terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

BREVE HISTÓRICO DO CURSO DE HISTÓRIA

Hoje, um dos grandes desafios brasileiros é ter uma educação de qualidade. Mas o que fazer para formar bons professores? Desde a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, vem sendo exigida a ampliação da carga horária das disciplinas pedagógicas (Didática, Psicologia da Educação e Sociologia da Educação) nos cursos de licenciatura. Entre os historiadores, o debate sobre o formato ideal dessas aulas não é tão recente assim. Já na década de 1930, um dos primeiros cursos de História do país, criado na Universidade do Distrito Federal (UDF), tentava equilibrar as atividades de ensino e pesquisa, e logo se tornou modelo para outros centros espalhados pelo Brasil.
Inaugurada no Rio de Janeiro em 4 de abril de 1935, por iniciativa do prefeito Pedro Ernesto (1931-1934 e 1935-1936) e do inspetor de Educação Anísio Teixeira (1900-1971), a universidade tinha uma proposta bem original: defendia a educação pública, laica e gratuita, e encorajava a pesquisa científica, literária e artística. De acordo com seus estatutos, o objetivo principal era “propagar as aquisições da ciência e das artes através do ensino regular de suas escolas e dos cursos populares”. Mais do que formar apenas professores de História, buscava preparar “quadros intelectuais” que fossem capazes de elaborar políticas públicas para o desenvolvimento cultural e educacional do país.
A graduação em História estava separada da Geografia, diferentemente do que acontecia na também recém-criada Universidade de São Paulo (USP) e ocorreria mais tarde na Universidade do Brasil. Por sua vez, as aulas ligadas à área pedagógica tinham destaque, o que tornava evidente a orientação de privilegiar a formação de professores. Mesmo assim, a pesquisa não era deixada de lado. Pelo contrário: era encarada como fundamental para os futuros historiadores. Entre os mestres recrutados pelo reitor Afrânio Peixoto (1876-1947) figuravam Gilberto Freyre, responsável pela cátedra de Antropologia; Afonso Arinos de Mello Franco, de História do Brasil; Jayme Coelho, de História da América; e Carlos Delgado de Carvalho, de História Contemporânea. Além do curso de História, a UDF tinha vários outros cursos voltados para a formação de professores, como Matemática, Física, História Natural, Ciências Sociais e Artes.
Ninguém precisava fazer concurso público para dar aulas ali. Mas devia cultivar uma boa amizade ou algum tipo de relação com outros mestres e educadores, especialmente aqueles da Associação Brasileira de Educação, entidade fundada em 1924, destinada a congregar educadores e intelectuais envolvidos com a renovação da educação no país e liderada por Anísio Teixeira. Quem vinha do Colégio Pedro II, como Delgado de Carvalho e Jayme Coelho, carregava um passaporte de prestígio que só facilitava o acesso ao grupo.
E o corpo docente da UDF ainda contava com uma missão francesa, que chegou ao país expressamente para ajudar na criação da nova universidade. O professor da Sorbonne Henri Hauser, que já havia indicado os nomes de Fernand Braudel e Pierre Mombeig para a USP, fundada naquela mesma época, ocupou a cadeira de História Moderna e também apontou as diretrizes para a formulação de todas as disciplinas. A equipe estrangeira reunia ainda Eugène Albertini, que ficou com os estudos de Antiguidade, e Pierre Deffontaines, professor de Geografia Humana, e vários outros professores de Filosofia, Literatura, Letras Clássicas, etc.
Mesmo com seu projeto inovador – ou talvez por isso mesmo –, a UDF enfrentou forte resistência da Igreja Católica e do Ministério da Educação. Desde o início, foi alvo de suspeição por defender o ensino público, gratuito e laico. Em pouco tempo, os professores e fundadores foram acusados de envolvimento com a Insurreição Comunista de novembro de 1935. Quase dois anos depois, o governo sancionou a Lei n? 452 estabelecendo a Universidade do Brasil, defendida pelo ministro Gustavo Capanema (1900-1985). Esse novo centro de ensino pretendia tornar-se um modelo para as futuras universidades. Com a instalação do Estado Novo, em novembro de 1937, criaram-se, afinal, as condições para a extinção da UDF, que, ainda assim, não foi imediata. Somente com a instalação da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) na Universidade do Brasil, em 1939, a UDF foi definitivamente extinta, e seus quadros integrados à nova instituição.
Daí em diante, os cursos superiores de História iniciaram uma nova trajetória. Na faculdade recém-criada, a ideia era educar “trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica e preparar candidatos ao magistério do ensino secundário e normal”. Para isso, dispunham de quatro seções fundamentais: Filosofia, Ciências (onde se incluíam os estudos históricos), Letras e Pedagogia. E ainda havia um departamento especial de Didática. Numa estrutura diferente da UDF, História e Geografia estavam integradas num único curso, mais voltado para a preparação de professores secundários. Agora, a pesquisa já não era tão importante.
Para levar adiante o novo projeto, novos professores foram incorporados. Na lista, destacavam-se os catedráticos Delgado de Carvalho, Eremildo Viana, Hélio Vianna, Hilgard Stemberg, Josué de Castro, Sílvio Júlio e Victor Leuzinger. No grupo dos assistentes ficavam Eulália Lobo, Marina São Paulo, Maria Yedda Linhares e Francisco Falcon. Uma nova missão veio da França trazendo os professores Victor Tapié, Antoine Bon e Francis Ruellan, que auxiliaram na formulação das disciplinas de História Moderna, História Antiga e Geografia. As relações fora dos muros acadêmicos continuaram favorecendo o preenchimento das vagas. Os candidatos envolvidos com setores católicos ligados ao Centro Dom Vital, a Alceu de Amoroso Lima (1893-1983) ou a velhos integralistas tinham preferência. Como nos tempos da UDF, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, importante centro de produção do conhecimento, e diversos autores renomados quase não participaram das seleções.
Mas os dois grupos universitários – os professores da antiga UDF e os que passaram a constituir o quadro da FNFi –  viam a disciplina de maneiras distintas. Na UDF, o foco estava numa história social da civilização – em oposição a uma política de exaltação dos grandes personagens. E seus professores pertenciam a uma primeira geração de profissionais empenhados em formar alunos comprometidos, ao mesmo tempo, com o ensino e a pesquisa. Já alguns mestres da FNFi  pareciam querer reforçar a construção de uma identidade brasileira por meio da unidade e da valorização dos heróis construtores da nação. A cátedra de História do Brasil, ocupada por Hélio Vianna entre 1939 e 1968, era o principal espaço para a difusão de uma história política meramente factual e de exaltação dos grandes feitos nacionais.
Os anos 1950 trouxeram outras perspectivas para o curso de História, inaugurando disciplinas e incorporando uma nova geração de professores, como Maria Yedda Linhares, Eulália Lobo e Francisco Falcon. No entanto, o curso de História da FNFi permaneceu com sua marca principal baseada essencialmente na formação de professores para o ensino básico, preparando alunos para o magistério, com poucas ligações com a produção do conhecimento histórico. Por muito tempo, esse formato daria o tom das graduações em História e da produção dos livros didáticos no Brasil. 
Em fins da década de 1960, ao mesmo tempo em que a Universidade do Brasil era transformada em Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), muitos historiadores começavam a reagir a esses modelos. Com a redemocratização do país a partir do final dos anos 1970, um amplo debate sobre educação voltou a mobilizar a sociedade. O ponto alto desse processo foi o projeto da LDB apresentado pelo senador Darcy Ribeiro (1922-1997). Além de distribuir a responsabilidade pelo ensino entre as três esferas governamentais (federal, estadual e municipal), o plano previa um mínimo de 300 horas para a disciplina Prática de Ensino nos cursos de formação docente. Em janeiro de 2002, o parecer do Conselho Nacional de Educação publicado no Diário Oficial aumentou a duração mínima para o estágio supervisionado da licenciatura, com a experiência em sala de aula alcançando 400 horas. Na área de História, alguns cursos incluíram as disciplinas pedagógicas em seus próprios currículos, sem delegá-las apenas aos Departamentos de Educação.
Nos dias atuais, conquistar uma universidade de excelência, especialmente no campo da História, também significa repensar as maneiras de articular o conhecimento dos conteúdos e as novas metodologias para a transmissão desse saber. Redescobrir percursos e itinerários de tantos profissionais pioneiros talvez seja um primeiro passo nessa caminhada.

Bibliografia
FÁVERO, Maria de Lourdes de A. Faculdade Nacional de Filosofia. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1989. (4 volumes)
FERREIRA, Marieta de Moraes “Notas sobre a institucionalização dos cursos universitários de História no Rio de Janeiro” In. GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado (org.). Estudos sobre a Escrita da História (7 Letras, 2006).
OLIVEIRA, Antonio José Barbosa de (org.). “A universidade e lugares de memória”. Rio de Janeiro: UFRJ, Fórum de Ciências e Cultura, Sistema de Bibliotecas e Informação, 2008.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MATTOS, Hebe Maria e FRAGOSO, João. (orgs.). Escritos sobre História e Educação. Homenagem a Maria Yedda Linhares. Rio de Janeiro: Mauad/Faperj, 2001.
“Uma entrevista com Maria Yedda Linhares”. IN Revista Estudos Históricos, vol. 5, nº 10 (1992), pp. 216-236

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