trilhas, as danças e os cânticos são
operadores capazes de fazer emergir ou ressurgir parte desta cultura.
A
área em que está a Jaqueira sempre pertenceu aos índios, desde o descobrimento,
espaço considerado sagrado, morada dos espíritos, local de rituais, ocupada
irregularmente por pecuaristas e empresas de celulose, retorna aos seus
legítimos donos com a missão de mais que revitalizar, e afirmar a cultura, traz
o fardo de recuperar o orgulho de ser índio, de ser Pataxó.
A
cultura Pataxó está alicerçada na transmissão de seus pilares através da
oralidade e é aqui que começa de fato o objeto de nosso estudo
O
canto e a dança o Awê para Pataxó significa o amor, a união e a espiritualidade
com a natureza. O Awê traz segurança e a dança e o canto são instrumentos de
comunhão entre Povo Pataxó e a natureza. Através do canto e da dança adquirem
energias da terra, do ar, da água, do fogo e de todas as energias positivas que
formam a natureza.
A
Pintura corporal é um bem cultural de grande valor para Pataxó, representa
parte de sua história, sentimentos do cotidiano e os bens sagrados; Usam a
pintura corporal em festas tradicionais ritos de casamento, nascimento,
comemorações, dança, luta, sedução, luto, proteção, etc. Tem pintura para o
rosto, braço, costas e até mesmo para as pernas. Usam pinturas específicas para
homens e mulheres casados e solteiros. As pinturas têm diversidade de tamanho,
códigos, identificação social, hierárquica, uma infinidade de significados.
A alimentação tem como base a pesca, coleta de frutos e raízes, bem como, a
agricultura. Usam a mandioca, não só o alimento preferido; dela fazem uma bebida sagrada conhecida como
kawi, além do makaiaba (o beiju) e kuiuna (farinha). Também cultivam outras
raízes como inhame, batata, amendoim, taioba, etc. Outro alimento muito
apreciado é o peixe preparado na folha da patioba, que segundo a crença
rejuvenesce o corpo e purifica o espírito.
O
Artesanato é feito a partir de tudo aquilo que a natureza oferece tais como
madeiras, sementes, palhas, cipós, argila, penas, bambu e etc. Alguns
artesanatos são feitos de barro como o pote, a talha e a panela. Outros são
feitos de cipó como o cesto. E ainda têm os que são feitos com uruba como a
peneira e o leque, toda a produção artesanal está ligada às necessidades do
cotidiano.
JUSTIFICATIVA
O
direito de continuar falando a língua indígena foi uma conquista recente para
os povos indígenas do Brasil garantido apenas a partir da Constituição de 1988.
Antes disso, as políticas linguísticas institucionais do Brasil sempre se
pautaram no sentido de desqualificar e mesmo negar a existência das línguas
indígenas como parte da diversidade da “nação brasileira”, impondo uma única
língua oficial do país, a língua portuguesa, oficializada em 1758 pelo decreto
de Marquês de Pombal. Essa política linguística contribuiu, acreditamos, para o
enfraquecimento do uso das línguas entre muitos povos, levando ao desprestígio,
a negação da própria identidade e cultura indígena.
Classificada
como língua isolada, nunca sistematicamente estudada, a língua originalmente
falada pelos Pataxó não é mais utilizada, a comunicação vem sendo feita através
do português mesclado com vocábulos da língua indígena. Atualmente, grande
esforço está sendo desenvolvido para a reconstrução do Patxohã - todo o povo
Pataxó fala o português regional fluente, utilizando-se alguns indivíduos de
palavras isoladas (substantivos e adjetivos) de uma língua tomada de empréstimo
dos Maxacalí, povo indígena localizado numa região próxima, já no Estado de
Minas Gerais. Simultaneamente o Grupo de Pesquisadores Pataxó desde 1998 se
dedica ao estudo da língua, a retomada da língua pataxó, do qual têm
participado todas as gerações, reconstruindo assim história e da vida do seu
povo. A importância deste empréstimo para os Pataxó é tão considerável que eles
tendem a reconhecer o Maxacalí como a sua própria língua.
Neste
ponto precisamos esclarecer a conceitos de bilinguismo e bidialetismo; o bilinguismo
é o uso, dentro de uma mesma comunidade, ou pela mesma pessoa, de mais de uma
língua. O bi em bilinguismo quer dizer dois, mas a palavra "bilinguismo"
pode ser usada para significar o uso de duas ou mais línguas. A palavra multilinguismo
também é usada para significar o uso de três ou mais línguas. É comum ouvir
dizer que alguém é bilíngue, que ele sabe, por exemplo, português e inglês.
Isso seria um exemplo de bilinguismo individual; muito comum no mundo,
estima-se que 50% da população mundial seja bilíngue. É mais raro ouvir alguém
comentar que uma comunidade é bilíngue. O bilinguismo de uma comunidade se
chama bilinguismo social. O bilinguismo social também é muito comum, mas nem
sempre é reconhecido.
Como
vimos a partir do estabelecido pelo Marques de Pombal, o Brasil foi durante
séculos considerado um dos muitos países monolíngues, onde se encontra somente
uma língua, as várias línguas encontradas nas comunidades indígenas, dezenas e
às vezes centenas de línguas foram ignoradas. A maioria dos brasileiros (exceto
em algumas regiões) não sabe que muitas línguas são faladas no Brasil; a maioria
só escuta português na rua, no rádio, na televisão. A maioria acha que no
Brasil só se fala português, e que quem mora no Brasil "tem obrigação de
aprender o português".
Sabemos
que a língua é um dos pilares que alicerça a cultura de um povo, que exprime
sua crença e conta sua história, que os identifica, segundo a definição
acadêmica a relação entre língua e sociedade, recebe a nomenclatura de sociolinguística.
Dentro das diferentes formas de
manifestação da fala de uma língua e a partir das diferenças sociais,
culturais, regionais e históricas de seus falantes, essas variedades linguísticas
classificam-se como dialeto quando refere-se ao modo particular de uso da
língua numa determinada localidade, este termo não serve para designar
variedade linguística; socioleto que é a variedade linguística de um
determinado grupo de falantes que partilham os mesmos traços e experiências
socioculturais, há ainda o modo particular de cada indivíduo expressar-se
através da fala, que não será abordado neste projeto.
UMA DÉCADA DA 10.639/03 – O QUE FOI FEITO? O QUE HÁ POR FAZER? - COMO FICAMOS
COM A 11645/08
As
leis acima foram elaboradas para amenizar os preconceitos e ideias
estereotipadas como os afrodescendentes (10.639/03) e indígenas (11.645/08) que
são apresentados nas escolas, de fato a partir da segunda as escolas deveriam
introduzir em seus currículos, os conhecimentos, saberes, a organização social,
o modo de vida dos indígenas. Não é
exagero afirmar que a forma como os indígenas eram e ainda são representados
nas escolas, na história e na sociedade se não os denigre, certamente não
favorece.
Os
povos indígenas, sua identidade vivenciaram quase cinco séculos de negligência,
agressão à identidade, cultura e memória, a negação de seus direitos e reconhecimento
de sua diversidade, chegando a desqualificar suas etnias como construtoras da
história do país.
Nos
dias atuais os povos indígenas estão em evidência, principalmente em termos
culturais e históricos, esse protagonismo indígena causado pela lei 11.645 de
10 de março de 2008, com esta lei vamos ter pela primeira vez na história do
Brasil, a obrigatoriedade do ensino de história e cultura indígena nas nossas
instituições de ensino. A lei 11.645/08 reforça ainda que se deva ensinar a
história e a cultura africana e afro-brasileira, preceitos antes estabelecidos
com a lei 10.639/03, a pergunta é como ensinar sobre a cultura de povos cuja
língua – elemento primário de qualquer cultura, dizimamos.
Esta
pesquisa é o resultado da inquietação,
inconformismo, da necessidade do conhecimento, de testar novos olhares;de
entender o violento contato a que os índios foram compelidos, e o terrível
impacto causado, atingindo também as línguas nativas. No caso da língua pataxó,
ela persistiu, no mínimo, até 1938, sabemos da existência de algumas
iniciativas isoladas dos povos indígenas de fortalecer, ou antes, retomar a
língua original dentro das comunidades, num pequeno, mas firme levante
cultural; é neste sentido e através de projetos de organizações indígenas que
tais iniciativas que vêm sendo desenvolvidas, no caso dos Pataxó, cuja língua
de origem étnica – um subgrupo da família Maxacalí, do tronco linguístico
Macro-Je, considerada extinta pelos órgãos oficias, mas não pelos representantes
dos Pataxó, que tiveram a iniciativa de criar um grupo de pesquisa para estudar
e fortalecer a língua que para eles está apenas adormecida, o que se opõe às
práticas educacionais oficiais e à política pública de educação local que faz a
leitura da primeira língua falada a língua portuguesa.
OBJETIVOS
Analisar
as Políticas Públicas da Educação Escolar Indígena e sua aplicabilidade nas
comunidades Pataxó do Estado da Bahia. Baseado na legislação, elaborar uma
análise crítica do ensino da língua portuguesa, da preservação das línguas
originais nas comunidades indígenas e as implicações deste ensino em sua
cultura e no seu futuro, como povo.
Refletir
sobre o impacto educacional, social e identitário e as dinâmicas que dele
resultam a partir de diferentes formas de abordagem pelos gestores da educação
pública e a inserção dos pataxós no mundo não índio e das relações entre as
políticas públicas de educação, na socialização e preservação dos elementos de
identidade.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Contextualizar
a luta dos Pataxó pela educação intercultural indígena no contexto das
políticas públicas de educação escolar indígena diferenciada, específica e bilíngue;
Identificar as demandas educacionais apresentadas pelos Pataxó e verificar se
estas estão gestadas pelo Estado;
Identificar
aspectos da pedagogia que revelam em sua práxis cotidiana o processo de
revitalização cultural Pataxó.
ENTENDENDO O BILINGUISMO, O BIDIALETISMO E SUA FUNÇÃO SOCIAL
Quando
pensamos no bilinguismo e no bidialetismo como proposta da educação bilíngue,
vemos no discurso político uma forma eficaz de inclusão dos indígenas em seu
meio social. As bases da comunicação, em
linhas gerais, são a audição e a vivência social de cada indivíduo. A inserção
em um meio social e a integridade dos processos auditivos e cognitivos irão
permitir ao indivíduo apreender o código e através desse manifestar sua
linguagem.
Linguagem
é o pensamento que ganha forma pelo código e de outra maneira é construída pelo
código, numa relação de mão dupla. O código é a língua, no caso o português
lusitano está para o Brasil como o Macro-Jê está para os Pataxó. Dentro de um mesmo código temos sub-códigos:
os dialetos (português brasileiro, nordestino, paulista, mineiro, etc. no caso
do Brasil, assim como o Patoxã, o tupi,
o Maxacalí) em que cada um tem marcas distintivas, mas todos permitem a
comunicação entre os falantes daquela língua a construção cognitiva da
linguagem e todo o arcabouço intelectual e identitário de determinado grupo.
O
objetivo desse trabalho é discutir os alcances de tal proposta e as possíveis
formas de sua implementação na educação indígena. Observamos que o bilinguismo,
além de complexo, é um fenômeno que há tempos recebe dedicação de diversos
pesquisadores em diferentes áreas e mesmo após inúmeras discussões, não
encontramos na extensa bibliografia a respeito do assunto um consenso entre os
especialistas.
Conceituar
o bilinguismo de maneira clara, objetiva e unânime e definir suas delimitações
além da esfera social é, de fato, uma tarefa difícil. As definições são muitas
e, por isso, fizemos referência apenas a algumas delas, dentro da dimensão da
identidade cultural verificamos as abordagens do bilinguismo monocultural,
bilinguismo bicultural, bilinguismo acultural e bilinguismo descultural. A
discussão sobre o fato de que existe diferença entre o ser bilíngue e o ser
bicultural – o viver uma cultura ultrapassa o conhecimento da mesma, pois é
preciso haver uma relação com o modo de vida da mesma. A pessoa bilíngue pode
se expressar em um idioma sem buscar as referências do outro, enquanto que a
pessoa que vivencia o biculturalismo não se isenta das informações e do
conhecimento da cultura para expressar uma idéia ou opinião.
METODOLOGIA
Precisamos
entender, não quais as motivações dos Pataxó, isso está bem claro, mas questões
conceituais, de nação, de identidade, de cultura, de como a legislação criada
especificamente para proteger os grupos afrodescendentes e indígenas tem agido,
de como se dá a educação bilíngue e do bidialetismo deste povo e como tais
práticas e ações estão impactando na formação e resgate deste povo. A pesquisa
será construída a partir de revisão de literatura; análise de documentos
oficiais relacionados às questões indígenas e a educação (LDB, PCN'S, LEI.
11.645/08). Registro de pesquisa de campo nas comunidades Pataxó de Coroa
Vermelha e Jaqueira, aldeias que compõe Caramuru-Paraguaçu, em Santa Cruz de
Cabrália, no Estado da Bahia; composto de relatórios, documentos, entrevistas e
registros fotográficos. O apoio teórico se dará a partir dos autores que
discutem interculturalidade (CARVALHO, Rosângela Tenório de; NINCÃO, Onilda
Sanches), bilinguismo (LABOV, William); bidialetismo (BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich; LABOV,
William; NINCÃO, Onilda Sanches).
CULTURA
E IDENTIDADE
A
identitdade de um país pode ser percebida de várias formas, as mais
proeminentes são a língua ou idioma dominante, assim como a religião dominante;
embora fundamentais estes elementos não constituem as únicas referências de uma
Nação (do latim, "natio") a qual designa um grupo humano, que
compartilha tradições culturais comuns onde se inclui a etnia, mentalidade
predominante, educação; diferenciação geográfica, história, e, um sentimento
generalizado nesses indivíduos de comungarem uma mesma vontade e, apesar das
diferenças individuais de cada um - que
podem incluir alguns dos fatores elencados, o que os leva a defender o seu
direito de autodeterminação.
Ainda
que não única, podemos afirmar que a construção da identidade de uma nação está
fortemente vinculada a língua falada por este povo. A língua não é apenas um
veículo de transmissão, é viva e seu conjunto de signos serve de meio de
compreensão e comunicação entre os membros de determinada comunidade, é um conceito
abstrato que torna-se concreto a medida em que fazemos uso das combinações de
sons e falamos, podemos dizer então que a fala é a concretização da língua.
Numa
cultura baseada na oralidade é redundante afirmar que a preservação da língua é
indispensável para a preservação da cultura, a língua tem em si um sistema de
valores que a torna uma instituição social, e tras consigo uma visão
sociológica e política; indiscutivelmente uma das características mais
importantes da identidade e cultura de um povo; é a nossa língua materna que
define nossa identidade enquanto povo e essa identidade independe das barreiras
físicas.
A
partir de pesquisa analítica, com a avaliação das informações disponíveis coleta
de dados dos falantes do idioma patohã entre os pataxós, das iniciativas de
recuperação da língua e dos resultados obtidos na aldeia da Jaqueira em
oposição à aldeia de Coroa Vermelha apresentaremos os resultados iniciais do
bilinguismo na preservação da identidade cultural.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN,
M. M. (V.N.VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas
fundamentais do método sociológico da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.
CARVALHO,
Rosângela Tenório de Interculturalidade
objeto de saber no campo curricular da Educação de Jovens e Adultos, UFPE, disponível em http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt18/t189.pdf,
acessado em 12/05/2013.
LABOV,
W. Sociolinguistic Patterns, University of Pennsylvania Press, USA.1982.
MARCONI,
M.A. Antropologia um introdução, Editora Atlas, 2000, p. 224
MEC
– Ministério da Educação e Cultura. Educação Escolar Indígena Diversidade
Indígena Sociocultural Ressignificando a Escola. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoindigena.pdf,
acessado em 10/05/2013.
NINCÃO,
O.S. biletramento, identidade e política linguística na formação continuada de
professores Terena, Tese de doutoramento em Linguística aplicada, apresentada
ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP;
disponível em http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000437814&fd=y,
acessada em 10/05/2013.
NOVAES,
S.C. Jogo de espelhos: imagens da representação através dos outros. Editora da
Universidade de São Paulo: São Paulo, 1993.
PATAXÓ,
K. Trioka Hahão Pataxi. Caminhando pela história Pataxó. Garçoni: São Paulo,
2004.
PREZIA,
B.; HOORNAERT, E. Esta terra tinha dono. 3. ed. São Paulo; FTD, 1992.
SILVA,
A. L; FERREIRA, M. K. L. (Org.). Antropologia, história e educação. 2.ed.
Global: São Paulo, 2000
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