Nascido na Prússia, Alemanha atual, em plena Era do Modernismo Filosófico e Artístico, Nietzsche foi um dos Pensadores mais polêmicos, influentes e originais dos últimos tempos. Santo ou Demônio é uma dicotomia pequena para acomodar o que dele se pode pensar, pois a profundidade de seu Pensamento (ainda que para muitos tenha sido só uma retomada do antigo Hedonismo) supera qualquer tentativa mesquinha de lhe colocar um simples rótulo. E mesmo aqueles que discordam de suas idéias, são obrigados a árduo raciocinar para se oporem à sua crua realidade.
Sua obra tem inicio com as reflexões que fez sobre a Cultura na Grécia Clássica e esse mote orientou, direta ou indiretamente, o restante de seu Ideário. Em um primeiro momento sua atenção foi direcionada para dois elementos: os deuses Apolo e Dionísio, dos quais falaremos brevemente, antes de prosseguirmos com o texto base.
1. APOLO – deus da Luz, do Sol. Filho de LATONA e de ZEUS. Dentre outras atribuições, cabia a Apolo guiar o “carro do Sol”, proteger os campos, os navegantes, os médicos e os pseudo-artistas, pois estes só reproduziam algo que já existia, que se mantinham dentro dos limites estabelecidos, que nada ousavam e que por isso nada criavam. Por ser o “Deus da Luz”, era o protetor da claridade que esmaga sombras, sonhos e fantasias. Que não permite nada que fuja da Racionalidade. Essas características foram utilizadas por Nietzsche, talvez com certo exagero, para colocá-lo como símbolo do mediano, do racional, do covarde, do submisso etc.
2. DIONÍSIO – filho de ZEUS e de SÊMELE (princesa da Cidade-Estado chamada de TEBAS). Certo dia, segundo a lenda, Sêmele pediu a Zeus que lhe mostrasse todo seu esplendor e mesmo avisada que sucumbiria a tal demonstração tanto insistiu que Zeus atendeu-lhe. Morreu instantaneamente e o filho que gestava, Dionísio, foi arrancado de seu ventre e inserido na coxa do pai, Zeus. Desse modo, o chamado “deus de duas mães” completou o ciclo da gestação e nasceu sadio e poderoso. Essa insólita “pré-vida” influenciou o caráter da criança que, por isso, ao se tornar adulto dirigiu seus poderes para proteger o Inesperado, o Criativo. Tornou-se o deus daquilo ou daquele que vai além das normas, das regras, das Leis. Após a dominação romana, Dionísio e os outros deuses e deusas foram plagiados pelos conquistadores (militarmente poderosos, mas culturalmente bisonhos) e ele passou a ser vulgarmente associado à orgia, à promiscuidade, à bebedeira, aos bacanais (derivativo do nome “Baco”, com que foi batizado pela plebe). Vê-se, pois, que lhe reduziram sua real importância, substituindo a Criatividade pela licenciosidade. Nietzsche, porém, restituiu-lhe o caráter original e ele voltou a ser o Deus do arrojo, da coragem, do surreal e de tudo que transcende a mediocridade do cotidiano.
A partir dessa nova conceituação, tem-se o “Espírito Apolíneo” e o “Espírito Dionisíaco”; o primeiro, representante da Razão, da Racionalidade naquilo que ela tem de castradora, de mantenedora da “ordem”, da “harmonia (ou da apatia)” e similares. É a condição da maioria da humanidade. O Homem que se auto-presume Racional e, por isso, livre, independente, autônomo; é na verdade – segundo Nietzsche –um mero títere, pois ele é livre do quê? Livre de ter seu corpo físico ferido e/ou morto por outrem mais forte?
Ademais, para obter essa salvaguarda, a sua “verdadeira liberdade (que para Nietzsche é a satisfação dos instintos)” lhe foi tomada. Se a outros proíbem que lhe ataquem, em contrapartida ele também é proibido de atacar outrem, por mais que desejasse fazê-lo. Proibição, aliás, que se estende às outras satisfações de seus instintos, pois tal satisfação implicaria em prejuízos a terceiros. Essa convenção humana é expressa em um dito célebre entre os cristãos: “não faças ao outro, o que não deseja que lhe façam”.
A chamada “Regra de Ouro”, segundo Nietzsche, é o inimigo a ser derrotado. É essa “humildade cristã” que o filósofo chama de “covardia dos fracos” e/ou de “mentalidade de rebanho”. Rebanho que é subjugado através do horror, do medo de cometer um “Pecado (a prazerosa satisfação dos instintos)” que lhe acarretará castigos neste e no outro Mundo. O “Mundo Espiritual” ou “Metafísico”.
Mas para Nietzsche não existe o Metafísico. Ou melhor, não existe nesse sentido e com essa significação. Na esfera humana existe apenas o concreto, o físico, e por conseqüência o “Pecado” – enquanto erro presente a ser castigado no futuro - é apenas uma artimanha usada pelos mais frágeis para intimidar os mais potentes. Não existe “pecado” e nem o “castigo divino”. Não existe sequer o “divino”, pois segundo o Pensador: “DEUS MORREU!”.
E junto com esse deus, morreram ou morrerão os chamados “Valores Sobrenaturais”, os quais, na realidade, são meras criações humanas, cujas gêneses são esquecidas com o tempo. E graças a esse esquecimento, tais “Verdades” passam a serem consideradas “Divinas, Celestes”, mas são apenas conceitos humanos, ou “HUMANOS, DEMASIADAMENTE HUMANOS”.
E, então, como já não há motivos para se temer a “Cólera Divina”, todos os outros “Valores” aparecem vestidos com a túnica da realidade: meras criações dos Homens, pois tudo – em Sentido filosófico, superior – está acima dos julgamentos morais. Tudo está “ALÉM DO BEM e DO MAL”.
A partir dessa oposição categórica ao que Apolo representa, Nietzsche passa à afirmação da Vida, cujo símbolo, Dionísio, é a perfeita personificação dos Sentidos, das Intuições, dos Sentimentos, dos Desejos etc.
Recorte – note-se que além da semelhança com o antigo Hedonismo, o Sistema de Nietzsche aproxima-se do “Romantismo Filosófico” de ROUSSEAU (1712/1778, suíça), dentre outros, na medida em que combate a primazia dada à Razão, à Racionalidade.
Para Nietzsche, na Civilização Ocidental o “Espírito Apolíneo” teria triunfado, sufocando o que ele chamava de “Afirmativo da Vida”; isto é, a “Civilização do Ocidente”, graças ao “Cristianismo”, castrara os prazeres (posto que são acessíveis apenas aos mais fortes, e que por isso mesmo dispensam o consolo da religiosidade) aos lhes rotular e definir como “sujos, sórdidos, imorais”. Proibira, ao cabo, a plena manifestação das emoções, dos sentimentos, dos desejos (inclusive e principalmente o sexual), taxando-os de “bestiais, animalescos” e próprios de “seres inferiores” e não do Homem, já que este é o “Centro da Criação” e “feito à imagem e à semelhança como o Criador”.
Embora tais afirmativas pareçam aos mais lúcidos uma falácia odiosa, é importante lembrar que tais Conceitos vigoram ainda hoje. Ainda se crê que o Homem é uma “espécie eleita”. Imagine-se, pois, há séculos atrás. E foi justamente há “séculos atrás” que Nietzsche desfraldou sua bandeira causando uma enorme turbulência no meio filosófico.
Sua revalorização da intuição, da sensação, do querer, da irracionalidade, era, segundo seus opositores, uma volta ao “Estado de Natureza”, um retorno à “Lei do mais Forte”. Argumentos que satisfaziam a maioria “do rebanho” e que condenava o filósofo a tal descrédito que sua suposta “loucura” não causou espanto em quase ninguém; afinal, alguém “capaz de tantas blasfêmias” só poderia ser louco (sic). O mau juízo do público e da critica lhe afetou, mas o pior foi o mau uso dado ao seu Sistema, décadas depois, pelos Nazistas. À revelia (embora alguns digam que com a concordância de sua irmã e herdeira) de seus escritos, Nietzsche foi guindado à posição de “Mentor Filosófico” da eugenia pregada e tentada por Hitler e seus asseclas.
Porém, tanto aquelas primeiras censuras, quanto as reprimendas posteriores não tem um pingo de verdade. O que Nietzsche propunha era que o SER HUMANO em geral (e não apenas uma etnia, uma classe, uma raça) se libertasse dos grilhões colocados e mantidos pelas superstições religiosas e/ou patrióticas. E que desse vazão ao seu potencial criativo, emotivo, espiritual. Que cada Homem fosse o “Super Homem”, na medida em que vencia seus demônios, seus medos, suas limitações. Que ousava satisfazer suas vontades, seus desejos. Que ousava ser feliz em oposição ao “eterno sofredor” que habita esse “vale de lágrimas”, pois ASSIM FALAVA ZARATRUSTA.
A Filosofia de Nietzsche não segue um ordenamento, um sistema e é tão fragmentada quanto era a visão que o Pensador tinha da vida. Para alguns fãs mais exaltados, o ideário do alemão não é “apenas” um Sistema Filosófico, mas sim uma obra Poética, formada por elementos distantes das complicadas Teorias e das Doutrinas vazias. A censura radical à Sociedade e aos “Valores Tradicionais” da Cultura Ocidental foi, segundo esses admiradores, formulada com tal maestria que a decadência da “Civilização Burguesa e Cristã” ganhou certo lirismo na medida em que junto desse “apocalipse” instaurou-se a esperança de um tempo mais propicio à Criatividade, à Beleza, à Felicidade e à Espontaneidade da natureza humana.
E de fato, para Nietzsche a real função da Filosofia deveria ser a de libertar o Homem da servidão que lhe é imposta por uma Sociedade hipócrita e degenerada. Servidão, aliás, que só existe em razão do Homem não pensar. De permitir que lhe tomem essa capacidade. Deveria a Filosofia proclamar e anunciar uma “Nova Era”, um novo modo de agir, de pensar. Deveria promover a total transformação dos “Valores”.
Deveria ressuscitar os mitos (pagãos) primitivos onde o heroísmo e a vontade humana têm peso e valor. Ver-se-ia, então, que o Homem não é um mero fantoche do “Deus Cristão (note-se, aqui, uma aproximação com o Humanismo da Grécia Clássica, através dos Sofistas)”. Que se voltasse a usufruir de liberdade na criação artística e que dessa criatividade brotassem novos gênios, novos heróis. Que sentimentos de honra, de altruísmo, de independência fossem resgatados e tudo isso em oposição à Arte pálida, sem vida, que só refletia a servidão humana ante o Estado (Elite, Burguesia e Clero) e ante um Deus vingativo, punitivo, colérico e tirano.
Recorte – em termos artísticos, registre-se que no inicio de sua carreira Nietzsche aproximou-se muito de Wagner, vendo em sua música os valores que ele propunha. Posteriormente, afastou-se do compositor acusando-o de servo da Elite Burguesa.
A influência de Nietzsche no Pensamento Contemporâneo é grande, mas já mostra sinais de enfraquecimento, graças ao predomínio da cultura televisiva que impõe valores burgueses e religiosos e à hegemonia do Regime Capitalista que exige obediência em troca de relativo conforto material. Contudo, é possível enxergar-lhe nas obras de HEIDEGGER (18 89/1976, Alemanha), FOUCAULT (1926/1984, França) e DELEUZE (1925/1995, França).
Na seqüência, fechando o Ensaio, abordaremos dois temas e Conceitos que são as “Colunas Mestras” no Pensamento de Nietzsche:
NIILISMO – do Latim “NIHIL” = Nada. Nietzsche empregava esse termo para indicar a decadência da Cultura Ocidental, sobretudo na Europa, e o resultado dessa degeneração: a falência total dos “Valores Tradicionais” que eram consagrados como absolutos até meados do século XIX. O Niilismo é, portanto, a descrença em um Futuro glorioso e, conseqüentemente, uma vigorosa oposição à idéia de progresso. Dentro desse pessimismo em relação ao Presente e ao Futuro é que surgiu a célebre frase: DEUS MORREU!
Isto é, morreu tudo aquilo que foi moldado e feito (a Moral, o Estado, a Sociedade, a Religião etc.) segundo as “regras, normas e modelos” estipulados por um SER Metafísico, Sobrenatural e Super poderoso! Feneceram juntamente com a crença em tal Ser, a quem se chama de Deus. E restou da “Civilização Européia” o NIHIL, ou seja, o NADA.
Mas tal Niilismo, conforme Nietzsche, não é o fim. Ao contrario, é a oportunidade de recomeçar. De parir uma nova Civilização onde o Hedonismo seja valorizado e o Homem possa crer que as boas coisas sempre retornam. Que a vida é como se fosse um banquete, onde os manjares são servidos em mais de uma ocasião. Sempre retornarão, pois existe o “ETERNO RETORNO”.
Seria o fim da condição servil e do elogio à “mediocridade de Apolo”, em que tudo deve ser pensado, medido, racionalizado e reduzido ao horror do vulgar. Seria o inicio de uma época em que vigorarão os verdadeiros valores humanos: a coragem, o altruísmo, o arrojo, a criatividade, a busca pelo incógnito, pelo saber, as emoções, os sentimentos etc. Seria o enterro da “moral de rebanho”, sufocada para nunca mais voltar. Que seja o fim “das covardes ovelhas que trocam a dignidade pela sobrevivência física”. Seria, pois, um recomeço onde o Homem se tornaria protagonista de sua História e deixaria de ser mero apêndice da História alheia. Que passasse a pairar acima e “ALÉM DO BEM E DO MAL”.
VONTADE DE POTÊNCIA ou de PODER – é a tese central do Pensamento de Nietzsche. A afirmação da Vida (considerada apenas em seu aspecto físico, concreto, humano). Segundo o filósofo: “só existe a Vontade na vida, mas essa Vontade Não é o simples “querer viver”; na realidade é a “Vontade de dominar... a vida...Tende à Sensação de uma máxima potência, ela é essencialmente o esforço em direção a mais potência.Sua realidade mais intima, mais profunda, é o querer”.
Em outros termos: Nietzsche afirma (como Schopenhauer já fizera, mas em outro sentido) que a Vontade é a Essência de tudo, mas que tal Vontade não é apenas uma simples “vontade de viver”. É mais que isso. É a Vontade (o desejo, o querer) de superar os limites impostos pela Vida aos humanos. A Vontade de adquirir o máximo de Poder possível e a partir daí exercer uma espécie de Hedonismo*; ou seja, apenas desfrutar o que a vida tem de melhor, sem lucubrações mentais nem impedimentos morais.
E é justamente esse um dos pontos em que se apóiam aqueles que o criticam. Acusam seu Sistema Filosófico de propor a primazia das vulgares Sensações Físicas (a ralé dos Sentidos, segundo Platão), em detrimento da elevação intelectual e espiritual. Outro ponto de seu ideário que levanta oposição é a afirmação da “validade” do estado da Natureza entre os Homens, como veremos a seguir:
Em sua obra “A Vontade de Poder”, de 1895, Nietzsche expõe a maior parte de sua Filosofia. Primeiramente analisa a História e a Filosofia e conclui que é indispensável uma alteração geral e radical na Escala de Valores Éticos e Morais, pois, segundo ele, até então, tais valores foram baseados no Cristianismo e ao pregarem o Amor, a Humildade, a Pobreza, a Fraternidade e outros sentimentos afins, na verdade pregavam uma Moralidade que fora ardilosamente articulada pelos mais fracos e/ou inaptos, que desse modo evitavam o extermínio que lhes daria os mais fortes, conforme acontece na Natureza, onde sobrevive o mais apto, o mais forte. Ameaçando, então, os mais fortes com castigos metafísicos (inferno, punição divina, maldições etc.) conseguiam sobreviver mesmo com suas debilidades. Mas para Nietzsche, tais “Virtudes” eram apenas o oposto do verdadeiro “Bem”; do verdadeiramente “Bom”, ou seja: o Poder e o desfrute das delicias que o Mundo propicia. O desfrute de “eternos Banquetes regados ao vinho de Dionísio”, em lugar da burocrática ordenação de Apolo.
Pregava o filósofo que essa “Moral de Escravos” fosse extirpada e substituída pela Tábua de Valores Verdadeiros: a festiva inconseqüência Dionisíaca. A Moral dos “fortes e vitoriosos”.
Nota - Nietzsche concordava com Schopenhauer de que a “Vontade” é a “Essência do Mundo”; mas ao contrário do “querer viver” pessimista de Schopenhauer, a “Vontade de Poder” designava o desejo de dominar a própria vida e não ser reles joguete das circunstâncias da mesma. Dominar, principalmente, a “Energia Conquistadora” dos Homens mais aptos, mais bem dotados e por isso, capazes de Criar novos valores, ao invés de se submeterem aos parâmetros já estipulados, os quais, aliás, seriam sumariamente extintos pelos “Super Homens”.
perfeito
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