terça-feira, 4 de junho de 2013

A MILITARIZAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

"Será que nunca faremos senão confirmar
a incompetência da América Católica
que sempre precisará de ridículos tiranos
Será que será, que será, que será
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais
Zil anos..."
( Caetano Veloso, "Podres Poderes" ).
INTRODUÇÃO
A militarização do Estado na América Latina deve ser encarada no contexto da guerra Fria,  o confronto político, econômico, ideológico e militar indireto entre o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos e o Bloco Socialista, sob a hegemonia soviética. A guerra foi fria porque o "equilíbrio pelo terror" impossibilitava um confronto militar direto entre as duas superpotências e assim jamais os Estados Unidos declararam guerra contra a União Soviética que, por sua vez, nunca declarou guerra ao gigante norte-americano.
A Guerra Fria acabou favorecendo a política imperialista dos Estados Unidos e da União Soviética, fornecendo uma justificativa ideológica para agressões militaristas a países do Terceiro Mundo. " A Guerra Fria fornece um arcabouço onde cada uma das superpotências pode usar a força e a violência para controlar seus próprios domínios contra os que buscam um grau de independência no interior dos blocos – apelando à ameaça da superpotência inimiga, para mobilizar sua própria população e a de seus aliados".
A crise do populismo e os sucessivos golpes de Estado ( Brasil, 1964; Chile, 1973; Argentina, 1976 ) responsáveis pela implantação de Ditaduras Militares no Cone Sul teve o apoio logístico militar e financeiro dos Estados Unidos que, abrindo mão dos seus escrúpulos liberais, sustentaram regimes de terror na América. O quintal dos Estados Unidos seria assim preservado da ameaça vermelha Soviética ainda que a custo do sacrifício da democracia.
A Crise do Populismo
" Um dia afirmou sabiamente Perón que, tendo percorrido o país de um cabo a outro, e tendo conhecido todas as sua belezas e maravilhas, ao fim teve de se encontrar com a sua maior e mais alta beleza, o povo"
( Eva Perón, 1952 )
A citação acima de "Evita" Perón expressa bem o conceito de povo para as lideranças populistas. O povo não é coletivo de fome ou diminutivo de homem. É sim um mito lírico, emotivo e manipulável por líderes carismáticos, reformistas, autoritários e demagogos como Getúlio Vargas no Brasil ( 1930 – 1945 ), Lázaro Cárdenas no México ( 1934 – 1940 ) e Juan Domingo Perón na Argentina ( 1946 – 1955 ).
O populismo é uma "síndrome" e não uma doutrina, não possuindo uma elaboração teórica orgânica e sistemática. Baseado na homogeneidade das massas populares e se colocando como intérpretes sacralizados do espírito e da vontade popular, as lideranças populistas negam a luta de classes, o internacionalismo proletário e qualquer via revolucionária socialista. O populismo prega a conciliação de classes como meio de se alcançar um desenvolvimento econômico nacionalista e autônomo.
O fenômeno populista ocorre com maior intensidade em sociedades de incipiente processo de crescimento urbano e industrial e divididas entre o setor oligárquico agrário tradicional e o setor moderno. As lideranças populistas combatem o imperialismo capitalista e o internacionalismo socialista, defendendo a indústria nacional de base e buscando harmonizar as relações sociais entre a burguesia industrial e o proletariado urbano.
O apogeu do populismo ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial com o desenvolvimento da indústria de substituição na América Latina. Com o final da guerra, caíram as exportações de matérias-primas e faltaram divisas para a importação de máquinas que dessem continuidade ao desenvolvimento industrial. À crise na cidade somou-se a crise no campo com êxodo rural de milhões de camponeses. Os governos populistas gastaram muito em obras de infra-estrutura urbana, acentuando a dívida pública e provocando inflação. A crise econômica asfixiava os regimes populistas que agonizavam.
A burguesia industrial nacional, até então beneficiária das reformas populistas, temia agora a radicalização operária do perigo "vermelho". A aliança entre a burguesia nacional e a oligarquia rural, com o apoio norte-americano, foi responsável pela eclosão de golpes militares que derrubaram os governos populistas. Os trabalhadores manipulados por sindicatos pelegos e atrelados aos líderes demagógicos populistas, foram incapazes de organizar uma resistência suficientemente forte para impedir a implantação de ditaduras militares no Cone Sul.
A Ditadura militar no Brasil
"... Era um dia, era claro, quase meio
Era um canto calado, sem ponteio
Violência, viola, violeiro
Era morte em redor, mundo inteiro
Era um dia, era claro, quase meio
Tinha um que jurou me quebrar
Mas não me lembro de dor nem receio
Só sabia das ondas do mar
Jogaram a viola no mundo
Mas fui lá no fundo buscar
Se tomo a viola eu ponteio
Meu canto não posso parar, não
Quem me dera agora
Eu tivesse a viola prá cantar. Ponteio.
( ... ) "
( Edu Lobo e Capinam, Ponteio, 1967 )
O golpe militar de 1º de abril de 1964 inaugurou o mais terrível pesadelo na mais longa noite da História do Brasil e não ocorreu de forma inesperada, nem por razões circunstanciais. A derrubada do governo do Jango ( João Goulart ), constitucional e democraticamente eleito, foi o desfecho de uma prolongada crise político institucional, aprofundada desde a renúncia, motivada pela atuação das "forças ocultas" ( ? ) de Jânio Quadros.
O movimento de 1964 deu início a mais longa série de governos militares na História do Brasil. A "revolução" que afastou João Goulart ( PTB ), acusado de tentar implantar uma " República Sindicalista ", foi comandada por militares e teve o apoio de políticos civis da UDN.
O grupo militar que assumiu o governo – liderado general Castello Branco – pretendia acabar com a influência dos partidos de esquerda no governo e, em seguida, restabelecer a democracia – sob a hegemonia da UDN. Os candidatos governistas, porém, sofreram graves derrotas nas eleições de 1965 – o que terminou inviabilizando a estratégia do grupo castellista. Os militares mais radicais ( a "linha dura" ) exigiram medidas de repressão e terminaram impondo a candidatura de outro militar ( general Costa e Silva ) à Presidência.
No governo Costa e Silva o confronto com a oposição civil ( reunida no MDB ) se agravou, culminando com o fechamento do Congresso no final de 68. Antes disso grupos de esquerda já investiam na luta armada contra o regime. começa então a fase de maior repressão política – o governo Médici -, que praticamente liquidou com a oposição armada.
Propaganda ufanista do regime militar. Na verdade centenas de brasileiros foram exilados ou morreram sob tortura nos cárceres da ditadura.
Nessa fase, o grupo castellista – então liderado pelo general Golbery do Couto e Silva e pelos irmãos Geisel – consegue eleger o sucessor de Médici. Ernesto Geisel retoma então o projeto inicial do movimento: restabelecer a democracia, sob a hegemonia da Arena. Começa a chamada "distensão" política. O governo atua em duas frentes: reprime a "linha dura" militar ( demissão do ministro Silvio Frota em 77 ) e tenta impedir que o MDB ( que voltou a crescer com o fim da luta armada ) conquiste a maioria no Congresso.
Geisel faz seu sucessor – João Baptista Figueiredo, que continua o projeto de "distensão" – agora chamada de "abertura". A "abertura" segue com a anistia ( 1979 ) e a eleição direta de governadores em 1982. Mas Figueiredo não consegue impedir a divisão das forças governistas e a eleição de Tancredo Neves em 1985. Era o fim do regime.
O Golpe Militar encerrou a experiência democrático-populista originário da "Era Vargas" e estabeleceu um governo autoritário e centralizador, instaurando um profundo terrorismo de Estado que teve seu momento mais marcante com a decretação do Ato Institucional nº 5 ( AI – 5 ) que fechou o Congresso Nacional, cassou os direitos políticos de centenas de Deputados Federais, Estaduais, Vereadores, Prefeitos e Juízes, levando para a dura experiência dos cárceres e das torturas milhares de pessoas em todo o país, abrindo assim, a face mais violenta dos chamados "Anos de chumbo" com a radicalização extrema da repressão política e policial a todos as forças democráticas.
De forma sintética, são as seguintes as características do período compreendido entre 1964 e 1978:
  • Perseguição implacável praticada pelo Estado contra as forças democráticas e populares com o fechamento da UNE, CGT e inúmeros sindicatos.
  • Extinção dos partidos políticos e criação do bipartidarismo ( ARENA e MDB ), com o estabelecimento de eleições indiretas para Governos Estaduais, Prefeitos, das capitais e Presidente da República.
  • A existência de guerrilhas urbanas e rurais como atos de resistência à Ditadura.
  • A elaboração da "Doutrina de Segurança Nacional" que atribuía ao Estado a função da defesa da "Ordem democrática" contra a "Guerra Revolucionária Subversiva", promovida pelo "Movimento Comunista Internacional".
  • A censura implacável contra livros, revista e jornais e toda a produção cultural.
  • O "Milagre Econômico" do Governo Médici ( 69 – 74 ) que representou o triunfo do planejamento tecnocrático do regime militar, ajustado aos interesses dominantes do grande capital nacional associado ao capital multinacional.
A Resistência contra o Governo de Chumbo
"...Já não sonho, hoje faço
com o meu braço o meu viver..."
( Milton Nascimento, Fernando Brant, "Travessia"
O golpe Militar de 1964 derrubou o governo legítimo do presidente João Goulart e lançou o Brasil em um longo período de exceção que durou 21 anos. Instalou um estado de terror, suprimindo a liberdade de pensamento, organização e expressão, instaurando uma censura violenta, calando as oposições com prisões, desaparecimentos e mortes.
Desde o golpe militar de 1964 que a sociedade civil brasileira vinha lutando contra a liquidação da democracia no Brasil. O auge da redescoberta da resistência civil á ditadura militar e da efervecência de novos atores sociais coletivos foi o ano de 1968. Estudantes de várias regiões do país saíram ás ruas em passeatas e manifestações de protesto contra a ausência de liberdades democráticas. Edson Luís, estudante paraense, acabou tombando por uma bala disparada pela polícia dentro do restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. O assassinato do jovem estudante provocou em junho de 1968 a "Passeata dos Cem Mil" em protesto contra a ditadura.
O caminho da resistência á Ditadura foi trilhado na música de Geraldo Vandré, Chico Buarque, Edu lobo e outros que através de canções de protesto usaram as suas sensibilidades em prol da luta pela liberdade. No teatro, autores como Oduvaldo Viana Filho, Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri expunham as mazelas do regime em peças como "Arena conta Zumbi" ou "Liberdade, Liberdade". Também no ano de 1968, ocorreram greve operárias em Osasco e Contagem onde os metalúrgicos reinvidicaram o fim do arrocho salarial e queriam liberdade para estruturar seus sindicatos.
A sociedade brasileira reagiu ao estado de terror do terror do Estado de diferentes maneiras nos vários momentos da Ditadura militar. Setores da Igreja progressista, tendo como maiores expressões os bispos Helder Câmara e Paulo Evaristo Arns, entraram em confronto com o governo. No exílio, políticos brasileiros criaram a Frente Ampla que lutava pela democracia e pela volta dos direitos políticos, da qual fazia parte Jango, Juscelino Kubistcheck e Carlos Lacerda. A passeata dos cem mil no Rio de Janeiro, em resposta ao assassinato do estudante Édson Luiz, foi o ápice da convergência de amplos setores da sociedade contra a ditadura.
A ditadura no Chile: "chove sobre Santiago"
1970 foi um ano diferente para o Chile e para a América Latina. Enquanto o Brasil vivenciava o terrorismo de Estado do Governo Médici em meio ao "ouro de tolo" do falso milagre econômico, o Chile vivia uma experiência democrática do presidente socialista Salvador Allende.
Allende concorreu pela terceira vez à presidência chilena quando obteve sua vitória como líder da Unidade Popular,  uma aliança de socialistas, comunistas e cristãos de esquerda. A "via chilena para o socialismo" passava pela crença na democracia como valor universal. Eleito pelo povo, Allende foi o primeiro marxista a ocupar a presidência de um país sul-americano.
O governo reformista de Allende nacionalizou as minas de cobre, as telecomunicações, as siderúrgicas e a extração de carvão e salitre; bancos, ferrovias e extração petrolíferas foram estatizados; foi iniciado um programa de reforma agrária e de benefícios sociais reduzindo o analfabetismo e concedendo aumentos salariais aos trabalhadores. Se por um lado Allende recebeu o apoio de artistas populares como o cantor Victor Jara e o poeta Pablo Neruda, por outro recebeu forte oposição das oligarquias internas, dos grupos empresariais, de multinacionais e dos Estados Unidos.
Allende sofreu uma intensa campanha de desestabilização promovida pelos Estados Unidos que bloquearam créditos, sabotaram a economia chilena e financiaram manifestações e a criação de grupos oposicionistas. O preço do cobre, principal produto de exportação chileno, despencava no mercado internacional enquanto isso a burguesia retia a oferta de artigos de primeira necessidade, alimentando a inflação e o mercado negro. A CIA (Agência de Inteligência Americana) financiava greves nos transportes e combustíveis acentuando a crise no governo.
Em 11 de setembro de 1973, Allende foi deposto e seu corpo foi encontrado morto no Palácio Presidencial de La Moneda que foi intensamente bombardeado. O poder foi entregue a uma junta militar chefiada pelo general Augusto Pinochet. Nuvens negras pairavam sobre Santiago, os dias seguintes foram de absoluto terror.
Pinochet comandou um dos regimes mais cruéis e sanguinários do século XX. Milhares de opositores morreram sob tortura. Choques elétricos, olhos vazados, espancamentos, estupros foram rotina no governo de Pinochet. Quando as cadeias estavam já lotadas, o Estádio Nacional de Santiago foi transformado em presídio político. " Durante o desenrolar do golpe militar chileno, o cantor, compositor e músico Victor Jara se encontrava junto com centenas de outros militantes de esquerda, na Escola Politécnica de Santiago, quando foi preso. Levado para o Estádio Nacional, foi identificado por um oficial do exército que, se dirigindo a ele, falou: "Ah! você é o guitarrista famoso? Então me acompanhe." Mandou que um soldado lhe trouxesse um facão e dirigindo-se para o lado onde se encontrava o maior número de prisioneiros, decepou as mãos de Victor Jara.
O artista caiu no chão, esvaindo-se em sangue. Em seguida, o militar começou a chutar o corpo de Victor Jara, ordenando que ele cantasse. Num ímpeto de desespero, o trovador chileno levantou-se e, como se estivesse regendo uma orquestra, começou a entoar uma de suas composições. A resistente atitude emocionou os milhares de prisioneiros políticos que o acompanharam cantando até que tombasse morto, no dia 16 de setembro de 1973."
No plano econômico, Pinochet incentivou a entrada do capital estrangeiro e devolveu as empresas nacionalizadas a seus antigos donos. Mais uma vez a burguesia abria mão dos seus escrúpulos liberais e apoiava um regime ditatorial, contanto que fossem mantidos os privilégios do capital e a propriedade privada. Em 1980, Pinochet impôs uma nova Constituição institucionalizando o regime ditatorial.
Apesar da repressão, a sociedade civil reiniciou um movimento contra a ditadura fascista de Pinochet. Os planos econômicos recessivos do governo que achatavam salários, cortavam subsídios a educação e saúde e geravam desemprego impulsionaram manifestções de rua contra o governo. Pela pressão social, em 1987, Pinochet foi obrigado a autorizar a reorganização dos partidos políticos, exceto o Partido Comunista. Em 1998, Pinochet foi derrotado por um plebiscito sobre sua permanência no poder por mais oito anos. Teve início assim uma transição democrática que culminou com a vitória do democrata-cristão Patrício Aylwin para a presidência do Chile.
A transição democrática ocorreu contudo sob a tutela militar. Pinochet continuava como o comandante em chefe das forças armadas e se auto-nomeou senador vitalício do Chile, gozando de imunidade que impede o seu julgamento e de outros militares que praticaram tortura sob o seu comando.
Em 1999, Pinochet estava em viagem na Inglaterra qundo teve uma dura surpresa: O governo inglês iniciava um julgamento para decidir sobre sua extradição para Espanha onde seria julgado por prática de genocídio e crimes contra a humanidade. O mundo acompanhava o ocaso do ditador que acabou, infelizmente, devolvido ao Chile sob o argumento de que sua saúde debilitada não suportaria as agruras de um julgamento. Foi mais uma derrota da democracia.
Argentina: longe da "História Oficial"
A Argentina experimentou uma onde de golpes de Estado entre as décadas de 1950 e 1970. Juan Domingo Perón foi derrubado por um golpe militar em 1955 mas o peronismo continuava forte na Argentina. Em 1972, Héctor Campora, fiel aliado de Perón, foi eleito presidente e renunciou em seguida para possibilitar a ascensão triunfal de Perón, que voltou do exílio na Espanha e foi eleito presidente ,tendo sua segunda mulher, Isabelita, como vice.
Perón foi eleito com mais de 60% dos votos porém foi incapaz de conter a crise econômica e social da Argentina. O próprio Partido Justicialista de Perón rachou em duas tendências: a esquerda, formada pelos montoneros e a direita anti-comunista. Velho e debilitado, Perón morreu em julho de 1974. Sua viúva, Isabelita assumiu o poder e aproximou-se dos setores direitistas do partido. O descontrole e a corrupção deste governo além do recrudescimento de atentados guerrilheiros criaram condições objetivas para que os militares, comandados pelo General Jorge Rafael Videla, dessem um golpe de Estado sob o pretexto de reestabelecer a Ordem.
A Ditadura militar Argentina ( 1976 – 1983 ) foi uma das mais cruéis da história latino-americana. Enquanto a sua seleção de futebol ganhava a Copa do Mundo de 1978 em condições muito suspeitas, a população argentina comemorava o títuloe o Estado praticava a sua "Guerra Suja" contra os oposicionistas. Mais de 30.000 pessoas "desapareceram" e outras milhares foram presas e torturadas.
Um dos setores mais combativos na resistência a Ditadura Militar Argentina era formado por mães e familiares de desaparecidos políticos. As "loucas da praça de maio", como eram chamadas pelo governo, se reuniam no centro de Buenos Aires com cartazes, com fotos dos seu filhos, torturados e mortos pela Ditadura.
Questionada interna e externamente e em meio a uma grave crise econômica, o último presidente militar da Argentina, o general Leopoldo Galtieri, ordenou em 1982 a ocupação das Ilhas Malvinas, território chamado pelos ingleses de Ilhas Falklands. O objetivo de Galtieri era desviar a atenção da população da crise econômica e do regime ditatorial através de um apelo nacionalista. A ocupação do arquipélago deu uma sobrevida ao regime militar. O povo foi as ruas para defender as Malvinas argentinas. Um fato porém desagradava os militares: vários cartazes apareciam com os dizeres: "As Malvinas são argentinas. E os desaparecidos também."
Na verdade, o General calculou errado sua política externa. Ele foi incapaz de prever uma reação inglesa e a postura dos Estados Unidos no conflito. Já estavam sendo negociadas a devolução das Malvinas a Argentina pela via pacífica. Galtieri imaginou também que o governo Reagan dos Estados Unidos iria apoiá-lo pois a Argentina ofereceu armas e assessores militares aos contra-revolucionários nicaraguenses e a regimes de extrema-direita na América Central no momento que o Congresso americano vetava as pretensões de Reagan de fazê-lo por sua conta. Este duplo erro foi fatal para Galtieri e para o próprio regime argentino. A marinha inglesa interveio e forças militares da Inglaterra sob as ordens de Margaret Tatcher impuseram uma humilhante derrota à Argentina. Os Estados Unidos de Reagan ficaram ao lado do seu mais importante aliado em todo o mundo, a Inglaterra de Tatcher.
A Ditadura Militar Argentina, tão eficiente na eliminação de milhares de oposicionistas, foi um fiasco no enfrentamento com os ingleses. A bravata militar argentina tirou a vida de 712 soldados portenhos e 213 ingleses. A Argentina surrada rendeu-se incondicionalmente em 14 de junho de 1982.
Galtieri não suportou o peso da derrota militar e foi forçado a renunciar a presidência em favor do General Reynaldo Bignone que iniciou as negociações para devolver o poder aos civis. Em 1983 finalmente acabou a Ditadura Militar argentina com a eleição do político civil Raul Alfonsin da União Cívica Radical. Em 1984 uma comissão comandada pelo escritor Ernesto Sábato comprovou a existência de campos de concentração onde 8961 foram assassinados pelo regime militar argentino.
Conclusão
A existência de Ditadura militares na América Latina é uma "veia aberta" em que as hemorragias ainda não estancaram. Além das citadas Chile, Brasil e Argentina, tivemos vários outros exemplos de regimes militares sanguinários na América Latina recente. O General Alfredo Stroessner governou o Paraguai de 1954 até 1989. Este legado autoritário faz deste país um terreno minado onde a democracia sofre constantes ameaças de golpes.
A abertura de arquivos dos porões da Ditaduras do Cone Sul demonstrou a existência de uma nefasta "Operação Condor", uma espécie de "internacional da repressão", onde ocorria uma integração e ação conjunta entre os organismos de segurança no combate aos oposicionistas seja no Chile, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Dezenas de memorandos atestam a realização de "Conferências Bilaterais de Inteligência" entre oficiais e torturadores de vários países ditatoriais. Hoje sabe-se, por exemplo, que o consórcio brasileiro-paraguaio de Itaipu além de gerar energia elétrica para os dois países, produzia informes sobre oposicionistas na região. Assim esquerdistas brasileiros foram eliminados no Uruguai; oposicionistas argentinos foram torturados no Brasil; estudantes paraguaios foram presos no Chile. Pairam dúvidas, inclusive, sobre a natureza das mortes de dois ex-presidentes do Brasil: João Goulart e Juscelino Kubitschekc.
E hoje certamente há democracia na América Latina. Apesar do Fujimori, Oviedo, Chavez (in memorian) e etc...

 

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