Uma das pedras de toque do
turismo cultural é, sem dúvida, a visitação a monumentos históricos e
artísticos, geralmente agrupados no que se convencionou definir, no Brasil,
como Patrimônio Histórico.
E um grande problema nesta
área no Brasil, nos últimos anos, tem sido a gestão, associada à preservação, de
bens patrimoniais utilizados como atrativos turísticos.
Em muitos casos, no afã de gerar
renda, agregar valor a um determinado roteiro e, de alguma forma, criar
alternativas econômicas para certas comunidades, “aproveitando-se” a existência
de um monumento, esquece-se o óbvio: discutir o que faz daquele monumento um patrimônio,
tentar compreender como ele toma parte da vida do lugar, como se dão as relações
entre ele e a população local. Quase sempre isso ocorre por absoluta falta de
embasamento teórico em relação ao tema.
Em L’allégorie du
patrimoine, de Françoise Choay, finalmente torna mais acessível o entendimento
de questões teóricas relativas ao
universo da preservação patrimonial. O livro não se trata de um manual de
restauro, nem tampouco de roteiro para a criação de atrativos turísticos de
fundo histórico. Então, por quais motivos ele interessaria aos profissionais de
Turismo? A verdade é que A alegoria do patrimônio nos mostra, de modo
crítico e didático, como se deu a evolução do conceito de monumento ao
longo da História ocidental e, mais ainda, como este conceito está associado ao
imaginário e à memória das populações que convivem com determinados bens
patrimoniais, além de discutir as relações entre o poder público e a
instituição de monumentos.
Desse modo, o livro se inicia,
na Introdução, com uma discussão sobre os conceitos de patrimônio e
monumento, relacionando-os à construção da identidade histórica e à memória
local. O primeiro capítulo, intitulado Os humanismos e o monumento antigo,
nos remete à Antigüidade greco-romana e à Idade Média, desnudando as formas pelas
quais o monumento tomava parte na vida cotidiana dos povos europeus até
as portas do Renascimento. O segundo capítulo, A época dos antiquários:
monumentos reais e monumentos figurados, aborda a transmudação do monumento
em alegoria, primeiro sob a égide da Renascença e depois na opulência do
Barroco, mostrando a relação deste processo com o Humanismo, o surgimento das nações
europeias como Estados e, já no século XVIII, com a Ilustração e o
Antigo Regime. O terceiro capítulo, A Revolução Francesa, trata especificamente
do modo como aquele momento histórico tratou os monumentos, num primeiro
instante, como elementos de representação do poder absolutista e clerical, destruindo
e depredando boa parte deles e, depois, alçando-os à posição de símbolos da nacionalidade
francesa, especialmente no período napoleônico.
No capítulo seguinte, A consagração
do monumento histórico (1820-1960), Choay descreve como se deu o processo
de construção do conceito de monumento histórico, desde o Romantismo do
século XIX até o Pós- Guerras de meados do século XX. Em A invenção do
patrimônio urbano fica clara a importância de Haussmann1 , o reformulador
da Paris do oitocentos, para a demarcação e apartamento definitivo entre as “cidades
do passado” e as “cidades do presente”, ou seja, a separação entre mundo rural -
ligado ao passado - e vida urbana - ligada à modernidade da Revolução
Industrial. No sexto capítulo, intitulado O patrimônio histórico na era da indústria
cultural, Françoise Choay mostra as relações que se construíram, no mundo pós-moderno,
entre a indústria cultural - baseada no simulacro - e o patrimônio, discutindo
a forma como sua conservação passa, muitas vezes, apenas pelo interesse econômico-financeiro
e, não mais, por sua relação com a identidade de uma determinada população ou
sua relevância histórico-cultural.
Por fim, em sua conclusão, A
competência de edificar, a autora retoma algumas questões tratadas ao longo
do livro e discute-as tendo como pano de fundo a cultura de massa do final do
século XX, criticando a crescente inflação de bens patrimoniais por que passa
o mundo contemporâneo. Um detalhe à parte em A alegoria do patrimônio é sua
iconografia. As ilustrações do livro, mesmo sendo apenas em preto e branco,
clarificam os conceitos e idéias presentes em suas páginas, tornando sua
compreensão mais imediata.
Esses são os motivos que fazem
ser a leitura deste livro uma tarefa imprescindível àqueles que lidam com os monumentos
e bens patrimoniais no Brasil, quer sejam profissionais da área de restauro, quer
sejam da indústria do Turismo.
1 -Georges
Eugène Haussmann (1809- 91), urbanista francês que extensivamente redesenhou
Paris sob o reinado de Napoleão III (1852-70). Seus projetos incluíram a construção de novos e mais
largos bulevares, a instalação da estação ferroviária fora da área central da
cidade, e novos parques – em particular, o Bois de Boulogne. Grandes setores da
Paris medieval foram varridos por sua reconstrução da cidade. As formas dominantes
nos projetos de Haussmann eram as de largos e longos bulevares, pontuados por
praças circulares, propiciando vistas soberbas dos principais monumentos parisienses,
tais como a Ópera e o Arco do Triunfo. Suas inovações tiveram uma forte
influência em muitos dos projetos de reurbanização do início do século XX
efetivados na Europa, na América Latina (especialmente Brasil e Argentina), e
em muitas colônias francesas então espalhadas pelo mundo.
Olá, amei esse blog <3
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