sexta-feira, 16 de agosto de 2013

ALEGORIA DO PATRIMÔNIO - RESENHA


Uma das pedras de toque do turismo cultural é, sem dúvida, a visitação a monumentos históricos e artísticos, geralmente agrupados no que se convencionou definir, no Brasil, como Patrimônio Histórico.
E um grande problema nesta área no Brasil, nos últimos anos, tem sido a gestão, associada à preservação, de bens patrimoniais utilizados como atrativos turísticos.
Em muitos casos, no afã de gerar renda, agregar valor a um determinado roteiro e, de alguma forma, criar alternativas econômicas para certas comunidades, “aproveitando-se” a existência de um monumento, esquece-se o óbvio: discutir o que faz daquele monumento um patrimônio, tentar compreender como ele toma parte da vida do lugar, como se dão as relações entre ele e a população local. Quase sempre isso ocorre por absoluta falta de embasamento teórico em relação ao tema.
Em L’allégorie du patrimoine, de Françoise Choay, finalmente torna mais acessível o entendimento de  questões teóricas relativas ao universo da preservação patrimonial. O livro não se trata de um manual de restauro, nem tampouco de roteiro para a criação de atrativos turísticos de fundo histórico. Então, por quais motivos ele interessaria aos profissionais de Turismo? A verdade é que A alegoria do patrimônio nos mostra, de modo crítico e didático, como se deu a evolução do conceito de monumento ao longo da História ocidental e, mais ainda, como este conceito está associado ao imaginário e à memória das populações que convivem com determinados bens patrimoniais, além de discutir as relações entre o poder público e a instituição de monumentos.
Desse modo, o livro se inicia, na Introdução, com uma discussão sobre os conceitos de patrimônio e monumento, relacionando-os à construção da identidade histórica e à memória local. O primeiro capítulo, intitulado Os humanismos e o monumento antigo, nos remete à Antigüidade greco-romana e à Idade Média, desnudando as formas pelas quais o monumento tomava parte na vida cotidiana dos povos europeus até as portas do Renascimento. O segundo capítulo, A época dos antiquários: monumentos reais e monumentos figurados, aborda a transmudação do monumento em alegoria, primeiro sob a égide da Renascença e depois na opulência do Barroco, mostrando a relação deste processo com o Humanismo, o surgimento das nações europeias como Estados e, já no século XVIII, com a Ilustração e o Antigo Regime. O terceiro capítulo, A Revolução Francesa, trata especificamente do modo como aquele momento histórico tratou os monumentos, num primeiro instante, como elementos de representação do poder absolutista e clerical, destruindo e depredando boa parte deles e, depois, alçando-os à posição de símbolos da nacionalidade francesa, especialmente no período napoleônico.
No capítulo seguinte, A consagração do monumento histórico (1820-1960), Choay descreve como se deu o processo de construção do conceito de monumento histórico, desde o Romantismo do século XIX até o Pós- Guerras de meados do século XX. Em A invenção do patrimônio urbano fica clara a importância de Haussmann1 , o reformulador da Paris do oitocentos, para a demarcação e apartamento definitivo entre as “cidades do passado” e as “cidades do presente”, ou seja, a separação entre mundo rural - ligado ao passado - e vida urbana - ligada à modernidade da Revolução Industrial. No sexto capítulo, intitulado O patrimônio histórico na era da indústria cultural, Françoise Choay mostra as relações que se construíram, no mundo pós-moderno, entre a indústria cultural - baseada no simulacro - e o patrimônio, discutindo a forma como sua conservação passa, muitas vezes, apenas pelo interesse econômico-financeiro e, não mais, por sua relação com a identidade de uma determinada população ou sua relevância histórico-cultural.
Por fim, em sua conclusão, A competência de edificar, a autora retoma algumas questões tratadas ao longo do livro e discute-as tendo como pano de fundo a cultura de massa do final do século XX, criticando a crescente inflação de bens patrimoniais por que passa o mundo contemporâneo. Um detalhe à parte em A alegoria do patrimônio é sua iconografia. As ilustrações do livro, mesmo sendo apenas em preto e branco, clarificam os conceitos e idéias presentes em suas páginas, tornando sua compreensão mais imediata.
Esses são os motivos que fazem ser a leitura deste livro uma tarefa imprescindível àqueles que lidam com os monumentos e bens patrimoniais no Brasil, quer sejam profissionais da área de restauro, quer sejam da indústria do Turismo.
 
1 -Georges Eugène Haussmann (1809- 91), urbanista francês que extensivamente redesenhou Paris sob o reinado de Napoleão III (1852-70). Seus  projetos incluíram a construção de novos e mais largos bulevares, a instalação da estação ferroviária fora da área central da cidade, e novos parques – em particular, o Bois de Boulogne. Grandes setores da Paris medieval foram varridos por sua reconstrução da cidade. As formas dominantes nos projetos de Haussmann eram as de largos e longos bulevares, pontuados por praças circulares, propiciando vistas soberbas dos principais monumentos parisienses, tais como a Ópera e o Arco do Triunfo. Suas inovações tiveram uma forte influência em muitos dos projetos de reurbanização do início do século XX efetivados na Europa, na América Latina (especialmente Brasil e Argentina), e em muitas colônias francesas então espalhadas pelo mundo.

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