segunda-feira, 23 de abril de 2012

Historiografia Brasileira - A República Velha - Estrutura Político Legislativa




INTRODUÇÃO

Objetiva o presente artigo analisar as práticas políticas preconizadas durante a

República Velha (1889-1930) suas estruturas político, legislativa, não apenas sob a ótica econômica, embora não se possa furtar ao tema, mas igualmente estabelecer um contraponto com o atual contexto político do Brasil, enfocando também a redemocratização1 do sistema político (1986 – 2012).

Os esforços empreendidos com fins identificar não apenas resquícios das práticas que caracterizaram o sistema político conhecido como coronelismo, e também estabelecer um paralelo entre o posicionamento político-Legislativo entre o ocaso do Século XIX e primeiros anos do Século XX e o cenário descortinado na atualidade.

Para tanto lancei mão de uma obra clássica sobre a matéria a ser discutida,

Coronelismo, enxada e voto de Victor Nunes Leal, uma literatura básica para se pesquisar sobre o tema, dentre outros autores, pois esta obra disseca o sistema político vigente a época onde os coronéis tinham um papel fundamental neste sistema.



POLÍTICA

Um conhecido dicionário traz as seguintes definições para o verbete "política":

• Princípio doutrinário que caracteriza a estrutura constitucional do Estado.

• Sistema de regras respeitantes à direção dos negócios públicos.

• Maneira hábil de agir, astúcia, ardil, artifício, esperteza.

A última definição é, sem dúvida, a que melhor caracteriza a política em nossa época. Aliás, o termo "politiqueiro", definido nos dicionários como "aquele que em política se utiliza de processos menos corretos", e também "indivíduo intrigante, mexeriqueiro", apareceu pela primeira vez no ano de 1899, como que num prenúncio do que seria a política nos séculos seguintes;

Sinônimo ainda de corrupção e patrimonialismo, ou atuação em benefício próprio, a política atual é mais um dos frutos podres que a humanidade tem de deglutir, um efeito decorrente da atuação errada de povos inteiros, um carma coletivo.

Os dirigentes deveriam ser pessoas que trouxessem si um sentido incorruptível da verdadeira justiça e, com a sua visão mais ampla que os demais,  estivessem aptos a reconhecer de que forma deveriam conduzir o povo, para que este alcançasse seu máximo desenvolvimento. Uma maneira de governar que sequer se consegue imaginar, preferimos taxá-la de fantasia.

Assim quais práticas que figuram na atual política brasileira, são pertinentes aos coronéis tão bem caracterizados por Leal? Perdura ainda no atual contexto político brasileiro o poderoso líder regional? Os coronéis de hoje se utilizam de novas ferramentas de dominação do eleitorado? Por que os potentados obtiveram do governo federal o direito de possuir repetidoras de jornais, rádio, televisão e mais recentemente da informação digital? Estas são algumas questões que nortearam a pesquisa, e que espero sejam respondidas no decorrer do mesmo, pois este é o objetivo principal do trabalho.

Na metodologia aplicada, utilizarei alguns trechos de discurso de políticos,

pronunciamentos, entrevistas, matéria de jornais e revistas, que possam me auxiliar na confecção do artigo, a fim de estabelecer algumas semelhanças entre antigas e recentes estruturas político-legislativas, entre os velhos coronéis e os novos coronéis. Tomaremos como ferramenta de trabalho a pesquisa bibliográfica, por se tratar de um ótimo mecanismo na busca de documentos e materiais que se encaixem perfeitamente no tema estudado.



REPÚBLICA DA ESPADA

República Velha é o nome dado ao período que inicia-se com o Golpe Militar conhecido como Proclamação da República em 1889 e terminou com o movimento de 1930 que depôs o presidente Washington Luis.

Durante esse período as oligarquias consolidaram-se no poder, apoiadas em sua riqueza, mas também em uma estrutura política típica, desenvolvida pelas elites.

No entanto, não podemos imaginar que, apesar de controlarem o poder de forma hegemônica durante mais de 30 anos, essa tenha sido uma tarefa fácil. Os trabalhadores, marginalizados politicamente e explorados economicamente rebelaram-se diversas vezes contra o poder das oligarquias, tanto nas cidades como no campo.

Na República Velha, desde sua proclamação houve revoluções, golpes e contragolpes dentro de golpes.

Segundo alguns relatos históricos, no momento da derrubada do Primeiro Ministro Ouro Preto no Campo de Santana, Deodoro da Fonseca impediu o brado de Viva a República e leu um manifesto contra o governo do Primeiro Ministro que foi preso.

Consta que não dirigiu crítica ao Imperador e que vacilava em suas palavras.

Relatos dizem que foi uma estratégia para evitar derramamento de sangue. Sabia-se  que Deodoro da Fonseca estava com o Tenente-coronel Benjamin Constant ao seu lado e que não havia civis naquele momento. A classe dominante, descontente com o Império que incentivou o golpe, não foi para vê-lo consumado. Nota-se que a própria proclamação da República não alterou as estruturas sócio-econômicas do Brasil imperial. A riqueza nacional continuou concentrada em poucas famílias elitistas, enquanto na economia predominava o sistema agrícola de exportação, baseado na monocultura e no latifúndio. Se houve alguma mudança com a proclamação da República foi uma mudança na classe social que passou a dominar a política brasileira: os grandes cafeicultores paulistas, que tiraram o poder das antigas elites cariocas e nordestinas.

Proclamada a República, na mesma noite de 15 de novembro de 1889 formou-se o Governo Provisório, com o Marechal Deodoro como chefe de governo. Eis o primeiro ministério da República:

• Interior: Aristides da Silveira Lobo;

• Relações Exteriores: Quintino Bocaiúva;

• Fazenda: Rui Barbosa;

• Guerra: tenente-coronel Benjamin Constant;

• Marinha: Eduardo Wandenkolk;

• Agricultura, Comércio e Obras Públicas: Demétrio Nunes Ribeiro;

• Justiça: Manuel Ferraz de Campos Sales.



A ECONOMIA E O ENCILHAMENTO

Na corrida de cavalos, a iminência da largada era indicada pelo seu encilhamento, isto é, pelo momento em que se apertavam com as cilhas (tiras de couro) as selas dos cavalos. É o instante em que as tensões transparecem no nervosismo das apostas. Por analogia, chamou-se "encilhamento" à politica de emissão de dinheiro em grande quantidade que redundou numa  desenfreada especulação na Bolsa de Valores.

Para compreender por que o Governo Provisório decidiu emitir tanto papel-moeda, é preciso recordar que, durante a escravidão, os fazendeiros se encarregavam de fazer as compras para si e para seus escravos e agregados. E o mercado de consumo estava praticamente limitado a essas compras, de modo que o dinheiro era utilizado quase exclusivamente pelas pessoas ricas. Por essa razão, as emissões de moeda eram irregulares: emitia-se conforme a necessidade e sem muito critério.

A situação mudou com a abolição da escravatura e a grande imigração. Com o trabalho livre e assalariado, o dinheiro passou a ser utilizado por todos, ampliando o mercado de consumo.

Para atender à nova necessidade, o Governo Provisório adotou uma política emissionista em 17 de janeiro de 1890. O ministro da Fazenda, Rui Barbosa, dividiu o Brasil em quatro regiões, autorizando em cada uma delas um banco emissor. As quatro regiões autorizadas eram: Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. O objetivo da medida era o de cobrir as necessidades de pagamento dos assalariados - que aumentaram desde a abolição - e, além disso, expandir o crédito a fim de estimular a criação de novas empresas.

Todavia, a desenfreada política emissionista acarretou uma inflação incontrolável, pois os "papéis pintados" não tinham como lastro outra coisa que não a garantia do governo. Por isso, o resultado foi muito diverso do esperado: em vez de estimular a economia a crescer, desencadeou uma onda especulativa. Os especuladores criaram projetos mirabolantes e irrealizáveis e, em seguida, lançaram as suas ações na Bolsa de Valores, onde eram vendidas a alto preço. Desse modo, algumas pessoas fizeram fortunas da noite para o dia, enquanto seus projetos permaneciam apenas no papel.

Em 1891, depois de um ano de orgia especulativa, Rui Barbosa se deu conta do caráter irreal de sua medida e tentou remediá-la, buscando unificar as emissões no Banco da República dos Estados Unidos do Brasil. Mas a demissão coletiva do ministério naquele mesmo ano frustrou a sua tentativa.

Esta primeira fase do período republicano, conhecida como República da Espada, marcado pelos os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Época de transição do regime monárquico para o republicano, além deste desastre inflacionário promovido por Rui Barbosa eram comuns os levantes populares e a repressão a focos de resistência monárquica. O governo de Deodoro da Fonseca foi particularmente marcado por greves e pela Primeira Revolta da Armada, Depois de elaborar a Constituição de 1891, a Assembléia Constituinte foi transformada em Congresso Nacional e, nessa condição, deveria eleger os primeiros presidente e vice-presidente da República.



UM SISTEMA LEGISLATIVO

Como primeiras o Governo Provisório, assim formado, decretou o regime republicano e federalista e a transformação das antigas províncias em "estados" da federação. O Império do Brasil chamava-se, agora, com a República, Estados Unidos do Brasil - o seu nome oficial.

Em caráter de urgência, foram tomadas também as seguintes medidas: a "grande naturalização", que ofereceu a cidadania a todos os estrangeiros residentes; a instituição do casamento e do registro civil. Porém, dentre as várias medidas, destaca-se particularmente o "encilhamento", adotado por Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, já visto e que dará base a inúmeras revoltas e enfraquecimentos que levarão ao fim da republica da espada.

O Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, formado pela  Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. O poder dos estados (antigas províncias) foi significativamente ampliado com a introdução do princípio federalista. Os estados passaram a organizar-se com leis próprias, desde que respeitando os princípios estabelecidos pela Constituição Federal. Seus governantes, denominados presidentes estaduais, passaram a ser eleitos também pelo voto direto.

Foi abolida a religião oficial com a separação entre o Estado e a Igreja Católica, cuja unidade era fixada pela antiga Constituição Imperial caracterizando a laicidade do Estado e o fim do padroado.

Durante grande parte da Primeira República (1889-1930) desenvolveu-se um intenso debate sobre a necessidade de se reformar a Constituição de 1891, muitos reformadores defendiam a ampliação dos poderes da União e do presidente da República como forma de melhor enfrentar as pressões advindas dos grupos regionais. A Emenda Constitucional de 1926 viria, em parte, atender a essas demandas centralizadoras. A Revolução de 1930 encerraria o período de vigência dessa primeira carta republicana.

Abaixo detalhe da Constituição de 1891 e seus primeiros artigos





O FECHAMENTO DO CONGRESSO

Articulada uma chapa oposicionista, ligada aos interesses das oligarquias  estaduais paulistas e liderada por Prudente de Morais, foi, porém, derrotada. Os rumores sobre a intervenção militar para impor Deodoro, caso não vencesse as eleições, garantiram sua vitória. Em compensação, o candidato oposicionista à vice-presidência, Floriano Peixoto, derrotou o vice de Deodoro.

Não dispondo de maioria parlamentar, Deodoro sofreu várias derrotas no Congresso, que vetou muitos de seus projetos. Não conseguindo conviver politicamente com o Congresso, Deodoro dissolveu-o e prendeu seus principais líderes. Recebeu apoio de parte do Exército e de vários presidentes estaduais.

A República Velha foi marcada também pelo enfraquecimento do Poder Legislativo.

Eleito pelo Congresso Nacional (indiretamente), Deodoro passou a enfrentar a oposição do Congresso e da população devido à crise econômica.

Entre agosto e novembro de 1891, o Congresso tentou aprovar a Lei de Responsabilidades, que reduzia os poderes do presidente, mas Deodoro contra-atacou e decretou a dissolução do Congresso em 3 de novembro de 1891. Na mesma data, lançou um "manifesto à Nação" para explicar os motivos do seu ato.

Tropas militares cercaram os prédios do Legislativo e prenderam líderes oposicionistas.

Deodoro decretou estado de sítio (suspensão dos direitos civis) e oficializou a censura à imprensa. Ao assumir, em 23 de novembro de 1891, Floriano Peixoto anulou o decreto de dissolução do Congresso e suspendeu o estado de sítio.

Congressistas liderados por Floriano, Wandenkolk e Custódio de Melo  arquitetaram então um contragolpe, ao qual Deodoro tentou resistir, ordenando a prisão do almirante Custódio de Melo. Este reagiu sublevando uma esquadra, cujos navios postaram-se na baía de Guanabara, ameaçando bombardear o Rio de Janeiro, caso Deodoro não renunciasse.

Sem alternativa, Deodoro renunciou e entregou o poder ao vice-presidente Floriano Peixoto, em 23 de novembro de 1891. Peixoto, ao assumir a presidência, desenvolveu uma política econômica e financeira voltada para a industrialização: tarifas protecionistas e facilidades de crédito foram concedidas, porém, acompanhadas de medidas para controlar a inflação e impedir a especulação.

As mesmas oligarquias que apoiaram o golpe para a derrubada de Deodoro, passaram a fazer oposição a Floriano, fundamentando-se no artigo 42 da Constituição, que dizia: "Se, no caso de vaga, por qualquer causa à Presidência, não houver decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a novas eleições".



A POLÍTICA DOS GOVERNADORES

Ratificada por Campos Sales (1898-1902), a "política dos governadores" consistia no seguinte: o presidente da República apoiava, com todos os meios ao seu alcance, os governadores estaduais e seus aliados (oligarquia estadual dominante) e, em troca, os governadores garantiriam a eleição, para o Congresso, dos candidatos oficiais. Desse modo, o poder Legislativo, constituído por deputados e senadores aliados do presidente - poder Executivo -, aprovava as leis de seu interesse. Estava afastado assim o conflito entre os dois poderes.

Em cada estado existia, portanto, uma minoria (oligarquia) dominante, que, aliando-se ao governo federal, se perpetuava no poder. Existia também uma oligarquia que dominava o poder federal, representada pelos políticos paulistas e mineiros. Essa aliança entre São Paulo e Minas - que eram os estados mais poderosos -, cujos lideres políticos passaram a se revezar na presidência, ficou conhecida como a "política do café com leite".

Nota-se que mesmo durante a República da Espada, as oligarquias agrárias formaram a base governamental. O poder dos militares sucumbiu à força política dos barões do café de São Paulo e aos pecuaristas de Minas Gerais. Com a instituição de eleições diretas, os cafeicultores paulistas conseguiram eleger Prudente de Moraes. Seu governo iniciou a política do café com leite (divisão do poder entre paulistas e mineiros), que norteou a segunda fase da República Velha, conhecido como República Oligárquica (1894-1930).

Vemos assim que a República tornou-se possível, em grande parte, graças à aliança entre militares e fazendeiros de café. Esses dois grupos tinham, entretanto, projetos distintos em relação à forma de organização do novo  regime: os primeiros eram centralistas e os segundos, federalistas. Os militares não eram suficientemente poderosos para impor o seu projeto nem contavam com aliados que pudessem lhes dar o poder de que precisavam.

Os cafeicultores, ao contrário, contavam com um amplo arco de aliados potenciais e compunham, economicamente, o setor mais poderoso da sociedade. A partir de Prudente de Morais, que, em 1894, veio a suceder Floriano, o poder passou definitivamente para esses grandes fazendeiros. Mas foi com Campos Sales (1891a 1902) que uma fórmula política duradoura de dominação foi finalmente elaborada: a "política dos governadores”.



CICLO DA BORRACHA

Outra característica da República Velha foi a valorização da borracha, no final do século XIX, advento da vulcanização coincide com a descoberta dos grandes seringais nativos no Rio Purus. Acontece no Acre, provocado pelo início da demanda das industrias norte-americanas e européias pela borracha, o primeiro movimento de imigração vindo do nordeste do Brasil. Este movimento migratório quase provocou uma guerra com a Bolívia, que na mesma época tentava instalar postos aduaneiros nos rios Madeira, Purus e Juruá. Milhares de imigrantes, principalmente nordestinos fugidos da seca da década de 1870, invadem a floresta para recolher o látex e transformá-lo em borracha.

Os novos seringalistas se apropriaram de áreas enormes de Floresta para extrair o látex das seringas. Os índios nas áreas de Juruá e Purus tentaram defender suas terras deles, mas tendo só arco e flecha não conseguiram. Assim, foram extintos a maioria dos índios. Muitos também morreram das doenças como tuberculose e sarampo, as quais não existiam antes entre os índios e foram trazidas pelos novos imigrantes. A mão de obra dos índios submetidos foi explorada para recolher o látex e construir estradas.

Por quase cinqüenta anos, da segunda metade do século XIX até a segunda década do século XX, a borracha natural sustentou um dos mais importantes ciclos de desenvolvimento do Brasil. Naquela época, a revolução industrial se expandia velozmente e o mundo vivia período histórico de prosperidade e descobertas que se refletiam em todos os setores. Automóvel, bonde, telefone, luz elétrica e outras inovações mudavam paisagem e costumes nas cidades. Novos mercados se abriam. Era a “belle époque”, cujo esplendor a literatura e o cinema se encarregaram de retratar para as gerações seguintes.

As cidades amazonenses crescem, impulsionadas pelo desenvolvimento do comércio extrativista da região e começa a experimentar anos de prosperidade, acentuadamente após 1888, quando Dunlop descobre o pneumático para bicicletas, mais tarde aplicado nos automóveis pelos irmãos Michelin. A produção amazônica chega a 42 mil toneladas anuais e o Brasil domina o mercado mundial de borracha natural em 1912 alimentada pelo aquecimento da indústria automobilística dos Estados Unidos. O interesse norte-americano pela borracha levou o Brasil a comprar o território que hoje corresponde ao estado do Acre, então pertencente à Bolívia. Na negociação foi conduzida pelo barão de Rio Branco, o Brasil pagou um milhão de dólares à Bolívia e construiu a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que facilitaria o escoamento da borracha e de produtos da Bolívia, sem saída para o mar.

O ciclo da borracha trouxe progresso à região amazônica, especialmente a Belém e Manaus. A borracha chegou a ocupar o segundo posto de nossas exportações, perdendo apenas para o café. Com o aumento da importância da borracha no cenário internacional, os ingleses apanharam sementes de seringueira no Brasil e fizeram plantações na Malásia. Com o passar do tempo, a produção da Malásia superou a brasileira.



PRÁTICAS POLÍTICAS NA REPÚBLICA VELHA CORONELISMO, FILHOTISMO E MANDONISMO

Por toda Repúbica, a época o tratamento de "coronel" passou a ser dado pelos sertanejos a qualquer chefe político, não necessariamente dono de terras e nem  sempre de acordo com a condição financeira do indivíduo, dependia muito da liderança carismática como chefe local e de sua capacidade de exercer as funções do Estado em seus domínios territoriais. Eles concentravam grande poder, porque se tornaram peças importantes no desempenho do sistema oligárquico, realizando a mediação entre os Governadores e o eleitorado do Município, eram eles que indicavam os ocupantes para os diversos cargos municipais e comandavam um lote considerável de votos de cabrest.o

O fenômeno que existiu na vida política do interior do Brasil tinha características de política municipal, é considerado uma espécie peculiar de ethos político, um conceito brasileirista, específico da República Velha num sistema representativo eleitoral onde existia voto e eleição e concentração de terra em grandes propriedades. A maioria da população morava nas terras de outros e estava sujeita aos seus donos, numa dependência econômica e social inadequada, marcada pela pobreza. A maioria dos eleitores, 70% pertencia à população rural. É necessário regressarmos um pouco no tempo, até a época imperial, no Império havia fazendeiros que exerciam poder regional, mas não havia coronelismo. Esta era, sobretudo, um compromisso, uma troca de favores, caracterizada pelo poder público progressivamente fortalecido e pelo poder privado em decadência em relação à influência social dos senhores de terras, o ponto de encontro destas duas retas oferecia o ponto ótimo para a existência do coronelismo, portanto este fenômeno tinha relação com a estrutura agrária e estava baseado na sustentação das manifestações de poder privado.

O coronelismo foi pesquisado por Leal em sua obra Coronelismo, enxada e voto (1976), no qual ele pretendia analisar o sistema político, mas para tanto teve que se embrear pelo caminho que o levou ao encontro com a figura do "coronel".

O vocábulo tinha sua origem nos "coronéis" da extinta Guarda Nacional, nascida em 1831, por iniciativa do padre Diogo Antonio Feijó, com o objetivo de manter a ordem interna. A Guarda Nacional existiu por quase um século, tendo sobrevivido até 1918, havendo um regimento em cada município e o posto de coronel era concedido ao chefe político da comuna. O poder dos coronéis se favoreciam basicamente pelo sistema de clientela e patronagem, no qual eles recebiam a patente de coronel ou mesmo as compravam assumindo assim o posto de oficial da Guarda Nacional e a representação local das autoridades do Império, gozando de privilégios e cargos de confiança, normalmente era o mais rico comerciante, ou fazendeiro. O termo é, nos dias da publicação, ainda utilizado para identificar aqueles que mandavam na política local.

Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o "coronel", que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. Recurso através do qual eram eleitos os chefes políticos locais (municipais), regionais (estaduais) e federal (o governo central). A fraude, a corrupção, e o favorecimento permeavam todo o processo eleitoral de modo a deturpar a representação política.

No âmbito municipal os coronéis locais dependiam do governador para obtenção de auxílio financeiro para obras públicas e benfeitorias gerais, daí a necessidade de apoiar e obter votos para os candidatos de determinada facção das oligarquias estaduais.

As oligarquias estaduais também dependiam de votos para conquistarem ou assegurarem seu domínio político, daí a necessidade de barganharem com os coronéis locais. Semelhante condição de dependência política se manifestava nas relações do governo federal com os governos estaduais.

As rivalidades, lutas e conflitos armados entre coronéis de pouca ou grande influência e pertencentes a diferentes oligarquias agrárias eram comuns, fazendo da violência um componente constitutivo e permanente do sistema de dominação política da República Velha.  A força eleitoral empresta-lhe prestigio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terra.

A figura do coronel representava ainda a de uma pessoa que aglutinava várias

funções sociais, exercidas, sobretudo com a forte influência que tinha sobre seus dependentes bem como os aliados, empregados e capangas2, senão vejamos:

Dentro da esfera própria de influência, o "coronel" como que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes instituições sociais. Exerce, por  exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também se enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, (LEAL, 1976, p. 23)

Podemos entender a influência social desses “coronéis” fazendo referencia à estrutura agrária do país. “O “coronelismo” é, sobretudo, um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido e a decadente influência social dos chefes locais” (p.20). O poder desses fazendeiros e a sua importância para o poder público se dão pela forma de representação proporcional e a então recente ampliação do sufrágio, porque “o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja situação de  independência ainda é incontestável” (p.20).

Os chefes políticos que não são “coronéis” são ligados a essa classe de gente. Mas “qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o “coronel” que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto” (p.23). Ele exerce uma ampla jurisdição e poderes de polícia sobre seus dependentes. A sua qualidade de proprietário rural faz com que ele seja considerado rico por esse povo sertanejo sofrido, justamente por ter acesso à educação, boa alimentação, saneamento básico e outros “luxos” que não chegam às camadas populares do campo. Essa falta de estrutura é “remediada” pelo “coronel” que passa a ser visto como um benfeitor, sendo “... dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece. Em sua situação, seria ilusório pretender que esse novo pária tivesse consciência do seu direito a uma vida melhor e lutasse por ele com independência cívica” (p.25).

Para se compreender melhor a influência política dos fazendeiros, tão importante no mecanismo da liderança local, cumpre examinar alguns aspectos de distribuição da propriedade e da composição das classes na sociedade rural” (p.26).

O autor aponta o crescimento numérico das pequenas e médias propriedades, apesar do percentual de concentração não ter diminuído. Com a instalação da República Velha que tem na historiografia tradicional a versão que a "proclamação da República resultou de crises que abalaram o fim do Segundo Reinado e basicamente nas instituições como: Religiosa e Militar, bem como a abolição da escravatura" (VIOTTI, 1998, p. 447) o coronelismo teve sua atuação incrementada, sobretudo pela manutenção do sistema eleitoral pautado em voto aberto, facilitando, portanto a pressão do líder local em relação ao eleitorado. A formação dos currais eleitorais era de certa forma constituída dentro dos domínios fundiários do coronel, valorizando a formação de grandes potentados, juntamente com o fortalecimento do "voto de cabresto".

Portanto, o líder municipal ocupava sem sombra de dúvidas um lugar de extremo privilégio nos seus domínios de influência, que o tornava um parceiro muito interessante para o desenvolvimento político das grandes oligarquias agrárias, as verdadeiras elites que estavam no poder justamente com o apoio do coronel e que ao longo do século XIX tiveram suas posses agrárias abaladas especificamente pela diminuição e extinção da mão-de-obra escrava e não obstante o esfacelamento dos preços das monoculturas3 de café algodão e açúcar, e o fortalecimento de algumas atividades comercias, como podemos notar no texto de Faoro: a chamada elite agrária, forte e altiva nos seus latifúndios, some diante do ardente círculo dos negócios: ela está subordinada, pelos interesses da escravidão, ao "monopólio de outros monopólios comerciais" (...) o Segundo Reinado será o paraíso dos comerciantes, entre os quais se incluem os intermediários honrados e os especuladores prontos para o bote à presa, em aliança com o Tesouro (FAORO, 2001, p. 500).

Leal disseca ainda a perpetuação do coronelismo em face das representações políticas e sociais inadequadas e um setor privado que como já vimos, exerce grande influência setorial, causando justamente uma superposição do privado em detrimento do público, que torna o coronelismo exatamente uma troca de favores, ou seja, uma verdadeira rede de clientelismo. Um comprometimento entre o poder público e o poder privado, no qual podem coexistir amplamente na esfera municipal. (LEAL, 1976, p. 20)

O coronel encontra no meio rural o alicerce primordial para alcançar o mais amplo domínio político, pois o homem do campo "tira a sua sobrevivência"  essencialmente das terras do coronel, onde segundo Leal ele vive na mais completa miséria, ignorância e abandono. A grande massa de trabalhadores tinha na figura do coronel um homem rico e próspero, portanto capaz de em qualquer momento poder ajudá-los, com qualquer tipo de ajuda, seja ela com remédios, empréstimos em dinheiro e até mesmo com proteção contra querelas com famílias rivais, fomentando mais ainda o voto de cabresto, pois: "O lógico é o que presenciamos: no plano político, ele luta com o 'coronel' e pelo 'coronel'". (LEAL, 1976, p. 25).

Uma característica marcante do fenômeno coronelístico tem como base também o patrocínio do grande chefe local de todas às custas eleitorais, portanto quanto maior sendo as posses do coronel maior chance ele terá no pleito. As despesas são das mais variadas, pois o meio rural era, sobretudo paupérrimo, configurando assim a total dependência do eleitorado ao seu protetorado, causando uma obediência incondicional ao líder local, conforme o trecho: Sem dinheiro e sem interesse direto, o roceiro não faria o menor sacrifício nesse sentido. Documento, transporte, alojamento, refeições, dias de trabalho perdidos, e até roupa, calçado, chapéu para o dia da eleição, tudo é pago pelos mentores políticos empenhados na sua qualificação e comparecimento. (LEAL, 1976, p. 35)

Embora o poder privado estivesse em decadência, a República Velha não era capaz de governar sem o seu apoio, por isto, o poder público alimentava os privatismos, porque dependia do eleitorado rural, e em conseqüência do poder privado municipal.

Do compromisso entre os dois resultavam as características secundárias do sistema "coronelista": o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganização dos serviços públicos locais. práticas bastante corriqueiras.

O filhotismo, fruto de um inadequado corpo burocrático tanto no contexto federal como no estadual e, portanto, acentuado no município, onde imperava uma troca de favores entre os agregados políticos do coronel, que exerciam cargos e eram seus agregados e protegidos, sendo ou não parentes. O dinheiro dos bens e serviços municipais eram utilizados nos pleitos eleitorais, perpetuando-se assim, por meio de seus afilhados, toda a máquina municipal, que frequentemente era usada para custear gastos com as verdadeiras batalhas políticas, onde era utilizado desde dinheiro, até a mão-de-obra municipal, por meio desta ocorrência o coronel conseguia manter-se no comando do município por muito tempo e com ele todos os seu agregados. O que imperava realmente sobre qualquer outra coisa era a fidelidade partidária e para tanto o chefe local dispunha de critérios, muita das vezes, ilícitos para assegurar a seus correligionários um bom cargo na administração municipal.

O mandonismo por sua vez servia basicamente para perseguir aos adversários ou grupos rivais, "para os amigos pão, para os inimigos pau" ou mais delicadamente "aos amigos se faz justiça, aos inimigos se aplica a lei". As relações do chefe local com seus adversários raramente eram cordiais, e periodicamente eram hostis entre os grupos, e não poderia deixar de ser, qualquer tipo de favor era negado ao grupo rival, e também qualquer tipo de favor era tido como uma humilhação. Nos períodos que antecediam uma eleição a convivência entre eles ficava complicada vindo a melhorar um pouco nos períodos entre eleições. É neste período que os coronéis podiam angariar um contingenciamento de cabos eleitorais ou mesmo de outros coronéis para engrossar sua fileira. Os acordos podiam ser selados até pouco tempo antes das eleições, e assegurava certa segurança por um tempo maior, pois até que configurasse a não adesão ao grupo que estava na situação, podiam ser poupados pelos grupos dominantes, mas não firmado o acordo logo começava a perseguição.

Segundo Leal, estas práticas são ocasionadas, sobretudo pela falta de  autonomia que se encontrava no seio do município, onde o governo dispõe ao "coronel",da situação, uma autonomia "extra-legal", delegando poderes que serão fundamentais para a manutenção do sistema de liderança bem como o de compromisso, utilizando, sempre que necessário, a violência para concretizar alianças, ou até mesmo enfraquecer os grupos rivais. Como afirma o trecho abaixo: É justamente nessa autonomia extralegal que consiste a carta branca que o governo estadual outorga aos correligionários locais, em cumprimento da sua prestação no compromisso típico do 'coronelismo'. É ainda em virtude dessa carta-branca que as autoridades estaduais dão o seu concurso ou fecham os olhos a quase todos os atos do chefe local governista, inclusive a violências e outras arbitrariedades (LEAL, 1976, p. 51)

Paradoxalmente, o "coronelismo" que tem como firmamento o enfraquecimento da estrutura agrária dos donos de terra, que se sustentam, sobretudo na relação de poder e prestígio, conquistados a custa de submissão políticas às oligarquias estaduais, e apoiados na massa que depende incondicionalmente das terras e dos favores dos coronéis, não tem se enfraquecido, como era de se esperar, principalmente com a inadequada situação agrária do país, naquele contexto, bem como com o fortalecimento do poder publico, o que podemos destacar é:

O fortalecimento do poder público não tem sido, pois, acompanhado de correspondente enfraquecimento do 'coronelismo'; tem, ao contrario, contribuído para consolidar o sistema, garantindo aos condutores da maquina oficial do Estado quinhão mais substancioso na barganha que o configura. Os próprios instrumentos do poder constituído é que são utilizados, paradoxalmente, para rejuvenescer, segundo linhas partidárias, o poder privado residual dos 'coronéis', que assenta basicamente numa estrutura agrária em fase de notória decadência. (LEAL, 1976, p. 255)

Mas nesta visão cumpre pontuar ainda o poder do coronel não se assenta apenas sobre a questão do latifúndio, o poder de mando do coronel vai além do domínio das posses, mas manda também porque reside sobre ele o prestígio e a tradicionalidade. Como podemos notar no trecho abaixo, pode existir coronel sem latifúndio:

O coronel, economicamente autônomo, formara o primeiro degrau da estrutura política, projetada de baixo para cima. Se a riqueza é substancial à construção da pirâmide, não é fator necessário, o que significa que pode haver coronéis remediados, não senhores de terra. (FAORO, 2001, p. 700)

A análise desta situação se faz necessária para compreender o "coronelismo", pois na medida em que se vê o enfraquecimento "natural" do dono da terra, mas se faz imprescindível o apoio do "oficialismo" no intuito de garantir o domínio da corrente política local. Não obstante ainda para a compreensão do declínio do sistema.

Como vimos, o "coronelismo" tinha fôlego no largo eleitorado rural que  basicamente dependia das terras do coronel e com pouco ou nenhuma instrução política. A grande influência do coronel na massa de votantes rurais fomentava a institucionalização da "política dos governadores" que tinha como base o domínio dos governadores sobre o voto. Entretanto o controle dos governadores sobre as urnas era de certa forma possibilitada pelo apoio advindo dos lideres locais – os coronéis, detentores de um fortíssimo produto de troca, o voto, ou seja, era o famoso "toma lá, dá cá". O governo estadual precisava, para manutenção desta "política dos governadores", que o coronel além de ter influência dentro do seu "curral eleitoral", ou seja, a influência direta, ele possuísse também uma ampla influência indireta, que Maria Isaura de Queiroz define como sendo uma ampla rede de parentela, mas não a parentela de cunho antropológico, que vai alem dos laços familiares, como ela afirma:

O grupo familiar ultrapassa a família nuclear, pois reúne numa rede de reciprocidade, de deveres e de direitos tios, sobrinhos, primos, além de avôs e netos estendendo-se, portanto não só o montante quanta à jusante da grande corrente das gerações, e espraiando-se também horizontalmente para as duas margens de modo indistinto. (QUEIROZ, 1997, P. 165)

Um outro vício da República velha que devemos levar em consideração é a questão do falseamento do voto e das fraudes eleitorais. Segundo Pang: "O mínimo que se pode dizer sobre as eleições na Primeira República é que constituíam verdadeiras farsas". (PANG, 1979, p. 34), fica claro, portanto que no período das eleições as fraudes eleitorais eram pertinentes ao processo, pois já começava com o registro dos eleitores que ficava a cargo do coronel escolhendo quem estava qualificado para votar, era de se esperar um abuso de poder para barrar o alistamento dos eleitores que não apoiavam o candidato da situação, como percebemos abaixo:

A luta pela vitória eleitoral começava com o registro de eleitores. A pratica corrente era que cada município ou comarca (uma distrito judicial abrangia dois ou mais municípios) organizava três comissões para promover as eleições: uma comissão de registro (junta de alistamento), uma comissão eleitoral executiva (junta ou mesa eleitoral), e uma comissão de apuração (junta de apuração).[...] As três juntas eram formadas pelo juiz da comarca nomeado pelo governador (juiz de direito) um juiz municipal eleito pelos munícipes, e membros escolhidos dentre o eleitorado local. (PANG, 1979, p. 34).

O cenário eleitoral era totalmente favorável para a corrente da situação, no qual eram por demais controlado pelo coronel local, pois os juízes eram indicados pelos governadores o que facilitava a ação do chefe local no tocante a qualquer tipo de prática ilegal para se ganhar uma eleição. O procedimento que imperava era a utilização da violência para tentar inibir o registro de qualquer eleitor que por ventura apoiasse o candidato rival, caso o registro fosse efetuado havia então um despejo de capangas muito bem armados para intimidar os eleitores da oposição.

Quando havia suspeitas de um pleito apertado, a violência ocorria muito antes dos registros dos eleitores ocasionando por algumas vezes o cancelamento das eleições, por motivo de grandes conflitos entre as correntes partidárias. Chagara ao caso de um "coronel" guardar dentro de sua própria casa o registro de eleitores, deixando claro que somente os que eram ligados ao coronel tinham acesso ao registro. A compra de votos era outra prática muito comum da República Velha, mas não parava por ai, alem de existirem eleitores que eram remunerados pelo o voto, existiam ainda aqueles que votavam depois de mortos, ou seja, era utilizado um registro de uma pessoa que já havia morrido, como podemos notar no texto que segue, o contexto eleitoral marcado pela compra de votos e pelo falseamento deles, perpetuou por algum tempo depois de finalizada a da República Velha, vejamos:

Duas décadas após o final da Primeira República, um oficial das Nações Unidas observou que muitos eleitores analfabetos jogavam na urna seus cupons de almoço, em vez da cédula que lhes era fornecida junto com o cupom de refeição pelo chefe político. A distribuição de roupas novas, sapatos e outros bens essenciais era comum durante a campanha. [...] Outros abusos mais sérios diziam respeito a eleitores que não existiam. Essa pratica eleitoral

fraudulenta era conhecida como 'bico de pena'. Nomes de pessoas falecidas vinham de túmulos do interior; eleitores fantasmas ou 'fósforo', como eram chamados na gíria eleitoral da época, não só eram registrados pelo coronel dominante, mas também 'jogavam sua cédula' (PANG, 1979, p. 36).

Fica claro, portanto que no período da República Velha o bojo das eleições era um produto da relação entre os poderes locais, representados pelo coronel, e pelo poder federal, os governadores e os presidentes, estes últimos que controlavam ainda com extrema parcialidade a verificação dos diplomas dos candidatos, no qual constava a quantidade de votos adquiridos na eleição, no que se sabe os resultados obtidos eram analisados pela comissão de verificação, onde candidatos que não apoiavam a corrente da situação poderia ter sua homologação cancelada, e ainda "rever as credenciais dos deputados eleitos" (PANG, 1979, p. 56), fortalecendo cada vez mais o chefe local, pois quando este perdia nas urnas poderia contar com o recurso dos correligionários nas comissões de verificação, onde o que menos importava era o voto mas sim a qual corrente o candidato estava ligado.

A Comissão de Verificação na realidade tratava-se de uma ferramenta extra que analisava todos os candidatos eleitos fazendo uma triagem fraudulenta de todos aqueles que eram indesejáveis. Se de algum modo um candidato de oposição fosse eleito, essa comissão tinha seus meios para embargar sua posse. Assim, o presidente tinha total apoio nas bancadas do Congresso, uma vez que o Governo Federal respeitava as decisões dos partidos dominantes de cada estado e estes permitiam o poder do coronel em suas regiões.

No quadro abaixo o diagrama da Hierarquia e dominação política da Republica Velha



Podemos notar ainda a insatisfação que este processo eleitoral estava causando no meio político, o próprio Venceslau Brás4 que era Vice-presidente da República, portanto pertencente a corrente da situação, detentora da máquina do Estado e era nome para concorrer a Presidência da República, defende a lisura e o fim das perseguições nas urnas, como ele mesmo proferiu:

"Não quero dizer com isto que não sejam necessárias umas tantas medidas garantidoras da verdade do alistamento e do voto, da apuração deste e do conhecimento de poderes. [...] Desejo apenas afirmar que qualquer disposição legislativa, à altura da atualidade, fielmente executado, produzirá melhores resultados do que outra, ainda que mais perfeita, desde que esta seja deturpada pelos abusos do poder ou pela fraude".

Sobre este assunto, que é transcendental para a República, agirei desassombradamente perante os funcionários públicos, e procurarei os chefes públicos para os seguintes fins:

Seriedade no alistamento; Plena liberdade nas urnas; Reconhecimento de poderes dos legitimamente eleitos; Sincera, Leal, positiva garantia para a efetiva representação das minorias. (SILVA CARNEIRO, 1998, P. 69-70)

Portanto fica caracterizada a inquietação que estava causando tais vícios que eram inerentes da República Velha e reconhecida, se não, até por alguns membros da elite política, que segundo os autores Silva e Carneiro, no momento em que Venceslau lia a sua plataforma de governos alguns líderes gaúchos que estavam presentes na reunião se mostraram demasiadamente descontentes com a mesma. Então era desta forma que se fazia política na República Velha, com a presença do líder político local, na figura do coronel, que lançava mão em qualquer artifício para permanecer no poder, juntamente com o apoio advindo do governo federal, bem como dos governadores, estes últimos os principais lideres oligárquicos que via no coronel um elo fortíssimo para domínio das urnas e, contudo a manutenção dos grandes potentados no poder.



AS DIVISÕES E A ALIANÇA LIBERAL

As primeiras rachaduras nessa estrutura aparecem no final da década de 1910. Em 1918, o paulista Rodrigues Alves é eleito para suceder o mineiro Venceslau Brás.

Rodrigues Alves morre antes da posse, e paulistas e mineiros não chegam a um acordo para sua substituição. Lançam, então, o paraibano Epitácio Pessoa, que governa de 1919 a 1922. Seu sucessor é o mineiro Artur Bernardes (1922 a 1926), que não tem a unanimidade de paulistas e mineiros. Bernardes desperta uma oposição militar que desemboca nas revoltas tenentistas, tendo de governar sob estado de sítio. O paulista Washington Luís (1926 a 1930) também assume a Presidência sem a sustentação das lideranças de seu estado. Enfrenta o endividamento interno e externo do país, a retração das exportações e, a partir de 1929, os problemas provocados pela crise econômica mundial.

Pela política do café-com-leite, cabe ao PRM indicar o candidato à sucessão de Washington Luís. O partido já tem um nome, o do governador de Minas Gerais,

Antônio Carlos. Sustentado pelo PRP, o presidente lança o nome de Júlio Prestes, governador de São Paulo. O gesto rompe o acordo das oligarquias paulista e mineira. Com o apoio do Rio Grande do Sul e da Paraíba, o PRM compõe a Aliança Liberal, que parte para a disputa tendo o gaúcho Getúlio Vargas como candidato a presidente e o paraibano João Pessoa, a vice. Em abril de 1930, a chapa de Júlio Prestes vence a eleição. Inconformados, os aliancistas provocam a Revolução de 1930, que põe fim à República Velha.



REQUÍCIOS DO CORONELISMO NA NOVA REPÚBLICA

"A Polícia Civil abrirá sindicância para apurar a prisão do agente Gilberto Maciel de Araújo, detido no Gama por um promotor eleitoral. Ele trabalhou como fiscal de Roriz no Centro de Ensino Fundamental 12 e portava arma e algemas, apesar de estar fora de serviço".(FONSECA, Correioweb. 22 de outubro de 2002) Este fato foi divulgado pelo Correio Brazilense em Outubro de 2002, na ocasião o então candidato pelo Partido dos Trabalhadores,  questionava a legitimidade bem como a lisura no pleito para governador do Distrito Federal, do qual saiu derrotado por uma pequena margem de votos pelo candidato a reeleição: Joaquim Roriz.

O contexto político atual está recheado de denúncias que remetem as práticas já bem caracterizadas no capítulo anterior, no que se refere à República Velha. Na mesma matéria divulgada pelo Correio Braziliense, existem denúncias de compra de voto, transporte clandestino de eleitores e coação dos eleitores no momento do voto.

Tais práticas nos remetem aos velhos coronéis que utilizavam o poder, e ainda o compadrio para tentar vencer as eleições. E é exatamente o que podemos notar como descreve o jornal.

No segundo pedido de cassação de Roriz, a coligação de Magela relata várias condutas que caracterizariam tentativa de compra de voto. Uma delas, a distribuição, no dia 25 de outubro, do cartão de desconto da rede Brasilcard para todos os servidores da administração direta do GDF.Os cartões eram acompanhados de uma carta em que Roriz assumia 15 compromissos relacionados a reajustes salariais. Segundo os advogados, foram distribuídas ainda notas de R$ 50 dentro de camisetas com o nome de Roriz, pedindo voto para o governador.

Também teriam sido distribuídos vale-transporte e cupons de abastecimento, acompanhados de material de propaganda eleitoral, além de promessas de emprego e lote. (Correio Brazilense, 03 de novembro de 2002, p. 08)

Segundo a denúncia acima, havia ainda a promessa de favorecimento por parte do candidato, o que nos leva a verdadeira comparação entre os antigos coronéis e alguns políticos do atual contexto político brasileiro, pois os antigos coronéis para lograrem êxito na campanha eleitoral concediam ao eleitorado uma gama de favores, bem como dádiva financeira, como discorre Leal em nota de rodapé:

Eis aqui uma lista incompleta: arranjar emprego; emprestar dinheiro; avalizar títulos; obter credito em casas comerciais; contratar advogado; influenciar jurados; estimular  e preparar testemunhas; [...]; impedir que a policia tome as armas de seus protegidos, ou lograr que as restitua; [...]; colaborar na legalização de terras; [...],

Enfim uma infinidade de préstimos de ordem pessoal, que dependem dele ou de seus serviçais, agregados, amigos ou chefes. (LEAL, 1976, p. 38)

Ainda hoje, podemos perceber no eleitorado, uma carência que é advinda do campo, a do político protetor e bondoso, portanto os políticos que no seu discurso de palanque insufla a massa com promessas que vão ao encontro com o desejo deles, como emprego e moradia, fatalmente irão obter o apoio necessário. Apesar de não se tratar de um favor, pois tais promessas são deveres do estado previstos na Constituição de 1988:

Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 26, de 2000)

O candidato utiliza-se da pouca consciência política que a massa tem para desenvolver políticas que o personificarão como sendo o protetor dos pobres e tomando para si a figura do Estado, tal qual era tido o coronel na República Velha, o que fomenta também a consolidação dos grandes bolsões eleitorais, ou seja, uma região onde determinado candidato é campeão de votos. Um verdadeiro paralelo como às áreas de influências dos antigos coronéis, que ficou conhecido como sendo o "curral eleitoral". Podemos notar no texto abaixo:

Outro elemento importante para a compreensão da estrutura política de massas é a composição rural-urbana do proletariado industrial. Ai esta um dos fatores da inexperiência política dessa parte do povo brasileiro. Com a migrações internas, no sentido das cidades e dos centros industriais –  particularmente intensas a partir de 1945 – aumenta bastante e rapidamente o contingente relativo dos trabalhadores sem qualquer tradição política. O seu horizonte cultural esta profundamente marcado pelos valores e padrões do mundo rural. Neste, predominam formas patrimoniais ou comunitárias de organização do poder, de liderança e submissão, etc. Em particular, o universo social e cultural do trabalhador agrícola (sitiante, parceiro, colono, camarada, agregado, peão, volante, etc.) esta delimitado pela religião, a violência e o conformismo, como soluções tradicionais. Esse horizonte cultural modifica-se na cidade, na industria, mas de modo lento, parcial e contraditório. (IANNI, 1988, p. 57)

Segundo Ianni, este universo vem sendo modificado como de fato percebemos, contudo grande parte do eleitorado ainda permanece arraigada com valores oriundos do meio rural, encontrando nos políticos que se propõem a praticar as políticas de massas, um líder bondoso e justo, quase sempre rico, pronto e disposto a ajudar os necessitados.

O estudo de Leal partiu a princípio dos municípios, onde o coronel, que  segundo ele, desempenhava seu domínio basicamente por conta da questão da terra como já foi dito. Portanto vamos partir para denuncias nos pequenos municípios, onde os grandes chefes e lideres políticos ainda são ligados a terra ou desempenham outras atividades como é defendido por Pang em um contraponto a Leal:

As transformações econômicas e sociais das décadas de 1930 e 1940 acrescentaram uma nova dimensão à modificação do coronelismo. Depois de 1945, um coronel raramente é um Czar econômico ou patriarca social de seu município. O estereotipo esta desaparecendo rapidamente. Hoje em dia o coronel, ou mais respeitado chefe político, é frequentemente um homem de nível universitário, muitas vezes um advogado ou um medico. Até 1964 ele era uma pessoa-chave de um dos diversos partidos políticos de seu município, aceitando a liderança do diretório local. (PANG, 1979, p. 56)

Como define Pang, o coronel ao longo do tempo sofreu metamorfoses, que o diferenciam de certa forma do coronel definido por Leal, mas não obstante é atribuído a ele um grande poder, não apenas pelo grande potentado agrário, mas também por uma questão financeira agradável que pode ser fruto de uma atividade liberal, ou até mesmo comercial.

Nas últimas eleições o que podemos notar é uma gama de denúncias nos processos eleitorais dos municípios do interior, que vão desde compra de votos até mesmo a fraude nas urnas, apesar do Tribunal Eleitoral afirmar que as atuais urnas são totalmente confiáveis como atesta a Unicamp em avaliação do sistema informatizado das eleições em maio de 2002. Porém a própria Unicamp sugeriu que as urnas fossem dotadas de mais recursos no intuito de garantir maior lisura no processo eleitoral como, por exemplo, a impressão por meio de assinaturas digitais como uma forma de autenticação dos boletins de urnas, ou seja, o resultado da apuração de cada urna eletrônica.

Dentre os grupos mais influentes na atual política brasileira podemos encontrar nomes como os da família Sarney no Maranhão, Quércia, Maluf e Covas em São Paulo, os Magalhães na Bahia, os Barbalhos no Pará, Inocêncio de Oliveira no Pernambuco; o que nos leva a confirmação de que possuir uma ampla rede de comunicação é a garantia de manter as fortes oligarquias no poder, bem como a perpetuação do poder na mão delas por membros da família.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema político conhecido como coronelismo tal como foi defino por Leal, dentre outros autores, teve seu início e fim na República Velha, mas suas práticas perpetuam até os dias atuais.

Ainda hoje podemos encontrar no cenário político brasileiro os traços de uma política que a questão do grande potentado influência boa parte do eleitorado, juntamente com a relação de poder que tem por finalidade manter as grandes oligarquias no comando político.

A compra de voto hoje já não acontece da mesma forma como na República Velha, mas esta não deixou de existir, só que de uma forma mais velada e camuflada nas políticas eleitoreiras, ou seja, na doação de cestas básicas, leite, pão, remédio, e principalmente na barganha com empregos e a casa própria, acabando por fim influenciando o resultado de uma eleição.

Atualmente podemos notar candidatos que prometem vantagens para os eleitores e ainda aos seus aliados, no afame de conquistar a eleição. E o que podemos dizer do filhotismo praticado pelos antigos coronéis, perpetua ainda por intermédio da indicação de cargos e empregos aos membros da família e aos correligionários, objetivando a manutenção de uma ampla rede de clientelismo e a garantia do domínio da máquina estatal, utilizada para campanha política.

Apesar de um grande avanço no sistema eleitoral, a possibilidade de falseamento do voto, ainda persiste principalmente por a urna eletrônica se tratar de um programa de computador passível de ser manipulado e carente de mais incrementos.

A questão que salta os olhos realmente é a do coronelismo eletrônico, este é uma grande reprodução dos coronéis de antigamente, pois como os tais, os atuais coronéis, estão construindo verdadeiros latifúndios, por intermédio do domínio dos meios de comunicação, e consequentemente exercendo sobre o eleitorado uma grande influência na hora do voto, pois quando se aproxima um novo pleito os grandes potentados televisivos escolhem os seus apadrinhados e combate de uma forma muito veemente o grupo rival.

Portanto com a confecção deste artigo notamos a importância de discutirmos este tema em todas as esferas sociais, comunidade, casa, escola, pois somente com o conhecimento de tais práticas podemos notar a semelhança entre os antigos e os novos coronéis. Possibilitando com isso que se faça uma análise mais profunda e suscitar estudos futuros mais aprofundados sobre a temática.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURSZTYN, Marcel. O poder dos donos: planejamento e clientelismo no nordeste. Petrópolis: Editora Vozes, 1984.

CONSTITUIÇÃO: República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

Correio Braziliense, 03 de novembro de 2002, p. 08.

FAORO, Raymundo. Os donos do Poder Formação do Patrono Político brasileiro. São Paulo:

Globo, 2001

FONSECA, Correioweb. 22 de outubro de 2002. Disponível em: http://www.correioweb.com.br.

Acesso em 19 de Abril de 2012 às 00:55

IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-omega, 1976.

PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias, 1989-1934: A Bahia na primeira república brasileira. Rio de Janeiro: Civilizacão Brasileira, 1979.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.

SILVA, Hélio; CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. História da república brasileira. São Paulo: Editora Três, 1998.







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