quinta-feira, 29 de novembro de 2012

AS REVOLTAS DO BRASIL IMPERIAL - A REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA


A Revolução pernambucana de 1817 foi o último movimento de revolta anterior à Independência do Brasil. Mas, diferentemente de todos os outros movimentos sediciosos que eclodiram no período colonial, a Revolução pernambucana conseguiu ultrapassar a fase conspiratória e atingir a etapa do processo revolucionário de tomada do poder. As causas da Revolução pernambucana estão intimamente relacionadas ao estabelecimento e permanência do governo português no Brasil (1808-1821).

Quando a Corte portuguesa abandonou Portugal e estabeleceu-se no Brasil, fugindo da invasão napoleônica, adotou uma série de medidas econômicas e comerciais que geraram crescente insatisfação da população colonial. A implantação dos novos órgãos administrativos governamentais e a transmigração da Corte e da família real portuguesa exigiram vultosas somas de recursos financeiros. Para obtê-las, a Coroa lusitana rompeu com o pacto colonial, concedendo inúmeros privilégios à burguesia comercial inglesa, e criou novos impostos e tributos que oneraram as camadas populares e os proprietários rurais brasileiros.

Ideais liberais em Pernambuco


Em nenhuma outra região, a impopularidade da Corte portuguesa foi tão intensa quanto em Pernambuco. Outrora um dos mais importantes e prósperos centros da produção açucareira do Nordeste brasileiro, Pernambuco estava atravessando uma grave crise econômica em razão do declínio das exportações do açúcar e do algodão. Além disso, a grande seca de 1816 devastou a agricultura, provocou fome e espalhou a miséria pela região. A insatisfação popular, que já era grande, generalizou-se diante dos pesados tributos e impostos, cobrados pelo governo de dom João.

Foi também em Pernambuco, que os princípios de "liberdade, igualdade e fraternidade", que compunham os ideais da Revolução Francesa de 1789, encontraram "solo fértil" para circular e se propagar. Coube as sociedades secretas e ao maçons, a organização de permanentes e acirrados debates sobre as novas doutrinas revolucionárias, com o propósito de avaliar a adequação dessas idéias à situação de crescente insatisfação da população colonial da região do Nordeste brasileiro. Destacaram-se neste trabalho, os padres João Ribeiro e Miguelinho, e os líderes maçons Domingos José Martins e Antônio Cruz.

Governo provisório


O movimento de revolta ainda estava em sua fase preparatória, quando o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro tomou conhecimento da conspiração, ordenando, em seguida, a prisão imediata dos envolvidos. Porém, os pernambucanos rebeldes conseguiram resistir ao cerco das tropas militares oficiais. Esse fato é considerado como o estopim da rebelião, que rapidamente ganhou força. Diante disso, o governador fugiu do palácio, mas foi preso pelos rebeldes.

Os rebeldes tomaram o palácio e em pouco tempo dominaram Recife. Os líderes da rebelião chegaram a constituir um governo provisório, composto por representantes de várias classes sociais. A partir de então, para consolidar o movimento revolucionário, os rebeldes adotaram uma série de medidas de caráter político e econômico com objetivo de obter o apoio da população e das elites locais. De imediato, o governo provisório ordenou a libertação dos presos políticos, aumentou o soldo dos soldados, aboliu os títulos de nobreza e extinguiu alguns impostos.

Falta de apoio e repressão


O governo provisório também organizou grupos de emissários, que ficaram encarregados de se dirigirem para as províncias do Norte e Nordeste para desencadear um movimento revolucionário mais amplo. Na Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte, porém, as tentativas malograram diante da repressão desencadeada por forças militares oficiais, e também pela falta de apoio popular. Em Pernambuco, dom João ordenou uma violentíssima repressão militar contra os revolucionários.

As tropas oficiais atacaram por terra e mar, cercando o porto de Recife com uma grande esquadra. O governo provisório durou 75 dias, os revolucionários pernambucanos foram derrotados. Os que não morreram em combate foram rapidamente presos. Todos os líderes revolucionários presos acabaram sendo sumariamente condenados à morte, entre eles: Teotônio Jorge, padre Pedro de Souza Tenório, Antônio Henriques e José de Barros Lima.

República e revolução


As lideranças do movimento revolucionário tinham como projeto político o estabelecimento de uma República e a elaboração de uma Constituição, norteadas pelos princípios e ideais franceses de igualdade e liberdade para todos. Mas, o ideário republicano dos rebeldes encontrou alguns limites de classe diante da questão do trabalho cativo. Para não perder o apoio dos proprietários de engenho locais, as lideranças do movimento revolucionário não chegaram a propor uma ruptura radical com a escravidão negra. Não obstante, a Revolução pernambucana, apesar do seu fracasso, entrou para a história como o maior movimento revolucionário do período colonial.

 

A CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR


A Confederação do Equador foi um movimento político ocorrido em 1824 no nordeste brasileiro. Começando em Pernambuco, ampliou-se rapidamente para outras províncias da região, como Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Em síntese, a Confederação do Equador - que ganhou esse nome em referência à proximidade do centro do conflito com a linha do Equador - foi um movimento contrário à centralização do poder imperial. Daí, portanto, seu caráter revolucionário e, no extremo, seu aspecto independentista com relação ao Brasil.


O movimento tinha ligações com outros dois episódios importantes ocorridos na mesma região, embora destes não fosse mero reflexo: a
Revolução Pernambucana de 1817 e o Movimento Constitucionalista de 1821. Juntos, os dois haviam ajudado a concretizar em práticas políticas e sociais o ideário liberal - que se contrapunha à centralização do poder imperial - e a luta pela independência, num contraponto ao domínio exercido pelo Rio de Janeiro sobre as demais províncias.

 


Contra a centralização e o autoritarismo


Naquele início de século 19, Pernambuco expressava bem os interesses político-econômicos ligados, de um lado, à manutenção da influência portuguesa sobre o Brasil, e, de outro, ao afastamento do segundo em relação ao primeiro.


A elite agrária produtora de cana-de-açúcar, por exemplo, queria garantir a continuidade das relações com
Portugal. Em contraste, a aristocracia rural, ligada ao cultivo do algodão e articulada ao processo da Revolução Industrial, era favorável às medidas liberalizantes. A transferência da Corte para o Brasil, em 1808, e as medidas tomadas a partir de então, favoreceram esse segundo grupo.


O ponto alto dessa separação entre Brasil e Portugal foi a declaração da
Independência, em 1822. Contudo, o processo de elaboração da primeira constituição brasileira mostrou não apenas a grande influência que os portugueses ainda tinham sobre a vida política brasileira - a começar pelo fato de o primeiro imperador ser português - como também revelou a tendência à centralização do poder, ao invés de sua partilha. O ideário liberal perdia espaço. O fechamento da Assembleia Nacional Constituinte e a outorga da Carta Magna de 1824 por D. Pedro 1° foram expressões desse processo.


Logo após a Independência, formou-se um novo governo em Pernambuco, chamado de "Junta dos Matutos", que contava com a participação dos dois grupos da elite rural pernambucana.

Após a dissolução da Assembleia Constituinte, um dos membros da Junta, Francisco Paes Barreto, foi nomeado pelo imperador para o cargo de governador. Ocorre que outro político, Manuel Carvalho Pais de Andrade, já havia sido eleito pela província. Estava aberto, assim, o conflito entre o Império e Pernambuco.

 


Ampliação e derrota do movimento


A revolta explodiu depois de sucessivos episódios ocorridos após a outorga da Constituição, em março de 1824. Em julho do mesmo ano, Pais de Andrade lançou um manifesto de caráter revolucionário. Em Pernambuco, o movimento teve um aspecto popular e fundamentalmente urbano. Contou também com o apoio da intelectualidade local.

As ideias e propostas expressas pelo movimento logo ganharam apoio de outras províncias do Nordeste, inseridas, por sua vez, num quadro político-social muito semelhante ao de Pernambuco. A Confederação do Equador se formou quando aos pernambucanos se juntaram as províncias do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Entre as medidas tomadas pela Confederação do Equador estava a convocação de uma Assembleia Constituinte, a elaboração de um projeto constitucional com base na Carta colombiana (então considerada uma das mais liberais da região), a proposta de extinção do tráfico negreiro e a organização de forças populares de resistência à repressão imperial.


A formação de um governo independente expressava o descontentamento com o centralismo nos primeiros anos pós-Independência. As medidas tomadas pela Confederação, contudo, acabaram levando à divisão do próprio movimento.

Por outro lado, a dura repressão articulada pelo poder central foi decisiva para que o movimento tivesse vida curta. Vários líderes da Confederação do Equador foram condenados ao fuzilamento - caso de
Frei Caneca. Outros, como Cipriano Barata, continuaram presos durante algum tempo.


Ainda assim, a Confederação do Equador foi um movimento importante na história do Brasil, pois extrapolou a simples conspiração, existindo concretamente (ainda que por pouco tempo), e se diferenciou dos outros movimentos independentistas da época pela ampla participação popular que registrou.

AS REVOLUÇÕES INGLESAS - A REVOLUÇÃO GLORIOSA


Com a morte de Oliver Cromwell, seu filho Richard, assumiu o cargo de Lorde Protetor. Sem o reconhecimento do exército, foi logo destituído, sendo o Parlamento convocado para legitimar o poder dos generais. Com o crescimento da mobilização das camadas populares, as elites assustadas, começaram a articular a restauração da monarquia. Em 1660, Carlos II, filho do rei decapitado, lançou a chamada "Declaração de Breda", onde prometeu governar mantendo a tolerância religiosa e respeitando o Parlamento e as relações de propriedade existentes. Com apoio de Luiz XIV, o "rei sol" da França, Carlos II converteu-se publicamente ao catolicismo, provocando a retomada da luta por parte do Parlamento, que em 1679 aprovou o "Habeas Corpus", garantindo aso cidadãos a segurança frente aos supostos abusos do governo. Em seguida foi publicado o "Ato de Exclusão", que impedia qualquer católico do exercício de funções públicas, incluindo a de rei. Com a morte de Carlos II (1685), subiu ao trono seu irmão Jaime II, que procurou novamente conduzir o país para o catolicismo, fortalecendo seu poder, em prejuízo do Parlamento.

Carlos II

Entrando em acordo secreto com Guilherme de Orange, príncipe da Holanda e genro de Jaime II, o Parlamento se mobilizou contra o rei, visando entregar-lhe o poder. As tropas abandonaram Jaime II e em junho de 1688 Guilherme de Orange era feito rei com o nome de Guilherme III. Este episódio é conhecido na história como "Revolução Gloriosa".
Sem derramamento de sangue e representando um compromisso de classe entre os grandes proprietários rurais e a burguesia inglesa, a Revolução Gloriosa marginalizava o povo além de mostrar que para acabar com o absolutismo, não era necessária a eliminação da figura do rei, desde que esse aceitasse se submeter às decisões do Parlamento. Representando a transição política de uma Monarquia Absolutista para uma Monarquia Parlamentar, a Revolução Gloriosa inaugurava a atual política inglesa onde o poder do rei está submetido ao Parlamento

A vitória de Guilherme de Orange

O novo rei aceitou a "Declaração de Direitos" (Bill of Rights) e em 1689 assumiu a Coroa, marcando o fim do choque entre rei e Parlamento. Essa declaração eliminava a censura política e reafirmava o direito exclusivo do Parlamento em estabelecer impostos, e o direito de livre apresentação de petições. Destaca-se ainda a questão militar, onde o recrutamento e manutenção do exército somente seriam admitidos com a aprovação do Parlamento.
Com a Revolução Gloriosa, a burguesia inglesa se libertava do Estado absolutista, que com seu permanente intervencionismo era uma barreira para um mais amplo acúmulo de capital. Dessa forma a burguesia, aliada a aristocracia rural, passou a exercer diretamente o poder político através do Parlamento, caracterizando a formação de um Estado liberal, adequado ao desenvolvimento do capitalismo, que junto a outros fatores, permitirá o pioneirismo inglês na Revolução Industrial em meados do século XVIII.


A Declaração dos Direitos

 

AS REVOLUÇÕES INGLESAS - A REVOLUÇÃO PURITANA

Oliver Cromwell, principal figura militar e política da Revolução Puritana

A chegada dos Stuart ao trono significou uma grande transformação no cenário político da Inglaterra. Abandonando as medidas liberais dos Tudor, o recém-entronizado rei Jaime I era favorável ao poder monárquico absoluto. Além disso, tinha apreço pelos praticantes do catolicismo, ao enxergar nesses uma classe religiosa favorável ao inquestionável poder real.

Pretendendo implantar tais orientações políticas, Jaime I defendia que a dominação britânica sob a Irlanda deveria ser feita sob moldes feudais. Além disso, buscou exercer o monopólio sob a produção têxtil inglesa. Com isso, visava enriquecer os cofres reais e configurar uma forte influência política independente da aprovação do Parlamento inglês. No campo religioso, enfatizou as diretrizes católicas do anglicanismo e privilegiou os súditos católicos.

Morrendo em 1625, Jaime I deixou o trono para seu filho Carlos I. Durante seu reinado, foi obrigado a convocar o Parlamento para a aprovação de gastos com conflitos e guerras. Hostilizado pela instituição, foi pressionado a assinar a Petição de Direitos. Nesse documento, o rei se comprometia a prestar contas ao Parlamento e colocar as questões financeiras e militares sob o domínio da instituição. Indiferente a tais exigências, o rei preferiu dissolver o Parlamento britânico.

Anos mais tarde, Carlos I resolveu restabelecer um antigo tributo: o Ship Money. Esse imposto, que antes era cobrado em algumas zonas portuárias, deveria ser cobrado em todo o território inglês. Tal lei desfavorecia a burguesia, que seria obrigada a limitar seus lucros frente ao tributo real. Forçado por uma guerra a convocar o Parlamento em 1640, o rei mais uma vez levou à tona o conflito existente entre a sua autoridade e o interesse parlamentar.

Nesse momento, o Parlamento radicalizou sua postura exigindo total controle sobre as questões religiosas e tributárias. Além disso, reivindicou a constante convocação das autoridades parlamentares. Em resposta, Carlos I ameaçou mais uma vez extinguir as autoridades parlamentares. Inconformada com a imposição monárquica, os líderes do Parlamento convocaram a formação de uma milícia armada que garantisse a existência do parlamento britânico. Era o início da Revolução Puritana.

Protegendo-se da reação popular, Carlos I dirigiu-se à cidade de Oxford com intuito de organizar um exército capaz de combater as tropas do parlamento. Dessa forma, estabeleceu-se uma guerra civil onde as tropas reais enfrentavam as frentes populares armadas pelo parlamento. Esses populares, de maioria puritana (calvinistas), formaram um grande exército que via na luta um meio de superar suas dificuldades econômicas. Nomeados como integrantes do Exército de Novo Tipo, esses populares começaram a se inserir no processo revolucionário inglês.

Liderados por Oliver Cromwell, os combatentes revolucionários dividiram-se em duas facções políticas: os diggers e os levellers. Os primeiros defendiam uma reforma agrária espontânea que garantisse o acesso dos camponeses à terra. Já o levellers buscavam a total igualdade jurídica entre os cidadãos e a liberdade de culto religioso. Dessa maneira, as camadas populares inglesas se fizeram presentes no debate político da época.

As vitórias dos exércitos de Cromwell nas batalhas de Marston Moor e Naseby figuraram um importante passo para a conquistas dos ideais democráticos defendidos pelos diggers e levellers. No momento em que os mais moderados arquitetavam a desmobilização do exército de Novo Tipo, as tropas foram convocadas a lutarem mais uma vez contra as tropas da realeza. Nesse confronto, o rei Carlos I foi capturado e decapitado, em janeiro de 1649.

Exercendo grande hegemonia política, os exércitos decretaram o fim da monarquia inglesa e a proclamação de um governo republicano. Nesse novo governo, os moderados foram excluídos do parlamento e Oliver Cromwell foi aclamado como presidente do novo Conselho de Estado ou Commonwealth. Acumulando poderes políticos em mãos, Cromwell não atendeu às exigências do exército que o colocou no poder. Dessa maneira, implementou uma ditadura que excluiu os populares das instituições políticas.

Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen - a declaração dos direitos do Homem e do Cidadão

A Assembléia Nacional Constituinte da França revolucionária aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sintetizando em dezessete artigos.
Pela primeira vez são proclamados as liberdades e os direitos fundamentais do Homem (ou do homem moderno,o homem segundo a burguesia) de forma ecumênica, visando abarcar toda a humanidade. Tal declaração poderá ser alterada com o tempo.



Alguns Artigos Presentes na Declaração:

Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

Art. 6.º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.

Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.

"A Liberdade Guiando o Povo", de Eugène Delacroix


A Liberdade Guiando o Povo (em francês: La Liberté guidant le peuple) é uma pintura de Eugène Delacroix em comemoração à Revolução de Julho de 1830, com a queda de Carlos X.
Segue abaixo uma análise dos elementos que compõem o quadro.
1: A Mulher:
A mulher com o corpo desnudo, carregando uma bandeira e um fuzil representa a liberdade, que guia o povo para seu ideal.
2: O Garoto:
O Garoto que avança empunhando duas pistolas representa a classe dos estudantes, que tiverem papel importante na revolução.

3: O Homem Caído:
O homem caído no chão, olhando para a mulher, indicando que vale a pena lutar se o objetivo é tão belo.
4: Os dois Homens:
Os 2 homems à esquerda da imagem, representam as diversas classes sociais. Um homem bem vestido, empunhando uma arma representa um burguês, e logo atrás, um negro com uma espada representa a classe operária.
5: As tropas:
No fundo da imagem, à direita, pode-se ver as tropas do exército, rumando contra os manifestantes.
6: Os Cadáveres:
Aos pés dos manifestantes, vários cadáveres, indicando a vitória dos revolucionários. Nota-se que um deles é um soldado e outro um oficial.



JACOBINOS E GIRONDINOS

Após a revolução, o terceiro estado começa a se transformar e partidos começam a surgir com opiniões diversificadas.

Os jacobinos são membros revolucionários, que receberam esse nome pois reuniam-se inicialmente no Convento de São Tiago dos dominicanos (do nome Tiago em latim: Jacobus e do francês Saint-Jacques). Defendem mudanças mais radicais que os girondiinos: são contrários à Monarquia e querem implantar uma República. Representam a pequena e média burguesia. Esse grupo é apoiado por um dos setores mais populares da França - os Sans-cullotes. Sentam-se à esquerda do salão de reuniões. E são conhecidos como o grupo da Montanha, pois ocupam a parte mais alta da Câmara. . Liderados por Robespierre e Saint-Just, os jacobinos eram radicais e defendiam também profundas mudanças na sociedade que beneficiassem os mais pobres.



Robespierre

 Os Girondinos faziam parte um grupo político moderado durante o processo da Revolução Francesa. Seus integrantes faziam parte da burguesia francesa. Eram assim chamados, pois faziam parte do partido político conhecido como Gironda. Liderados por Jacques Pierre Brissot, os Girondinos compunham o Terceiro Estado, junto com os Jacobinos e os Cordeliers.

Os Girondinos defenderam, durante o processo da Revolução Francesa, a instalação de uma monarquia constitucional na França, após a queda do absolutismo. Portanto eram contrários ao radicalismo defendido pelos jacobinos.

 Com a instituição do regime do Terror pelos jacobinos, os líderes girondinos foram eliminados em outubro de 1793.


Brissot
 

A Revolução Francesa, Jacobinos, Girondinos, Napoleão Bonaparte, uma brevíssima história da contemporaneidade

A Revolução Francesa é um dos mais importantes acontecimentos da história do Ocidente. Não é à toa que o ano de 1789, data que marca o seu início, é também o começo da Idade Contemporânea. Para resumir em poucas palavras o que representou o processo revolucionário francês, é preciso entender que ele foi um dos primeiros passos para o fim do Antigo Regime.

O Antigo Regime representava a velha ordem, um tipo de sociedade em que eram imensos os privilégios para os membros da
Igreja e a nobreza. Essa sociedade era dividida em estamentos, grupos sociais fechados, em que cada um deveria viver conforme as normas de seu grupo. Ou seja, um nobre era sempre um nobre e um elemento do povo era sempre uma pessoa do povo, sem direitos políticos e cheios de deveres para com seu senhor. Assim, o "povo", que era formado por ricos burgueses e humildes camponeses, tinha direitos políticos insignificantes e pagava a maior parte dos tributos que sustentavam o Estado absolutista - isto é, aquele em que o monarca tem poder absoluto.

O pensamento
renascentista, que surgiu a partir do século 14, embora tenha superado em certa medida o poder da Igreja católica, por outro lado fortaleceu o poder dos reis. É somente no século 18, com o surgimento do Iluminismo, que os europeus passaram efetivamente a questionar, mais do que o conhecimento, a forma como a sociedade se organizava. O reino francês foi, então, berço de importantes filósofos iluministas, como Montesquieu, Voltaire, D'Alembert, Diderot e Rousseau.


O século das luzes

Entre as ideias centrais do Iluminismo está a crença na luz da razão, contra as trevas da superstição religiosa. Além disso, defende-se a liberdade, o direito à livre expressão de ideias, e a igualdade entre os homens. Esses elementos serviram como a pólvora que o povo francês (tanto ricos, quanto pobres) usou para explodir as bases do Antigo Regime em seu país. Essas ideias e práticas rapidamente se espalharam por tudo o mundo ocidental, o que levou diversos reinos na Europa e as colônias na América a se transformarem por completo.

Em meio a essas novas ideias, o cenário na França no ano de 1789 não era dos mais tranquilos. Ocorriam crises econômicas, devido às secas nas plantações, bem como aos altos impostos. Havia também descontentamento político, pois o clero e a nobreza aliaram-se para manter seus privilégios e o povo se via cada vez mais pressionado a produzir, sem poder participar da política ou usufruir a produção. A sociedade francesa, como na maior parte da Europa naquele período, era dividida em três Estados ou estamentos: nobreza, clero e povo.

Uma das formas de participação política na França dessa época era a Assembleia dos Estados Gerais. No entanto, ela não era convocada para resolver os problemas da sociedade francesa fazia mais de 100 anos. Em 1789, rei resolveu convocá-la, atendendo às pressões do 1º e 2º Estados (clero e nobreza), que corriam o risco de começar, a partir de então, a pagar impostos. O 3º Estado (povo), vendo que não havia espaço para alcançar seus interesses, já que clero e nobreza votavam juntos e cada Estado tinha direito a um voto, pediram a alteração das leis.




A queda da Bastilha

Para mudar esse estado de coisas, era necessário que fosse feita a Constituição da França, ou seja, o conjunto de leis que estabelece os direitos e deveres de todos os membros da sociedade. Para fazer leis, era preciso a existência de uma Assembleia Constituinte e essa foi, então, convocada pelo povo, à revelia do rei.

O povo organizou-se e desencadeou movimentos radicais, como a tomada da Bastilha, prisão onde estavam as pessoas perseguidas pelo Antigo Regime. A abertura dessa prisão e a libertação dos presos em seu interior, em 14 de julho de 1789, tornou-se um símbolo de que o poder já não estava mais nas mãos do rei. Tinha início a
Revolução.

Temendo ser deposto, o rei Luís 16 organizou tropas para conter os rebeldes. O povo, como resposta, criou a Guarda Nacional francesa, formada por voluntários armados. Essa força conseguiu deter as tropas da nobreza, fazendo com que os nobres fugissem da França e buscassem exílio em outros reinos da Europa. O rei, no entanto, foi detido e não conseguiu fugir. Ainda em 1789, escreveu-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um documento que defende direitos como a liberdade, a igualdade e a propriedade para todos os cidadãos.




Jacobinos e girondinos

Em 1791 começou a vigorar a nova Constituição francesa. A Assembleia Constituinte, convocada para escrevê-la, foi dissolvida ao concluir sua missão. Em seu lugar, passou a funcionar a Assembleia Legislativa Francesa, que foi palco das disputas que estavam sendo travadas na sociedade como um todo. O exercício da política passou a se fazer a partir da divisão dos poderes entre Legislativo (que faz as leis), exercido pela Assembleia; Executivo (que executa as leis), exercido pelo rei; e Judiciário (que cuida do cumprimento das leis), exercido por juízes eleitos.

Dentro da Assembleia, do lado direito sentavam-se os chamados girondinos, que eram moderados e queriam o respeito à Constituição. Do lado esquerdo, os deputados radicais, que queriam a implantação da República, limitando o poder real. Os da esquerda eram chamados de jacobinos (liderados por
Robespierre) e "cordeliers" (liderados por Danton e Marat).



Esquerda e direita

Devido a essa divisão política existente na França revolucionária do século 18, até os nossos dias usamos a divisão esquerda e direita para nos referirmos aos partidos políticos. Fazendo uma esquematização didática, a esquerda representa os partidos transformadores, com maior preocupação com os pobres, e a direita representa os conservadores, com medidas a favor da preservação do status quo.



Convenção e Diretório

No entanto, mesmo com a Constituição aprovada, revoltas continuaram agitando a França. Os camponeses rebelaram-se. A França declarou guerra à Áustria e à Prússia, temendo a volta dos nobres que lá estavam exilados. O rei, por sua vez, teve seu poder suspenso e novas eleições para a Assembleia foram convocadas em 1792. Os vitoriosos, os deputados da esquerda, inauguram o período político conhecido como Convenção, que é a época mais radical da Revolução Francesa.

Durante a Convenção, a República foi implantada e adotou-se o ano zero francês, como um marco histórico que inaugurava a história da França. Os jacobinos assumiram o poder e decapitaram o rei Luís 16 em 1793. Vários suspeitos de traição à Revolução foram mortos na
guilhotina, como Danton, acusado por Robespierre.

Devido a essa luta intensa, o período da Convenção foi também chamado de Terror. Medidas mais amplas como educação para todos e voto para todos os homens, independente de renda (o chamado sufrágio universal masculino) foram projetos defendidos pelos jacobinos.

No entanto, em 1794, os girondinos conseguiram derrotar Robespierre e assumiram o poder no ano seguinte. Assim, em 1795, iniciou-se o Diretório, restaurando muitos dos privilégios que haviam sido derrubados pela Convenção.




Napoleão Bonaparte

Durante o Diretório, Napoleão Bonaparte, um general popular que havia lutado na Revolução, deu um golpe de Estado em 1799 e tornou-se imperador. Esse golpe teve o apoio do Exército e da burguesia e foi uma forma de deter tanto as intenções mais radicais dos populares, quanto os desejos da nobreza e do clero de manterem seus privilégios.

Com Napoleão inaugurou-se, então, um outro período da história da França, em que as ideias e conquistas da Revolução Francesa foram usadas para fortalecer o poder desse imperador. Assim, Napoleão, além de pretender controlar a França, quis conquistar o mundo, sob o pretexto de levar as conquistas da Revolução a outros países.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO DE PETER SINGER


RESUMO

A preocupação com o agir ético tem sofrido mudanças em função tanto de novos problemas quanto de novas abordagens dos já existentes. Neste contexto, ofereço uma visão geral da ética segundo Peter Singer, considerando os níveis da bioética (especialmente sua defesa do aborto e da eutanásia), ética ambiental (abordando os problemas do especismo e do cuidado com o meio ambiente) e sua perspectiva a respeito do abismo socioeconômico presente no mundo.

Meu objetivo é fazer uma avaliação de suas propostas, destacando sua relevância para os debates éticos na atualidade.

 

Palavras-chave: Especismo. Bioética. Utilitarismo.

 

1 INTRODUÇÃO

A ética enquanto tentativa de decidir o que fazer e como devemos viver está presente em todas as sociedades. No convívio diário, o ser humano precisa de parâmetros de conduta, a fim de conciliar seus interesses com os de seus pares, além de preservar o meio em que se situa; por trás de atitudes e hábitos mínimos, como um cumprimento ou o cuidado com o lixo, há uma motivação ética. Todavia, nem sempre nos damos conta de tal necessidade. Não que não façamos uma lista de boas ações a serem realizadas, mas principalmente porque atropelamos os limites éticos em diversas ocasiões, como, por exemplo, na fila do banco, no supermercado ou nas instituições governamentais.

É certo que existem valores universais: senso de justiça e reciprocidade, por exemplo; entretanto, suas nuances variam de acordo com as diferentes realidades sociais e culturais. Além disso, e a despeito de sua relevância, o agir ético tem sofrido mudanças significativas, uma vez que tanto aparecem novos problemas quanto novas abordagens dos já existentes.

Nesse contexto se destaca a figura de Peter Singer, filósofo australiano conhecido, entre outras coisas, por sua defesa moral do aborto e eutanásia, bem como a atenção que dispensa ao debate ético de problemas sociais e ambientais. O objetivo aqui é apresentar sua filosofia moral, mostrando os argumentos que elaborou a respeito de três dimensões: bioética (em particular aborto e eutanásia), ética ambiental (no que tange o especismo e o meio ambiente) e os desafios envolvendo mazelas sociais como a fome e a desigualdade de riquezas. Em todos os três aspectos, o panorama será geral. Porém, o leitor notará duas coisas: a presença extensiva do utilitarismo de preferências ao longo dos argumentos do filósofo e o caráter notavelmente polêmico de suas defesas morais.

 

Isso, naturalmente, suscita objeções por parte de seus opositores, que serão expostas em seguida aos argumentos dele.

 

2 PREFERÊNCIAS MORAIS

 

Peter Singer escreve sobre diversos tópicos: bioética, ética ambiental, metaética, democracia e desobediência civil (estas duas abordadas em sua tese de doutorado1).

 

Definindo-se como utilitarista, Singer toma o cuidado de se distinguir de utilitaristas clássicos, como John Stuart Mill e Jeremy Bentham. Entre outros pontos, o utilitarismo clássico se apoia no critério da senciência para a ação moral. Uma ação moralmente boa será, então, aquela destinada a maximizar o prazer ou, noutra via, minimizar a dor, seja de um indivíduo ou uma população. O critério da senciência inclui ainda os animais; sendo capazes de experimentar dor e prazer, eles também são passíveis de atenção moral. Bentham, por exemplo, assim expôs sua posição:

 

Dia virá, talvez, em que o restante da criação animal consiga adquirir aqueles direitos dos quais só poderiam ter sido espoliados pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o negror da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem misericórdia aos caprichos de um torturador. Talvez chegue o dia em que o número de pernas, a vilosidade da pele, ou a terminação do osso sacro sejam razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que outra coisa poderá traçar a linha intransponível? Será a faculdade da razão, ou talvez a faculdade do discurso? Mas um cavalo ou um cão adultos são animais incomparavelmente mais racionais, e também mais sociáveis, que uma criança de um dia de idade, ou de uma semana, ou mesmo de um mês. Supondo-se,  porém que

assim não fosse, de que adiantaria isso? A questão não é: “Eles são capazes de raciocinar?” Nem tampouco seria: “Eles são capazes de falar?” A questão é: “Eles são capazes de sofrer?”. (BENTHAM citado por SINGER, 2002, p. 52-53)

 

A senciência como critério moral, no entanto, não basta. Diversas críticas ao utilitarismo foram dirigidas devido a esse ponto, uma vez que corre o risco de ser um critério demasiado amplo. Singer, então, adota uma outra vertente, o utilitarismo de preferências. Ela ressalta não a importância em maximizar prazer e minimizar a dor, mas a adequação das ações às preferências daqueles que foram atingidos por tais ações ou suas consequências. Essas preferências, por sua vez, se referem aos interesses do indivíduo considerado (e que, como já sabemos, não se restringe apenas a seres humanos) e não se resumem à distinção empregada pelo utilitarismo clássico, conquanto sejam, como defende o filósofo, bastante amplos; de fato, Singer considera como interesse qualquer coisa que uma pessoa deseje (SINGER, 2002, p. 35).

 

Entretanto, ainda é necessário um outro ponto: a universalidade da ética. Juízos éticos só podem ser emitidos, para Singer, se considerarmos a igualdade de interesses como um ponto de apoio. Não posso atropelar os interesses alheios, privilegiando os meus:

 

Ao aceitar que os juízos éticos devem ser feitos desde um ponto de vista universal, estou aceitando que meus próprios interesses não podem, pelo mero fato de serem meus, contar mais que os interesses de qualquer outra pessoa. Portanto, quando penso eticamente, minha preocupação natural de ver atendido meus próprios interesses deve ser estendida aos interesses dos outros (SINGER, 2002, p. 35).

 

Por fim, Singer adiciona o conceito de pessoa, tomado de empréstimo ao filósofo James Rachels (SINGER, 1998, p. 135). “Pessoa” é qualquer ser racional e autoconsciente, capaz de levar uma vida biográfica e não apenas biológica; percebe a si mesmo no tempo, possui interesses, projeta sua existência e realiza planos para o futuro. Essa definição se aplica à maior parte dos seres humanos (exceto fetos, recém-nascidos e pacientes terminais que perderam sua consciência, conforme veremos mais adiante), mas inclui uma notável porção de animais, especialmente mamíferos como cães, porcos e primatas superiores.

 

Em suma, a concepção de ética em Singer (SINGER, 1998, passim) envolve os seguintes pontos:

a) seres sencientes possuem interesses;

b) no entanto, apenas seres sencientes, racionais e autoconscientes – isto é, pessoas – podem ter suas ações analisadas do ponto de vista moral, bem como seus interesses;

c) os interesses dos seres devem ser considerados de maneira igualitária, na medida em que não se sobressaiam uns aos outros e correspondam seus respectivos níveis de  senciência (dado que um cavalo, por exemplo, não sente dor com a mesma intensidade que um bebê);

d) a ética assume uma perspectiva de universalidade, a partir da qual os juízos morais (isto é, afirmações acerca de ações morais, como “é correto diminuir a desigualdade social”, por exemplo) são emitidos.

 

Podemos, a seguir, passar para os tópicos da ética do pensador australiano.

 

2.1 Bioética

O ponto discutido aqui concerne à defesa moral do aborto e eutanásia. Já sabemos que uma ação moral deve levar em conta os interesses dos seres sencientes envolvidos, tanto os que não possuem autoconsciência como os autoconscientes – isto é, pessoas.

 

Teoricamente, é errado matar uma pessoa, uma vez que isso equivale a interromper seus planos e projetos; ou melhor, é errado matar uma pessoa quando isso vai de encontro a seus interesses. Isso inclui, por estranho que pareça, criminosos hediondos aos quais talvez preferíssemos que fossem condenados à pena de morte; no entanto, ao invés de solucionar o problema que esses indivíduos trazem, a pena de morte embrutece a sociedade. Porém, o estatuto da vida de uma pessoa assim considerada não inclui um caráter sagrado, conforme defendido por religiosos e outros filósofos como Ronald Dworkin2. Singer defende que, quando alguém afirma que a vida é sagrada, ela está pensando na vida humana; mas ele nega que a vida humana seja assim tão especial (SINGER, 1998, p. 93-94).

 

Como, então, defender a moralidade do aborto e da eutanásia? A resposta se torna clara ao atentarmos para a definição de pessoa adotada por Singer. Um feto não se concebe como um ser orientado para o futuro, com planos e projetos; não é autoconsciente; logo, o aborto não é imoral. Cumpre lembrar ainda que, para Singer, a vida de um feto não possui mais valor que a vida de um animal não-humano em condições semelhantes de racionalidade, autoconsciência, capacidade de sentir dor e assim por diante (SINGER, 2002, p. 203). Além disso, não basta invocar a condição do feto como vida potencial; pode-se justificar um aborto, por exemplo elaborado pelo próprio Singer, quando uma mulher grávida, ainda que deseje ser mãe, não programou a gravidez, julgando que o nascimento de seu filho seja inoportuno no momento, conquanto ela pretenda realizar seu sonho após um ou dois anos; ela não impediu, apenas adiou a entrada de uma vida racional e autoconsciente (SINGER, 2002, p. 201).

 

A defesa do aborto contempla, de forma geral, tanto os projetos pessoais dos pais (e principalmente da mãe) quanto a condição do próprio feto – caso ele venha a nascer com alguma má formação congênita ou sofra complicações durante a gravidez ou no momento do parto (o que pode fazer com que o recém-nascido, caso os pais optem pela criação, leve uma vida bastante dolorosa), além da possibilidade de a própria vida da mãe estar em perigo3.

 

Já o caso da eutanásia admite três rumos. Se a pessoa deseja eliminar a própria vida e pede que alguém a mate, ou então que a ajude a encerrar sua existência, no que se assemelha ao suicídio assistido, por estar paraplégica, em estado terminal ou nos estágios iniciais de uma doença degenerativa, temos a eutanásia voluntária, justificável pelo princípio de autonomia (segundo o qual o paciente possui o direito de tomar suas próprias decisões), isto é, pelo direito de abrir mão de um direito (o que implica, inversamente, que uma pessoa só tem direito a algo se ela deseja aquilo a quem tem direito, no caso a própria vida) e pelo conhecimento das condições em que a eutanásia será realizada (SINGER, 1998, p. 204-205).

 

Se a pessoa não pede diretamente que seja morta, mas tem sua vida retirada mesmo quando há a possibilidade de ela assim o desejar se pedisse, temos a eutanásia involuntária. Devemos distinguir esse caso daquele de um doente que, não tendo dado seu consentimento por optar pela vida, seja morto contra sua vontade. Por fim, a eutanásia não-voluntária diz respeito a pacientes terminais (adultos ou bebês) e que, devido à gravidade de sua situação, tenham mesmo perdido a autoconsciência, são mortos por iniciativa de parentes, amigos ou médicos, a fim de amenizar seu sofrimento (SINGER, 1998, p. 189).

 

No fim das contas, apenas não-pessoas como fetos, bebês e pacientes terminais (seja os que perderam a autoconsciência, seja os que solicitaram morrer) podem, de acordo com Singer, ser abortados ou mortos de maneira moralmente digna. Aborto e eutanásia são, para ele, moralmente justificáveis porque a retirada de vida de alguém em semelhantes condições não equivale à de uma pessoa em perfeito estado de autoconsciência e que tenha projetos de continuar viva. Um feto ou bebê não possuem autonomia para decidirem em favor de si mesmos, ao passo que um doente em estado vegetativo já não goza de tal direito. Mas e o caso dos animais?

 

 

2.2 Especismo e meio ambiente

Como já sabemos, o utilitarismo inclui animais nos debates éticos (pelo menos os sencientes e que possuem consciência para tal, demonstrando sensações de prazer e dor).

 

Vimos ainda que Singer, considerando que diversos animais são capazes de levar uma vida autobiográfica, além de dar mostras admiráveis de racionalidade (principalmente os primatas superiores, que podem mesmo comunicar-se com seres humanos através da linguagem de sinais se ensinados, sem mencionar a complexidade das relações entre si), oferece um importante motivo para a defesa ética de outras espécies que não a humana. Essa visão se choca frontalmente a toda uma tradição erguida no Ocidente, enraizada no pensamento grecocristão, segundo a qual o meio ambiente, com todas as espécies animais e vegetais, está à plena disposição dos interesses humanos. Ela sustenta a atitude do ser humano para com os biomas na era atual: devastação dos recursos naturais, extinção de incontáveis espécies vivas, que terminam por trazer problemas ao próprio homem.

 

A categoria de refugiados ambientais, por exemplo, surgiu a partir das mudanças climáticas que afetam o globo devido à ação predatória do homem. Tuvalu, um país insular no meio do oceano Pacífico e cujo ponto mais alto é de cinco metros, entrou para a história como a primeira nação de refugiados ambientais no mundo, pedindo ajuda à Nova Zelândia; a ONU estima que, até 2010, serão cerca de 50 milhões deles em todo o planeta (NOGUEIRA, 2007, p. de internet).

 

Em uma de suas obras mais famosas, Libertação animal (SINGER, 2004), Singer examina uma série de maus tratos dispensados aos animais. Influenciando a articulação de movimentos ativistas ambientais, o filósofo trabalha com o termo especismo, tomado de empréstimo ao psicólogo Richard Ryder. Assim como há o racismo como preconceito de raça, e o sexismo enquanto preconceito de gênero, existe o especismo: preconceito de espécie, pretensamente autorizando o Homo sapiens a se utilizar de outras espécies a seu bel-prazer.

 

Os exemplos variam desde o uso de cobaias não-humanas em experimentos científicos até o consumo alimentar e entretenimento.

 

O primeiro ponto do argumento contra o especismo engloba os conceitos de senciência e pessoa. Embora a maior parte dos animais não seja senciente, nem tenha mesmo consciência de si, Singer lhes confere o benefício da dúvida: só porque não sabemos se sentem prazer ou dor não devemos nos autorizar o trato perverso. Em todo caso, diversos documentários expõem, de forma pungente, as agruras pelas quais passam vacas, porcos, galinhas, elefantes e texugos, apenas para mencionar alguns.

 

O segundo ponto se refere aos processos de produção de alimentos de origem animal e bens de consumo em geral na economia capitalista. Quase nunca as reses se acham em locais com o mínimo de conforto e cuidados necessários. Porcos, vacas, galinhas são comprimidos em galpões exíguos, e em muitos casos não chegam nem a ver a luz solar, apenas a artificial; as galinhas têm seus bicos extirpados, e os porcos, os dentes extraídos, evitando assim o canibalismo decorrente da má alimentação e estresse  advindos da criação a que são submetidos; as vacas, separadas de seus filhotes, mugem incessantemente por eles, e são estimuladas o tempo inteiro a produzir leite, recebendo altas doses de hormônios, antibióticos e protetores hepáticos; tudo isso sem contar as agressões gratuitas de que padecem com frequência. Não devemos esquecer a extração de pele para o fabrico de casacos caríssimos e a manutenção de subempregos a salários parcos – texugos, camurças, vicunhas são esfolados vivos para a satisfação de um consumismo desenfreado; sem contar a depenação de aves diversas – gansos, avestruzes, pavões – para a venda das penas como adorno ou matéria-prima para travesseiros.

 

O caso da vitela, contudo, merece destaque, uma vez que o modo como é produzida para se transformar em prato de luxo é de singular crueldade: o bezerro não come alimentos sólidos, ingerindo apenas líquidos pobres em nutrientes diversos (como o ferro), para que a carne fique com a coloração mais pálida possível; o espaço onde é confinado é mínimo, impedindo seu deslocamento; dependendo do abatedor, o animal é mantido suspenso, evitando o contato com o chão e minimizando o desenvolvimento muscular, além de não poder lamber a própria urina e fezes, na tentativa instintiva de suprir as necessidades nutricionais de minerais, reduzido a níveis quase inexistentes em sua dieta.

 

Por fim, um terceiro ponto se relaciona ao emprego de cobaias em experimentos científicos diversos, desde a produção de remédios e cosméticos até a comparação com problemas de saúde nos seres humanos. À primeira vista, seríamos tentados a deduzir que, nessa linha de argumentação, absolutamente nenhuma experimentação com animais é válida.

 

Singer, no entanto, evita uma oposição tão radical, optando por sugerir o seguinte:

Tudo o que precisamos dizer é que experiências que não sirvam a propósitos diretos e urgentes devem imediatamente ser suspensas, e nos campos de pesquisa restantes deveríamos, sempre que possível, procurar substituir as experiências que envolvem animais por métodos alternativos que não os envolvam (SINGER, 2002, p. 71).

 

Isso não o impede, todavia, de ponderar que:

a) muitas das pesquisas empregando animais não só representaram maus-tratos para eles, como também provocaram perda de tempo e dinheiro, além de não chegar, com frequência, a resultados conclusivos:

b) o argumento especista, segundo o qual considera a situação hipotética de salvar milhares de vidas a partir de experimentos com um único animal, não é menos certo do que empregar, em vez de um animal, um bebê ou um ser humano em grave retardo mental para os mesmos fins;

c) a igualdade na consideração de interesses como fundamento ético implica a exclusão de alguns meios para aquisição de conhecimento, visto que:

 

[...] não há nada de sagrado em relação ao direito de adquirir conhecimento. (...) Não acreditamos que cientistas tenham, em geral, o direito de realizar experimentações dolorosas ou letais em seres humanos sem o consentimento deles, mesmo havendo muitos casos nos quais essas experiências iriam fazer o conhecimento avançar muito mais rapidamente do que o fariam com qualquer outro método. Agora necessitamos ampliar o escopo dessa restrição vigente na pesquisa científica (SINGER, 2002, p.82).

 

 

Quanto a propostas de uma ecologia profunda, estendendo a preocupação a seres vivos não-sencientes, como plantas, e os recursos naturais dos biomas, Singer acha que os argumentos são despropositados. Ele acredita que uma ética que atribua valor a coisas animadas não-sencientes ou ecossistemas em geral esbarra num problema: o critério do valor.

Como atribuir valor a uma sequoia milenar ou a um lago? Obviamente, é possível atribuir valor a um lago, um rio ou uma área remanescente de uma floresta já quase totalmente devastada, como a Mata Atlântica; julgamos tais coisas importantes devido ao valor que representam para a fauna que delas dependem para sobreviver, ou mesmo para algumas atividades humanas, como acampamentos ou a contemplação de um pôr-do-sol. Mas é exatamente aí que entra a divergência de Singer para com ecologistas profundos: essa valoração simplesmente não se apoia em uma ideia de valor intrínseco, segundo a qual a natureza e seus componentes possuem valor em si mesmos. Julgando-a problemática, Singer escolhe uma defesa da preservação do meio ambiente apenas com base em seres sencientes humanos e não-humanos presentes e futuros, na medida em que alterações significativas nos biomas, indo de encontro aos interesses dos seres sencientes, certamente apresentarão obstáculos para seu desenvolvimento (SINGER, 2002, p. 136).

 

 

2.3 Miséria social

Chegamos ao debate que Singer empreende em torno de mazelas sociais, como a fome, a desigual distribuição de riquezas e a situação de refugiados ao redor do planeta. O filósofo elabora, após expor o panorama geral, o seguinte argumento a favor da obrigação de ajudar:

1) se pudermos impedir que algo de ruim aconteça sem termos de sacrificar algo de importância comparável, devemos impedir que aconteça;

2) a pobreza absoluta é uma coisa ruim;

3) existe uma parcela da pobreza absoluta que podemos impedir sem que seja preciso sacrificar nada de importância moral comparável;

4) portanto, devemos impedir a existência de uma parcela de pobreza absoluta (SINGER, 1998, p. 242)4.

 

O quadro social, tal como Singer resume em linhas gerais (SINGER, 1998, p. 229- 233), não é nada animador. Talvez fosse o caso de situar a não-ajuda aos países pobres e o assassinato no mesmo nível. Algumas objeções a essa comparação (Singer lista cinco, mas vou apresentar apenas duas) dizem respeito:

1) à motivação entre o assassino e aquele que não oferece ajuda financeira e/ou material; e

2) à diferença de responsabilidade entre matar diretamente alguém e deixar de impedir a existência da pobreza absoluta. O problema da motivação reside no fato de que, enquanto o assassino possui alguma razão para matar, uma pessoa que deixa de dar uma parte de seu dinheiro em prol da ajuda humanitária para comprar, digamos, um bom aparelho de som pode apenas indicar que ela deseja melhorar sua fruição musical; no máximo, ela poderia ser acusada de egoísmo e indiferença ao sofrimento alheio, mas isso não poderia ser comparado ao assassinato, uma vez que suas intenções com o aparelho de som são diversas daquelas de um assassino com a vítima. Além disso, também é diferente a situação de um assassino, diretamente responsável pela morte de sua vítima, e de uma pessoa que poderia objetar que os famintos continuariam a morrer, mesmo que ela nunca houvesse existido.

 

A análise de Singer com relação ao ponto 1 é a seguinte: “O fato de uma pessoa não desejar verdadeiramente a morte de alguém diminui a gravidade da censura que merece, mas não tanto quanto sugerem as nossas atitudes correntes ante a concessão de ajuda”  (SINGER, 1998, p. 238). Não desejar diretamente que alguém morra não elimina a responsabilidade de uma eventual morte; é o caso do motorista imprudente que, ao atropelar um pedestre por excesso de velocidade, não teve a intenção de matá-lo, mas deve ser censurado e mesmo punido por negligência às tristes consequências de sua atitude. Quanto ao ponto, a teoria de responsabilidade que lhe subjaz é passível de questão: ela se baseia num individualismo abstrato, pois não há uma coisa como um indivíduo independente e auto-sustentável; para adquirirmos as habilidades de que somos dotados hoje em dia (como a linguagem), precisamos ser sociais. Não basta apenas viver de modo a não interferir na vida dos outros; devemos “adotar o ponto de vista de que levar a sério o direito à vida é incompatível com a atitude de ficar vendo as pessoas morrerem quando se poderia facilmente salvá-las” (SINGER, 1998, p. 238).

 

Examinando a situação dos milhões de refugiados ao redor do planeta, Singer faz um experimento mental. Em fevereiro de 2002 (o experimento data da segunda edição em inglês, lançada em 1993), o mundo se encontra destruído em função de uma guerra nuclear. Alguns se precaveram e compraram abrigos, construídos nos fins da década de 1990 devido à especulação imobiliária; a maioria é de cidades subterrâneas capazes de suportar dez mil indivíduos por vinte anos, provendo todo o conforto necessário e uma série de luxos; os moradores, por sua vez, têm a boa notícia de que precisarão passar apenas oito anos dentro deles, no máximo. No entanto, há milhares de pessoas do lado de fora, batendo às portas do abrigo e implorando por ajuda. Três grupos dentro do abrigo se distinguem:

- o primeiro defende a acolhida de todos os que estão fora, mesmo que isso leve ao uso de espaços destinados primeiramente ao lazer daqueles que compraram, como quadras de tênis;

- um segundo grupo se opõe categoricamente à entrada daquelas pessoas; por fim,

- um terceiro grupo aceita ajudar um grupo limitado de indivíduos, de forma a não comprometer a qualidade de vida do abrigo e, assim, mudar significativamente a rotina estabelecida.

“Qual seria o seu voto?”, pergunta o filósofo ao leitor (SINGER, 1998, p. 263).

 

Algumas objeções ao atendimento de refugiados, a seguir, são levantadas. Isso se deve porque o problema não se trata de distinções de espécie, aptidão intelectual ou grau de desenvolvimento, mas de nacionalidade. Por um lado, algumas pessoas são contrárias ao refúgio alegando que seu país não apresenta condições de abrigar e alimentar adequadamente os refugiados; além disso, questionam se eles realmente necessitam disso, o que leva a uma distinção duvidosa entre “refugiados verdadeiros” e “refugiados econômicos” (SINGER, 1998, p. 264). Na opinião de Singer, o problema dessa distinção é que não inclui o direito ao refúgio para aqueles que saíram de uma região que se tornou inabitável por problemas ambientais, pois, como afirma o pensador, ambos têm a mesma necessidade de refugiar-se.

 

Por outro lado, alguns intelectuais – como Michael Walzer, filósofo norte-americano comunitarista cuja posição é debatida pelo pensador australiano (SINGER, 1998, p. 267-269)

– se limitam a afirmar que o refúgio não constitui uma obrigação moral, apenas uma demonstração de generosidade por parte dos países acolhedores.

 

Ambas as posições nos tornariam, talvez, propensos a pensar que a aceitação de refugiados oriundos de países pobres por outros países (ou, ainda, se tal emigração fosse facilitada) faria com que os dirigentes de países pobres teriam menos interesse em resolver a situação interna, de modo que o estado de seus compatriotas pudesse ser igualmente sofrido.

 

Singer, entretanto, chama a atenção para outras consequências, advindas da não-ajuda: “os países ricos em recursos e não superpopulosos não podem esperar conquistar o respeito ou a confiança dos países mais pobres se deixarem que eles enfrentem a maior parte dos problemas dos refugiados do melhor modo que puderem” (SINGER, 1998, p. 272).

 

De qualquer forma, a discussão não é fácil: há uma complexidade de interesses a ser considerada, e é difícil decidir para que lado deve pender a balança. Existem os fatores sociais e multiculturais, concernentes à adaptação dos refugiados ao país acolhedor e à disposição das pessoas em aceitá-los; certamente, choques devem aparecer. Os fatores ambientais estão presentes: no Paquistão, por exemplo, quando foram aceitos mais de dois milhões de refugiados afeganes na década de 1980, houve problemas devido à necessidade de combustível por parte dos refugiados – o que levou ao desmatamento de montanhas inteiras, que tiveram suas árvores arrancadas; e isso apesar da ajuda externa que o governo paquistanês recebia para alimentá-los (SINGER, 1998, p. 264). Antes mesmo de se chegar a um tal cenário, alguns poderiam rejeitar a linha de argumentação proposta, partindo do pressuposto de que o status quo5 deve ser mais ou menos correto. A isso replica Singer: “o status quo é o resultado de um sistema de egoísmo e oportunismo nacionais, e não o resultado de uma tentativa sincera de pôr em prática as obrigações morais das nações desenvolvidas, num mundo que tem quinze milhões de refugiados” (SINGER, 1998, p. 276). Além disso, “para os países do mundo desenvolvido, não seria difícil fomentar a concretização das suas obrigações morais para com os refugiados” (SINGER, 1998, p. 276).

 

3 ALGUMAS OBJEÇÕES

O ideário ético de Peter Singer, ao desafiar a tradição ocidental sobre a qual erigiu o alvo de suas críticas, não só despertou o interesse de grupos empenhados em ativismo ambiental e humanitário, bem como simpatizantes e militantes dos movimentos pró-escolha em relação ao aborto. Na verdade, várias das primeiras recepções foram de profunda aversão.

 

Na Alemanha, Suíça e Áustria, o filósofo se viu rechaçado por grupos de apoio a deficientes físicos e defensores de uma ética da sacralidade da vida; sob a alcunha de “defensor da eutanásia”, seu nome nesses países foi ligado ao do nazismo, assumindo também a imagem de eugenista6.

 

O problema, porém, não foi a oposição por parte de grupos que Singer aborda em seus argumentos; foi o completo desconhecimento dos pressupostos teóricos em que se baseou para defender o aborto e a eutanásia. À parte a recusa tácita da santidade da vida, o pensador elencou os seguintes pontos: dizer que devemos permitir que alguém tire a vida de um feto ou um ser humano em estado vegetativo, de rápida forma indolor, não equivale a dizer que a vida de um deficiente ou alguém com doenças congênitas vale menos a pena ser vivida; além do mais, sempre há pessoas dispostas a cuidar de um bebê que nasceu com algum problema que, teoricamente, venha a dificultar sua vida, sendo a adoção uma opção válida (SINGER, 1998, p. 360-361).

 

O que está em jogo, aqui, é tanto a possibilidade de trazer ao mundo um ser saudável e capaz de gozar plenamente de suas faculdades como a de eliminar ou reduzir ao máximo o sofrimento de um ser que, desde o nascimento ou a gestação, esteja condenado a viver com uma série de impedimentos. Singer lamenta a falta de um diagnóstico pré-natal mais eficiente, o que evitaria em grande medida o problema da eutanásia ou do infanticídio (SINGER, 2002, p. 240).

 

Quanto aos mecanismos legais necessários para o acesso a tais práticas, a premissa de Singer é extremamente diversa daquela do nazismo: enquanto as práticas de eugenia e extermínio de pessoas pretensamente doentes se enquadravam num projeto de Estado totalitário como o nazista, Singer assevera que a intervenção do Estado no tocante ao aborto e eutanásia deva se reduzir ao mínimo de legalizá-las e fornecer os instrumentos essenciais para tal, deixando aos pais, parentes, amigos, médicos ou o próprio paciente a delicada tarefa de encerrar ou não a vida de um feto ou bebê nascido em condições ásperas, assim como a de uma pessoa em coma ou presa a uma parafernália de equipamentos destinados a deixá-la viva (SINGER, 1998, p. 364).

 

Quanto aos movimentos ambientais e pró-vegetarianismo, Singer também foi mal-interpretado. Quando esteve em Zurique para um congresso sobre animais, reunindo filósofos, teólogos, veterinários e zoologistas, vários manifestantes acharam estranho que o mesmo pensador, argumentando em defesa do aborto e eutanásia, também demonstrasse preocupação em favor dos animais (SINGER, 1998, p. 375). A escolha alimentar, nesse contexto, também se reveste de caráter moral, uma vez que se relaciona às questões ambientais e o modo como usamos os animais para a alimentação. Não obstante, e contrariamente ao que parece, Singer não é contrário ao consumo de alimentos de origem animal, nem aos transgênicos. Ele se contrapõe ao modo como os animais são abatidos, de maneira tétrica e pungente – não só devido ao sofrimento dos animais, como também pelos estragos ambientais advindos de atividades econômicas como a pecuária, responsável por uma das maiores taxas de emissão de dióxido de carbono à atmosfera, ao lado da queima de combustíveis fósseis em veículos automotores e indústrias.

 

No que toca aos transgênicos, Singer lembra:

Ainda mais imperioso do que combater a obesidade é acabar com a fome no mundo, e esses alimentos podem ser uma das soluções para o problema. Além disso, as plantações de transgênicos não precisam de pesticidas, o que ajuda a preservar o meio ambiente, ao contrário do que ocorre nas fazendas convencionais (SINGER, 2007, p. de internet).

 

4 UM FILÓSOFO POLÊMICO: CONCLUSÃO

Talvez pareça paradoxal entrelaçar a defesa moral do aborto e eutanásia ao ativismo social e ambiental. No entanto, recusar a análise aprofundada dos argumentos de Singer, desacreditando-o por mero preconceito, não é absolutamente a melhor maneira de descobrir suas implicações, ganhos ou falhas. Debates filosóficos exigem paciência e muita atenção, mesmo porque muitos deles permanecem inconclusos. No que se refere à discussão de tais temas, há sempre o perigo da ladeira escorregadia: o temor de que pequenos atos, destinados a sanar problemas isolados, possam atingir dimensões inesperadas e fora de controle7.

 

Singer, evidentemente, tem consciência disso. Ao longo de seus textos, ele deixa bem claro que suas defesas morais rompem claramente com a ética tradicional. Entretanto, sua opinião acerca do problema da ladeira escorregadia é que já estamos nela. Dessa forma, ele admite, de modo autocrítico, que seus argumentos possam dar margem a exageros e implicações inesperadas. Mas isso não quer dizer que os argumentos em si mesmos forneçam um ponto de partida para a ladeira escorregadia; na verdade, para Singer, já estamos nela. Isso ocorre porque é errado acreditar que juízos morais, como “Você não deve jamais pôr fim à vida de outro ser humano” (SINGER, 2002, p. 394), possam ser absolutos no atual estado de coisas. Em vez de perguntar como evitar a ladeira escorregadia, Singer pede que indaguemos por um modo de trilhar a ladeira escorregadia sem acabar indo parar onde não queremos ir.

 

Portanto, de modo semelhante, penso que o melhor modo de avaliar as posições morais de Singer é indagar em que medida elas conduzem a situações imprevistas e que escapem a uma análise de casos problemáticos (isto é, chegar aonde não desejamos chegar).

 

Os problemas que o filósofo explora são de grande urgência para o dia-a-dia, e qualquer debate demorado a respeito deles requer a devida atenção – mesmo porque ele não defende a aplicação do aborto e da eutanásia em qualquer caso, ou a substituição imediata e total de métodos tradicionais de pesquisa com animais por estratégias alternativas, ou a rejeição completa por produtos de origem animal. Além disso, do mesmo modo como outros pensadores morais não tiveram aceitação integral de seus argumentos, também não necessariamente os argumentos de Singer sobre os tópicos elencados (bioética, ética ambiental e desigualdade social) serão aceitos na mesma medida.

 

Atraindo as atenções para si, voluntária ou involuntariamente, Peter Singer causa tanto incômodo para a sociedade contemporânea quanto Sócrates em Atenas. Da mesma forma que este se considerava um esporão a fazer andar um grande cavalo gordo (metáfora sobre sua própria cidade), Singer, ao balançar os pilares da tradição ética no Ocidente, também nos incita a pensar, ainda que não concordemos com ele. Não é sem razão que, ao chegar à Universidade de Princeton para ensinar, provocou tanto rebuliço quanto Bertrand Russell. Discorrendo sobre infanticídio ou ética alimentar, Singer merece a consideração dos estudiosos em ética na atualidade.

 

 

REFERÊNCIAS

DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. De Jefferson Luís Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003

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GONDIM, José Roberto. Slippery slope. In: GONDIM, José Roberto. Bioética: índice geral de textos, resumos, definições, normas e casos. 2004. Disponível em:

<http://www.ufrgs.br/bioetica/slippery.htm> Acesso:.

 

NOGUEIRA, Joana Laura. Refugiados ambientais: uma categoria das mudanças climáticas. Conjuntura Internacional, Belo Horizonte, 05 abr. 2007. Disponível em:


 

SINGER, Peter. A ética do dia-a-dia. Entrevista a Gabriela Carelli. Veja, São Paulo, 21 fev. 2007. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/210207/entrevista.shtml> Acesso:

 

SINGER, Peter. Democracy and disobedience. Oxford: Oxford University Press, 1973.

______. Ética prática. Trad. de Jefferson Luís Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

______. Libertação animal. Trad. de Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004.

______. Vida ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. Trad. De Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

 

1 A tese foi publicada sob o título “Democracy and disobedience” (SINGER, 1973).

2 Para a defesa de Dworkin da sacralidade da vida como um ponto de partida comum a liberais e conservadores nos debates em torno da bioética, cf. o livro “Domínio da vida” (DWORKIN, 2003).

3 Um argumento semelhante é empregado em defesa do infanticídio; cf. “Justificando o infanticídio” (SINGER, 2002, p. 233-241). Entretanto, Singer admite que, em vez do infanticídio, pensemos na possibilidade de adoção do bebê em questão – mesmo porque há casos que tanto poderiam justificar infanticídio como o contrário, a exemplo de hemofílicos; além disso, há o diagnóstico pré-natal, o que permitiria à mãe optar pelo aborto (SINGER, 2002, p. 241).

4 A defesa detalhada desse argumento, bem como objeções a ele dirigidas, se encontram no capítulo “Ricos e pobres” da Ética prática (SINGER, 1998:229-259).

5 Isto é, a concepção tradicional de ajuda humanitária (SINGER, 1998, p. 270).

6 O relato completo dos diversos fatos pelos quais Singer passou nesses países se encontra no capítulo “Sobre ter sido silenciado na Alemanha” (SINGER, 1998).

7 “Ladeira escorregadia” é uma tradução do termo inglês “slippery slope” e é um conceito fundamental em questões de bioética (GONDIM, 2004, p. de internet).