terça-feira, 7 de maio de 2013

CAUDILHISMO ARGENTINO

Entre a Civilização e a Barbárie

A Argentina foi por muito tempo considerada fronteira avançada do Império Espanhol. A região somente recebeu o status de vice-reinado em 1776. Com capital em Buenos Aires, o Vice-Reinado do Rio da Prata, compreendendo além da Argentina, o Uruguai, Bolívia e Paraguai.
 
O movimento de independência centrado em Buenos Aires desde inícios do século XIX mostrou-se precursor no conjunto do Império hispano-americano. Em 1816 proclamou-se a independência formal das “Províncias Unidas da América do Sul”,primeiro nome da nova nação, que em 1819 já contava com sua primeira constituição. Porém, caracterizou-se desde então violenta oposição entre centralistas, representados pelas elites agro-comerciais de Buenos Aires, que defendiam um regime centralizado e liberal, e federalistas, constiutuídos pelos chefes políticos do interior. A 1º de fevereiro de 1820 os caudilhos do litoral depuseram o governo de Buenos Aires, seguindo-se prolongado e conturbado período (excetuando-se a tentativa centralizadora do presidente Rivadavia, em 1826-27) de ausência de qualquer legitimidade política ou constitucional, onde o território argentino esteve sob completo domínio do caudilhismo rural.
 
Neste longo período a Argentina viu-se tensionada por uma aguda luta entre as intenções centralizadoras que partiam de Buenos Aires e procuravam organizar o governo unificado e os interesses regionalistas dos caudilhos; a defesa feroz da federação e a aversão total ao liberalismo e à civilidade, entendidos como“estrangeirismos”, eram as suas bandeiras. Agindo por meio da violência das suas milícias (as tropas conhecidas como montoneras) os senhores rurais, em permanente luta entre si e contra as forças da capital, mergulharam o país no caos político.
 
Entre as décadas de 1830 e 1850 processou-se a luta entre os grandes caudilhos que disputavam o domínio do país. Em 1838, com a morte do último de seus rivais, Juan Manoel Rosas, governador da província de Buenos Aires, passou a exercer autoridade em todo o país. Para a oposição que se formou no exílio nesse período, Rosas constituiu o tipo ideal do caudilho que exerce o poder arbitrário; entre os mais famosos exilados, além de Estebán Echeverría e Juan Bautista Alberdi, destacava-se Domingo Faustino Sarmiento, futuro presidente da Argentina e autor de um dos livros de maior impacto no país (e no mundo) no século XIX: Facundo: Civilização e Barbárie, onde biografava Juan Facundo Quiroga, um dos caudilhos opositores de Rosas, e ao mesmo tempo buscava explicar as origens do caudilhismo e criticava violentamente o domínio de Rosas.
 
ParaSarmiento, o caos político da Argentina de sua época devia-se ao mandonismo dos caudilhos rurais, que representavam o atraso, a violência e a anarquia; a eles contrapunha o liberalismo e a democracia nascidos nas cidades, únicos locais que gozavam do progresso e do saber da civilização. Para que a civilização pudesse espalhar-se por todo o território argentino, beneficiando sua população, cumpria eliminar o perigo do ultra-conservadorismo caudilho, instaurando um regime liberal unificad e forte. Sarmiento assim caracteriza o domínio dos caudilhos:
"..é assim que na vida argentina começa a estabelecer-se [...] o predomínio da força bruta, a preponderância do mais forte, a autoridade sem limites e sem responsabilidade dos que mandam, a justiça administrada sem formas e sem debate” (SARMIENTO, 1997: 70).
Após a derrota de Rosas em Caseros, em 1852, seus vencedores julgaram necessária a construção de um Estado Nacional uno. Em 1853 uma Constituição de caráter liberal foi jurada, e a Argentina tornou-se, oficialmente, um Estado republicano e federal, denominado República Unida da Argentina, com divisão dos três poderes (um Poder Executivo fortalecido) e sistema representativo indireto. Porém, a consolidação final da nova nação passaria ainda pela reintegração da província de Buenos Aires à República em 1860; unificação final do país após derrota do oposicionista Urquiza, governador de Entre Rios, em 1861; eleição do primeiro presidente constitucional da República, Bartolomé Mitre; e finalmente, pela instauração de Buenos Aires como capital federal em 1881.
 
Considerações
 
Assim que se processou a definitiva formação do Estado Nacional argentino, os governos pós-unificação (década de 1860) colocaram todo seu empenho em recuperar a economia, combalida após meio século de guerra civil. Incentivando a produção cerealista e a pecuária nas férteis planícies dos pampas platinos, tornaram a Argentina um dos maiores exportadores de trigo e carne na época, o que possibilitou investimentos na melhoria da infraestrutura (construção de ferrovias, abertura de portos), grandes sucessos na educação pública, além do incentivo à imigração. A Argentina da década de 1880 tornou-se um dos países mais estáveis e prósperos da América do Sul.
 
A “era dos caudilhos” encerrou-se, mas uma parte considerável de sua herança perpetuou-se. Até os dias atuais a Argentina (como diversos outros países latino-americanos) vê-se abalada de tempos em tempos por crises de governabilidade onde aflora o“ideal caudilho” que se julgava acabado. O caudilhismo rural, transmutado modernamente em populismo urbano, e encarnado na figura de líderes carismáticos, como Perón e Menem, continua a assombrar a doce prosperidade iluminista calcada nos moldes da democracia progressista norte-americana sonhada por Sarmiento para a Argentina.
 
Talvez estes fatos evidenciem que as nações latino-americanas devem buscar percorrer seus próprios caminhos rumo ao desenvolvimento democrático, ao invés de idealizar “paraísos estrangeiros” como modelos permanentes ou encarar as especificidades de seu passado como patologia. Nenhum povo pode considerar sua história como “peso”, sob pena de se imobilizar frente a ele; o fazer histórico é temporal e conjuntural, e não pode, portanto, “determinar” os acontecimentos, mas pode impulsioná-los, na direção indicada pelos agentes históricos, que é informada por suas ações e decisões.

Referências
PIMENTA, João Paulo G. Estado e Nação no fim dos Impérios Ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo: Hucitec, FAPESP, 2002.

PRADO, maria Ligia. A formação das Nações Latino Americanas. São Paulo, Atual. 1994

SARMIENTO, Domingo Faustino. Facundo.. Civilização e Barbárie. Petrópolis, RJ: Vozes. 1997


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