segunda-feira, 28 de maio de 2012

RETÓRICA - BREVE CONCEITO

Na antiguidade o campo da lógica informal foi ocupado pela retórica.
A retórica era cultivada como a arte da eloquência, ou seja como um conjunto de técnicas que visavam persuadir ou convencer um auditório através do discurso.
A retórica nasceu da necessidade de resolver conflitos através da argumentação: nos tribunais e nas assembleias políticas e o seu aparecimento é um verdadeiro progresso civilizacional na Grécia antiga, porque permitiu que o debate substituísse a violência quando estavam em causa conflitos de interesse que excitavam as paixões dos envolvidos.
Cedo se formou um grupo de cultores da retórica, os sofistas. Estes foram durante muito tempo os principais educadores das elites das grandes cidades gregas e em especial de Atenas, o berço da democracia.
Sócrates e Platão entraram em conflito aberto com os sofistas acusando-os de  praticarem a retórica como uma arte da ilusão e da manipulação, uma fonte de perversão que urgia combater sem vacilar.
Para estes filósofos a busca da verdade e a consequente libertação dos homens da ignorância e da superstição era uma das principais metas da filosofia.
Os sofistas, por sua vez, visavam que os seus discursos fossem eficazes, ou seja, que produzissem efeitos políticos que, no fundo, permitissem exercer um poder efetivo sobre os cidadãos. Por isso defenderam uma ética relativista e pragmática: o bom deve estar submetido ao útil (pragmatismo) e o saber vale pelos seus efeitos práticos, pelo que não existe nenhum saber superior à opinião (doxa) e entre as opiniões vence a que for aceite pelo público, ou seja, a que for melhor defendida.
É neste contexto que se dá o julgamento de Sócrates que teve como desfecho a sua condenação à morte.
Depois deste conflito entre Platão (e Sócrates) e os sofistas, Aristóteles procede a uma verdadeira reabilitação filosófica da retórica. Na sua obra Retórica, procede a uma sistematização do campo temático desta disciplina, procurando apresentá-la como um complemento da Lógica e afastando-a do domínio da manipulação sofística.
"Para muitos, a retórica pouco mais é do que mera manipulação linguística, ornato estilístico e discurso que se serve de artifícios irracionais e psicológicos, mais propícios à verbalização de discursos vazios de conteúdo do que à sustentada argumentação de princípios e valores que se nutrem de um raciocínio crítico válido e eficaz. Mas a restauração da retórica ao seu velho estatuto de teoria e prática da argumentação persuasiva como antiga e nova rainha das ciências humanas tem vindo a corrigir essa noção enganosa, revalorizando-a como ciência e arte que tão logicamente opera na interpretação dos dados que faz intervir no discurso, como psicológica e eficazmente se cumpre no resultante efeito de convicção e mobilização para a ação de um auditório através do discurso. 
No fundo, a retórica é um saber que se inspira em múltiplos saberes e se põe ao serviço de todos os saberes. E um saber interdisciplinar no sentido pleno da palavra, na medida em que se afirmou como arte de pensar e arte de comunicar o pensamento. E como saber interdisciplinar e transdisciplinar, a retórica está presente no direito, na filosofia, na oratória, na dialética, na literatura, na hermenêutica, na crítica literária e na ciência.
A retórica é uma das artes práticas mais nobres, porque o seu exercício é uma parte essencial da mais básica de todas as funções humanas. Daí a especial atenção que Aristóteles lhe dedicou, corrigindo tendências sofísticas e codificando princípios metodológicos e técnicos que, com o evoluir da tradição, se haveriam de consagrar num cânone retórico de grande fortuna e proveito.
Na retórica aristotélica nós encontramos o saber como teoria, o saber como arte e o saber como ciência; um saber teórico e um saber técnico, um saber artístico e um saber científico. 
No trânsito da antiga para a nova retórica, ela naturalmente transformou-se de arte da comunicação persuasiva em ciência hermenêutica da interpretação. O seu duplo valor como arte e ciência, como saber e modo de comunicar o saber, faz dela também um instrumento mediante o qual podemos inventar, reinventar e solidificar a nossa própria educação. O esforço transdisciplinar que hoje em dia se faz para melhor compreender o papel da retórica e da hermenêutica na crítica do texto filosófico e literário mostra-nos que estas são duas áreas do saber intrinsecamente ligadas à essência da praxis humana.
O justo relevo dado por Chaim Perelman à vertente argumentativa desta arte colocou mais uma vez a Retórica de Aristóteles na moda, e as traduções que dela se fazem sucedem-se em ritmo acelerado nas mais diversas línguas."
Manuel Alexandre Júnior, prefácio da obra de ARISTÓTELES, Retórica, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2005

sexta-feira, 25 de maio de 2012

FILME "DESMUNDO" - ANÁLISE CRÍTICA


Já que escrevi a Vossa Alteza a falta que nesta terra há de mulheres, com quem os homens casem e vivam em serviço de Nosso Senhor, apartados dos peccados, em que agora vivem, mande Vossa Alteza muitas orphãs, e si não houver muitas, venham de mistura dellas de quaesquer, porque são tão desejadas as mulheres brancas cá, que quaesquer farão cá muito bem à terra, e ellas se ganharão, e os homens de cá apartar-se-hão do pecado.” (Padre Manoel da Nóbrega)

Inspirado no romance de Ana Miranda de mesmo nome, Desmundo narra a história de uma jovem portuguesa, órfã, juntamente com outras, é enviada  para o Brasil colonial do século XVI, em 1555, com o objetivo de desposarem os colonos cristãos que habitavam a colônia.
 
Uma dessas jovens, Oribela, que narra a história ela e as demais órfãs são levadas para um lugar onde são oferecidas a seus pretendentes por uma intermediaria. A personagem principal, que se mostra muito religiosa, apresenta-se contrariada com a situação em que se encontra e, chegada a sua vez, quando em contato com aquele que a desposaria, ela se casa, a contragosto, com o português Francisco de Albuquerque. Insatisfeita, planeja todos os dias retornar para Portugal. Empreende várias fugas e envolve- se com Ximeno, um mouro que lhe dá abrigo em sua casa. Além dessa história, há, também, no romance, outras histórias de mulheres, com a de Dona Branca, sogra de Oribela, e a de dona Urraca, senhora judia que fora enviada ao Brasil para cuidar das demais órfãs.
 
Em 1552, o padre Manoel da Nóbrega solicita ao rei de Portugal que envie a América colonial portuguesa órfãs de boa cepa ou, na falta destas, quaisquer outras mulheres brancas, para que os homens casem e vivam em serviço de Nosso Senhor. No seu trabalho “Repensando a família patriarcal brasileira – notas para o estudo das formas de organização familiar no Brasil”, Mariza Corrêa demonstra essa falta de mulheres brancas, quando faz referência a miscigenação resultante do cruzamento entre brancos e índios, que em alguns lugares como São Paulo era significativa. Além disso, aos funcionários da Coroa portuguesa só excepcionalmente era permitido fazer-se acompanhar de suas famílias. Aponta também que essa falta não pode ser estendida a todo período colonial, nem a todas as regiões. O exemplo ainda de São Paulo é lembrado quando a autora diz que nessa região, em certas épocas, as mulheres livres mantiveram uma constante superioridade numérica sobre os homens livres. Vale destacar, no entanto, que o fato demonstrado pelo filme não se dava para qualquer homem, mas para aqueles que possuíam recursos.

Oribela, no entanto, desejosa que era de retornar a sua pátria, não consegue furtar-se ao matrimônio. Aparece-lhe um pretendente que a desposa e, quando seu marido, Francisco de Albuquerque, vai consumar o casamento através da união sexual esta lhe pede tolerância a fim de que se acostumasse com a presença do marido e, conseqüentemente, desenvolvesse uma relação de afeto.
 
O que se percebe é que essas personagens são marcadas por uma história do medo, tal como apontou Jean Delumeau em A história do medo no Ocidente. Nesse livro, o filósofo enumera medos que estariam presentes na sociedade ocidental: o medo que se teria das doenças, dos judeus, dos muçulmanos e, também, da mulher. Há muito tempo, a relação do homem com o chamado “segundo sexo” é ambígua e contraditória. Para Delumeau, as pinturas, por exemplo, desde a Idade da Pedra, são, em sua maioria, representações do feminino. No período romântico, a mulher foi, ainda, exaltada por pintores e escritores. Em vários grupos, notadamente patriarcais, como no Brasil colonial o medo que se tinha da mulher era presente, ainda que não registrado em formas artísticas.
 
Oribela, Dona Urraca, Dona Branca e Temericô são personagens que traduzem, de forma inequívoca, a condição da mulher no romance. Oribela, a narradora, é voluntariosa e insubmissa. Ela corporificaria uma faceta que Delumeau afirma ter sido um dos argumentos para o medo que se sentiria da mulher: a instabilidade. Pelo menos três opiniões são apresentadas em relação à Oribela: a sua própria, a do padre e a de seu pai. Ela se vê como uma ave de rapina, seu pai como uma galinha que quer voar e não pode e assim pelo padre:

Oh como és parva. Uma perdida! Decho que praga, tão bom homem ele parece ele e tu uma frouxa, rabugenta, pé-de-ferro, regateira baça, demoninhada, pardeus, forte birra é esta que tomas contigo, ora vai-te, eramá, como te amofinas, mexeriqueira e sonsa, que rosto de mau pesar para casarem contigo, tinhosa, que cheiras a raposa, rasto de burra, torta defumada. E d'arrancada deu com uma vara

No romance percebe-se que o medo tem várias facetas e o da mulher não é diferente. Em cada uma das personagens de Desmundo, nota-se uma delas: mistério, encantamento, feitiçaria, volúpia e instabilidade. Ao mesmo tempo, cada uma das personagens é descrita também com qualidades como força, sabedoria, bravura e sensibilidade, que reafirmam a ambiguidade do tratamento dispensado à mulher, seria vista assim como uma espécie de contradição viva, corporificação de paradoxo entre vida e morte, começo e fim, desde os tempos mais remotos, a identificação entre as mulheres e a feitiçaria é explícita, além de associá-las ao demônio, às doenças e a toda sorte de mal. Um exemplo dessa identificação pode ser visto na representação da mulher como tentação. Segundo a narradora, “Deus manda as tentações aos filhos que deseja provar, por os querer para si, os estar vendo diante de si, e a seus pés e lhes manda mulheres nuas para atentar”. (p. 40) Os homens, segundo esse trecho, seriam puros, expostos à provas de sua retidão, sendo as mulheres instrumentos de provação. Aproxima-se essa citação de uma reflexão de Delumeau, quando afirma serem as mulheres, nesse contexto, vistas paradoxalmente, como agentes de Satã, a serviço de Deus.

O filme também mostra a propriedade de Francisco de Albuquerque onde mora com a mãe e uma criança com problemas mentais. A mão de obra utilizada na fazenda consistia em índios capturados nas florestas. Estamos respirando o Antigo Regime nesse momento, e com aquele esquema de ordenação da sociedade, o trabalho braçal era mal visto, uma ocupação inferior. John Manuel Monteiro, na sua obra “Negros da terra, índios e bandeirantes nas origens de São Paulo” descreve-nos os assaltos que os colonos faziam a centenas de aldeias indígenas em várias regiões, trazendo milhares de índios de diversas sociedades para suas fazendas e sítios na condição de “serviços obrigatórios”. Chegou a formar-se um sistema de abastecimento de escravos indígenas, que foi inclusive estimulado pelas autoridades régias, em conluio com os colonos de São Vicente, Santos e Rio de Janeiro. O autor aponta que a principal função das expedições de apresamento residia na reprodução física da força de trabalho e não no abastecimento dos engenhos do litoral, embora alguns nativos tenham sido entregues aos senhores de engenho.

Um dos personagens do filme é um padre jesuíta que, num determinado momento, numa visita realizada à propriedade de Francisco de Albuquerque polemiza com este por conta da sua vontade manifesta de levar consigo alguns filhos de índios ainda crianças. Os jesuítas participaram, juntamente com os colonos, dos debates em torno da escravidão indígena. Ronald Raminelli em “Imagens da colonização – A representação do índio de Caminha a Vieira” mostra-nos que, por princípio, os religiosos defendiam a potencialidade dos índios para receber a conversão, ao contrário dos colonos que enfatizavam a inviabilidade da catequese e a adequação dos nativos para o trabalho escravo. John Manuel Monteiro, na sua obra já acima citada, diz que os jesuítas, contando com o apoio de poderosas forças nas colônias e nas metrópoles, conseguiram levar o problema das missões ao Governador do Brasil, ao rei Filipe IV e ao papa, de quem conseguiram a publicação de um breve em que se denunciavam as atividades dos preadores paulistas e paraguaios. A publicação deste não foi suficiente para coibir os paulistas, que voltam a atacar outras missões.

Temos também no filme um cristão-novo português no filme chamado Ximeno Dias, mercador que dentre outras atividades, participava do apresamento de índios. A América colonial portuguesa recebeu significativa quantidade de cristãos-novos.

Oribela faz uma tentativa de fuga após ser estuprada pelo seu marido, cuja tolerância com a espera que esta lhe solicitara foi perdida. Sai pelo mato Oribela e orientando-se sabe lá como, eis que topa com o mar, um prodígio para uma jovem que não conhecia direito a região! Lá aborda alguns homens que estavam na praia, pedindo-lhes que a levem de volta para Portugal. Seu marido nota-lhe a ausência e sai a sua procura, encontrando-a em situação de perigo, já que estava prestes a ser estuprada pelos homens, que são mortos por Francisco de Albuquerque.

 Levada de volta à propriedade de seu esposo, fica acorrentada recebendo cuidados de uma índia que busca, inutilmente, comunicar-se com ela, por conta da barreira lingüística. Lembramos o trabalho de Tzevetan Todorov, “A conquista da América – a questão do outro”, onde, a respeito dessas dificuldades na comunicação, diz que aos gritos dos espanhóis que desembarcavam na península, os maias teriam respondido: “Ma c´ubah than, não compreendemos as suas palavras”. Os espanhóis entendem Yucatán, e decidem que é o nome da província.

Aos poucos, Oribela consegue reaver a confiança de seu marido, começa a perceber e se relacionar com seus parentes. O filme insinua uma relação incestuosa entre mãe e filho em alguns diálogos, e a presença da menina excepcional somada a falta de referências a respeito de seu pai são indicativos de que ela fosse filha de Francisco de Albuquerque. Suspeita que se afirma também no distanciamento que procura manter da cidade, passando boa parte do tempo em sua propriedade.

Em “Trópicos dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil colonial” Ronaldo Vainfas nos diz que a Inquisição seria recriada na Itália em 1542, pouco antes do início do Concílio de Trento, assumindo os mesmos objetivos da Contra-Reforma, quais sejam, conter o avanço do Protestantismo na Península, combater os saberes eruditos que extrapolavam os preceitos do Catolicismo e perseguir as manifestações da cultura e religiosidade populares irredutíveis aos dogmas da Igreja. Em Portugal, o Santo Ofício se organizou como tribunal eclesiástico diretamente subordinado à Monarquia. Possuía também uma conhecida obsessão anti-semita. A sistemática perseguição dos chamados cristãos-novos – judeus convertidos ao Cristianismo e suspeitos de “judaizar” em segredo – respondeu pela grande maioria dos réus processados e executados entre o último quartel do século XV e a segunda metade do XVIII.

Em certos casos, o Santo Ofício transformava atos sexuais ou moralidades cotidianas em matéria heretical, presumindo haver desvio de fé onde só existiam desejo, valores morais ou comportamentos sociais não condizentes com as regras éticas do Catolicismo.

Diante da aproximação do cristão-novo Ximeno Dias à propriedade de Francisco de Albuquerque, Oribela começa a demonstrar interesse por ele, no que se mostra correspondida. Oribela procura fazer com que Ximeno consiga-lhe colocar num navio de volta à Portugal. Ela foge da propriedade de Francisco e mantém-se escondida no estabelecimento do cristão-novo por algum tempo. Diante da suspeita que o marido manifesta da participação de Ximeno na acolhida de sua esposa vai ao encontro deles que fogem, mas são alcançados pelo marido na praia, protagonizando uma cena de desafio em armas, no qual o marido de Oribela leva a melhor, retornando com sua esposa.

Na passagem de tempo do filme, Oribela está dando a luz a uma criança e, após isso, realizando os preparativos de uma mudança. Assim termina o filme!

Dos aspectos que nos chamaram a atenção negativamente não foram tantos, mas houveram. Apontamos a relativa autonomia de Oribela, demonstrada no filme pelo pedido de paciência ao marido para a primeira relação sexual e também a complacência deste no que respeita às duas tentativas de fuga. Algo que não ficou muito claro no filme foi a presença de autoridades naquela região. Ela é sugerida na cena da escolha das jovens pelos pretendentes, mas de forma muito obscura. Pontuamos também a facilidade de orientação espacial de Oribela, sua capacidade de, a despeito de não conhecer o lugar, orientar-se por ele tão bem a ponto de, na primeira fuga, conseguiu atingir o mar, com direito à esperança de um navio e tudo! Evidentemente forçamos a mão nas críticas, já que o historiador ou o estudante de História é aquele “chato” que fica encontrando senões em tudo que analisa. Sabemos tratarem-se das famosas “licenças poéticas” que os autores se permitem, a fim de tornarem a história mais apresentável, suave talvez.
 
Se gostamos de criticar, elogiar merecidamente também apreciamos. A novidade de assistir um filme nacional legendado foi interessante. O português usado, arcaico, traria dificuldades para o grande público, já que este não era um filme que se pretendia só para historiadores. Este conhece as dificuldades com os documentos redigidos dessa forma. Falado, o português arcaico ajudou a criar a atmosfera do filme, o ambiente onde os personagens se movimentavam. Ajudou-nos a “mergulhar” um pouco, melhor, ajudou-nos o esforço de imaginação histórico para aquela época, já que a reconstituição perfeita de épocas passadas, como é sabido por nós, não é realizável.

É um filme que não é facilmente encontrado em locadoras, talvez porque muitos não o considerem atrativo, já que ele pede do espectador informações, conhecimentos históricos em algumas referências que fazem os personagens em seus diálogos. Teorizamos a partir de agora. Quem sabe isso não possa ser uma ponta do “iceberg” que poderíamos chamar de “indiferença pelas memórias de um povo”? Vivemos, no entanto, e isso nos favorece, numa época onde o gosto pela história está ganhando terreno. A procura pelo curso nas Universidades aumentou, publicações mensais de revistas sobre o assunto, com boa aceitação pelo mercado, devem estimular-nos os esforços. Devem essas ferramentas, como o filme Desmundo, serem utilizadas na prática do ensino.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A História da África na cultura Mundial e Brasileira

Tradicionalmente, é aceita e afirmada a idéia de que o Brasil é um país formado por três raças: índios, brancos e negros. Contudo, quando a história do Brasil é ensinada no ambiente escolar, o aluno depara com um ajuntamento de fatos que narram a trajetória dos europeus na América. Pouco ou quase nada sabemos dos outros dois povos fora da área de alcance da atividade dos homens do velho mundo.

 
Foi pensando nesta deficiência na formação escolar que no dia 9 de janeiro de 2003 foi aprovada a Lei 10.639 que alterou o currículo oficial da rede de ensino e torna obrigatório o ensino de história da África e da história e cultura afro-brasileira. Dotada de caráter político, a lei pretende simultaneamente contribuir para o fim de preconceitos raciais e afirmação da identidade e orgulho das origens. Trata-se de uma medida reparatória e de inclusão que visa contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades e livre de preconceitos.

 
Independente das origens de professores e alunos, é dever moral e político de todos combater o racismo e qualquer forma de discriminação, como frisa o parecer a respeito da lei.

 
O antigo currículo escolar privilegiava uma perspectiva que valorizava os padrões culturais europeus. Uma vez que a população brasileira é formada por 45% de afro-descendentes (IBGE), ele excluía da história da formação do Brasil quase metade da população. Por ser retratada apenas no período da escravidão, a imagem passada aos alunos do ensino médio e fundamental é que este fora o papel da população negra na história do Brasil: ser escrava. A nova lei define as novas temáticas que devem fazer parte do cotidiano dos alunos o “estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

 
Em vigor há nove anos, a lei já trouxe mudanças significativas que podem ser identificados no aumento da quantidade de materiais didáticos e paradidáticos para os alunos do ensino médio e fundamental. Amostras deste tipo é o livro de Marina de Mello e Souza “África e Brasil Africano”, vencedor do prêmio Jabuti de 2007. Também é perceptível o aumento sensível do consumo de romances de autores africanos por leitores brasileiros. Um bom exemplo é o escritor moçambicano Mia Couto, um dos mais lidos nesta categoria e homenageado na Feira Literária Internacional de Parati (FLIP) em 2009.

 
A Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), maior vestibular do país, assim como outros vestibulares tem apresentado regularmente nos últimos anos questões que envolvem o continente africano e a cultura afro-brasileira. Na primeira fase do vestibular 2011 foram 7 questões em um total de 90.

 
Essa mudança muito mais do que uma alteração no currículo de ensino, trata-se de uma mudança de mentalidade. Aos poucos o retrato do país ganha novos contornos e novas formas, em uma relação de mais respeito de igualdade entre os cidadãos. Aprender e entender a importância do continente africano para o Brasil e de seus descentes é avançar na construção de um país mais democrático.

Uma abordagem mais profunda sobre a questão Africana foi apresentada por nosso colega Jeffeson em palestra realizada no campus Santo Amaro da Estácio Uniradial de São Paulo

Apresentação da História da África na cultura mundial e Brasileira

terça-feira, 15 de maio de 2012

DOCUMENTÁRIO O SABER E O SABOR - ANÁLISE CRÍTICA

Em sua o autor Rubem Alves nos privilegia com uma brilhante metáfora da relação entre as palavras e os alimentos. Ao beber em textos de escritores diversos, Alves constrói sua argumentação onde o saber pode e deve ter sabor. Em um dado momento da narrativa, o autor dispara: "Escrevo como quem cozinha".

Na verdade, ele nos convida a refletir sobre o prazer quase palatável que é o processo de aprendizado, de aquisição de saberes. Se analisarmos com maior acuidade e atenção, notaremos que há, de fato, tal sensação palatável quando degustamos o conhecimento, o sabor impar dos alimentos que nos preenchem o espírito. Um delicioso vício do qual tornamo-nos dependentes. E diferentemente de outros, este extremamente revitalizador e positivo.

O alimento que nos proporciona o saber, tal qual a lenda bíblica da santa ceia, nos revigora a alma, traz-nos boas novas e nos torna multiplicadores desta filosofia e sabedoria; é, desta forma, um pão, que nos alimenta de forma invisível, nos dá sustentação, e nos possibilita ampliar o universo do aprender, pertence ao que nos propomos a ser, desenha as estruturas do futuro dos indivíduos, não mais conforme sua condição primária, mas segundo sua vontade.

Nesta ótica a função do educador é transmitir aos educandos, não apenas o conteúdo, mas a sutileza deste sabor, atuar na interface do bionômio ensino-aprendizado, em que é mandatório espaço para a criação, a descoberta, para a propagação da educação e cultura em suas diversas manifestações, como num banquete, em que a sucessão de pratos deleita-nos os sentidos, assim também deve ser o conceito de saber.

Exatamente como os chefes, o professor, nas diversas disciplinas, deve ser capaz de misturar os saberes de tal modo a tornar aquele conhecimento algo não apenas agradável, mas próximo da realidade do aluno, não mais um elemento distante e estranho, mas inserido na realidade do meio em que vive, que possa ser empregado em seu cotidiano, de tal modo que este conhecimento suscite a inquietação de novas descobertas, tornando-os igualmente dependentes deste alimento indispensável a seu desenvolvimento.

ESCRITORES DA LIBERDADE - RESENHA CRÍTICA


"Escritores da Liberdade" é um filme baseado numa história real, que trata de realizações face à adversidade. Em 1994, na sala 203 de uma escola em Long Beach, Califórnia, uma professora de literatura chamada Erin Gruwell, enfrentou sua primeira classe de alunos, rotulados pela administração do colégio como adolescentes "em risco" ou "problemáticos". Este drama racial possui tantos estereótipos quanto o cinema americano pode proporcionar. Na maioria dos casos, isso seria considerado algo ruim, visto que essa característica tem como ponto negativo enfraquecer personagens e torná-los facilmente esquecíveis tão logo o filme termine. A película, porém, trata justamente da discussão do quão prejudicial é tratar pessoas como meros estereótipos. E faz isso com habilidade e, infelizmente, também com um pouco de ingenuidade. Mas falemos sobre os pontos negativos mais tarde, pois o filme é muito bom.



Não são incomuns pessoas que vêem outras nas ruas e julgam-nas pela aparência, automaticamente. Às vezes sem malícia, pois faz parte da [má] formação educacional da pessoa. “Loira burra”, “pobre ignorante”. Estas são algumas dessas pré-concepções. Escritores da Liberdade, porém, trata de grupos raciais que se colidem, por terem que viver no mesmo ambiente: negros, hispânicos e orientais, todos estudando no mesmo colégio. Fazem parte de gangues e vivem em um lugar muito violento. Não dão importância ao estudo e sabem que a expectativa de vida é baixa para muitos deles. Um velho quadro, já muito explorado no cinema norte-americano, o que pode trazer desconfiança a muitos espectadores. O que, afinal, Escritores da Liberdade tem a oferecer de novo?



Não muito, realmente. O filme ingênuo e muito óbvio, vários conflitos são completamente previsíveis. Esse tipo de personagem da professora, idealista e dedicada, já foi imensamente explorado em outros filmes de mesmo tema, como Ao Mestre Com Carinho, O Clube do Imperador e Sociedade dos Poetas Mortos. Apesar dos clichês, o filme conta com boas interpretações e sua mensagem é muito bela para ser ignorada.



A atriz que interpreta a professora consegue demonstrar a complexidade da situação da professora, que passa por altos e baixos na vida profissional e familiar. Fica bem fácil torcer pelo seu sucesso, e o fato de a personagem ser baseada em alguém real (no finalzinho há uma foto da Erin real, junto de uma turma real) torna os acontecimentos mais interessantes e intensos; desta forma, a falta de originalidade de sua personagem não é exatamente um ponto negativo.



Felizmente, a boa qualidade do elenco não pára com Swank (interprete da professora). Os alunos, apesar de vivenciarem tipos conhecidos, demonstrar saber lidar com emoções variadas e, fora um ou outro problema com alguns personagens (Eva, por exemplo, não possui justificativa coerente para ter ficado “boa” tão rapidamente), todo o elenco leva o filme com competência. Há, claro, personagens maus, como o racista professor sênior ou a diretora Margaret, mas o diretor e roteirista do filme optou por não dar muita notoriedade a eles e centrar a história sobretudo nos alunos e na professora, o que foi fundamental para que o ritmo do filme permanecesse agradável.



Uma cena que merece destaque, ocorre dá quando uma caricatura racial de um dos estudantes afro-americano circula a sala de aula, a professora interceptou irritadamente o desenho e comparou-o às caricaturas dos judeus, feitas por nazistas durante o holocausto. Os estudantes responderam de forma confusa à sua comparação o que chocou a professora ao descobrir que muitos de seus alunos nunca tinham ouvido sobre holocausto. Entretanto, quando perguntou quantos em sua classe tinham sido alvos de disparos, quase todos levantaram as mãos. Isto deixou-a chocada, porém inspirada a não desistir dos alunos.  A professora pergunta a seus alunos se estes conhecem o que é "Alchwitz", o campo de concentração; todos ignoram o que seja ou tenha sido, então ela explica-lhes o que é e sobre o horror de uma guerra e as conseqüências que dela se podia ter. Leva-os a um museu da 2º Guerra Mundial, onde estes podem ver através de fotos, as imagens da atrocidade; atinge-lhes o cerne da sensibilidade; que guerras não levam a nada a não ser à morte, e neste ponto o filme mostra como utilizar estereótipos em favor de uma boa história.



Percebe igualmente a professora que mais do que tentar estabelecer o resultado pretendido através de coerção, é preciso se colocar no mesmo nível de pensamento e entendimento daquela realidade, permitindo que aqueles alunos sejam ouvidos e possam se expressar.



Assim, pede que os mesmos escrevam sobre o que quiser em um caderno individual que será posto no armário, para que ela leia ao final de cada aula. Aos poucos seus alunos vão passando para o papel, suas experiências de vida, seus sonhos, medos e anseios, expondo seus pensamentos antes nunca falados.


Transforma-os gradativamente, em seres pensantes, questionadores, sonhadores e com esperança. Mostra o quanto é possível a transformação através da educação e do respeito e entendimento ao outro.



Promovendo uma filosofia educacional que avalie e promova a diversidade, transformou a vida dos seus alunos. Incentivou-os a reavaliar a opinião rígida sobre o outro, reconsiderar decisões diárias, e ao repensar seus futuros. Com o apoio constante da professora, seus alunos quebram estereótipos para transformarem-se em pessoas críticas, estudantes universitários de aspiração, e cidadãos para a mudança. Nomearam-se a si mesmos de "os escritores liberdade" – em homenagem aos ativistas dos direitos civis os "Cavaleiros da Liberdade" (Freedom Riders), jovens negros e brancos, intelectuais, artistas e religiosos, que partiam do norte dos Estados Unidos na década de 1960 em caravanas em direção ao Sul, para pressionar as autoridades locais a pôr fim na segregação.


No momento em que nomearam-se "escritores da liberdade" os estudantes da sala 203 converteram-se de um grupo de estudantes apáticos para um grupo de estudantes motivados, pensantes e responsáveis por tomar suas próprias decisões. De acordo com determinada concepção de liberdade tornaram-se indivíduos livres.


Em Filosofia liberdade possui "três significados fundamentais”, correspondentes a três concepções que se sobrepuseram ao longo de sua história e que podem ser caracterizadas da seguinte maneira:

1ª Liberdade como autodeterminação ou autocausalidade, segundo a qual a Liberdade é a ausência de condições e de limites;

2ª Liberdade como necessidade, que se baseia no mesmo conceito da precedente, a autodeterminação, mas atribuindo-a à totalidade a que o homem pertence (Mundo, Substância, Estado);

3ª Liberdade como possibilidade ou escolha, segundo a qual a liberdade é condicionada (...) As disputas metafísicas, morais, políticas, econômicas, etc., em torno da Liberdade são dominadas pelos três conceitos em questão, aos quais, portanto, podem ser remetidas as formas específicas de Liberdade sobre as quais essas disputas versam.



Embora bastante previsível em muitos aspectos, Escritores da Liberdade é também uma pequena e agradável surpresa. Espectadores que se emocionam com facilidade, e que gostam disso, vão encontrar neste filme um agradável prazer. É um trabalho altamente manipulativo, mas demonstra com qualidade que, com grande esforço e muita coragem, é possível sim mudar a sociedade, nem que seja uma pessoa por vez. Ou uma turma de alunos por vez. Piegas, é verdade, mas verdadeiro. Divertido e emocionante e, portanto, recomendável.