segunda-feira, 13 de maio de 2013

As políticas públicas na educação dos Pataxós - bilinguismo e bidialetismo na Preservação Identitário Indígena

"Já não temos nossas matas, os lugares onde íamos buscar as plantas, o dom da cura. Já não temos boa assistência de saúde, nem de educação, e o nosso povo sofre com a falta de água. Não podemos plantar as roças. Mas a nossa identidade, a nossa alma, que os brancos tentaram nos roubar, não conseguiram. Somos Pataxó Ha ha hãe, um povo de coragem, lutando juntos para ser livres."
Maura Titihã, Povo Pataxó Ha ha hãe
Aldeia Caramuru
Introdução
Os índios, foram chamados de gentios, silvícolas, negros da terra, selvagens, todas expressões depreciativas, considerados ao longo do período colonial e imperial, homens de intelecto atrasado e inferior, sem fé, sem rei e sem lei. Povos que viviam da barbárie, até devorando uns aos outros. Nas narrativas dos jesuítas nos séculos XVI, os índios, nomenclatura utilizada para designar de forma preconceituosa a diversidade de povos e culturas que já habitavam estas terras há vários séculos, designa todos os nativos aqui encontrados pelos portugueses após terem “descoberto” estas terras naquele 22 de abril de 1500, a  educação indígena data de uma história tão longa quanto o contato entre índios e europeus, tão antiga quanto o Brasil; esta relação nem sempre foi ou tem sido pacífica, muito menos recíproca sob o olhar do respeito à interculturalidade, ao multilinguismo e a etnicidade e preservação.
Com esta visão violenta e retrógrada, os indígenas, foram escravizados, perseguidos, raptados, massacrados, convertidos, tanto em seus hábitos, costumes, línguas e religiões. As bandeiras caçaram índios como se caçam animais, muitos bandeirantes se especializaram em prear índios, termos usado na época para se referir a caça de indígenas para serem escravizados.
E quando chegamos em 1889, ou seja, a partir da República a história dos povos indígenas assim como dos afro-brasileiros morre, não se ouve falar de história de índios e negros após 1888. Ao longo de todo o século XX, a imagem que o povo brasileiro tem sobre o índio é a mesma do século XVI, esta realidade só começa a mudar, a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a qual garantia direitos antes negados aos indígenas, e na década de 90, viu-se a reformulação da educação brasileira a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, decretada em 1996, marcando o início de uma nova fase da política, gestão e legislação da educação brasileira. É a partir deste momento que se fundamenta a criação de escolas indígenas e de um sistema de ensino indígena, a fim de educar as crianças, jovens e adultos na cultura, idioma e costumes de seu povo, garantindo assim, a vivacidade de sua identidade e cultura, para a preservação das mesmas para as gerações futuras. 
Como vimos desde o início da colonização brasileira as nações indígenas sofreram com a exploração e a exclusão. Estes povos foram, durante muito tempo, desconhecidos como seres humanos. Como afirma Marconi (2001, p.224).
Nas primeiras décadas do séc. XVI eram tidos pelos colonizadores como seres subumanos, desprovidos de alma, estando mais próximos dos animais. Sua dignidade humana só foi restabelecida após 1537 quando a bula do Papa Paulo III os reconheceu como ‘verdadeiros homens livres’..
Em Porto Seguro, Bahia o grupo indígena Pataxó, objeto deste estudo, está submetido aos mesmos processos sociais que outros grupos humanos, só que isso não significa que tenham as mesmas oportunidades, que lhes assegurem a sobrevivência. O extermínio de etnias indígenas é a consequência mais visível deste processo, o dano, porém vai além, na perda de seu idioma, de sua cultura mesmo naqueles supostamente preservados, vemos a aniquilação de sua identidade.
O PRIMEIRO CONTATO
Meu primeiro contato com grupos indígenas não se deu com os Pataxó, nem mesmo no litoral, por força de atividades laborais já havia tido contato com grupos étnicos indígenas da região do Parque Nacional do Xingu, na porção norte do país que concentra mais de 50% dos cerca de 896,000 índios no Brasil distribuídos remanescentes dos grupos étnicos primitivos em mais de 238 povos, vivendo espalhados por todo o país. Escolhi este propositalmente, pois os pataxós  segundo diversas fontes históricas, viviam tradicionalmente entre as bacias dos rios João Tiba e São Mateus, ao sul, e Pardo e Contas, ao norte, convivendo com um bom número de outras etnias, este local segundo fontes históricas teria sido o de atracação das naus que trouxeram os primeiros portugueses ao Brasil, fazendo dos Pataxós os primeiros nativos a terem contato com o europeu.
Ainda segundo fontes de pesquisa partir deste contato inicial, a sociedade brasileira através de suas frentes de expansão predominantemente agrícolas, alcança-os em épocas históricas diversas desde o descobrimento, sempre de forma violenta, atingindo primeiramente os bandos situados ao sul, entre Santa Cruz de Cabrália e Porto Seguro, conforme permitem concluir os dados existentes. Os Pataxó tiveram no processo de colonização, a redução das especificidades culturais de sua etnia.
O aldeamento do povo Pataxó no sítio da atual Aldeia de Barra Velha data, segundo fontes históricas, de 1861, atendendo deliberação do governo da Província à época, desde então, têm os Pataxó permanecido neste local, onde durante muito tempo mantiveram-se relativamente isolados da sociedade nacional, isolamento este que vem sendo crescentemente rompido nos últimos quarenta anos.
O território tradicional dos Pataxó de Barra Velha passou, a partir de 1961, com a criação do Parque Nacional do Monte Pascoal, a ser objeto de disputa entre os índios e o IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, tendo os primeiros enfrentado um longo período de privações provocado pela proibição de utilização econômica do seu próprio território, imposta por aquele órgão – situação que motivou uma grande dispersão dos Pataxó, compelidos a buscar meios de subsistência em outras áreas, concentrados em duas aldeias de uma mesma reserva, criada nestes trinta anos para atender ao êxodo desse grupo as aldeia de Coroa Vermelha, da Jaqueira. As reservas de Barra Velha, considerada a aldeia mãe e Aldeia Pé do Monte, na base do Monte Pascoal – referência espiritual para os Pataxós são desde 1861 até hoje objeto de disputa com órgãos governamentais.
Por mais de cinco séculos as populações indígenas sofreram exposições a doenças, violência, desapropriações, processos de aculturação e foram colocados à margem da sociedade, tais ações aniquilaram a vasta maioria dessa população indígena, aos sobreviventes os resultados foram a invasão de seus territórios e a perda quase total de sua cultura – um processo intensificado, principalmente com a implantação de grandes fazendas de pecuária.
Os pataxós não seriam diferentes, originários da costa do descobrimento, acreditei poderiam fornecer o material necessário para avaliar a extensão da influência não-índia, nas sociedades indígenas, e mais detalhadamente em sua educação, imaginei as áreas de reserva remanescentes tal como as descritas nos artigos acadêmicos, preservadas e restritas, ou as que já havia contatado na região do Vale do Araguaia no Mato Grosso, nada me preparou para este encontro.
Já no desembarque no aeroporto de Porto Seguro, cidade litorânea e turística ao sul da Bahia; em 2012 fui literalmente assediada por uma profusão de pessoas oferecendo serviços, distribuindo panfletos, publicidades, materiais promocionais diversos que enalteciam as qualidades turísticas das cidades de Porto Seguro e Santa Cruz de Cabrália, os municípios em que estão inseridas as duas reservas objetos deste estudo, respectivamente Coroa Vermelha, em Santa Cruz de Cabrália junto ao litoral e a segunda poucos quilômetros mata adentro, na divisa entre ambos esta última, uma conquista recente, decisão do Supremo Tribunal Federal (STJ), que reconheceu o direito dos Pataxós às terras da reserva Caramuru-Paraguassu, anulando todos os títulos de propriedade concedidos a fazendeiros, em terrenos localizados dentro dessa área indígena que recebe o nome de reserva da Jaqueira.
Esta conquista resultado do trabalho das lideranças indígenas para conquistar qualidade de vida para cerca de 20 mil brasileiros que compõem o povo Pataxó. Trata-se da luta de um povo guerreiro que encontrou meios para resistir à pressão dos homens brancos e para manter sua cultura viva.
A Reserva da Jaqueira, curiosamente, constava destes materiais promocionais como mais um passeio “exótico” às origens brasileiras, nenhuma outra menção era feita aos pataxós ou a qualquer outro grupo indígena, nem ao resultado do contato entre os povos originários desta porção do país com os europeus, nenhuma referência cultural, apenas a exploração comercial típica de turismo.
UM POVO - DUAS ALDEIAS – UMA RESERVA
Os índios conhecidos sob o etnônimo Pataxó Hãhãhãe abarcam, hoje, as etnias Baenã, Pataxó Hãhãhãe, Kamakã, Tupinambá, Kariri-Sapuyá e Gueren. Habitantes da região sul da Bahia, o histórico do contato desses grupos com os não-indígenas se caracterizou  como visto, por expropriações, deslocamentos forçados, transmissão de doenças e assassinatos. A terra que lhes foi reservada pelo Estado em 1926 foi invadida e em grande parte convertida em fazendas particulares, a outra porção transformada em Parque Nacional em 1961. Apenas a partir da década de 1980 teve início um lento e tortuoso processo de retomada dessas terras, cujo desfecho parece ainda longe, permanecendo a maior parte de suas terras sub-judice.
Nas terras onde está localizada a Reserva Caramuru-Paraguaçu, criada pelo então Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 1926, em terras devolutas do Estado da Bahia, para “gozo dos índios Pataxós e Tupinambás” (Lei Estadual nº 1916/26. Diário Oficial. Salvador, 11/08/1926. Pp. 9935.), viviam tradicionalmente os Pataxó Hãhãhãe e Baenã, conforme preconiza a tradição oral. O índio Kamuru-Iguaxó Igueligecis, por exemplo, se referiu aos Hãhãhãe como “os índios nativos do posto, conquistados na Serra do Couro Dantas eram mais numerosos do que todas as outras nações juntas”.
O português João Gonçalves da Costa, o primeiro preposto de Portugal a ocupar economicamente a região que em tempos remotos era denominada Sertão da Ressaca se utiliza o etnônimo Cutachós como alternativo ao Patachó, emprega também Cotochós, e afirma que no sertão eram conhecidas, de “largo tempo duas nações pagãs: Patachós ou Cotochós, e Mongoiós”  em fins do século XVIII.
A RESERVA CARAMURU-PARAGUAÇU E SUAS ALDEIAS COROA VERMELHA E JAQUEIRA
COROA VERMELHA
Guardei aqueles panfletos com um misto de preocupação e curiosidade, pois a ideia era estabelecer o impacto da presença branca na formação educacional e identitária destes povos e não a visão turística, por mais idílica ou exótica que pudesse ser; enfim dirigi-me a reserva urbana, que nos termos da Lei é a Aldeia de Coroa Vermelha, uma vez que as autoridades encaram as duas porções de terra como a mesma Reserva, ao longo desta pesquisa usaremos a nomenclatura de Coroa Vermelha ou Jaqueira para determinar tais espaços, pois são tão singulares e diferentes entre si que mal podemos classificá-los como pertencentes à mesma etnia. Em Coroa Vermelha o processo de aculturação encontra-se de tal forma estratificado que torna praticamente impossível num contato superficial identificarmos aquele espaço como uma reserva indígena, seja pelo espaço físico ocupado, uma pequena faixa litorânea entre a Rodovia Federal que corta o Estado e o mar, seja pela presença maciça de turistas e comércio, seja pela falta de referências autênticas dos pataxós, a impressão inicial é de estarmos num centro de comércio qualquer e não em uma reserva indígena, a diferença neste espaço de Coroa Vermelha já começa a delinear seus contornos identitários, exceto pelos monumentos presentes aqui e ali poderíamos estar que qualquer cidade litorânea do país.
Comove e incomoda a forma como Coroa Vermelha, meu destino inicial, em nada se assemelha ao descrito nas teses e monografias sobre as reservas indígenas, nem mesmo ao contato que já havia tido com outras reservas de outras etnias no interior do país; na área desta pequena aldeia espremida e fincada entre a praia e a rodovia com suas seis quadras, as péssimas condições das moradias, falta energia elétrica, água encanada, tratamento de esgoto, coleta de lixo, condições mínimas de saneamento; do centro comercial revigorado por ocasião do cinquentenário do descobrimento fica bem em frente ao antigo edifício do centro comercial Pataxó uma construção semi-circular, degradada, irregularmente ocupada numa contínua, opressiva e silenciosa lembrança do quanto o branco pode piorar a vida do índio.
A reforma nestes espaços, seja do centro comercial, seja da própria área residencial do centro médico ou da escola só foi possível graças à organização da Cooperativa Pataxó de Coroa Vermelha, o projeto de reurbanização da porção habitacional, do centro comercial e da escola só foram levados a termo com a participação ativa destes indivíduos, inclusive na busca de recursos financeiros, muito já foi melhorado, como a distribuição equitativa de renda, a restrição da parte habitacional “apenas aos índios”, mas há muito que caminhar para melhorar as condições de trabalho, cultura e cidadania, como veremos.
O comércio é relativamente intenso e de toda sorte de itens, artesanais ou não, há uma mistura e profusão de indivíduos de tantas etnias e origens que se tem a sensação de estarmos em um centro comercial de qualquer cidade média e não numa área de reserva; os Pataxó de Coroa Vermelha vivem basicamente de artesanato, da exploração do turismo litorâneo, de algumas roças de mandioca e milho e da pesca marinha, esta última fiscalizada pelo IBAMA. Nesta mesma aldeia encontra-se o Marco da primeira missa, celebrada por Henrique Soares, o marco deste processo educacional embrionário é hoje uma cruz de gosto duvidoso em aço, que substituiu por ocasião do aniversário dos 500 anos a original de madeira periodicamente trocada, degradada pela maresia do ilhéu; perdeu-se a magia do simbolismo primitivo, e a referência ao pau-brasil.
Neste centro comercial, vestidos a caráter, os Pataxó vendem seus artesanatos: objetos e adornos feitos de pena, tangas, arco, flecha, gamela, peças em madeira; oferecem-se para fotografar com os turistas e apresentam um espetáculo de dança e canto nos finais da tarde com a contribuição voluntária dos passantes, poucos sabem o significado dos objetos, sua utilidade primária, apenas algumas palavras ainda mantém do vocabulário original. Deste modelo econômico não conseguem garantir a própria sobrevivência e sem incentivo ou subsídio das autoridades chegam a passar fome nos meses de pouco movimento, apelam então para a venda de bebidas alcoólicas, cigarros e quaisquer outros produtos contrabandeados dentro e fora da aldeia, bem como da sublocação dos quiosques no centro comercial para biroscas e barracas de praia.
Do centro comercial caminha-se uns trezentos metros até depararmo-nos com única escola existente em Coroa Vermelha, de fundamental, com gestão e professores não-índios, e pouco mais de 200 alunos entre índios e não-índios moradores de Santa Cruz de Cabrália, Belmonte, Santo André e mesmo de Porto Seguro, não vimos grandes preocupações com a preservação dos costumes e as tradições indígenas, ao contrário, nem mesmo a estrutura é cuidada de nossa observação e conversas com os habitantes locais queixaram-se de falta de água, de merenda, não há cadeiras e mesas para todos, alguns banheiros não tem portas e é visível que há telhas quebradas além do madeiramento estar comprometido.
Há igualmente um posto médico da FUNAI, que segundo informações atende aos índios, numa aparição única mensal do médico, no período em que estivemos lá não esteve aberto nenhum dia, os índios desta reserva com quem conversei vão às cidades próximas buscar atendimento, mesmo sabendo da existência do pagé na Jaqueira, quando perguntei o porquê a resposta surpreende; contam que “optaram por viver na reserva urbana e que isso fez deles menos índios, menos suscetíveis aos tratamentos que o pagé poderia aplicar” ao mesmo tempo não conseguem atendimento nos postos fora da reserva, pois segundo contaram os atendentes dos demais postos médicos das cidades no entorno afirmam que “eles (os Pataxó) tem o posto em Coroa Vermelha pra isso”.
É claro que a qualidade de vida deixa muito a desejar, o Pataxó, primeiro morador de nossa costa baiana, primeiro a contatar nossos irmãos lusos é tratado de forma marginal, suas terras foram as primeiras a serem invadidas, sua cultura conspurcada, foram os primeiros a lutar pela preservação perderam muitas batalhas, não se entregaram, nem perderam o orgulho de serem o que são.
JAQUEIRA
Uma realidade bem mais alentadora nos aguardava na Jaqueira, seja pelo distanciamento da agitação turística; os mais de 800 hectares de mata nativa e as Kijemes espalhadas pela reserva no formato original, com as três principais construções ao centro a Kijeme cerimonial, a Kijeme escola e a cozinha comum, ao redor estruturas menores remetem a épocas longínquas, é claro que se trata de uma montagem cenográfica, cuidadosamente desenvolvida para levar o turista a imaginar como viviam os Pataxó quando eram donos de fato destas terras, mas não ao ponto de privar-lhe um banheiro, de alvenaria, coberto com telhas cerâmicas, azulejado, com pia e sanitário.
Percebemos que toda esta estrutura foi criada com um propósito o do desenvolvimento sustentável, ou ecoturismo como querem alguns, ainda que a proposta deste estudo não seja esta, precisamos entender a dinâmica destas estruturas e sua finalidade na comunidade de menos de uma centena de homens e mulheres que vivem da e pela Jaqueira. O terreno em que esta situada esta aldeia foi uma conquista recente (2005) a partir da decisão do STF Supremo Tribunal Federal, que reconheceu o direito dos Pataxós às terras e anulou todos os títulos de propriedade concedidos a fazendeiros e industriais, nos terrenos localizados dentro dessa área indígena, talvez seja uma compensação às porções que ainda estão em meio a disputas judiciais, seja pelas pressões exercidas pelas lideranças locais, seja pelas ações dos grupos ambientais interessados em promover a conservação natural e cultural, formar uma consciência ecológica e realizar a integração das comunidades, com vistas a sua sustentabilidade.
Desta área da Jaqueira há uma porção destinada à visitação, palestras, prática de arco e flecha, participação de danças e rituais, caminhadas pelas trilhas (monitoradas), degustação de culinária típica com o peixe na patioba (tipo de palmeira multifuncional, serve para cozinhar, cobrir as Kijemes, vestimenta, comunicação na mata) o modo de viver, os costumes e tradições.
Vemos ai uma curiosidade a potencialização da afirmação cultural e de modo de vida; o resgate da autoestima do indivíduo e da comunidade através do sentimento do orgulho de ser Pataxó; os guerreiros que nos guiam e nos ensinam a manusear o arco não são atores, são envoltos por uma atmosfera mítica onde o passado (referido) e o presente (significante) parecem coexistir, as pinturas corporais, as palhas, as armadilhas nas trilhas, as danças e os cânticos são operadores capazes de fazer emergir ou ressurgir parte desta cultura.
A área em que está a Jaqueira sempre pertenceu aos índios, desde o descobrimento, espaço considerado sagrado, morada dos espíritos, local de rituais, ocupada irregularmente por pecuaristas e empresas de celulose, retorna aos seus legítimos donos com a missão de mais que revitalizar, e afirmar a cultura, traz o fardo de recuperar o orgulho de ser índio, de ser Pataxó.
A cultura Pataxó está alicerçada na transmissão de seus pilares através da oralidade e é aqui que começa de fato o objeto de nosso estudo
O canto e a dança o Awê para Pataxó significa o amor, a união e a espiritualidade com a natureza. O Awê traz segurança e a dança e o canto são instrumentos de comunhão entre Povo Pataxó e a natureza. Através do canto e da dança adquirem energias da terra, do ar, da água, do fogo e de todas as energias positivas que formam a natureza.
A Pintura corporal é um bem cultural de grande valor para Pataxó, representa parte de sua história, sentimentos do cotidiano e os bens sagrados; Usam a pintura corporal em festas tradicionais ritos de casamento, nascimento, comemorações, dança, luta, sedução, luto, proteção, etc. Tem pintura para o rosto, braço, costas e até mesmo para as pernas. Usam pinturas específicas para homens e mulheres casados e solteiros. As pinturas têm diversidade de tamanho, códigos, identificação social, hierárquica, uma infinidade de significados.
A alimentação tem como base a pesca, coleta de frutos e raízes, bem como, a agricultura. Usam a mandioca, não só o alimento preferido;  dela fazem uma bebida sagrada conhecida como kawi, além do makaiaba (o beiju) e kuiuna (farinha). Também cultivam outras raízes como inhame, batata, amendoim, taioba, etc. Outro alimento muito apreciado é o peixe preparado na folha da patioba, que segundo a crença rejuvenesce o corpo e purifica o espírito.
O Artesanato é feito a partir de tudo aquilo que a natureza oferece tais como madeiras, sementes, palhas, cipós, argila, penas, bambu e etc. Alguns artesanatos são feitos de barro como o pote, a talha e a panela. Outros são feitos de cipó como o cesto. E ainda têm os que são feitos com uruba como a peneira e o leque, toda a produção artesanal está ligada às necessidades do cotidiano.
JUSTIFICATIVA
O direito de continuar falando a língua indígena foi uma conquista recente para os povos indígenas do Brasil garantido apenas a partir da Constituição de 1988. Antes disso, as políticas linguísticas institucionais do Brasil sempre se pautaram no sentido de desqualificar e mesmo negar a existência das línguas indígenas como parte da diversidade da “nação brasileira”, impondo uma única língua oficial do país, a língua portuguesa, oficializada em 1758 pelo decreto de Marquês de Pombal. Essa política linguística contribuiu, acreditamos, para o enfraquecimento do uso das línguas entre muitos povos, levando ao desprestígio, a negação da própria identidade e cultura indígena.
Classificada como língua isolada, nunca sistematicamente estudada, a língua originalmente falada pelos Pataxó não é mais utilizada, a comunicação vem sendo feita através do português mesclado com vocábulos da língua indígena. Atualmente, grande esforço está sendo desenvolvido para a reconstrução do Patxohã - todo o povo Pataxó fala o português regional fluente, utilizando-se alguns indivíduos de palavras isoladas (substantivos e adjetivos) de uma língua tomada de empréstimo dos Maxacalí, povo indígena localizado numa região próxima, já no Estado de Minas Gerais. Simultaneamente o Grupo de Pesquisadores Pataxó desde 1998 se dedica ao estudo da língua, a retomada da língua pataxó, do qual têm participado todas as gerações, reconstruindo assim história e da vida do seu povo. A importância deste empréstimo para os Pataxó é tão considerável que eles tendem a reconhecer o Maxacalí como a sua própria língua.
Neste ponto precisamos esclarecer a conceitos de bilinguismo e bidialetismo; o bilinguismo é o uso, dentro de uma mesma comunidade, ou pela mesma pessoa, de mais de uma língua. O bi em bilinguismo quer dizer dois, mas a palavra "bilinguismo" pode ser usada para significar o uso de duas ou mais línguas. A palavra multilinguismo também é usada para significar o uso de três ou mais línguas. É comum ouvir dizer que alguém é bilíngue, que ele sabe, por exemplo, português e inglês. Isso seria um exemplo de bilinguismo individual; muito comum no mundo, estima-se que 50% da população mundial seja bilíngue. É mais raro ouvir alguém comentar que uma comunidade é bilíngue. O bilinguismo de uma comunidade se chama bilinguismo social. O bilinguismo social também é muito comum, mas nem sempre é reconhecido.
Como vimos a partir do estabelecido pelo Marques de Pombal, o Brasil foi durante séculos considerado um dos muitos países monolíngues, onde se encontra somente uma língua, as várias línguas encontradas nas comunidades indígenas, dezenas e às vezes centenas de línguas foram ignoradas. A maioria dos brasileiros (exceto em algumas regiões) não sabe que muitas línguas são faladas no Brasil; a maioria só escuta português na rua, no rádio, na televisão. A maioria acha que no Brasil só se fala português, e que quem mora no Brasil "tem obrigação de aprender o português".
Sabemos que a língua é um dos pilares que alicerça a cultura de um povo, que exprime sua crença e conta sua história, que os identifica, segundo a definição acadêmica a relação entre língua e sociedade, recebe a nomenclatura de sociolinguística.  Dentro das diferentes formas de manifestação da fala de uma língua e a partir das diferenças sociais, culturais, regionais e históricas de seus falantes, essas variedades linguísticas classificam-se como dialeto quando refere-se ao modo particular de uso da língua numa determinada localidade, este termo não serve para designar variedade linguística; socioleto que é a variedade linguística de um determinado grupo de falantes que partilham os mesmos traços e experiências socioculturais, há ainda o modo particular de cada indivíduo expressar-se através da fala, que não será abordado neste projeto.
UMA DÉCADA DA 10.639/03 – O QUE FOI FEITO? O QUE HÁ POR FAZER? - COMO FICAMOS COM A 11645/08
As leis acima foram elaboradas para amenizar os preconceitos e ideias estereotipadas como os afrodescendentes (10.639/03) e indígenas (11.645/08) que são apresentados nas escolas, de fato a partir da segunda as escolas deveriam introduzir em seus currículos, os conhecimentos, saberes, a organização social, o modo de vida dos indígenas.  Não é exagero afirmar que a forma como os indígenas eram e ainda são representados nas escolas, na história e na sociedade se não os denigre, certamente não favorece.
Os povos indígenas, sua identidade vivenciaram quase cinco séculos de negligência, agressão à identidade, cultura e memória, a negação de seus direitos e reconhecimento de sua diversidade, chegando a desqualificar suas etnias como construtoras da história do país.
Nos dias atuais os povos indígenas estão em evidência, principalmente em termos culturais e históricos, esse protagonismo indígena causado pela lei 11.645 de 10 de março de 2008, com esta lei vamos ter pela primeira vez na história do Brasil, a obrigatoriedade do ensino de história e cultura indígena nas nossas instituições de ensino. A lei 11.645/08 reforça ainda que se deva ensinar a história e a cultura africana e afro-brasileira, preceitos antes estabelecidos com a lei 10.639/03, a pergunta é como ensinar sobre a cultura de povos cuja língua – elemento primário de qualquer cultura, dizimamos.
Esta pesquisa é o resultado da inquietação,  inconformismo, da necessidade do conhecimento, de testar novos olhares;de entender o violento contato a que os índios foram compelidos, e o terrível impacto causado, atingindo também as línguas nativas. No caso da língua pataxó, ela persistiu, no mínimo, até 1938, sabemos da existência de algumas iniciativas isoladas dos povos indígenas de fortalecer, ou antes, retomar a língua original dentro das comunidades, num pequeno, mas firme levante cultural; é neste sentido e através de projetos de organizações indígenas que tais iniciativas que vêm sendo desenvolvidas, no caso dos Pataxó, cuja língua de origem étnica – um subgrupo da família Maxacalí, do tronco linguístico Macro-Je, considerada extinta pelos órgãos oficias, mas não pelos representantes dos Pataxó, que tiveram a iniciativa de criar um grupo de pesquisa para estudar e fortalecer a língua que para eles está apenas adormecida, o que se opõe às práticas educacionais oficiais e à política pública de educação local que faz a leitura da primeira língua falada a língua portuguesa.
OBJETIVOS
Analisar as Políticas Públicas da Educação Escolar Indígena e sua aplicabilidade nas comunidades Pataxó do Estado da Bahia. Baseado na legislação, elaborar uma análise crítica do ensino da língua portuguesa, da preservação das línguas originais nas comunidades indígenas e as implicações deste ensino em sua cultura e no seu futuro, como povo.
Refletir sobre o impacto educacional, social e identitário e as dinâmicas que dele resultam a partir de diferentes formas de abordagem pelos gestores da educação pública e a inserção dos pataxós no mundo não índio e das relações entre as políticas públicas de educação, na socialização e preservação dos elementos de identidade.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Contextualizar a luta dos Pataxó pela educação intercultural indígena no contexto das políticas públicas de educação escolar indígena diferenciada, específica e bilíngue; Identificar as demandas educacionais apresentadas pelos Pataxó e verificar se estas estão gestadas pelo Estado;
Identificar aspectos da pedagogia que revelam em sua práxis cotidiana o processo de revitalização cultural Pataxó.
ENTENDENDO O BILINGUISMO, O BIDIALETISMO E SUA FUNÇÃO SOCIAL
Quando pensamos no bilinguismo e no bidialetismo como proposta da educação bilíngue, vemos no discurso político uma forma eficaz de inclusão dos indígenas em seu meio social.  As bases da comunicação, em linhas gerais, são a audição e a vivência social de cada indivíduo. A inserção em um meio social e a integridade dos processos auditivos e cognitivos irão permitir ao indivíduo apreender o código e através desse manifestar sua linguagem.
Linguagem é o pensamento que ganha forma pelo código e de outra maneira é construída pelo código, numa relação de mão dupla. O código é a língua, no caso o português lusitano está para o Brasil como o Macro-Jê está para os Pataxó.  Dentro de um mesmo código temos sub-códigos: os dialetos (português brasileiro, nordestino, paulista, mineiro, etc. no caso do  Brasil, assim como o Patoxã, o tupi, o Maxacalí) em que cada um tem marcas distintivas, mas todos permitem a comunicação entre os falantes daquela língua a construção cognitiva da linguagem e todo o arcabouço intelectual e identitário de determinado grupo.
O objetivo desse trabalho é discutir os alcances de tal proposta e as possíveis formas de sua implementação na educação indígena. Observamos que o bilinguismo, além de complexo, é um fenômeno que há tempos recebe dedicação de diversos pesquisadores em diferentes áreas e mesmo após inúmeras discussões, não encontramos na extensa bibliografia a respeito do assunto um consenso entre os especialistas.
Conceituar o bilinguismo de maneira clara, objetiva e unânime e definir suas delimitações além da esfera social é, de fato, uma tarefa difícil. As definições são muitas e, por isso, fizemos referência apenas a algumas delas, dentro da dimensão da identidade cultural verificamos as abordagens do bilinguismo monocultural, bilinguismo bicultural, bilinguismo acultural e bilinguismo descultural. A discussão sobre o fato de que existe diferença entre o ser bilíngue e o ser bicultural – o viver uma cultura ultrapassa o conhecimento da mesma, pois é preciso haver uma relação com o modo de vida da mesma. A pessoa bilíngue pode se expressar em um idioma sem buscar as referências do outro, enquanto que a pessoa que vivencia o biculturalismo não se isenta das informações e do conhecimento da cultura para expressar uma idéia ou opinião.
METODOLOGIA
Precisamos entender, não quais as motivações dos Pataxó, isso está bem claro, mas questões conceituais, de nação, de identidade, de cultura, de como a legislação criada especificamente para proteger os grupos afrodescendentes e indígenas tem agido, de como se dá a educação bilíngue e do bidialetismo deste povo e como tais práticas e ações estão impactando na formação e resgate deste povo. A pesquisa será construída a partir de revisão de literatura; análise de documentos oficiais relacionados às questões indígenas e a educação (LDB, PCN'S, LEI. 11.645/08). Registro de pesquisa de campo nas comunidades Pataxó de Coroa Vermelha e Jaqueira, aldeias que compõe Caramuru-Paraguaçu, em Santa Cruz de Cabrália, no Estado da Bahia; composto de relatórios, documentos, entrevistas e registros fotográficos. O apoio teórico se dará a partir dos autores que discutem interculturalidade (CARVALHO, Rosângela Tenório de; NINCÃO, Onilda Sanches), bilinguismo (LABOV, William);  bidialetismo (BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich; LABOV, William; NINCÃO, Onilda Sanches).
CULTURA E IDENTIDADE
A identitdade de um país pode ser percebida de várias formas, as mais proeminentes são a língua ou idioma dominante, assim como a religião dominante; embora fundamentais estes elementos não constituem as únicas referências de uma Nação (do latim, "natio") a qual designa um grupo humano, que compartilha tradições culturais comuns onde se inclui a etnia, mentalidade predominante, educação; diferenciação geográfica, história, e, um sentimento generalizado nesses indivíduos de comungarem uma mesma vontade e, apesar das diferenças individuais de cada um  - que podem incluir alguns dos fatores elencados, o que os leva a defender o seu direito de autodeterminação.
Ainda que não única, podemos afirmar que a construção da identidade de uma nação está fortemente vinculada a língua falada por este povo. A língua não é apenas um veículo de transmissão, é viva e seu conjunto de signos serve de meio de compreensão e comunicação entre os membros de determinada comunidade, é um conceito abstrato que torna-se concreto a medida em que fazemos uso das combinações de sons e falamos, podemos dizer então que a fala é a concretização da língua.
Numa cultura baseada na oralidade é redundante afirmar que a preservação da língua é indispensável para a preservação da cultura, a língua tem em si um sistema de valores que a torna uma instituição social, e tras consigo uma visão sociológica e política; indiscutivelmente uma das características mais importantes da identidade e cultura de um povo; é a nossa língua materna que define nossa identidade enquanto povo e essa identidade independe das barreiras físicas.
A partir de pesquisa analítica, com a avaliação das informações disponíveis coleta de dados dos falantes do idioma patohã entre os pataxós, das iniciativas de recuperação da língua e dos resultados obtidos na aldeia da Jaqueira em oposição à aldeia de Coroa Vermelha apresentaremos os resultados iniciais do bilinguismo na preservação da identidade cultural.
REFERÊNCIAS
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