sexta-feira, 26 de agosto de 2011

METODOLOGIA CIENTÍFICA - METÓDOS INDUTIVO E DEDUTIVO

O PROBLEMA DO MÉTODO NA FILOSOFIA DO DIREITO - um breve exemplo

SUMÁRIO SOBRE OS MÉTODOS:

Métodos positivistas.
Enfatiza a ciência e o método científico como única fonte de conhecimento, estabelecendo forte distinção entre fatos e valores.
O método indutivo.
O método dedutivo.


A indução apresenta duas formas:
- A indução formal. Aristóteles.
- A indução Incompleta ou científica. Galileu e Bacon.

O método dedutivo.
O método dedutivo é um método lógico que pressupõe que existam verdades gerais já afirmadas e que sirvam de base (premissas) para se chegar através dele a conhecimentos novos.

Na dedução se as premissas são verdadeiras a conclusão será sempre verdadeira.

O método hipotético-dedutivo.

Consiste na construção de conjecturas, que devem ser submetidas a testes, os mais diversos possíveis, à crítica intersubjetiva, ao controle mútuo pela discussão crítica, à publicidade crítica e ao confronto com os fatos, para ver quais as hipóteses que sobrevivem como mais aptas na luta pela vida, resistindo, portanto, às tentativas de refutação e falseamento.

Método estruturalista.
O que importa no modelo estruturalista é o estudo das relações entre os elementos.

Método dialético.
No universo nada está isolado, tudo é movimento e mudança, tudo depende de tudo.

EXPOSIÇÃO

O escopo do presente trabalho é tentar nortear alguns dos principais aspectos de suma importância à filosofia do direito, que é o método.
O singelo trabalho também enfatiza alguns dos principais pensadores e suas respectivas obras, através de uma linguagem simples.
Precipuamente cabe destacar que na doutrina de José Cretella Júnior, prescreve que o caminho escolhido, estas ou aquelas serão as consequências advinhas. Uma via errada ou inadequada conduzirá a resultados muito diferentes daquelas que a exatidão cientifica exige, razão pela qual, na procura de procedimentos racionais, no indagar das vias apropriadas, é necessário descobrir a rota exata que conduza com maior rapidez e com maior rigor aos fins perseguidos.
Assim como nas ciências físico-naturais há um caminho adaptado aos objetos do mundo físico-objetos naturais -, assim também na ciência jurídica se exigirá um tipo de método que se amolde ao mundo cultural em que se movimenta o direito. Não quer isto dizer que este método não se amolde ao mundo cultural em que se movimenta o direito, tudo dependendo da posição filósica tomada, porque para o empirista jurídico o direito é objeto natural e, como tal, deve ser tratado.
Do mesmo modo que não é indiferente, na maioria das vezes, escolher a via terrestre, marítima ou aérea para chegar a determinado ponto situado, respectivamente, na terra, no mar ou no ar, porque o veículo ou instrumento selecionar no mundo das ciências e da filosofia quais as vias mais adequadas para a perfeita integração sujeito-objeto.

CONCEITO DE MÉTODO
O caminho trilhado pelo sujeito para a descoberta da verdade, caminho este assinalado por um conjunto de normas do pensamento humano, recebe o nome de método, do grego meta=além de, e ódos = caminho, via.
O método tem por finalidade conduzir o sujeito ao objeto, ao conhecimento, à verdade, sendo esta a adaequatio intelectus et rei, conforme a afirmação tomista.

"A arte de bem dispor uma sequencia de diversos pensamentos, ou para descobrir a verdade, quando a ignoramos, ou para prová-la aos outros , quando já a conhecemos", segundo Descartes “o método é indispensável para orientar a razão e buscar a verdade nas ciências”. O modo racional de conduzir o pensamento para chegar a determinado resultado e, em especial, para descobrir a verdade, é o complexo de regras às quais deve ater-se a mente humana nos seus processos cognoscitivos.

A ideia de método é sempre a de uma direção suscetível de ser definida e regularmente seguida numa operação do espírito.
Cabe a metodologia o estudo e classificação dos métodos peculiares às diversas ciências.

A definição, a classificação e a escolha do método merecem toda atenção, porque método e objeto se acham estreitamente unidos e da boa escolha do caminho vai depender a apreensão mais rápida e mais perfeita da verdade.

ESPÉCIES DE MÉTODOS
Dividem-se os métodos em duas grandes classes, os métodos discursivos e os intuitivos.

Os discursivos, também denominados de interferência remota, mediata ou indireta, consistem numa série de procedimentos sucessivos em torno do objeto, para apreendê-lo, por meio de proposições e discursos que progridem em sucessivos envolvimentos. Por meio de esforços dialéticos, concretizados em juízos enlaçantes, o espírito humano procura apreender o objeto. Ao invés de caminhar diretamente para o objeto, o espírito caminha em círculos concêntricos até o enquadramento exato do alvo colimado.

Os métodos intuitivos, também denominados de interferência imediata ou direta, consistem numa operação total, única e indivisa do espírito , que se projeta sobre o objeto e o domina, abrangendo-o numa só visão ou intuição, sem que nenhum discurso, proposição ou juízo se interponha entre os termos constitutivos do binômio do conhecimento, sujeito e objeto.
Se intuição é visão, se intuir é ver (do latim intueri=olhar, ver), o método intuitivo permite que o espírito veja o objeto, sem interposição alguma.
Tanto os métodos discursivos como os métodos intuitivos apresentam modalidades, assim agrupadas:

Métodos discursivos: dedutivos, indutivo e crítico de Aristóteles e Bacon.

Métodos intuitivos: sensível, espiritual, de Bergson, Dilthey, Husserl e Heidegger, sendo estes intelectivo, emotivo e volitivo.
O Método dedutivo ou dedução foi conhecido na Grécia, tendo sido estruturado por Aristóteles e levado ao extremo, na Idade Média, pelos escolásticos que, partindo de premissas consideradas provadas, chegaram a conclusões audaciosas ou absurdas, desmentidas mais tarde pelo progresso científico, levado a efeito no campo das ciências físico culturais .
O método de Aristóteles consistia nas formas indutiva e dedutiva de raciocinar. O raciocínio dedutivo consiste em argumentar do geral para o particular.

Dedução é a operação do espírito que consiste na passagem de uma proposição ou de um pequeno número de proposições gerais a outra proposição, menos geral, que é a sua consequência necessária, em obediência, tão só, às leis da lógica. Exemplo típico de método ou raciocínio dedutivo é o silogismo, o qual muitos identificam, sem razão, com a dedução.

O método indutivo ou indução, também conhecido desde Aristóteles, recebeu nova formulação com Bacon. A indução aristotélica é também denominada completa ou integral; a indução baconiana é denominada amplificadora. A indução aristotélica baseia-se na enumeração total das espécies de um gênero ou dos indivíduos de um conjunto, como quando se conclui que "os planetas descrevem elipses em torno do sol”, porque o que afirmamos para cada um dos planetas (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão), que constituem uma coleção, afirmamos numa só proposição, para todo o gênero. Daí, Ter Port Royal afirmado que "a indução não é meio certo de conhecer uma coisa, a não ser quando estamos certos de que é completa.”.

Conclusões indutivas são perigosas, pois generalizações de premissas verdadeiras podem levar a uma falsa conclusão. O primeiro a perceber o caráter incerto de conclusão indutivo foi Aristóteles, mas o primeiro a formulá-lo de forma mais precisa foi David Hume (1711-1776). Humes formulação do problema acentua o caráter temporal das induções: De afirmações sobre o passado e o presente não podem ser deduzidas prognoses absolutamente seguras sobre o futuro. Ou seja, mesmo que todos os cisnes até hoje observados sejam/tenham sido brancos, não se pode afirmar com absoluta convicção que todos os cisnes sempre serão brancos. Um exemplo mais humorístico oferece Bertrand Russell: um peru que todas as manhãs recebia ração estaria errado ao supor que no dia 24 de dezembro também receberia ração: neste dia ele foi para a panela.

A validade universal de uma hipótese científica não pode ser verificada definitivamente através de um número finito de observações, medições e experimentos.

O problema da insegurança de conclusões indutivas foi reforçado por Nelson Goodman no século XX Conclusões indutivas não são somente possivelmente erradas, mas também em alguns casos contraditórias.
DAS DIVISÕES DO MÉTODO
O método intuitivo ou intuição não procede por degraus, por partes, mas de uma vez. Sem nenhuma interferência prévia, o espírito capta o objeto com uma só operação instantânea. Nada se pergunta ao raciocínio, nada se indaga à razão, motivo porque a intuição é denominada por alguns de irracionalismo.
Dividem-se em:
Intuição sensível ou sensória: o sujeito capta imediatamente as manifestações do mundo, representa os objetos dentro de si, individualmente e, por isso, vale este método apenas para os casos particulares que, por meio das sensações, são revelados, um a um, ao sujeito cognoscente.
Intuição espiritual: que consiste na imediata projeção do espírito sobre o objeto, como, por exemplo, quando vemos, num relance rápido da mente, que "uma coisa não pode ser e não ser o mesmo tempo", isto é, intuímos, diretamente, sem auxílio de demonstração e dos sentidos, mas com imediata evidência.
A intuição espiritual divide-se em:
Intelectual: é um ver com inteligência;
Emotiva: é um ver acentuadamente místico, que encontra na antiguidade um insigne representante em Plotino, revela-se a cada passo na obra de Santo Agostinho, sendo que para este “a verdade esta no interior do homem";
Volitiva: é a realidade existencial do objeto, levando o ser a entender a existência do ser.

OS MÉTODOS E OS GRANDES PENSADORES


O Método Indutivo de Bacon
Bacon propõe como processo de busca do conhecimento o método indutivo. Contudo, preocupa-se em distinguir seu método da indução aristotélica que julgou ser puramente lógica e incidente sobre a natureza, aparecendo como simples enumeração de casos particulares. O objetivo da indução para Bacon foi atingir os princípios dos fenômenos através da generalização. Para tanto, ele fez da experimentação a base de seu método, mas, sem pretender prescindir do intelecto. Bacon considerava a razão como indispensável na análise e exclusão dos casos particulares, porque acreditava que os sentidos são simples fornecedores de informações ordinárias e não conclusivas. Bacon fez a apologia do método experimental, propondo a indução como condição para alcançar os princípios mais gerais dos fenômenos, não ficando limitada ao fato particular.

O método permitiu remontar gradualmente os dados pela exclusão dos casos particulares, cuja escolha ou exclusão eram determinadas pelas sucessivas experiências até que se atingisse a verdadeira natureza do fenômeno. As Tábuas foram os instrumentos propostos por Bacon com a finalidade de sistematizar os dados, recolhendo-os da natureza de acordo com uma ordem idônea, bem apropriada às exigências do intelecto:

As tábuas de Presença agrupam os aspectos conhecidos sobre as "circunstâncias em que certa 'natureza', por exemplo, o calor, habitualmente se apresenta".

As tábuas de Ausência agrupam "aqueles casos que são privados da natureza em questão, embora estando próximo ou ligados àqueles que a apresentam".

As tábuas de Grau ou Comparativas agrupam "aquelas instâncias ou casos em que a natureza procurada se encontra em diferentes graus, maiores ou menores; o que deve fazer-se comparando o seu aumento e a sua diminuição no mesmo sujeito ou comparando sujeitos diferentes, confrontados um com o outro".

A partir dos dados recolhidos, inicia-se a indução propriamente dita, comparando primeiramente as naturezas excedentes, negativas, e em seguida inicia-se a parte positiva da indução que indicará uma hipótese provisória chamada "primeira vindima". Esta hipótese será posta a prova através das instâncias prerrogativas, que variam em vinte e sete espécies chamadas instâncias: solitárias, migratórias, impressionistas, clandestinas, manipulares, analógicas, etc... A instância decisiva foi denominada "instância crucial".

Todo processo de indução visou estabelecer a causa dos fenômenos naturais. Para Bacon a causa é a forma, apesar de negar Aristóteles, ele reportou-se diretamente ao significado aristotélico de forma substancial. Entretanto, Bacon afirmou que a busca e a descoberta da forma deve ser fundamentada em um processo experimental e não em processos conceituais. Segundo Abbagnano (1982), Bacon apesar de ter reconhecido a estrita conexão entre a ciência e o poder, tornando-se "o profeta da técnica", não considerou o papel definitivo da matemática dentro da ciência moderna.

O Método de Sócrates: A Maiêutica e a Dialética de Platão

Sócrates usava o método de perguntas e respostas, que consistia em ajudar as pessoas por mais ignorantes e incultas que fossem, a gerar dentro de suas mentes toda a sabedoria incubada não revelada anteriormente, criando ambiente favorável para que os indivíduos dessem a luz às suas ideias. Desse modo Sócrates era tido como um "parteiro", ajudando no parto da manifestação da sabedoria mesmo do mais humilde escravo, por acreditar que a verdade é inata à mente humana, bastando para tanto fazer com que elas ponham tudo para fora.
Tanto Sócrates, como Platão que foi seu discípulo, acreditavam que a verdade era inata a todos os homens que a conheciam em uma existência prévia. E assim que a pergunta de modo acertado é feita, a memória da pessoa é estimulada a evocar aquilo que já sabe.

O método de perguntas e respostas é muito interessante em muitas ocasiões, como forma de conhecer-se a verdade contida em cada pessoa humana, contudo os conceitos de Sócrates são duramente criticados por filósofos contemporâneos, quanto às capacidades inatas do homem, principalmente por afirmar a sua preexistência.

Outro fator dentro deste método que é olhado com certa desconfiança é o fato de que quem pergunta poderá levar o perguntado a predispor a resposta, assim a sabedoria está com aquele que pergunta e não com aquele que é perguntado.

A filosofia contemporânea acredita que a mente humana começa como uma tabula rasa, que com o decorrer dos anos vai somando ideias e experiências.
Dialética - Em Platão a dialética é o processo pelo qual a alma se eleva, em degraus, da realidade sensível ao mundo das ideias. É um instrumento de busca da verdade. É o aperfeiçoamento da maiêutica de Sócrates.

Em Hegel, é o movimento racional que nos permite superar uma contradição. Assim, na história vemos uma tendência, e a ela volta-se uma oposição, criando uma tensão, que é superada por uma nova tese que traz a solução. É o movimento tese, antítese e síntese. Não se restringe apenas a história, mas deve ser encarada como parte do real, uma forma de pensar evolutiva.
O Método De Aristóteles: A Lógica
As investigações lógicas tiveram início com os antigos filósofos gregos. Foi Aristóteles quem primeiro estabeleceu regras para nortear a construção de raciocínios corretos, capazes de servir a ciência. Para Aristóteles, a lógica seria um instrumento para a ciência e a filosofia. A lógica Aristotélica estava, assim, a serviço de uma explicação da realidade e baseava-se na distinção entre verdadeiro e falso. Por outro lado, representava, sobretudo um esforço de correção da linguagem natural, permanecendo quase completamente nos limites dessa linguagem feita de palavras. Preocupava-se com as palavras (termos) e com as proposições e raciocínios construídos com essas palavras. Investigando os tipos de raciocínio, Aristóteles atribuiu grande importância àquele que chamou de silogismo de duas proposições dadas (por exemplo, "Todos os homens são mortais" e "Sócrates é homem") deve decorrer necessariamente uma determinada conclusão ("Sócrates é mortal").

O Método de Galileu:
A confiança que Galileu mantinha na verdade da filosofia natural era assegurada pela investigação direta da natureza, através do uso de instrumentos e das experiências que comprovaram suas teorias matemáticas. "Só o livro da natureza é o objeto próprio da ciência e este livro é interpretado e lido apenas pela experiência".

Com este argumento, Galileu se opôs ao pensamento escolástico reacionário do século XVI, que havia esquecido os princípios empiristas de Aristóteles e Tomás de Aquino, ficando preso ao conhecimento livresco do "mundo de papel".

Outro ponto de suma importância no método experimental é a relação estabelecida entre a observação da natureza e o raciocínio matemático.
Galileu objetivou e quantificou os elementos naturais, tomando como cientificamente válidas as qualidades mensuráveis dos corpos, considerando as qualidades não mensuráveis como qualidades sensíveis determinadas pelo sujeito e não pelo objeto.

A realidade objetiva e matemática dispensaram as determinações conceituais genéricas como "grande", "pequeno", "próximo" ou "distante", bem como as determinações sensíveis, sons, odores, sabores ou cores, adotando as determinações mensuráveis e os padrões quantitativos como extensão, distância e tempo.

O Método de René Descartes
Descartes definiu seu método como um conjunto de regras que, devidamente observadas, conduziriam ao conhecimento verdadeiro. Impossibilitado de tomar o falso pelo verdadeiro, só restaria ao seguidor do método a ampliação do conhecimento sem nenhum esforço mental inútil. Na segunda parte do Discurso sobre o método,
Descartes apresenta quatro regras fundamentais:
Regra da evidência: Jamais aceitar alguma coisa como verdadeira, se isto não for evidente, caso a coisa não se apresente clara e distintamente ao espírito sem deixar margem de dúvida, não pode ser considerada como verdadeira. Esta não é uma regra conclusiva, entretanto, é uma regra exclusiva, caso a proposição não atenda a condição de verdade evidente, deve ser imediatamente excluída. "O acto com que o espírito atinge a evidência é a intuição". A intuição é puramente racional e, por sua imediatividade, opõe-se à conjectura e antecede à dedução, de forma instantânea a mente colhe seu o próprio conceito e se torna transparente para si mesma.
Regra da análise: Em geral, uma dificuldade é um conjunto de pequenos problemas, a análise da questão procura separar detalhadamente todas as partes do problema em maior número possível, entender as particularidades de cada uma e sua função como componente do todo. Agindo desse modo, elimina-se as complicações supérfluas e torna-se mais simples o problema, ordenando sua solução em torno da resolução das dificuldades encontradas em cada uma das partes.
Regra da síntese: A partir do desmembramento de uma dificuldade em pequenos problemas e da solução dos problemas em partes, deve-se conduzir os pensamentos por ordem, começando pelos objetos mais simples e fáceis de se conhecer e aos poucos ir rejuntando as partes e elevando o grau de complexidade das questões. Esse processo exige um procedimento ordenado análogo ao da geometria e prescreve que todo saber possa ser ordenado dessa forma. A ordem assim designada é a ordem da dedução, que é outro ato fundamental do espírito humano. A ordem dedutiva parte das coisas simples que Descartes chamou de absolutas para as mais complexas e interdependentes, que devem ser deduzidas e são denominadas relativas.
Regra da enumeração: "Fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais que se fique certo de não omitir nenhuma. A enumeração controla a análise, enquanto a revisão controla a síntese.”.
A partir da intuição, desencadeia-se o processo dedutivo para comprovar e explicar uma tese. O problema é repartido através da análise e os dados analisados são recompostos através da síntese. O controle do processo é feito através da enumeração, que garante o rigor científico da comprovação.
O Método de Gottfried Wilhelm Leibniz
Considerado um dos filósofos realmente a altura de um Aristóteles ou de um Descartes, teve uma autoridade científica indiscutida, tanto em matérias de jurisprudências, filosofia, física, matemática e teologia.
Teve a percepção clara de onde se encontrava a falha, ou defeito, isto é, o ponto fraco do empirismo inglês, apesar de não conhecer da matéria nada além do que a obra de Locke. Apesar disso, bastou-lhe o conhecimento das obras de Locke para se chegar ponto central onde estava a originalidade e ao mesmo tempo, a falha, o perigo do empirismo inglês. Viu de imediato que a falha consistia no seu intento de reduzir o racional a fático; a razão a puro fato, porque há uma contradição fundamental nisso:
Se a razão se reduz a puro fato, deixa de ser razão; se o racional se converte em fático, deixa de ser racional - porque o fático é aquilo que é sem razão de ser, enquanto o racional é aquilo que é razoavelmente, quer dizer, não podendo ser de outra maneira. Em consequência, percebeu de imediato, e com grande clareza, que o defeito fundamental de todo psicologismo, ao considerar o pensamento como vivência pura, é que o racional se convertia em puro fato, isto é, deixava cair sua racionalidade como um admnículo inútil. Porém não existe nada mais contraditório que o racional deixe cair sua racionalidade, porque então o que resta é o irracional.
A TEORIA DOS OBJETOS
Correlato ao problema do método e aprofundamento ao sujeito é o problema do objeto.
Desse modo, o sujeito procura captar o objeto através do método.
Tão importante é o estudo do objeto, que uma parte da filosofia se isolou para estudá-lo - a objética, que é a ciência dos objetos.
Objeto é algo que se põe diante do sujeito, algo que se lança ou se atira diante de outra coisa. Podendo ser tudo aquilo que pode ser sujeito lógico de um juízo. É tudo aquilo a respeito do que se pode predicar algo. Predica-se pelo juízo, pelo ato do intelecto que afirma ou nega algo.
Pode-se dizer que:
Objetos são:
Naturais: físicos (pedra, rio, montanha, lua, sol, vulcão) e psíquicos (memória, atenção, amor, ódio).
Culturais: como a estátua, o quadro ou os instrumentos.
Ideais: como um quadrado, um retângulo ou números.
Metafísicos: claro Deus.
Daí teremos, segundo José Cretella Júnior:1

Objetos Existência Experiência Valor Métodos
Naturais Reais Experimentais Neutros Indutivo
Culturais Reais Experimentais Valiosos Dialético
Ideais Irreais Não experimentais Neutros Dedutivo
Metafísicos Reais Não experimentais Neutros Intuitivo
Valiosos

O DIREITO NO MUNDO DOS OBJETOS:
Os adeptos da teoria do direito consideram o direito como objeto ideal, raciocinando que a Ciência do Direito ou Jurisprudência trabalha com normas e que estas não diferem daqueles com que lidam os matemáticos. Pensava o criador do normativismo, Hans Kelsen, pelo menos em sua primeira fase, quando chefiava a Escola de Viena, que o edifício jurídico era uma pirâmide de normas lógicas, apartadas da realidade e que deveriam ser vistas em suas interelações.
1.Júnior , José Cretella, 2002 , Curso de Filosofia do Direito . 8ª edição, página 61

O direito é, pois, um objeto. Objeto que decorre das relações humanas, porque sem o homem não há o direito e reciprocamente. ubi societas, ibi jus. Ubi jus, ibi societas. O direito foi construído por causa dos homens. É um construído, um produto do trabalho humano.

MÉTODOS DA FILOSOFIA DO DIREITO
No estudo do complexo fenômeno jurídico, dada a natureza toda especial desse objeto, qual das vias deve ser selecionada pelo espírito humano para surpreender essa constante da história da humanidade.
Compete a filosofia do direito, lógica, deontológica e fenomenológica.
Filosofia do Direito é a disciplina que define o direito em sua universalidade lógica, investiga os fundamentos e os caracteres gerais de seu desenvolvimento histórico e o valora segundo ideal da justiça traçado pela razão pura.
O método dedutivo como o mais adequado às duas primeiras investigações e o método indutivo como o mais adequado à indagação fenomenológica, explicando a seguir que o primeiro desses métodos compreende duas modalidades, o genético, que observa as fases originárias e o comparativo, que faz o confronto dos vários sistemas jurídicos. Pedro Lessa, que atribuiu a esta matéria extraordinária importância, a ponto de colocá-la em primeiro lugar nos estudos que empreendeu sobre esta disciplina, acentua que determinar com precisão o método adequado ao estudo desta disciplina fora resolver a mais grave dificuldade. 2

2."Lessa , Pedro, Estudos da Filosofia do Direito, página 3".
Depois de estudar os métodos dedutivo e indutivo relega o primeiro plano secundário, inclinando-se de modo manifesto para o segundo.
Del Vecchio apreendeu de modo admirável o aspecto metodológico, no campo da filosofia do direito, e numa expressiva simplificação didática da matéria, mostrou a adequação de cada método ao respectivo campo de estudo e ao objeto visado.

Não basta, muitas vezes, um só método, visto que o objeto se apresenta com vários aspectos e todos precisam ser atingidos.
Se para atingir o acidente geográfico distante, situado de tal modo que uma parte se localiza na terra firme e outra avança pelo mar, sendo, porém, inacessível o cume por qualquer destas duas vias, terra ou mar, é necessária a utilização conjunta de muitos processos combinados e de veículos e máquinas que o captem por todas as vias possíveis, terra, mar e ar, a fim de completar-se o integral apressamento, assim, também cumpre não esquecer que o mesmo problema (aspecto material), encarado sob os ângulos diversos (aspecto formal), só poderá receber completa solução quando se utilizam, simultaneamente, muitos métodos.
Desse modo, no estudo do direito, que é uma unidade proteiforme, não basta lançar mão apenas de um método, mas de vários, conforme o ângulo ou ângulos que o sujeito cognoscente pretende apreender.
A dedução é própria do racionalismo jurídico. Assim procedeu a escola do direito natural clássica, o mesmo ocorrendo com a escolástica e, em geral, com toda a escola teológica.

Santo Tomás, na suma teológica, serve-se do método dedutivo, tomando, como ponto de partida um princípio de justiça ou de direito, do qual vão derivando regras, proposições, teoremas, corolários, escólios.
No campo da técnica jurídica, a dedução aparece com toda a nitidez que lhe é peculiar. A norma, tal como se acha nos códigos, é a premissa maior, diante do caso concreto. Trata-se de deduzir um juízo jurídico particular, tomando-se como referencial uma hipótese dada, que é a disposição legal existente. A própria sentença é, para os partidários do método dedutivo, um simples silogismo, formado pela premissa maior, a lei, e a premissa menor, os fatos e ainda a conclusão a parte dispositiva da sentença. "Quem infringir este dispositivo terá a sanção X. Fulano infringiu a disposição X. Logo, Fulano terá sanção cominada".

Em nossos dias, como o inegável progresso da filosofia e seus imediatos reflexos no campo da filosofia do direito, a sentença judiciária, é o momento culminante do drama jurídico, não mais se reduz a um mero e frio silogismo.
Mais do que um silogismo, é um tomada de posição constante, em todo o decurso da lide, é a resultante de uma série infinita de atitudes valorativas.
Estudando a natureza axiológica da sentença judiciária, os modernos autores ressaltam-se os traços peculiares, mostrando-a como "a vivência normativa de um problema, uma experiência axiológica, na qual o juiz se serve da lei e do fato, mas cotejam tais elementos com uma multiplicidade de fatores, iluminados por elementos intrínsecos, como sejam o valor da norma e o valor dos interesses em conflito".
Como, sem empregar o método intuitivo, vivenciando o fato, procurando reconstituí-lo, eliminando o acessório. Do principal, transportando-se para o interior dos acontecimentos para captá-los naquilo que eles têm de característico, poderia o magistrado exprimir seu juízo valorativo, consubstanciado na sentença, dai o porquê se estuda o problema do método.

Em suma, o problema do método para a filosofia do direito para captação melhor do fenômeno jurídico é realmente difícil, devendo ser colocado sob os aspetos materiais e formais, como demonstrados no decorrer do presente trabalho.

O direito é um só. É um objeto, objeto cultural. Manifestando-se, porém, sob vários aspectos, cada um de seus ângulos vai condicionar um método especial, mais compatível com a natureza do ângulo apresentado, pelo que se conclui que, ainda aqui, todos os métodos estudados pela filosofia podem ser transportados para a filosofia do direito, tudo dependendo do momento da experiência jurídica que se pretende apreender.


CONCLUSÃO

O Método é o caminho pelo qual se chega a determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido de antemão refletido e deliberado.

BIBLIOGRAFIA

MORENTI, Manoel Garcia. Lições Preliminares de Filosofia

JÚNIOR, José Cretella. Curso de Filosofia do Direito. 8ª edição. 2002

LESSA, Pedro. Estudos de Filosofia do Direito. 1ª edição.2000

FREITAS, Juarez. As Grandes Linhas da Filosofia. 3ª edição.

METODOLOGIA CIENTÍFICA - MAPAS, MÉTODOS E TÉCNICAS


Este é um mapa básico sobre métodos e técnicas, a fim de auxiliar em uma primeira busca.
Não há consenso, na literatura especializada, sobre a distinção entre método e técnica. Grosso modo, técnica é um instrumento específico que se insere em um método.
Normalmente, uma pesquisa exige uma combinação de métodos e técnicas, guiada pelo problema, pelos objetivos e pelo caráter da pesquisa (foco em produção, produto, recepção).


Pesquisa bibliográfica:
Gil (1999, 2002), Stumpf (2005)

Análise documental:
Gil (1999, 2002), Loizos (2002), Mann (1975), Moreira (2005), Taylor e Bogdan (1996)

Entrevista:
Babbie (2005), Alonso (1995), Duarte, J. (2005), Flick (2002), Gaskell (2002), Gil (1999), Haguette (2003), Jovchelovitch e Bauer (2002), Mann (1975), Sutil (1995), Taylor e Bogdan (1996), Triviños (1997)

Questionário, formulário, pesquisa de opinião, survey:
Babbie (2005), Gil (1999), Mann (1975), Novelli (2005), Pádua, J. (1993), Powell (1991)

Pesquisa-participante, pesquisa-ação:
Becker (1997), Gil (1999, 2002), Haguette (2003), Mann (1975), Pask (1995), Peruzzo (2005), Taylor e Bogdan (1996), Triviños (1997)

Etnografia:
Aguirre Baztán (1995), Galindo Cáceres (1997), Haguette (2003), Lago (2007), Pérez Serrano (1994), Travancas (2005)

Grupo focal:
Canales e Peinado (1995), Costa (2005), Dias (2000), Gaskell (2002)

História de vida, história oral:
Becker (1997), Cassab (2004), Galindo Cáceres (1997), Gobbi (2005), Haguette (2003), Santamarina e Marinas (1995)

Análise de conteúdo:
Bardin (2004), Bauer (2002), Navarro e Díaz (1995), Fonseca Júnior (2005), Herscovitz (2007), Pérez Serrano (1994), Triviños (1997),

Análise de discurso:
Benetti (2007), Gill (2002), Manhães (2005), Orlandi (2001)

Análise hermenêutica:
Bastos e Porto (2005)

Análise de narrativa:
Gancho (1998), Motta (2004, 2007), Niel (s.d.)

Análise semiótica:
Abril (1995), Codato e Lopes (2005), Iasbeck (2005), Penn (2002), Rose (2002)

Estudo de caso (estratégia):
Duarte, M. (2005), Fachin (2003), Gil (1999, 2002), Pádua, E. (2000), Pérez Serrano (1994), Triviños (1997), Yin (2005)


REFERÊNCIAS:

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AGUIRRE BAZTÁN, Ángel. Etnografia: metodología cualitativa em la investigación sociocultural. Barcelona: Marcombo, 1995.

ALONSO, Luis Enrique. Sujeto y discurso: el lugar de la entrevista abierta en las prácticas de la sociología cualitativa. In: DELGADO, Juan Manuel; GUTIÉRREZ, Juan (org.). Métodos y técnicas cualitativas de investigación en ciencias sociales. Madri: Síntesis, 1995.

BABBIE, Earl. Métodos de pesquisas de survey. Belo Horizonte: UFMG, 2005

BARDIN, Laurence. A análise de conteúdo. 3.ed. Lisboa: Edições 70, 2004.

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METODOLOGIA CIENTÍFICA - A PESQUISA CIENTÍFICA

PESQUISA CIENTÍFICA

Toda pesquisa deve passar por uma fase preparatória de planejamento devendo-se estabelecer certas diretrizes de ação e fixar-se uma estratégia global. A realização deste trabalho prévio é imprescindível.

A ciência se apresenta como um processo de investigação que procura atingir conhecimentos sistematizados e seguros. Para alcançar este objetivo é necessário que se planeje o processo de investigação, isto é, traçar o curso de ação a ser seguido no processo da investigação científica.

Não é, porém, necessários que se sigam normas rígidas. A flexibilidade deve ser a característica principal neste planejamento de pesquisa, para que as estratégias previstas não bloqueiem a criatividade e a imaginação crítica do investigador.

Afirma-se que não existe método científico estabelecido previamente. Existem critérios gerais orientadores que facilitam o processo de investigação.


TIPOS DE PESQUISA

O planejamento de uma pesquisa depende tanto do problema a ser investigado, de sua natureza e situação espaço-temporal em que se encontra, quanto da natureza e nível de conhecimento do investigador. Assim pode haver um número sem fim de tipos de pesquisa.

Serão desconsideradas as diferentes classificações desses tipos para utilizar apenas uma: a que leva em conta o procedimento geral que é utilizado para investigar o problema. Com isso podemos distinguir no mínimo três tipos de pesquisa: a bibliográfica, a experimental e a descritiva.

Pesquisa Bibliográfica

Desenvolve-se tentando explicar um problema através de teorias publicadas em livros ou obras do mesmo gênero. O objetivo deste tipo de pesquisa é de conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre um determinado assunto ou problema, tornando-se um instrumento indispensável para qualquer pesquisa. Pode-se usá-la para diversos fins como, por exemplo:
•Ampliar o grau de conhecimento em uma determinada área;
•Dominar o conhecimento disponível e utilizá-lo como instrumento auxiliar para a construção e fundamentação das hipóteses;
•Descrever ou organizar o estado da arte, daquele momento, pertinente a um determinado assunto ou problema.


Pesquisa Experimental

Neste tipo de pesquisa o investigador analisa o problema, constrói suas hipóteses e trabalha manipulando os possíveis fatores, as variáveis, que se referem ao fenômeno observado. A manipulação na quantidade e qualidade das variáveis proporciona o estudo da relação entre causas e efeitos de um determinado fenômeno, podendo-se controlar e avaliar os resultados dessas relações.

Pesquisa Descritiva não Experimental

Este modelo de pesquisa estuda as relações entre duas ou mais variáveis de um dado fenômeno sem manipulá-las. A pesquisa experimental cria e produz uma situação em condições específicas para analisar a relação entre variáveis à medida que essas variáveis se manifestam espontaneamente em fatos, situações e nas condições que já existem.

A decisão de se utilizar à pesquisa experimental ou não-experimental na investigação de um problema vai depender de vários fatores: natureza do problema e de suas variáveis, fontes de informação, recursos humanos, instrumentais e financeiros disponíveis, capacidade do investigador, conseqüências éticas e outros.

Devem-se avaliar as vantagens e as limitações que apresentam um e outro tipo de pesquisa. Kerlinger (1985, p. 127) apresenta três vantagens da pesquisa experimental. A primeira é a fácil possibilidade de manipulação das variáveis isoladamente ou em conjunto; a segunda é a flexibilidade das situações experimentais que otimiza a testagem dos vários aspectos das hipóteses; a terceira é a possibilidade de replicar os experimentos ampliando e facilitando a participação da comunidade científica na sua avaliação. Como limitações, Kerlinger aponta a falta de generalidade, pois um resultado evidenciado em uma pesquisa experimental de laboratório nem sempre é o mesmo obtido em uma situação de campo onde há variáveis muitas vezes desconhecidas ou imprevisíveis que podem intervir nos resultados. Por esse motivo, os seus resultados devem permanecer restritos às condições experimentais.

Pesquisa Exploratória

Outro tipo de pesquisa que tem grande utilização, principalmente nas áreas sociais. Nela não se trabalha com a relação entre as variáveis, mas com o levantamento da presença das variáveis e de sua caracterização quantitativa ou qualitativa. Seu objetivo fundamental é o de descrever ou caracterizar a natureza das variáveis que se quer conhecer.


FLUXOGRAMA DA PESQUISA

Desde a preparação até a apresentação de um relatório de pesquisa estão envolvidas diferentes etapas. Algumas delas são concomitantes; outras são interpostas. O fluxo que ora se apresenta tem apenas uma finalidade didática de exposição. Na realidade ela é extremamente flexível. Abaixo temos o exemplo de um fluxograma de pesquisa científica:

1. Etapa de Preparação e de Delimitação do problema

•Escolha do tema

• Revisão da Literatura

• Documentação

• Crítica da documentação

• Construção do referencial Teórico

• Delimitação do problema

• Construção das Hipóteses


2. Etapa de Construção do Plano
•Problema e Justificativa
•Objetivos
•Referencial Teórico
•Hipóteses, Variáveis e Definições
•Metodologia;
•Design;
•População e Amostra;
•Instrumentos;
•Plano de Coleta, Tabulação e Análise de Dados.
•Estudo Piloto, com testagem dos instrumentos, técnicas e plano de análise dos dados.


3. Etapa de Execução do Plano
•Estudo Piloto
•Treinamento dos Entrevistadores
•Coleta de Dados
•Tabulação
•Análise e Estatística
•Avaliação das Hipóteses


4. Etapa de Construção e Apresentação do Relatório

Construção do Esquema do Relatório: Problema, referencial teórico, resultado da avaliação do teste das hipóteses e conclusões.
•Redação: Sumário, introdução, corpo do trabalho, conclusão, referências bibliográficas, bibliografia, tabelas, gráficos e anexos.
•Apresentação: Conforme as normas da ABNT.


Primeira Etapa: Preparatória

Esta fase, a preparatória, é dedicada a escolha do tema, à delimitação do problema, à revisão da literatura, construção do marco teórico e construção das hipóteses. Seu objetivo principal é a que o pesquisador defina o problema que irá investigar. È nesta etapa que se apresentam as principais dificuldades para o investigador.

A escolha do tema deve estar condicionada à existência de três fatores:
•O primeiro é que o tema responda aos interesses de quem investiga.
•O segundo é a qualificação intelectual de quem investiga. O pesquisador deve usar temas que estejam ao alcance de sua capacidade e de seu nível de conhecimento.
•O terceiro é a existência de fontes de consulta que estejam ao alcance do pesquisador. O primeiro passo para constatar sua existência é fazer um levantamento das publicações que existem sobre o tema nas bibliotecas, consultando catálogos e revistas especializadas, resenhas e comentários.


Escolher o tema é indicar a área e a questão que se quer investigar. No entanto, apenas a escolha do tema não diz ainda o que o pesquisador quer investigar. A sua meta, nesta etapa, é a de delimitar a dúvida que irá responder com a pesquisa. A delimitação do problema esclarece os limites precisos da dúvida que tem o investigador dentro do tema escolhido. A simples escolha de um tema deixa o campo da investigação muito amplo e muito vago. Há necessidade de se estabelecer os limites de abrangência do estudo a ser efetuado. Isso só é possível quando se delimita com precisão o problema, o que é conseguido com perguntas pertinentes especificando com clareza as dúvidas. Deve ser expresso em forma de enunciado interrogativo que contenha no mínimo a relação entre duas variáveis. Se não manifestar esta relação é sinal que ele ainda não está suficientemente claro para a investigação.

Para chegarmos ao enunciado devemos antes defini-lo da seguinte maneira:

a. A área ou o campo de observação;
b. As unidades de observação. Dever estar claro quem ou o quê deverá ser objeto de observação.
c. Apresentar as variáveis que serão estudadas, mostrando que aspectos ou que fatores mensuráveis serão analisados, com a respectiva função empírica.

Para que ocorra essa clareza na delimitação do problema é necessário que o investigador tenha conhecimento. Ninguém investiga o que não conhece. E a forma mais fecunda para se obter conhecimento é através da revisão da literatura pertinente ao tema investigado. O objetivo desta revisão é de aumentar o acervo de informações e do conhecimento do investigador com as contribuições teóricas já existentes. Lançar-se em uma pesquisa desconhecendo as contribuições já existentes é arriscar-se a perder tempo em busca de soluções que talvez outros já tenham encontrado, ou percorrer caminhos já trilhados com insucesso.

A revisão da literatura é feita buscando-se nas fontes primárias e na bibliografia secundária as informações relevantes que foram produzidas e que têm relação com o problema investigado. Pode-se usar como fontes livros, obras publicadas, monografias, periódicos especializados, documentos e registros existentes em institutos de pesquisa.

Durante a revisão da literatura deve-se executar o registro dessas idéias em fichas, juntamente com comentários pessoais, com o objetivo de essa documentação bibliográfica acumular e organizar idéias relevantes já produzidas na ciência.

Concluída a documentação, inicia-se a fase da avaliação e crítica. Nesse momento deve-se estabelecer o confronte entre idéias consideradas relevantes examinando a sua consistência, nível de coerência interna e externa e comparando-as entre si. O importante é notar os pontos positivos e negativos nas teorias analisadas, inter-relacionando uma com as outras não esquecendo que a crítica tem sempre em vista o problema investigado. É ela que seleciona o acervo de idéias trabalhadas para a montagem posterior do quadro de referências teóricas.

Após a crítica se iniciam a ordenação das idéias coletadas, os objetivos da investigação, as teorias relevantes que o abordam com seus pontos positivos ou negativos e as hipóteses propostas pelo autor. Esta fase é a de construção, da montagem e exposição do quadro de referência teórica que será utilizado para a delimitação e a análise do problema abordado, para a sustentação das hipóteses sugeridas e a construção das definições que traduzem os conceitos abstratos das variáveis.

Se a pesquisa for bibliográfica, constrói-se o quadro de referência teórica que sustenta as conclusões.

Se a pesquisa for experimental ou descritiva, a fase seguinte comporta a explicação de hipóteses, o estabelecimento das variáveis e suas definições empíricas.

Segunda Etapa: Elaboração do Projeto de Pesquisa

A partir da conclusão da etapa preparatória, o investigador pode iniciar a segunda etapa da investigação, preocupando-se com a elaboração do projeto que estabelece a seqüência da investigação, tendo como curso orientador o problema e o teste das hipóteses. Sem o projeto o investigador corre o risco de desviar-se do problema que quer investigar, recolhendo dados desnecessários ou deixando de obter os necessários.

O projeto de pesquisa é um plano onde aparecem explícitos os seguintes itens:

a. Tema, problema e justificativa;
b. Objetivos;
c. Quadro de referência teórica
d. Hipóteses, variáveis e respectivas definições empíricas;
e. Metodologia;
f. Descrição do estudo piloto;
g. Orçamento e cronograma;
h. Referências bibliográficas;
i. Anexos.

O projeto é um documento o máximo sintético e objetivo que apresenta os principais itens que compõem a investigação para uma pré-avaliação de sua viabilidade. Ele tem dois objetivos: o primeiro é proporcionar ao investigador o planejamento que vai executar, prevendo os passos e atividades a ser seguidos; o segundo é dar condições para uma avaliação externa feita por outros pesquisadores.

Para tanto há necessidade de que todos os itens do projeto atendam aos requisitos e exigências requeridas pela comunidade científica observando os seguintes aspectos:
•Enunciar com clareza o problema, explicitando e definindo as variáveis que estão presentes no estudo.
•A pertinência das hipóteses deve ser demonstrada pela sua adequação com o quadro de referência teórica apresentada.
•A revisão bibliográfica deve ser atualizada e englobar a análise das obras básicas relacionadas ao problema investigado.
•A viabilidade e a pertinência da metodologia proposta para a testagem das hipóteses devem ser apresentadas.
•Os tipos de análise ou de testes estatísticos também devem ser previstos. Devem-se explicar os tipos de instrumentos que serão utilizados.
•O detalhamento do orçamento, prevendo as despesas com recursos humanos e materiais e o cronograma que especifica os prazos para cada fase da investigação.


Após estar pronto o plano executa-se o estudo piloto com uma amostra que possua características semelhantes ao elemento estudado. Este estudo poderá fornecer valiosos subsídios para o aperfeiçoamento dos instrumentos de pesquisa ou para os procedimentos de coleta de dados.

Terceira Etapa: Execução do Plano

Executado o estudo piloto, se necessário, introduzem-se correções e se inicia a etapa seguinte que é a da execução do plano, com a testagem propriamente dita das hipóteses, com o experimento ou a coleta de dados. Se a pesquisa utilizar entrevistadores há necessidade de treiná-los previamente visando uniformizar os procedimentos de ação neutralizando ao máximo a interferência de fatores estranhos no resultado da pesquisa.

Executada a fase de coleta, inicia-se o processo de tabulação, com a digitação dos dados, aplicação dos testes e análise estatística e avaliação das hipóteses. A análise estatística deve servir para afirmar se as hipóteses são ou não rejeitadas. Através dela pode-se estabelecer uma apreciação com juízos de valor sobre as relações entre as variáveis.

Quarta Etapa: Construção do Relatório de Pesquisa

Esta etapa é dedicada à construção do relatório de pesquisa que serve para relatar a comunidade científica, ou ao destinatário de sua pesquisa, o resultado, procedimentos utilizados, dificuldades e limitações de sua pesquisa.


ESTRUTURA E APRESENTAÇÃO DOS RELATÓRIOS DE PESQUISAS

A finalidade de um relatório de pesquisa é a de comunicar os processos desenvolvidos e os resultados obtidos em uma investigação. Os relatórios podem ser feitos de diversas formas: através de um artigo sintético para ser publicado em um algum periódico, através de uma monografia com objetivos acadêmicos ou na forma de uma obra para ser publicada. Além dos elementos que envolvem que envolvem uma produção textual e que seguem a orientação da lingüística aplicada, há os elementos objetivos ligados à coerência lógica, coesão textual e norma técnicas padronizadas e convenções tradicionais que devem ser respeitadas.

Há determinadas convenções padronizadas, decorrente do uso acadêmico, literário e científico, que acabaram por se transformar em normas e em modelos formais que devem ou podem ser seguidos.

Tipos de Relatório de Pesquisa Científica

Os relatórios de pesquisa são tratados na literatura específica com sentidos diversos, gerando, muitas vezes, ambigüidade de interpretações.

Há relatórios elaborados com fins acadêmicos e com fins de divulgação científica. Costuma-se incluir como "trabalho científico" diferente tipos de trabalho: resumos, resenhas, ensaios, artigos, relatórios de pesquisa, monografias, etc. O adjetivo "científico" confunde muitas vezes a cientificidade com o cumprimento das normas e padrões de sua estrutura e apresentação. Convém lembrar que cientificidade nada tem haver com normas e padrões.

O que há de comum nestes tipos de trabalho, exceto o resumo e resenha, é que todos são monográficos, devem versar sobre o problema que foi investigado e desenvolvido com atitude científica. Investiga-se um problema (mono), e não dois ou vários. Nesse sentido são todos os relatórios de pesquisa, necessariamente monográficos e científicos, com uma estrutura básica comum e algumas diferenças ao nível de profundidade da investigação, da exigência acadêmica em que são desenvolvidos, aos seus objetivos e aspectos formais tendo em vista a finalidade de sua apresentação.

Estrutura dos Relatórios de Pesquisa Científica

Um relatório de pesquisa compreende as seguintes partes:

a) Elementos pré-textuais:
•Capa;

• Folha de Rosto: contém elementos essenciais à identificação do trabalho;

• Dedicatória: opcional, serve para indicar pessoas a que se oferece o trabalho;

• Agradecimentos: serve para nomear pessoas as quais se deve gratidão, em função a algum tipo de colaboração no trabalho;

• Abstract: resumo da investigação, destacando as partes mais importantes

• Sumário: fornece a enumeração das principais divisões, seções e outras partes do trabalho;

• Lista de Tabelas, Gráficos e Quadros: quando houver deve-se lista-los.


b) Elementos Textuais:
•Introdução: seu objetivo é situar o leitor no contexto da pesquisa considerando os seguintes aspectos:
•Problema
•Objetivo
•Justificativa
•Definições
•Metodologia
•Marco Teórico
•Hipóteses
•Dificuldades ou Limitações
•Desenvolvimento: é a demonstração lógica de todo o trabalho de pesquisa;
•Conclusão: ela deve retomar o problema inicial, revendo as principais contribuições que trouxe a pesquisa e apresentar o resultado final;
•Notas: servem para o autor apresentar indicações bibliográficas, fazer observações, definições de conceito ou complementações ao texto;
•Citações: são menções, através de transcrição ou paráfrase, das informações retiradas de outras fontes;
•Fontes Bibliográficas: é o conjunto de elementos que permitem a identificação das fontes citadas no texto.


c) Elementos Pós-textuais:
•Apêndice: utilizado para colocar textos ou informações complementares elaborados pelo autor;
•Anexo: documento não elaborado pelo autor, acrescentado para provar, ilustrar ou fundamentar o texto.



ARTIGO CIENTÍFICO: ESTRUTURA E APRESENTAÇÃO

O artigo é uma apresentação sintética. Em forma de relatório escrito, dos resultados de investigações ou estudos realizados a respeito de uma questão. Seu objetivo é o de ser um meio rápido de divulgar o referencial teórico, a metodologia, os resultados alcançados e as principais dificuldades encontradas no processo de investigação ou análise de uma questão.

O artigo tem a seguinte estrutura:
•Identificação: Título do trabalho, autor e qualificação do autor;
•Abstract: Resumo;
•Palavras-chave: Termos que indicam o conteúdo do artigo;
•Artigo: Deve conter introdução, desenvolvimento e demonstração dos resultados, conclusão;
•Referências Bibliográficas;
•Anexos ou Apêndices: Quando necessário;
•Data do Artigo.



APRESENTAÇÃO DOS RELATÓRIOS DE PESQUISA E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A finalidade de um relatório de pesquisa é comunicar os resultados obtidos na investigação. A sua apresentação formal obedecem as normas técnicas padronizadas e a determinados formalismos a serem seguidos conforme relacionado abaixo.

Distribuição do Texto na Folha
•Paginação: As páginas devem ser numeradas com números arábicos no canto superior direito da folha, iniciando-se a contagem na folha de rosto;
•Papel, margens e espacejamento: Deve-se usar papel A4 tamanho. Na distribuição do texto, para páginas capitulares, deixa-se 8 cm de margem superior entre o texto e a borda e nas demais 3cm. A margem esquerda deve ser de 3,5 cm e a direita e inferior 2,5 cm.
•Citações: Podem ser em forma de transcrição, ou de paráfrase.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: NORMAS DE APRESENTAÇÃO

Definições e Localização

São um conjunto de elementos que permitem a identificação de documentos impressos ou registrados em diversos tipos de material, utilizados como fonte de consulta e citados nos trabalhos elaborados os quais devem seguir as normas da NBR 6023 da ABNT.

Uma referência bibliográfica tem elementos essenciais e complementares. Os essenciais são os indispensáveis para a identificação das fontes de citações de um trabalho; os complementares são os opcionais que podem ser acrescentados aos essenciais para melhor caracterizar as publicações referenciadas.

As referências bibliográficas podem aparecer em diversos em diferentes locais do texto, em notas de rodapé ou de fim de texto, lista bibliográfica sinalética ou analítica e encabeçando resumos ou recensões.

Ordem dos Elementos

Os elementos essenciais e complementares devem seguir a seguinte ordem:

a. Autor da publicação;

b. Título do trabalho;

c. Indicações de responsabilidade;

d. Número de edição;

e. Imprenta (Local da edição, editor e ano da publicação);

f. Descrição física, ilustração e dimensão;

g. Série ou coleção;

h. Notas especiais;

i. ISBN.


NORMAS COMPLEMETARES E GERAIS DE APRESENTAÇÃO

A seguir estão às regras e normas gerais que complementam a apresentação, normatizadas pela NBR 60-23.

Pontuação

Deve-se usar uma forma consistente de pontuação para todas as referências incluídas numa lista de publicação. Os vários elementos da referência bibliográfica devem ser separados entre si por uma pontuação uniforme.

Emprega-se vírgula entre o sobrenome e o nome do autor (pessoa física) quando invertido.

Ligam-se por hífen as páginas inicial e final da parte referenciada, bem como as datas limites de determinado período da publicação.

Ligam-se por barra transversal os elementos do período coberto pelo fascículo referenciado.

Indicam-se entre colchetes os elementos que não figuram na obra referenciada.

Empregam-se reticências nos casos em que se faz supressão de parte do título.

Tipos e Corpos

Deve-se usar uma forma consistente de destaque tipográfico para todas as referências incluídas numa lista ou publicação.

Autor

Indicam-se ou autor físico geralmente com a entrada pelo último sobrenome e seguido do prenome. Em caso de exceção, consultar as fontes adequadas.

Quando a obra tem até três autores, mencionam-se todos na entrada, na ordem em que aparecem na publicação. Se há mais de três, após os três primeiros segue-se a expressão et alii.

Obras constituídas de vários trabalhos ou contribuições de vários autores entram pelo responsável intelectual.

Em caso de autoria desconhecida, entra-se pelo título, não usando a expressão "anônimo".

Obra publicada sob pseudônimo, este deve ser adotado na referência. Quando o verdadeiro nome for conhecido, é indicado entre colchetes, depois do pseudônimo.

As obras de responsabilidade de entidade coletivas têm geralmente entrada pelo título, com exceção de anais do congresso e trabalhos administrativos, legal, etc.

Título

O título é reproduzido tal como figura na obra ou trabalho referenciado, transliterado, se necessário.

Edição

Indica-se a edição em algarismos arábicos, seguidos de ponto e abreviatura da palavra edição no idioma da publicação.

Imprenta

Indica-se o local (cidade) da publicação, nome do editor e a data da publicação da obra.

Descrição Física

Aqui se define o número de páginas ou volumes, material especial, ilustrações, dimensões, séries e coleções.

Notas Especiais

São informações complementares que podem ser acrescentadas ao final da referência bibliográfica.


COMO CLASSIFICAR PESQUISAS

As pesquisas podem ser classificadas em três grandes grupos: exploratórias, descritivas e explicativas.

1 – Pesquisas Exploratórias

Tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema para torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Na maioria dos casos essas pesquisas envolvem: levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas relacionadas a pesquisa e análise de exemplos.

2 – Pesquisas Descritivas

Tem como objetivo a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou a relação entre determinadas variáveis.

3 – Pesquisas Explicativas

Tem como preocupação central identificar os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos. É a que mais aprofunda o conhecimento da realidade, pois explica a razão, o porquê das coisas.

FOUCAULT E "O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN" - RESENHA

Com relação ao filme, acabei revendo-o mais de uma vez e fiz algumas considerações, creio que é praticamente impossível assistir a O Segredo de Brokeback Mountain (o título em português) com um olhar imparcial e sem ver sua opinião refletir-se em seu próprio posicionamento acerca do homossexualismo, um tema que ainda representa um tabu enorme quando tratado publicamente, mesmo numa época tão liberal como a que vivemos. Pré-julgamentos e opiniões pessoais à parte, minha impressão é que, se o espectador não concorda com o tema, não adianta o longa conquistar uma pancada de prêmios por aí: a experiência será desagradável, e ponto final. Por outro lado, se você não liga para rotulações e não está nem aí para o que cada um faz de sua vida, resta apenas aproveitar o que o filme realmente é: uma bela história de amor, e dane-se se o casal central é formado por dois homens.

Neste ponto ocorreu-me que muitos são temas abordados – violência, controle social, "loucura", subjetividades, amizade, amor, corpo e sexualidade – evidenciam não só as possibilidades de diálogos com o pensamento filosófico e político de Michel Foucault, mas, também, a vocação do autor para pensar o tempo presente e formular conceitos que contribuíram para o diagnóstico de problemas sociais contemporâneos e até trazer isto para a realidade acadêmica .

Na minha opinião trata-se de uma obra de pura beleza, e como ficou fácil perceber, o negócio é realmente complicado pra definir, mas o cineasta ou diretor é tão preciso em seu trabalho que, em muitos momentos, a gente esquece que são dois caras ali. Uma seqüência em especial, (o momento em que Jack Twist parte em sua pick-up e vê o reflexo de Ennis Del Mar, indo em direção contrária), é de uma tristeza tão grande que creio poucos conseguirão sobreviver a ela sem sentir os olhos lacrimejar.

Não é um filme perfeito, ok: há uma ou outra escolha errada, como a seqüência final absurdamente clichêzenta – pra mim, surtiu o mesmo efeito do final de Titanic, na boa – e alguns lapsos da bela trilha sonora em certos momentos insiste em querer ser épica e grandiosa. O que mais me incomodou foi a indecisão do roteiro - como na vida - em ousar ou não ousar no relacionamento de Ennis e Jack. Explico: o primeiro contato íntimo entre os dois é uma seqüência pesadíssima. A partir daí, as coisas ficam bem mais amenas, resumindo-se a um ou outro abraço e alguns “beijos” aparentemente forçados. Numa cena em especial, tive a impressão de que Jake Gyllenhaal encolheu a boca na hora de beijar… Sério! :-D Num trabalho deste naipe, ou o filme entrega-se por completo ou não se entrega. Não dá para ficar no meio-termo, acho.

Evidencia principalmente a angústia das personagens masculinas em não poder pular de cabeça no amor que sentem um pelo outro, minha percepção pessoal foi de um longa bonito, comedido, triste, absolutamente depressivo e, acima de tudo, importante. Para se assistir com o coração aberto, sem importar-se se o casal retratado na tela é gay, bissexual, lésbica, heterossexual ou qualquer outro rótulo.


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Peça Teatral - "Cartas de amor para Stalin" - Resenha

A atriz Bete Coelho e o ator Ricardo Bittencourt apresentam desde 13 de Agosto no Teatro do SESC Santana o espetáculo “Cartas de Amor para Stálin”, com texto inédito no Brasil do dramaturgo espanhol Juan Mayorga, direção do encenador baiano Paulo Dourado e, tradução e adaptação da peça assinada pelo jornalista e escritor Manuel da Costa Pinto. A temporada segue do dia 13 de agosto a 18 de setembro, sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 18h.

O texto apresentado ao longo da peça apresenta o drama de um dos principais escritores e dramaturgos soviéticos da década de 30, Mikhail Bulgákov, que vive recluso em casa com sua esposa. Inconformado em ver sua obra desaparecendo da vida pública devido à censura imposta pelo regime, o escritor recebe uma misteriosa ligação telefônica. Do outro lado da linha está o próprio Stálin, seu admirador confesso. Para o escritor poderia existir algo mais promissor? Porém, pouco depois, a ligação cai e o motivo daquele contato precisa ser desvendado.

Já neste momento estabelece-se não só o mistério - teria sido a ligação telefônica real? e a partir deste, o dramaturgo Juan Mayorga desenvolve a história, apresentando a trajetória do escritor na tentativa de estabelecer uma interlocução com Stálin. Na peça, Bulgákov (Ricardo Bittencourt) passa a escrever incansavelmente cartas para o ditador – que nunca as responde. Insistindo em seu propósito, a despeito dos apelos de sua esposa (Bete Coelho), o escritor progressivamente entra em um processo que levará a ficção paranóica dele e do próprio Stálin colocando-os juntos criando uma imagem incerta e Stalin - meditador, monstro agora um, ora outro, um perturbador do companheiro sofredor, caminhando junto a este em direção a um horizonte sem hum futuro...ora companheir, ora sofredor... perturbador..

Acredita-se que o texto parte de uma situação supostamente verídica da época. Sabe-se que, durante o regime stalinista, o escritor russo Mikhail Bulgákov (um dos muitos intelectuais, romancistas e dramaturgos perseguidos pelo regime) haveria recebido uma ligação do próprio Stálin, em que o ditador revelara admiração pelo escritor e disposição de resolver a situação de censura e ostracismo a que ele estava submetido. A ligação, porém, também foi interrompida subitamente antes de qualquer definição.

Com o objetivo de transcender a referência histórica e estabelecer um debate com a plateia sobre a relação entre o poder estatal (na figura emblemática de Stalin) e o poder da “arte” (no personagem-escritor Mikhail Bulgákov), a montagem desenvolvida utilizou o texto original e homônimo do dramaturgo espanhol como ponto de partida para uma ampla reflexão sobre a condição do artista e o papel da arte na sociedade contemporânea.

Em tempos de democracia, talvez principalmente por isso, a montagem do espetáculo ‘Cartas De Amor Para Stalin’ torna-se relevante no sentido de afirmar a importância do diálogo, da tolerância, do respeito à diversidade, do respeito à liberdade de expressão e de criação artística.

Serviço:
Av. Luiz Dumont Villares, 579 - Santana – Jardim São Paulo – região norte
até 18 de setembro. Sextas e sábados, às 21h. Domingo, às 18h.
Classificação indicativa: 14 anos
Ingressos: Ingressos: R$ 20,00 (inteira); R$ 10,00 (usuário matriculado no SESC e dependentes, +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino). R$ 5,00 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes).

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A IDADE MÉDIA, NASCIMENTO DO OCIDENTE - RESENHA

APRESENTAÇÃO
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O período entre os séculos IV e XVI é tradicionalmente conhecido por Idade das Trevas, Idade da Fé ou, com mais freqüência, Idade Média. Todos eles rótulos pejorativos, que escondem a importância daquela época na qual surgiram os traços essenciais da civilização ocidental. Nesta, mesmo países surgidos depois daquela fase histórica - caso do Brasil - têm muito mais de medieval do que à primeira vista possa parecer. Olhar para a Idade Média é estabelecer contato com coisas que nos são ao mesmo tempo familiares e estranhas, é resgatar uma infância longínqua que tendemos a negar mas da qual somos produto. De fato, para o homem do Ocidente atual compreender em profundidade a Idade Média é um exercício imprescindível de autoconhecimento.
Abaixo apresentamos uma resenha textual.
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FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade média: nascimento do ocidente. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001.
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Introdução: O (Pré)Conceito De Idade Média
Falarmos em Idade Antiga ou Média representa uma rotulação a posteriori, uma satisfação da necessidade de se dar nome aos momentos passados, foi o século XVI que elaborou tal conceito, um desprezo não disfarçado em relação aos séculos localizados entre a Antigüidade Clássica e o próprio século XVI.
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A Idade Média Para Os Renascentistas E Iluminista
O italiano Francesco Petrarca (1304-1374) já se referira ao período anterior como de tenebrae: nascia o mito historiográfico da Idade das Trevas.
A arte medieval, por fugir aos padrões clássicos, também era vista como grosseira daí o grande pintor Rafael Sanzio (1483-1520) chamá-la de “gótico”, termo então sinônimo de “bárbara”.

O sentido básico mantinha-se renascentista: a “Idade Média” teria sido uma interrupção no progresso humano, inaugurado pelos gregos e romanos e retomado pelos homens do século XVI. Ou seja, também para o século XVII os tempos “medievais” teriam sido de barbárie, ignorância e superstição.
O século XVIII, antiaristocrático e anticlerical, acentuaram o menosprezo à Idade Média, vista como momento áureo da nobreza e do clero. A filosofia da época, chamada de iluminista por se guiar pela luz da Razão, censurava, sobretudo a forte religiosidade medieval, o pouco apego da Idade Média a um estrito racionalismo e o peso político de que a Igreja então desfrutara.
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A Idade Média Para Os Românticos
O Romantismo da primeira metade do século XIX inverteu, contudo, o preconceito em relação à Idade Média. O ponto de partida foi à questão da identidade nacional, que ganhara forte significado com a Revolução Francesa. A nostalgia romântica pela Idade Média fazia com que ela fosse considerada o momento de origem das nacionalidades, satisfazendo assim os novos sentimentos do século XIX.

Vista como época de fé, autoridade e tradição, a Idade Média oferecia um remédio à insegurança e aos problemas decorrentes de um culto exagerado ao cientificismo.
Essa Idade Média dos escritores e músicos românticos era tão preconceituosa quanto à dos renascentistas e dos iluministas. Para estes dois, ela teria sido uma época negra, a ser relegada da memória histórica. Para aqueles, um período esplêndido, um dos grandes momentos da trajetória humana, algo a ser imitado, prolongado.
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A Idade Média Para O Século XX
Passou-se a tentar ver a Idade Média como os olhos dela própria, não com os daqueles que viveram ou vivem noutro momento. Entendeu-se que a função do historiador é compreender, não a de julgar o passado. Logo, o único referencial possível para se ver a Idade Média é a própria Idade Média.
Ao examinar qualquer período do passado, o estudioso necessariamente trabalha com restos, com fragmentos — as fontes primárias, no jargão dos historiadores — desse passado, que portanto jamais poderá ser integralmente reconstituído. Ademais, o olhar que o historiador lança sobre o passado não pode deixar de ser um olhar influenciado pelo seu presente.
O período que se estendeu de princípios do século IV a meados do século VIII sem dúvida apresenta uma feição própria, não mais “antiga” e ainda não claramente “medieval”. Apesar disso, talvez seja melhor chamá-la de Primeira Idade Média do que usar o velho rótulo de Antigüidade Tardia, pois nela teve início a convivência e a lenta interpenetração dos três elementos históricos que comporiam todo o período medieval. Elementos que, por isso, chamamos de Fundamentos da Idade Média: herança romana clássica, herança germânica, cristianismo.
Nesse mundo em transformação, a penetração germânica intensificou as tendências estrutural anteriores, mas sem alterá-las. Foi o caso da pluralidade política substituindo a unidade romana, da concepção de obrigações recíprocas entre chefe e guerreiros, do deslocamento para o norte do eixo de gravidade do Ocidente, que perdia seu caráter mediterrânico. O cristianismo, por sua vez, foi o elemento que possibilitou a articulação entre romanos e germanos, o elemento que ao fazer a síntese daquelas duas sociedades forjou a unidade espiritual, essencial para a civilização medieval.
Europa católica entrou em outra fase, a Alta Idade Média (meados do século VIII - fins do X). Foi então que se atingiu, ilusoriamente, uma nova unidade política com Carlos Magno, mas sem interromper as fortes e profundas tendências centrífugas que levariam posteriormente à fragmentação feudal.
Graças a esse temporário encontro de interesses entre a Igreja e o Império, ocorreu certa recuperação econômica e o início de uma retomada demográfica. Iniciou-se então a expansão territorial cristã sobre regiões pagãs — que se estenderia pelos séculos seguintes — reformulando o mapa civilizacional da Europa.
A Idade Média Central (séculos XI-XIII) que então começou foi, grosso modo, a época do feudalismo, cuja montagem representou uma resposta à crise geral do século X. A sociedade cristã ocidental conheceu uma forte expansão populacional c uma conseqüente expansão territorial, da qual as Cruzadas são a faces mais conhecida. Graças à maior procura de mercadorias e à maior disponibilidade de mão-de-obra, a economia ocidental foi revigorada e diversificada. A produção cultural acompanhou essa tendência nas artes, na literatura, no ensino, na filosofia, nas ciências. Aquela foi, portanto, em todos os sentidos, a fase mais rica da Idade Média, daí ter merecido em todos os capítulos deste livro uma maior atenção.
A Baixa Idade Média (século XIV - meados do século XVI) com suas crises e seus rearranjos, representou exatamente o parto daqueles novos tempos, a Modernidade. A crise do século XIV, orgânica, global, foi uma decorrência da vitalidade e da contínua expansão (demográfica, econômica, territorial) dos séculos XI-XIII, o que levara o sistema aos limites possíveis de seu funcionamento.
Em suma, o ritmo histórico da Idade Média foi se acelerando, e com ele nossos conhecimentos sobre o período. Sua infância e adolescência cobriram boas parte de sua vida (séculos IV-X), no entanto as fontes que temos sobre elas são comparativamente poucas.
Sua maturidade (séculos XI-XIII) e senilidade (século XIV-XVI) deixaram, pelo contrário, uma abundante documentação.
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A Idade Media Para Os Medievais

As primeiras sociedades só registravam o tempo biologicamente, sem transformá-lo em História, portanto sem consciência de sua irreversibilidade. Isso porque, para elas, viver no real era viver segundo modelos extra-humanos, arquetípicos. Assim, tanto o tempo sagrado (dos rituais) quanto o profano (do cotidiano) só existiam por reproduzir atos ocorridos na origem dos tempos.
Tal concepção sofreu sua primeira rejeição com o judaísmo, que vê em Iavé não uma divindade criadora de gestos arquetípicos, mas uma personalidade que intervém na História. O cristianismo retornou e desenvolveu essa idéia, enfatizando o caráter linear da História, com seu ponto de partida (Gênese), de inflexão (Natividade) e de chegada (Juízo Final).
Pelo menos até o século XII os medievos não sentiam necessidade de maior precisão no cômputo do tempo, o que expressava e acentuava a falta de um conceito claro sobre sua própria época. De maneira geral, prevalecia o sentimento de viverem em “tempos modernos”, devido à consciência que tinham do passado, dos “tempos antigos”, pré-cristãos. Estava também presente a idéia de que se caminhava para o Fim dos Tempos, não muito distante.
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Capitulo I – As Estruturas Demográficas

O surgimento da Demografia Histórica, há menos de cinco décadas, enriqueceu consideravelmente o arsenal do historiador na sua tarefa de compreensão do passado.
A Idade Média estava na etapa que os especialistas chamam de Antigo Regime Demográfico, típico das sociedades agrárias, pré-industriais: alta taxa de natalidade e alta taxa de mortalidade. Em razão disso, a conjugação de certos fatores (estiagens, enchentes, epidemias etc.) por poucos anos seguidos alterava o quadro demográfico ao elevar ainda mais a mortalidade. Ou, pelo contrário, a ausência de eventos daquele tipo rapidamente produzia um saldo populacional positivo.
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Retratação Da Primeira Idade Media

Do ponto de vista demográfico, a primeira fase medieval foi um prolongamento da situação do Império Romano, cuja população conhecera um claro recuo desde o século II. Com a crescente desorganização do aparelho estatal romano, foram rareando as importações de gêneros alimentícios que tinham por séculos permitidos a existência de uma grande população urbana. As cidades começaram a se esvaziar, cada região tentou passar a produzir tudo àquilo de que necessitasse, Tal fenômeno paradoxalmente aumentou a insegurança, pois bastava uma má colheita para que a mortalidade naquele local rapidamente se elevasse, devido às dificuldades em obter alimentos em outras regiões.
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A Relativa Ocupação Da Alta Idade Média

Por meio de indícios esparsos na documentação — de interpretação problemática — indica certa retomada demográfica na segunda metade do século VIII. Esse fato talvez esteja ligado à reorganização promovida pelos Carolíngios, e talvez ajude mesmo a explicar a expansão territorial realizada por Carlos Magno. Contudo, essa recuperação foi desigual no
tempo e no espaço. Em muitos locais, em muitos momentos, a fome e a mortalidade continuavam acentuadas.
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A Expansão Da Idade Media Central

Apesar da inexistência de uma documentação quantitativa, é inquestionável aquele crescimento na Idade Média Central, como se percebe por cinco claros indícios: um acentuado movimento migratório; o movimento de arroteamentos, que fazia recuar as florestas, os terrenos baldios, as zonas pantanosas; aumento do preço da terra e do trigo; acentuado crescimento da população urbana naquele período; transformações sofridas pela arquitetura religiosa.
Todos esses testemunhos apontam, portanto, para um forte crescimento demográfico entre os séculos XI e XIII, mas é extremamente difícil quantificá-lo. De maneira geral, a documentação medieval fornece poucos dados populacionais que permitem um tratamento estatístico.
Portanto, mesmo sem se poder quantificar com maior rigor e precisão a expansão demográfica da Idade Média Central, ela é inegável. Naquele período dois fatores que anteriormente elevavam a mortalidade tiveram seu alcance reduzido. O primeiro deles foi à ausência de epidemias, com o recuo da peste e da malária, continuando apenas a lepra a ter certa intensidade.
O segundo fator a considerar é o tipo de guerra, que não envolvia grandes tropas de combatentes anônimos, como nas legiões romanas ou nos exércitos nacionais modernos: a guerra feudal era feita por pequenos bandos de guerreiros de elite, os cavaleiros.

Guerra feudal não objetivava a morte do adversário, apenas sua captura. Como uma das obrigações vassálicas era pagar o resgate do senhor aprisionado, c como na pirâmide hierárquica feudal quase todo nobre, além de ser vassalo de outros, tinha seus próprios vassalos, capturar um inimigo na guerra era obter um rendimento proporcional à importância do prisioneiro.
Outro fator que contribuiu para a expansão demográfica medieval foi à suavização do clima. Na Europa ocidental o clima tornou-se mais seco e temperado do que atualmente, sobretudo entre 750 e 1215. A viticultura pôde então expandir-se em regiões anteriormente impróprias, como a Inglaterra. A paisagem de alguns locais foi alterada e humanizada, como a Groenlândia, que fazia jus a seu nome (literalmente, “terra verde”) e apenas no século XIII, em virtude de novas mudanças climáticas, passou a ter icebergs em sua direção, tornando-se inóspita.

O período mais quente e seco não apenas transformou determinadas áreas em cultiváveis e habitáveis como contribuiu para dificultar a difusão da peste.
Por último, ajuda a explicar o crescimento populacional dos séculos X-XIII o surgimento ou difusão de uma série de inovações nas técnicas agrícolas. Dentre os aperfeiçoamentos técnicos da época, três exerceram uma ação direta sobre a elevação da produtividade agrícola: a nova atrelagem dos animais, a charrua pesada e o sistema trienal.

As inovações tecnológicas não apenas produziram uma maior quantidade de alimentos como, sobretudo, uma melhor qualidade. Até aquela época a dieta era mal balanceada, porque, baseada em cereais, fornecia muitas calorias e hidrato de carbono e poucas proteínas e vitaminas. A alteração então ocorrida na dieta talvez explique a mudança na proporção entre população masculina e feminina, favorável à primeira na Alta Idade Média e à segunda posteriormente.
Com a introdução de leguminosas na dieta e uma presença mais assídua de carne, peixe, ovos e queijo, a mortalidade feminina diminuiu. Tal fato teve ampla repercussão, contribuindo até mesmo para a valorização social da mulher.
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O Ressurgimento Da Peste Na Baixa Idade Media

O crescimento populacional acabou por se revelar excessivamente elevado para as condições européias de então. Durante o auge daquele fenômeno tinham sido ocupadas terras marginais, de menor fertilidade, que se esgotavam em poucos anos, baixando a produtividade média e desestabilizando o frágil equilíbrio produção-consumo.

O aumento populacional tinha implicado a derrubada de grandes extensões florestais, já que a madeira era o principal combustível e material de construção. Isso ajuda a explicar as chuvas torrenciais que em 1315-1317 atingiram a maior parte da Europa ao norte dos Alpes, exatamente nos locais de grande devastação florestal.

Em Antuérpia, importante centro distribuidor de cereais, o trigo subiu 320% em sete meses. A fome fazia grande quantidade de vítimas. O canibalismo tornou-se comum. Diferentes epidemias agravavam a situação. Impulsionada pela fome, muita gente vagava em busca do que comer, levando consigo as epidemias e a desordem.

A crise demográfica da Baixa Idade Média, que teve seu ponto crucial no ressurgimento da peste, então conhecida por peste negra. Ela apresentava-se de duas formas. A bubônica (assim chamada por provocar um bubão, um inchaço) tinha uma letalidade (relação entre os atingidos pela doença e os que morrem dela) de 60% a 80%, com a maioria falecendo após três ou quatro semanas. A peste pneumônica, transmitida de homem a homem, tinha uma letalidade de 100%, fazendo suas vítimas depois de apenas dois ou três dias de contraída a doença.

Democrática e igualitária, a peste atingia indiferentemente a todos. Até 1670, a Europa foi atingida todo ano. No período crítico, o da chamada peste negra, em 1348-1350, as perdas humanas variaram, conforme a região, de dois terços a um oitavo da população.

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Capitulo II – As Estruturas Econômicas
O prestígio ímpar que a História Econômica desfrutou por longo tempo deixou profundas marcas na produção medievalística. Sobretudo porque a impossibilidade de realizar estudos quantitativos como os que eram feitos para períodos históricos mais recentes, levou ao desenvolvimento de metodologias próprias. A historiografia especializada desenvolveu então trabalhos baseados no qualitativo (indícios, tendências, características), que elucidam melhor a economia medieval do ponto de vista da própria época.
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Retração E Estagnação Até O Século X
Do ângulo econômico, os séculos IV-X caracterizou por uma pequena produtividade agrícola e artesanal, conseqüentemente uma baixa disponibilidade de bens de consumo e a correspondente retração do comércio e portanto da economia monetária. Paralelamente, existiam pequenas e médias propriedades, ainda que aos poucos elas fossem absorvidas pelas villae. De qualquer forma, estas são mais bem conhecidas e predominavam naquele território que era o centro de gravidade de então, daí porque seja justificável falar em economia agrária dominial.

Esta girava em torno da divisão da área em duas partes. A primeira, chamada na época de terra indominicata (ou de reserva senhorial pelos historiadores), era explorada diretamente pelo senhor. Ali estava sua casa, celeiros, estábulos, moinhos, oficinas artesanais, pastos, bosques e terra cultivável. A segunda parte era a terra mansionaria, ou seja, o conjunto de pequenas explorações camponesas, cada uma delas designada pelos textos a partir do século VII por mansus. Cada manso era a menor unidade produtiva e fiscal do domínio. Dele uma família camponesa tirava sua subsistência, e por ter recebido tal concessão devia certas prestações ao senhor. Os mansi serviles, ocupados por escravos, deviam encargos mais pesados que os mansi ingenuiles, possuídos por camponeses livres.

Apesar de o fundamento da economia dominial estar na prestação de serviço na reserva senhorial por parte de camponeses livres mas dependentes, não se pode esquecer da mão-de-obra escrava. Tudo indica que a escravidão ainda era praticada em boa parte do Ocidente cristão, especialmente na Inglaterra, Alemanha, Itália e Catalunha. Mas é inegável que se generalizava então à figura dos servi casati, escravos estabelecidos e fixados num pedaço de terra. Dessa forma a própria palavra servus (escravo) passou a designar outra realidade jurídica, expressando aquela transformação socioeconômica — a do servo.
A produção dos domínios não apresentava grandes novidades em relação à agricultura da Antigüidade. A terra era trabalhada quase sempre no sistema bienal ou trienal.

O setor secundário ressentia-se da fraqueza demográfica e da medíocre produção agrícola. O primeiro fator roubava-lhe mão-de-obra e especialmente consumidores. O segundo limitava o fornecimento de matérias-primas. O artesanato dos séculos IV-X estava concentrado nos domínios, que com sua tendência à auto-suficiência procurava produzir ali mesmo tudo que fosse possível. A mão-de-obra era predominantemente escrava, vivendo na terra indominicata daquilo que o senhor lhe entregava, trabalhando nas oficinas com ferramentas e matérias-primas fornecidas por ele. A partir do século VIII havia também um pequeno grupo de artesãos assalariados, que se deslocavam de domínio em domínio.

O artesanato urbano, por sua vez, estava limitado pelas condições das cidades da época.

O setor terciário limitava-se praticamente ao comércio.
O comércio interno também se viu limitado, mas não paralisado. Se as dificuldades de produção, de um lado, restringiam as trocas por gerar poucos excedentes, de outro lado tornavam necessário que uma região com problemas temporários procurasse determinados produtos básicos em outras. Quando um domínio tinha certo excedente, ele era comercializado, diante da impossibilidade de se estocar.

Das três funções atribuídas à moeda, apenas uma foi importante naquele período. Primeiramente, ela é instrumento de medida de valor, ou seja, um padrão para medir o valor de bens e serviços adquiríveis, simplificando a relação pela qual determinada mercadoria pode ser trocado por outra. Em segundo lugar, a moeda é instrumento de troca, porque, não sendo ela própria consumível, pode, graças à sua aceitabilidade geral, servir de intermediária entre bens que se quer trocar. Por fim, ela é instrumento de reserva de valor, já que sem perder as funções anteriores pode ser guardada para a qualquer momento satisfazer certas necessidades. Este papel da moeda foi acentuado nos séculos IV-X devido à pequena disponibilidade de bens.
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O Crescimento Dos Séculos XI-XIII

A Idade Média Central conheceu importantes mudanças, a passagem da agricultura dominial para a senhorial. Havia dois tipos básicos delas, ambas de concessão pouco onerosa para o camponês, a censive e a champart. Na primeira, mais comum e difundida, em troca do usufruto da terra o camponês devia uma pequena renda fixa, o censo, pago em dinheiro ou em espécie. Na tenência champart (de campi pars, “parte da colheita”), a renda devida pelo camponês ao senhor não era fixa, mas proporcional ao resultado da colheita. De maneira geral, a taxa era de 10% na triticultura, de 16% a 33% na viticultura e na criação.

Não só os lotes camponeses viram sua área diminuir na Idade Média Central. A reserva senhorial também se viu reduzida em razão de vários fatores. Primeiro, a necessidade de criação de novas tenências camponesas, o que apenas o desmembramento dos mansos não fazia na quantidade desejada. Segundo, o progresso das técnicas agrícolas permitia ao senhor obter maior produção com menos terra. Terceiro, os rendimentos senhoriais vinham então bem mais do exercício dos direitos de ban do que da exploração direta do solo (daí as baixas exigências feitas aos camponeses em troca de suas tenências). Quarto, na nova ordem social que se implantava desde fins do século X — o feudalismo — para estabelecer relações de vassalagem o senhor cedia terras sob forma de feudo.
Não se deve, portanto, confundir senhorio e feudo. O primeiro era a base econômica do segundo, este a manifestação político-militar daquele. O senhorio era um território que dava a seu detentor poderes econômicos (senhorio fundiário) ou jurídico-fiscais (senhorio banal), muitas vezes ambos ao mesmo tempo. O feudo era uma cessão de direitos, geralmente mas não necessariamente sobre um senhorio. Havia regiões senhorializadas e não feudalizadas (como a Sardenha), mas não existiam regiões feudalizadas sem ser senhorializadas.

Em razão disso, o regime de mão-de-obra também se modificou em relação ao da agricultura dominial. A escravidão praticamente desapareceu no norte europeu, sobrevivendo apenas em algumas regiões mediterrânicas. O segmento de trabalho assalariado expandiu-se, em especial no século XII, graças ao barateamento da mão-de-obra resultante do aumento populacional. O servo tornou-se o principal tipo de trabalhador, complementando um processo bem anterior.

Em muitas regiões difundiu-se a prática de transformar a obrigação de serviços em pagamento monetário, com o qual o senhor contratava assalariados, cujo trabalho rendia o dobro do servil.

A produção cresceu em virtude de uma maior quantidade de mão-de-obra (incremento demográfico) trabalhando sobre uma área mais extensa (desbravamento de florestas e terrenos baldios). Mas também graças à difusão de diferentes técnicas: sistema trienal, charrua, força motriz animal, adubo mineral, moinho de água, moinho de vento.

Uma segunda transformação importante ocorrida nos séculos XI-XIII foi possibilitada pela existência de um excedente agrícola, o revigoramento do comércio. Este passou a desempenhar um papel central na vida do Ocidente, com repercussão muito além da esfera econômica.

Uma terceira transformação econômica da Idade Média Central, podemos chamar de Revolução Industrial medieval. Seu ponto de partida foi o crescimento demográfico e comercial, fomentador do desenvolvimento urbano. Estimuladas pela chegada de camponeses que conseguiam romper os laços servis, as cidades localizadas próximas a rios ou estradas freqüentadas por comerciantes logo começaram a crescer.

Com presença mais ou menos generalizada, sem dúvida as duas maiores indústrias medievais foram a da construção e a têxtil. A primeira delas beneficiou-se não só do crescimento populacional, mas também da prática social ostentatória que levava o clero e a aristocracia laica a construir cada vez mais e maiores igrejas, mosteiros, castelos. Buscando superar sua origem humilde, também a burguesia freqüentemente erguia construções imponentes.
A produção industrial nas cidades estava organizada em associações profissionais que chamamos de corporações de ofício, conhecidas na Idade Média apenas por “ofícios” (métiers na França, ghilds na Inglaterra, Innungen na Alemanha, arti na Itália). Suas origens são controvertidas, mas as razões para o agrupamento são claras: religiosa, daí muitas vezes ter derivado de confrarias, isto é, de associações que desde o século X existiam para cultuar o santo patrono de uma determinada categoria profissional e para praticar caridade recíproca entre seus membros; econômica, procurando garantir para eles o monopólio de determinada atividade; político-social, com a plebe de artesãos tentando se organizar diante do patriciado mercador que detinha o poder na cidade.

Em cada oficina o mestre trabalhava com alguns outros artesãos. Os jornaleiros (ou companheiros) eram assalariados que ganhavam em dinheiro e em espécie, pois viviam na casa do mestre. Os aprendizes, apenas um ou dois por oficina, eram adolescentes que procuravam iniciar-se nos segredos da profissão, vivendo para isso ao lado do mestre e pagando a ele pelo aprendizado, pelo alojamento e pela alimentação.

Outra importante transformação ocorrida na Idade Média Central foi uma acentuada monetarização da economia. Um primeiro problema era a grande diversidade, de moedas senhoriais, cada uma delas circulando numa área restrita. Um segundo problema era o baixo valor das espécies, resultado da reforma monetária carolíngia do século VIII, que implantara o monometalismo de prata: o denarius, moeda de pequeno valor, adequava-se melhor àquela economia pouco produtiva e de lenta circulação.

De um lado, a solução veio do fortalecimento do poder monárquico que então começava a ocorrer. De outro, os metais preciosos que tinham sido entesourados foram aos poucos reentrando em circulação. Graças à expansão mercantil, entre início do século XII e meada do século XIII um afluxo de ouro muçulmano contribuiu para alargar o estoque metálico ocidental. Graças às novas técnicas de mineração, cresceu bastante a produção de prata da Europa central.


O Pré-Capitalismo Medieval

Em suma, a Idade Média Central foi uma época de mudanças, de expansão econômica, o que levou parte da historiografia por muito tempo a falar num “capitalismo medieval”. Contudo, adotando-se uma definição ampla de capitalismo sistema econômico centrado na posse privada de capital (mercadorias, máquinas, terras, dinheiro, conhecimento técnico) empregado de maneira a se reproduzir continuamente, ficando os desprovidos dele obrigados a vender sua força de trabalho — poderíamos talvez aceitar sua existência nos últimos séculos da Idade Média. Ele coexistia com o sistema doméstico, representado por pequenos artesãos independentes, e com o sistema senhorial, baseado em mão-de-obra dependente.

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A Depressão De Fins Da Idade Média

A Baixa Idade Média, por fim, inaugurou um período de crise generalizada, facilmente perceptível no aspecto econômico. Sem dúvida, podemos afirmar que após uma fase A de crescimento econômico (1200-1316) a Europa ocidental entrou numa fase B depressiva, que se estenderia até fins do século XV no sul e princípios do XVI no centro e no norte.
De qualquer forma, a crise resultou dos próprios princípios da economia extensiva e predatória da fase A. ela fundamentava-se em N (recursos naturais) e T (força de trabalho) abundantes, e um K (capital) proporcionalmente pequeno. Ou seja, enquanto ainda havia terras férteis disponíveis e mão-de-obra em quantidade para trabalhá-las, o sistema funcionou bem. Mas a riqueza social global pouco crescia por falta de reinvestimento. Logo, como N e T não poderiam crescer indefinidamente, mais cedo ou mais tarde viria à crise.

No setor primário, a produção era relativamente estática (limites técnicos da agricultura medieval) e o consumo dinâmico (crescimento populacional). No setor secundário, cada indivíduo gastava mais com alimentação e menos no consumo de bens industriais. O setor terciário ressentiu-se disso tudo, ocorrendo uma redução da margem de lucro tanto das atividades comerciais quanto das financeiras.

Uma das maiores fragilidades e fonte de graves problemas econômicos eram as constantes mutações monetárias empreendidas pelos soberanos. Sempre necessitados de dinheiro, os monarcas diminuíam a proporção de metal precioso das moedas e mantinham seu valor nominal, cunhando assim um maior número de peças com a mesma quantidade de metal nobre.
As causas dessa política monetária eram várias. Uma, as necessidades geradas pela guerra, pela própria retração comercial, a escassez metálica, a lentidão da circulação monetária, da procura, por fim, o entesouramento.
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Capítulo III - As estruturas políticas

Por muito tempo a História Política teve seus estudos voltados apenas para a camada dirigente. O primeiro passo na direção dessa Nova História Política foi dado em 1924 por Marc Bloch com uma obra tão pioneira, Os reis taumaturgos. Desde então, nessa sua nova roupagem, a História Política não se preocupa mais em descrever dinastias, reinados e batalhas. Ela coloca a ênfase em dois principais campos de estudo, o papel do imaginário na política e as relações entre nação e Estado.

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Política e imaginário

Seguindo os antropólogos, sociólogos e politicólogos, os historiadores passaram a ver a política como à forma básica de organização de qualquer grupo humano, como o instrumento minimizador dos conflitos inerentes a toda sociedade.
De fato, nas sociedades arcaicas, com visão monista do universo, sem fazer distinção entre natural e sobrenatural, indivíduo e sociedade, a realeza desempenhava um papel harmonizador, integrador do homem no cosmos. Na Idade Média o monarca, sem ser deus ou sequer sacerdote, como nas civilizações da Antigüidade, tinha inquestionável caráter sagrado.
Todo rei para ser visto como tal precisava ser submetido ao rito da unção com óleo, sacralizava o monarca, tornava-o um eleito de Deus.
Outros interessantes exemplos das relações entre política e imaginário têm nos reis, históricos ou míticos, que teriam desaparecido sem morrer e que retornariam quando seus povos deles precisassem. A crença nesses monarcas messiânicos e milenaristas tanto podia legitimar seus sucessores quanto servir de contestação ao governante do momento.

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Nação e Estado

Pelo menos até o século X, “nação” tinha conotação apenas étnica: natione vem de “nascimento”. Na Primeira e na Alta Idade Média, prevaleceu o princípio jurídico germânico da personalidade das leis, quer dizer, cada pessoa era regida pelos costumes de seu povo independentemente do lugar em que estivesse. O princípio jurídico romano da territorialidade das leis, ou seja, a submissão aos costumes locais, qualquer que fosse a origem da pessoa, reganharia força aos poucos, sobretudo a partir do século XII. Somente então “nação” passou a ter caráter também geográfico e político.

No Império Carolíngio alguns fatores permitiram o desenvolvimento de consciências étnicas: a pretensão a certo centralismo administrativo, a conquista de novos territórios, o progresso dos falares locais diante do recuo do latim. A fragmentação do império em 843 expressava e reforçava aquela situação, estimulando a formação dos nacionalismos nos séculos seguintes.
A evolução do Estado medieval não é menos problemática. Apesar de a palavra existir desde o latim clássico (no qual status significa “modo de ser”, “estado”), apenas a partir de meados do século XIII ela começou a ganhar o sentido atual de corpo político submetido a um governo e a leis comuns, e somente em fins do século XV essa acepção tornou-se usual. O Estado-nação progrediria na Baixa Idade Média, tanto no plano prático (exércitos nacionais, protecionismo econômico) quanto no simbólico (surgimento das bandeiras, do conceito de fronteira).

No século IX, restabeleceu-se uma relativa unidade com o Império de Carlos Magno, que absorveu, mas não eliminou outros reinos formados no período anterior. Nos séculos X-XIII, o Império tornou-se apenas uma ficção, uma idealização, pois na prática ocorria uma profunda fragmentação política substantivada nos feudos, porém limitada pelos laços de vassalagem, que permitiriam às monarquias recuperar aos poucos seus direitos. Nos séculos XIV-XVI, o processo de revigoramento das monarquias acelerou-se, estimulado pela crise global que fazia a sociedade depositar suas esperanças de recuperação no Estado.

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A fragmentação da Primeira Idade Média

A crise do século III já mostrara a fraqueza das instituições políticas romanas. As lutas pelo trono eram freqüentes; -, as intervenções militares também. Cada exército provincial pretendia dar o título imperial ao seu comandante para obter maiores vantagens: naquele período de “anarquia militar”.
As reformas políticas de Diocleciano e Constantino repuseram em mãos imperiais um grande poder, porém suas reformas sociais e econômicas indiretamente e em longo prazo anularam aquela recuperação. Os latifundiários não só se tornavam mais ricos como passavam aos poucos a ter atribuições estatais dentro de suas propriedades. A cada vez mais constante penetração de germânicos em território romano gerava uma insegurança que reforçava aquela tendência. O Estado ia perdendo as possibilidades de uma atuação efetiva. Ocorria um claro processo de desagregação política.
Os germanos não tinham nem Estado nem cidades, sendo a tribo e a família as células básicas de sua organização política. As relações sociais entre eles não se regiam pelo conceito de cidadania, mas de parentesco. Assim, ao se sedentarizarem, ocupando cada tribo uma parcela do Império Romano, eles vieram a substituir um Estado organizado e relativamente urbanizado. Não tendo instituições próprias para desempenhar tal tarefa, adotaram as que estavam à mão, e que bem ou mal tinham funcionado por longo tempo. O rei ostrogodo Teodorico (474-526) pensou numa espécie de confederação germânica sob o domínio de seu reino. A idéia de uma confederação germânica não era absurda, mas precoce, na época de Teodorico.
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A renovação imperial carolíngia

As condições para tanto estariam reunidas apenas no reino franco do século VIII, na figura de Carlos Magno. Em primeiro lugar, pelo fato de ele ter a anuência da Igreja para dar aquele passo. Em segundo lugar, as relações do Ocidente com Bizâncio estavam bastante abaladas naquele momento, de forma que não havia a preocupação dos três séculos anteriores em respeitar os direitos bizantinos.

O território estava dividido em centenas de condados, de extensão variável, cada um deles dirigido por um conde, nomeado pelo imperador. O conde representava o poder central em tudo, publicando as leis e zelando pela sua execução, estabelecendo impostos, dirigindo trabalhos públicos, distribuindo justiça, alistando e comandando os contingentes militares, recebendo os juramentos de fidelidade dirigidos ao imperador. Em troca recebia uma porcentagem das taxas de justiça e, sobretudo terras entreguem pelo soberano.
Essa prática revelou-se insuficiente para superar a fraqueza estrutural do Império Carolíngio, o que levou, em 843, à sua fragmentação por meio do Tratado de Verdun, assinado entre três netos de Carlos Magno. Nele aparecia o primeiro esboço do futuro mapa político europeu. O tratado estabeleceu dois grandes blocos territoriais, étnicos e lingüísticos (dos quais surgiriam às futuras França e Alemanha) e uma longa faixa pluralista, composta de uma zona de personalidade definida (Itália do norte), zonas multilingüistas que sofreriam o poder de atração daqueles primeiros blocos (futuras Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Suíça), zonas intermediárias que seriam objeto de longas disputas (Alsácia, Lorena, Trieste, Tirol).

O fato de o Império não ter unidade orgânica, assentando-se sobre dois princípios contraditórios: o universalismo das tradições romana e cristã e o particularismo tribal germânico. A diversidade étnica era insuficientemente soldada pela autoridade real, muito sujeita a flutuações conforme a personalidade do soberano. Um segundo fator foi à difusão da vassalagem, por meio da qual Carlos Magno pretendeu unir a si todos os súditos importantes, num vínculo que manteria o predomínio imperial. A relação vassálica implicava, porém, a entrega por parte do soberano de terras e privilégios políticos que na verdade o enfraqueciam. Naquela economia essencialmente agrária, ao ceder terras para os nobres o imperador precisava conquistar novas áreas, mas para tanto dependia do serviço militar daqueles mesmos elementos. Surgia um círculo vicioso difícil de ser rompido.

Em terceiro lugar, revelou-se problemática a fusão do poder temporal e do poder espiritual na figura do imperador. No seu papel militar, pela tradição germânica, ele deveria ser um chefe guerreiro e obtentor de pilhagens; no seu papel religioso, pela tradição cristã, ele deveria ser o mantenedor da paz e da justiça. Frágil equilíbrio.

O imperador fez com que a expansão cristã fosse realizada por intermédio de missões religiosas, e não mais de conquistas militares. O soberano ficou assim privado dos proventos da pilhagem, de forma que precisava remunerar os vassalos com suas próprias terras, esgotando a fortuna fundiária carolíngia, base inicial de seu poder.

Por fim, as novas invasões dos séculos IX-X contribuíram para mostrar a debilidade do sistema imperial. A rapidez dos vikings, que descendo da Escandinávia penetravam pelos rios com seus barcos leves e ágeis, não permitia a defesa por parte daquele exército difícil de ser convocado e pesado nas manobras militares. Ficava patente a impotência dos soberanos, e cada região organizava sua própria defesa, em torno da nobreza local. Era a região, portanto, que passava a definir seu próprio destino. A Europa cobria-se de castelos. O poder se fragmentava.

A partir de então, estavam presentes os personagens políticos que se manteriam em cena até o fim da Idade Média: o Império, a Igreja, as monarquias, o feudalismo e — um pouco mais tarde — as comunas.
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Os poderes universalistas

Por causa de problemas dinásticos, tal título deixou de ser utilizado de 924 a 962, quando se deu a chamada “segunda renovação do Império”, com Oto. Depois de ter consolidado seu poder no reino alemão, ele derrotou os magiares e eslavos, pacificando aquela região e ganhando um prestígio muito grande em toda a Cristandade*. Intervindo na política italiana, ele casou-se com a herdeira do trono daquele território e proclamou-se rei também ali. O papa, precisando de ajuda para superar problemas na Itália central, buscou seu apoio. Enfim, Oto I conseguiu reunir todas as condições para ser coroado imperador pelo pontífice. Renascia o Império Franco, que em 1157 passou a se chamar Santo Império e a partir de 1254, Santo Império Romano Germânico.
O Império resultava da reunião de três coroas, da Alemanha, da Itália e da Borgonha. E o monarca era fraco em todas. Na Alemanha, feudalizada tardiamente no século XII, a prática feudal não trabalhava a favor do Estado, como ocorria na França: o rei não podia manter os feudos confiscados, sendo obrigado a reenfeudá-los após um ano e um dia. Na Itália, o território era descontínuo, compreendendo o norte peninsular e algumas regiões meridionais, pois o centro era papal e o extremo sul bizantino. Na Borgonha, o poder da nobreza local já era bastante forte quando o reino se tornou em 1033 um Estado autônomo no seio do Império.

Sem poder efetivo nesses reinos, o soberano sempre buscou o título imperial na esperança de com ele reforçar sua atuação naqueles locais. Apenas o papa poderia coroar um imperador, mas não estava interessado na existência de um que fosse forte, pois ele próprio tinha pretensões universalistas, considerando-se o legítimo herdeiro do Império Romano. Daí os sérios conflitos entre Império e Igreja, que se arrastariam por longo tempo.

A Igreja, por sua vez, tornou-se claramente uma personalidade política desde que se corporificou com a Doação de Pepino. Isto é, ao receber do chefe franco em 754-756 os territórios que ele conquistara aos lombardos, nascia o Estado Pontifício. Contudo, tal fato trazia em si uma submissão implícita da Igreja ao poder monárquico, de quem recebia aquelas terras. Contra isso é que se forjou o documento conhecido por Doação de Constantino. Por este texto apócrifo, o imperador romano Constantino teria supostamente transferido para o papado, no século IV, o poder imperial sobre todo o Ocidente. A questão ficava, dessa forma, invertida: Pepino nada estaria doando à Igreja, mas apenas restituindo a ela uma parte do que lhe pertencia. A Igreja, depositária do título imperial, entregara-o ao rei franco por serviços prestados, podendo, portanto, retoma-lo e atribuí-lo a quem quisesse.

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Os poderes nacionalistas

Ao promover a unção de Pepino, em 751, a Igreja justificara o poder monárquico. Em parte isso ocorrera por circunstâncias, já que o papa necessitava do apoio franco contra os lombardos.

Apesar de aceitar a sacralidade monárquica, a Igreja velava para que tal poder não se tornasse excessivo, daí a farta literatura conhecida por “espelho dos príncipes”. Literatura de exortação aos monarcas, de quem se exigiam qualidades cristãs e a quem se estabeleciam limites de atuação.
Esse aspecto contratual vinha dos bárbaros germanos, para quem o rei, eleito, estava de certa forma subordinado ao direito costumeiro da tribo. Este determinava os poderes e atribuições do rei, e naturalmente não podia ser alterado por ele sem o consentimento da comunidade por intermédio da assembléia dos guerreiros. Com o mesmo espírito, no feudalismo o vassalo que não cumpria suas obrigações podia perder seu feudo, depois de julgado por seus pares no tribunal do senhor. Correspondentemente, o senhor que desrespeitava suas obrigações via o vassalo romper o contrato feudo-vassálico (diffidatio). Assim, o rei feudal como suserano mantinha relações contratuais apenas com seus vassalos diretos.

Por outro lado, a partir da própria fragmentação política feudal desenvolvia-se um elemento que acabaria por ter um papel reaglutinador. Os bárbaros tinham possuído certa solidariedade de tribo ou de povo, que, contudo não se associara a um território por causa de seu nomadismo. Com a penetração e fixação em terras do antigo Império Romano, aos poucos surgiram vínculos entre os habitantes, seus costumes, suas tradições e o território ocupado. O primeiro resultado disso é constatável séculos depois, quando em 813 o concilio de Tours recomendava ao clero traduzir os sermões em língua vulgar para que fossem mais bem compreendidos.

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Os poderes particularistas

O feudalismo, do ponto de vista político, representava uma pulverização do poder que respondia melhor às necessidades de uma sociedade saída do fracasso de uma tentativa unitária (Império Carolíngio) e pressionada por inimigos externos (vikings, magiares etc). Na verdade, as tendências centrífugas vinham desde o século IV, quando manifestaram e aceleraram o debilitamento do Império Romano. Naquele momento, com a busca da auto-suficiência por parte dos latifúndios, com a insegurança gerada pela penetração dos bárbaros e com as dificuldades nas comunicações, acentuou-se a ruralização da economia e da sociedade, levando os representantes do imperador a se verem limitados nas suas possibilidades de atuação. Os grandes proprietários rurais puderam, assim, usurpar atribuições do Estado.
A formação dos reinos germânicos em nada alterou a essência daquele processo. Naquela economia fundamentalmente agrária, os monarcas remuneravam seus servidores e guerreiros com terras, às quais se concediam muitas vezes imunidades. O detentor da terra desempenhava ali o papel de Estado, taxando, julgando, convocando.

A concessão e recepção de feudos e sua contrapartida (o serviço militar) representavam uma forma de divisão da riqueza (terra e trabalhadores) sempre dentro da mesma elite. O poder político estava fracionado para que pudesse ser mantido.

O surgimento das comunas representou um papel interessante e importante. De um lado, aquele processo negava os princípios feudo-clericais. O tipo mais difundido era a comuna citadina, a comunidade burguesa que se organizava para defender seus interesses comerciais diante dos abusos feudais, como confiscos ou taxações excessivas. No começo do século XI, ela pretendia apenas escapar à arbitrariedade senhorial. Cerca de 100 anos depois, ela passou a buscar autonomia, que se comprava ou arrancava à força, dependendo de cada caso.

Nascia então a verdadeira comuna, ou cidade-estado. Seu modelo acabado estava na Itália, região mais urbanizada do Ocidente, onde as longas lutas entre Império e Igreja tinham criado um vácuo de poder preenchido pelas associações burguesas. As comunas representaram uma novidade política não apenas na sua relação com os poderes tradicionais, mas também na sua organização interna. No primeiro momento seu regime político foi o consulado, com um grupo de funcionários (cônsules) eleitos defendo poderes executivos e judiciais. Para controlá-lo, havia uma assembléia inicialmente formada por todos os cidadãos e depois por certo número deles escolhido por eleição ou sorteio. Num segundo momento, diante das crescentes disputas internas da camada dirigente, passou-se a entregar o poder a uma só pessoa, de fora da cidade e, portanto neutra nos seus conflitos, o podestà (“regedor”).
O grau de autonomia conseguido pelas comunas foi muito variável conforme o tempo, o local e o tipo de associação. E importante lembrar que nem todas as comunas eram urbanas. As rurais, quase sempre muito modestas, nasciam da associação de aldeias contra o seu senhor. O espírito era o mesmo das comunas urbanas, mudavam os objetivos (acesso a áreas fechadas pelo senhor, reação ao desrespeito por costumes locais etc.) e as condições de alcançá-los (mais pobre que a cidade, o campo dificilmente podia comprar sua liberdade).
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O jogo político medieval

Os poderes universalistas (Igreja e Império) estavam em choque constante, porque pela própria natureza do que reivindicavam — a herança do Império Romano — somente um deles poderia ter sucesso. Assim, ambos fracassaram, permitindo a emergência de poderes particularistas (feudos e comunas) e nacionalistas (monarquias). Mais do que isso, quando ficou patente em fins da Idade Média, que o futuro pertencia a estas últimas, duas nacionalidade já tinham perdido sua oportunidade histórica de organizar Estados centralizados. A luta entre os universalistas debilitara as bases territoriais e nacionais da Itália (centro nevrálgico da Igreja) e da Alemanha (base do Sacro Império).
Dessa forma, por muito tempo elas permaneceram apenas realidades geográficas, não políticas. Perdidas as chances de obter colônias no Novo Mundo dos séculos XVI-XVII, atrasadas na industrialização dos séculos XVIII-XIX, secundarizadas na partilha da África e da Ásia do século XIX, aquelas nacionalidades sentiam cada vez mais a necessidade de se corporificar politicamente.

Apesar das transformações políticas dos séculos XI-XIII, na Baixa Idade Média os vínculos feudais continuavam a tencionar as relações entre vários Estados: o rei da Inglaterra era vassalo francês, o reino português surgira de uma secessão de Castela, a Escócia estava ligada à Inglaterra, e Flandres à França. Todas essas questões pendentes, ou mal resolvidas, vieram à tona com o grande conflito nacionalista da Idade Média, a Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Mas esta também envolveu questões feudais internas, pois cada vez mais se restringia o papel social da nobreza, que era cumprido através de guerras locais, proibidas pelas monarquias, daí a necessidade de guerras mais amplas, entre os Estados.

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Capítulo IV - As estruturas eclesiásticas

A linha tendencial da Igreja na Idade Média revela-se com clareza. Num primeiro momento, a organização da hierarquia eclesiástica visava à consolidação da recente vitória do cristianismo. A seguir, a aproximação com os poderes políticos garantiu à Igreja maiores possibilidades de atuação. Em uma terceira fase, o corpo eclesiástico separou-se completamente da sociedade laica e procurou dirigi-la, buscando desde fins do século XI erigir uma teocracia que esteve em via de se concretizar em princípios do século XIII.
Contudo, por fim, as transformações que a Cristandade conhecera ao longo desse tempo inviabilizaram o projeto papal e preparou sua maior crise, a Reforma Protestante do século XVI.

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A formação da hierarquia eclesiástica na Primeira Idade Média
Nos seus primeiros tempos, a Igreja parecia envolvida numa contradição, que, no entanto se revelaria a base de seu poder na Idade Média. Ao negar diversos aspectos da civilização romana, ela criava condições de aproximação com os germanos. Ao preservar vários outros elementos da romanidade, consolidava seu papel no seio da massa populacional do Império.

Nascida nos quadros do Império Romano, a Igreja ia aos poucos preenchendo os vazios deixados por ele até, em fins do século IV, identificar-se com o Estado, quando o cristianismo foi reconhecido como religião oficial. A Igreja passava a ser a herdeira natural do Império Romano.
Para tanto, ela precisava ter sua própria hierarquia, realizando e supervisionando os ofícios religiosos, orientando quanto às questões de dogma, executando obras sociais, combatendo o paganismo. A concentração de todas essas atividades nas mãos de apenas alguns cristãos era aceita com naturalidade pelo conjunto dos fiéis, já que tal poder lhes fora atribuído pela própria Divindade: segundo o texto bíblico.

Apenas no século IV determinou-se que somente homens livres poderiam ingressar no clero, e proibiu-se a passagem direta do laicato para o episcopado, tornando-se necessário exercer antes uma função inferior. O sustento do clero advinha das esmolas dadas pelos fiéis, de acordo com o princípio de “quem serve ao altar vive do altar”. O celibato não era obrigatório, apenas recomendado, tendo surgido à primeira legislação a respeito na Espanha, onde o sínodo de Elvira em 306 proibiu o casamento aos clérigos sob pena de destituição.

Para a formação e organização da hierarquia eclesiástica acabou contribuindo bastante, paradoxalmente, um elemento que punha em risco a própria existência da Igreja: as heresias. Estas eram produto do sincretismo que fazia a força, mas também a fraqueza do cristianismo. Ao reunir e harmonizar componentes de várias crenças da época, a religião cristã tornava-se mais facilmente assimilável, porém passível de interpretações discordantes do pensamento oficial do clero cristão. Do ponto de vista deste, heresia era, portanto, um desvio dogmático que colocava em perigo a unidade de fé.
Qualquer idéia que parecesse herética era, então, submetida à apreciação do bispo local. Este geralmente colocava a questão perante seus pares nas assembléias episcopais, ou sínodos, que se reuniam desde meados do século II para tratar de tudo que interessasse à Igreja local. Mas as questões de doutrina eram debatidas, sobretudo nos concílios ecumênicos, que congregavam bispos de todas as regiões, expressando a universalidade da Igreja.

Paralelamente a esse clero voltado para atividades em sociedade — ministrar sacramentos, orientar espiritualmente, ajudar os necessitados — e por isso chamado de clero secular, surgia um de características diversas. Era constituído por indivíduos que buscavam servir a Deus vivendo em solidão, ascese e contemplação: os monges, do grego monakbos, “solitário”.
A tradicional trilogia monástica — castidade, pobreza e obediência — estava presente de forma concreta e equilibrada no cotidiano dos beneditinos. O abade eleito pelos monges recebe deles total obediência, que representa ao mesmo tempo uma manifestação de pobreza, pois não se pode dispor sequer da própria vontade. A pobreza, por sua vez, não é entendida como falta ou miséria, mas posse do estritamente necessário, daí o monge não poder ter nada de seu, apesar de o mosteiro possuir propriedades recebidas em doação. A castidade, sendo negação da posse do próprio corpo, também é uma forma de pobreza. Sendo negação do usufruto do próprio corpo, é uma forma de obediência. A obediência, sendo uma renúncia, é ainda uma forma de castidade.

Desde fins do século III ocorria forte expansão do cristianismo nas cidades, onde a crise do Império Romano era mais sentida e, portanto, as condições para a cristianização mais favoráveis. O campo, sempre mais conservador, mantinha-se preso às suas antigas crenças, mesmo pré-romanas, daí paganus (“camponês”) ter sido identificado ao não-cristão. Com a decadência urbana e o conseqüente êxodo, o cristianismo penetrou no campo.
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A submissão ao Estado na Alta Idade Média

Estreitavam-se, portanto, as relações Estado-Igreja, com predomínio do primeiro na época de Carlos Magno. Os clérigos participavam então do conselho real, os bispos tinham poderes civis, os cânones ganhavam força de lei. O monarca presidia os sínodos, punia os bispos, regulamentava com eles a disciplina eclesiástica e a liturgia, intervinha mesmo em questões doutrinais. Os bispos eram nomeados pelo soberano, contrariamente à tradição canônica, mas o fato não era considerado uma usurpação, e sim um serviço prestado pelo monarca à Igreja, quase um dever do cargo. Suas conquistas territoriais abriram caminho para a cristianização dos saxões, frísios, vendes, avaros, morávios e boêmios. Em virtude da crescente extensão do Império, ele instituiu muitas paróquias, criou novas dioceses e arquidioceses.
Graças a isso, a Igreja enriqueceu ainda mais. No começo do século V ela tinha sido a segunda maior proprietária imobiliária do Ocidente, depois do Estado Romano, e tornou-se a maior desde fins daquele século, com o desaparecimento do Império. De fato, a chegada dos bárbaros não a prejudicou, pelo contrário, muitos indivíduos, diante da insegurança geral de então, entregaram suas terras ao patrocinium da Igreja.

Na terceira fase das relações Carolíngios-papado, completou-se a reforma monástica sob o governo de Luís, o Pio, que encarregou Bento de Aniane de realizá-la. Este, em 817, procurou inicialmente combater o relaxamento que tomara conta da vida monástica, impondo certa uniformização na aplicação da regra beneditina. Desde então, os monges entregaram-se especialmente ao culto. O clero secular retomava a direção do movimento de cristianização e o episcopado aumentava seu poder político.
A partir de inícios do século IX, inspirada no Direito Canônico e em Santo
Agostinho, ganhou terreno à teoria do agostinianismo político, que afirmava a superioridade espiritual sobre a temporal, dos bispos sobre os reis. O movimento cultural chamado de Renascimento Carolíngio elevara o nível dos bispos. Tal teoria contribuiu para aumentar a autonomia da nobreza, o que teve reflexos negativos sobre a Igreja, com a generalização do sistema de “igreja própria”, já existente no século VII e que se estenderia até o século XII. Por ele, quando um latifundiário levantava uma igreja ou mosteiro em suas terras, mantinha esse bem como plena propriedade, podendo vendê-lo, doá-lo ou transmiti-lo em herança. Podia apropriar-se das esmolas e dízimos recebidos pela igreja ou mosteiro. Podia, sobretudo, nomear quem quisesse como sacerdote, função que desde o século VIII era atribuída como beneficiam ou feudo.

A tentativa de teocracia papal na Idade Média Central
Numa reação contra aquele estado de coisas, na Idade Média Central a Igreja teve como objetivo alcançar a autonomia e, sobretudo — concretizando o agostinianismo político e impedindo que prosseguisse a sujeição aos leigos — passar a dirigir a sociedade. O primeiro passo em direção àquela dupla meta tinha sido dado em princípios do século X, com a fundação do mosteiro de Cluny, na Borgonha. Adotando a regra beneditina, mas interpretando-a de forma própria, Cluny valorizava os trabalhos litúrgicos, que absorviam a quase totalidade do tempo dos monges. O trabalho manual foi abandonado aos camponeses de seus senhorios, o trabalho intelectual relegado a segundo plano. Vivendo sob rígida disciplina, cm ascetismo, silêncio e isolamento, os monges cluniacenses recuperaram o prestígio da vida religiosa.
Buscando restabelecer a paz social (não a igualdade, concepção estranha à época) e tornar-se sua guardiã, a Igreja promoveu em fins do século X o movimento conhecido por Paz de Deus. Ameaçados de excomunhão e de suas decorrentes punições sobrenaturais, os guerreiros foram pressionados a jurar sobre relíquias que respeitariam as igrejas, os membros do clero e os bens dos humildes.

Tal movimento estendeu-se até por volta de 1040, sem conseguir pacificar completamente a sociedade cristã ocidental. O clima de violência expressava as necessidades da aristocracia laica, mais numerosa devido ao crescimento demográfico, e a conseqüente disputa entre ela e a aristocracia eclesiástica pela posse das riquezas geradas pelos camponeses. Diante disso, seguindo o mesmo espírito da Paz de Deus, mas buscando criar novos mecanismos de controle sobre o comportamento da elite laica, a Igreja estabeleceu em princípios do século XI a Trégua de Deus.

Como a idéia básica da Paz e da Trégua de Deus era a preservação da ordem religiosa, social e política desejada por Deus, entende-se que a partir de fins do século XI ela tenha derivado para a idéia de Guerra Santa, que procurava impor aquela ordem dentro (Cruzada contra hereges) e fora (Cruzada contra muçulmanos) da Cristandade.

As Cruzadas deveriam funcionar não só como elemento de pacificação interna da Europa católica, levando para fora dela à irrequieta nobreza feudal, mas especialmente como um fenômeno aglutinador da Cristandade sob o comando da Igreja, acenava-se para seus participantes com a remissão dos pecados, a proteção eclesiástica sobre suas famílias e bens, a suspensão do pagamento de juros. Lutando sob a égide da Igreja, os cruzados deveriam agir como guerreiros imbuídos de seus ideais.

No século XIII estavam reunidas todas as condições para o exercício do poder papal sobre a comunidade cristã. Em relação aos clérigos, o papado legisla e julga, tributa, cria ou fiscaliza universidades, institui dioceses, nomeia para todas as funções, reconhece novas ordens religiosas. Em relação aos leigos, julga em vários assuntos, cobra o dízimo, determina a vida sexual (casamento, abstinências), regulamenta a atividade profissional (trabalhos lícitos e ilícitos), estabelece o comportamento social (roupas, palavras, atitudes), estipula os valores culturais.

Um claro sinal do alargamento das atribuições papais estava numa importante novidade, à exclusividade de canonização dos santos. Desde princípios do cristianismo, os mártires vitimados pelas perseguições romanas tornaram-se objeto de culto, sendo vistos como cristãos ideais, que tinham sacrificado suas vidas por fidelidade ao Deus único.

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A crise da Baixa Idade Média

A grande questão da Igreja na Baixa Idade Média foi, porém, um prolongamento da antiga disputa entre poder espiritual e poder temporal. Em fins do século XIII, o papa Bonifácio VIII, defensor da monarquia universal pontifícia, proibiu que os eclesiásticos fizessem doações sem autorização da Santa Sé e que os poderes laicos cobrassem taxas sobre bens da Igreja. Na França, em pleno processo de afirmação da monarquia nacional, o rei Filipe IV, em resposta, proibiu a saída de metais preciosos do país e baniu os coletores de impostos papais. Pouco depois, o monarca francês prendeu um bispo, levantando fortes protestos do papa. Filipe acusou Bonifácio de ter sido eleito papa ilegitimamente e em 1303 conseguiu prendê-lo na cidade de Anagni. Apesar de solto logo depois, o papa estava claramente desmoralizado, e o sonho da teocracia pontifícia falido.

A crise do pontificado e o desenvolvimento do nacionalismo, fenômenos, aliás, interligados, desenvolviam o sentimento de autonomia eclesiástica em diversos locais. Mesmo depois de reunificada pelo Concilio de Constança, havendo um só papa residindo na tradicional sede de Roma, a Igreja continuava abalada. Grandes problemas permaneciam, opondo concilio e papa, Igreja e monarquias, Estado Pontifício e Estados italianos, cultura cristã tradicional e nova cultura humanista. Assim, em 1517, exatamente 100 anos depois da volta do papado a Roma, começava o Protestantismo.

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Capítulo V - As estruturas sociais

A História Social total deve ser o objetivo último dos estudos históricos, não uma etapa da reconstituição do passado, um campo específico do saber.
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A redefinição da Primeira Idade Média

Os primeiros séculos medievais conheceram uma cristalização da hierarquia social, fenômeno que na verdade já se desenvolvia anteriormente, mas que se completou apenas no século IV. De fato, a crise geral que sacudiu a civilização romana no século III levara a uma limitação dos espaços de atuação individual e ao correspondente alargamento das funções do Estado.
As tentativas reformistas criaram uma enorme distância social entre as várias camadas. No topo da pirâmide estava a aristocracia senatorial, cinco vezes mais rica que a do século I. As camadas médias, rurais e urbanas, encolhiam. As primeiras, devido à generalização do patrocinium, laço de dependência que se criava entre um camponês livre e um grande proprietário. As camadas médias urbanas viam-se esmagadas por dois fatores. O primeiro deles — o processo de ruralização da sociedade romana — resultava de sua contradição básica: sendo escravista e imperialista, ela só poderia manter-se graças a novas conquistas que renovassem o estoque de mão-de-obra e trouxessem mais riquezas por meio de saques e tributos. Contudo, o escravismo e o imperialismo marginalizavam grande parte da população, que precisava ser sustentada pelo Estado.

O segundo fator que enfraquecia as camadas médias urbanas era um pesado conjunto de impostos que o Estado cobrava para tentar manter a própria vida citadina. Obrigados a contribuir na promoção de jogos circenses, na distribuição de trigo à população marginalizada e na realização de obras públicas, os curiales (espécie de aristocratas urbanos) procuravam fugir aos seus encargos. O Estado precisou proibir sua migração para o campo e mesmo sua entrada para a camada senatorial ou para o clero.
Na base da sociedade, os trabalhadores livres urbanos tiveram decretado a vitaliciedade e hereditariedade de suas funções, sendo reunidos em collegiae (corporações) de acordo com a especialização, para facilitar o controle estatal. Os trabalhadores livres rurais tendiam a se tornar dependentes dos latifundiários por meio do patrocinium e, sobretudo, do colonato. A criação dessa instituição era uma tentativa de responder a problemas colocados pela crise: atendia ao interesse dos proprietários em ter mais mão-de-obra, ao interesse do Estado em garantir suas rendas fiscais, ao interesse dos humildes e despossuídos por segurança e estabilidade.

Já no século III, precisando de soldados diante do retrocesso populacional, o Estado romano contratara muitos germanos, às vezes tribos inteiras. O pagamento por esse serviço militar era a entrega de lotes fronteiriços (hospitalitas), prática que se estendeu a todo o território romano com as invasões do século V.

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A aristocratização da Alta Idade Média
Como a terra era quase a única forma de riqueza da época, não existia uma camada urbana de comerciantes e artesãos que exercessem por conta própria e regularmente seu ofício, mas apenas uns poucos indivíduos dedicando-se àquelas atividades. A sociedade estava polarizada entre os proprietários fundiários, de um lado, e os camponeses despossuídos, de outro.
Dentre os primeiros, havia pequenos e médios proprietários, camponeses livres (pagenses) que trabalhavam sua terra com a ajuda de familiares e uns poucos escravos. Como todo homem livre, eles deviam (além do juramento de fidelidade ao soberano) serviço militar e judicial, encargos muito pesados para seus recursos.

A seguir vinham os colonos, que, apesar de serem juridicamente livres, cada vez mais sentiam a fraqueza da autoridade pública que deixava amplos poderes nas mãos dos grandes detentores de terras. Sua situação oscilava, conforme os momentos e os locais, entre a dos pagenses e a dos escravos. Por fim, havia uma mão-de-obra escrava.

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A feudo-clericalização dos séculos XI-XII

O que se deve chamar de feudalismo ou termo correlato (modo de produção feudal, sociedade feudal, sistema feudal etc.) é o conjunto da formação social dominante no Ocidente da Idade Média Central, com suas facetas política, econômica, ideológica, institucional, social, cultural, religiosa. Em suma, uma totalidade histórica, da qual o feudo foi apenas um elemento. No entanto — e procurando não perder essa globalidade de vista —, como examinamos cada uma daquelas facetas nos capítulos correspondentes, vamos aqui nos prender apenas à análise das relações sociais do feudalismo.
Ou melhor, do feudo-clericalismo. Realmente, este rótulo parece-nos mais conveniente, na medida em que explicita o papel central da Igreja naquela sociedade. Fato fundamental e geralmente pouco considerado.
Foi por intermédio dela que se deu a conexão entre os vários elementos (já anteriormente presentes) que comporiam aquela formação social. Foi ela a maior detentora de terras naquela sociedade essencialmente agrária, destacando-se, portanto, no jogo de concessão e recepção de feudos. Foi ela a controlar as manifestações mais íntimas da vida dos indivíduos: a consciência através da confissão; a vida sexual através do casamento; o tempo através do calendário litúrgico; o conhecimento através do controle sobre as artes, as festas, o pensamento; a própria vida e a própria morte através dos sacramentos (só se nascia verdadeiramente com o batismo, só se tinha o descanso eterno no solo sagrado do cemitério). Foi ela a legitimadora das relações horizontais sacralizando o contrato feudovassálico, e das relações verticais justificando a dependência servil.

Aliás, como produtora de ideologia, traçava a imagem que a sociedade deveria ter de si mesma.

Tínhamos, portanto, naquela sociedade de ordens, de um lado, duas camadas identificadas quanto às origens e aos interesses, detentoras de terra e, assim, de poder econômico, político e judicial (clérigos e guerreiros), de outro lado, uma massa formada principalmente por despossuídos e dependentes, os trabalhadores. Assim, davam-se três formas de relações sociais, uma horizontal na camada dominante, outra horizontal na camada dominada e outra vertical entre os dois grandes grupos.

A primeira forma ocorria pelo contrato feudo-vassálico. A segunda, por acordos para empreendimentos comuns, diante das dificuldades de um trabalhador realizar sozinho certas tarefas, como arar um campo ou arrotear uma área. A terceira, fundamental, estava na base da primeira (forma de a aristocracia dividir as terras e o produto do trabalho camponês) e da segunda (forma de os laboratores poderem concretizar seu papel social, de produtores).

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O feudo-aburguesamento dos séculos XII-XIII

O crescimento demográfico e econômico, as cidades da Idade Média Central revigorou, pois para aqueles que fugiam dos laços compulsórios da servidão a vida urbana oferecia muitos atrativos.

Mais do que isso, tornava-se burguês (habitante do burgo, ou seja, da cidade), o que significava uma situação jurídica própria, bem definida, com obrigações limitadas e direitos de participação política, administrativa e econômica na vida da cidade. E verdade que desde fins do século XII os imigrantes não encontravam nas cidades as oportunidades com que sonhavam, formando um proletariado que freqüentemente acabou por se chocar com a burguesia dona das lojas e oficinas. Mas, utopicamente, os centros urbanos continuaram a seduzir os homens do campo.

A grande síntese disso tudo talvez tenha sido o desenvolvimento do individualismo, com a conseqüente passagem da família patriarcal para a família conjugal e a correspondente valorização da mulher e da criança. Foi nas cidades que despontaram novos valores sociais, opostos aos coletivistas (interdependência das ordens) e machistas (predominância do clero celibatário e dos guerreiros). Na realidade, esse fenômeno social era reflexo c origem de um conjunto mais amplo de transformações, de uma revalorização do ser humano.
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A instabilidade dos séculos XIV-XVI

Na Baixa Idade Média, a passagem da sociedade de ordens para uma sociedade estamental, produto da própria dinâmica feudal, acelerou-se naquele contexto de crise generalizada. Com a quebra da rígida estratificação anterior, baseada num ordenamento divino da sociedade, o organismo social tornou-se determinável pelos próprios indivíduos.

A aristocracia, naturalmente, foi a mais atingida pelas transformações da época. As dificuldades da economia senhorial arruinavam muitas famílias nobres, que perdiam suas terras e se deslocavam para as cidades ou para as cortes principescas ou monárquicas. Dessa forma, a nobreza sofria certa descaracterização ou ao menos perdia alguns dos traços que tinham feito parte de seu poder e prestígio até então.

A burguesia, cujo aparecimento na Idade Média Central tinha expressado as transformações sociais então em gestação, consolidou-se com a crise aristocrática. Foi assim que se deu a penetração burguesa no campo, com a compra de terras, que ocorria pelo menos desde o século XIII acelerando-se na Baixa Idade Média.

Quanto à mão-de-obra urbana, a situação era mais homogênea e mais difícil. A crise não criou uma elite trabalhadora, como fizera no campo, apenas reforçou o poder da alta burguesia. A relativa alta de preços industriais, enquanto os preços agrícolas caíam, atraía muitos camponeses para as cidades. Dessa forma, aumentava a oferta de mão-de-obra urbana, o que permitia ao patriciado burguês pressionar os salários para baixo, rompendo a tendência altista gerada pela peste negra.

As revoltas urbanas, por sua vez, eram pelo controle do Estado, em processo de afirmação, fosse ele comunal, senhorial ou nacional.


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Capítulo VI - As estruturas culturais

Cultura era entendida como uma criação intelectual realizada por “grandes homens”, mais ou menos desvinculados do contexto histórico. E também como uma criação letrada, pois mesmo as artes, essencialmente visuais, pressuporiam certo conhecimento para ser “compreendidas”. No entanto, as transformações do último meio século nos veículos de divulgação cultural (rádio, televisão, cinema, jornais, revistas), e mais recentemente o diálogo da História com a Antropologia, romperam aquela visão estreita.
Para tanto, entenderemos cultura como tudo aquilo que o homem encontra fora da natureza ao nascer. Tudo que foi criado, consciente e inconscientemente, para se relacionar com outros homens (idiomas, instituições, normas), com o meio físico (vestes, moradias, ferramentas), com o mundo extra-humano (orações, rituais, símbolos). Esse relacionamento tem caráter variado, podendo ser de expressão de sentimentos (literatura, arte), de domínio social (ideologias), de controle sobre a natureza (técnicas), de busca de compreensão do universo (filosofia, teologia).

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As áreas culturais

De um lado, a cultura erudita, de elite, cultura letrada que pelo menos até o século XIII foi eclesiástica do ponto de vista social e latina do ponto de vista lingüístico. Conscientemente elaborada (mas sem deixar, é claro, de ser tributária da mentalidade), era formalmente transmitida (escolas monásticas, escolas catedralícias, universidades). Por isso, tendia a ser conservadora, a se fundamentar em autoridades.

De outro lado, estava a cultura que já foi chamada de popular, laica ou folclórica, e que preferimos denominar “vulgar”, pois para os medievais esta palavra rotulava sem ambigüidade tudo que não fosse clerical. A cultura vulgar era oral, transmitida informalmente (nas casas, ruas, praças, tavernas etc.) por meio de idiomas e dialetos vernáculos. Espontaneamente elaborada, ela expressava a mentalidade de forma mais direta, com menos intermediações, com menos regras preestabelecidas. Ideologicamente, ela se inclinava a recusar os valores e práticas oficiais. Ainda que muito presa às suas próprias tradições — que a Igreja tendia a tachar de superstições —, a cultura vulgar não estava fechada a outras influências.

A cultura erudita procurou apossar-se dos relatos míticos, promovendo e legitimando o registro escrito de alguns deles e controlando sua interpretação.
A cultura vulgar, por sua vez, pressionou ao longo da Idade Média para que certos ritos fossem criados ou modificados.

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A bipolarização da Primeira Idade Média

Na Primeira Idade Média, as dificuldades da época estabeleceram caracteres culturais que se manteriam, com variações de intensidade, nos séculos seguintes. Primeiro, alargamento do fosso entre a elite culta e a massa inculta. Segundo, este corte cultural não coincidia com a estratificação social: a linha de separação era entre clérigos e leigos, realidade sociocultural que ficou registrada no francês moderno clerc (“letrado”), no inglês clerk (“escrevente”) e no português “leigo” (ignorante). Terceiro, a cultura clerical era uma sistematização e simplificação da herança greco-romana, adaptada à situação de uma época convulsionada politicamente, enrijecida socialmente, empobrecida economicamente e, síntese disso tudo, limitada pelo seu “absolutismo religioso”. Quarto, a cultura vulgar regredira com as dificuldades materiais, a insegurança espiritual e a fusão com elementos bárbaros, daí a ressurgência de técnicas, crenças e mentalidades tradicionais, pré-romanas.
Em virtude desse clima cultural e da finalidade que se atribuía ao conhecimento, às ciências viam-se limitadas no seu desenvolvimento. Predominava a concepção de que a meta do homem era o Reino de Deus e de que a Revelação estava contida nas Sagradas Escrituras.
A Literatura também foi influenciada por aquela tendência a preservar e cristianizar obras antigas, mais do que a criar. Não havia preocupação com originalidade, apenas com a conservação da literatura clássica por meio de cópias realizadas nos scriptoria monásticos.

A arte ocidental dos séculos IV-VIII realizou uma síntese de elementos de origens diversas. Da arte romana clássica conservou-se algo das técnicas e das características arquitetônicas. Da arte oriental, com a qual se manteve contato mesmo após as invasões germânicas, através de mercadores e missionários, veio certa estilização e hieratismo das formas. Da
arte germânica, típica de povos nômades, aproveitou-se o caráter não figurativo e o geometrismo estilizado. Da arte céltica, através das iluminuras dos monges irlandeses, absorveu-se o uso de linhas abstratas, apenas ornamentais. Da arte cristã primitiva veio o essencial, isto é, a temática e o simbolismo. No todo, elementos que se completavam mais do que se negavam, tendo cada um deles peso variável conforme o gênero artístico (arquitetura, escultura, pintura, miniatura, mosaico etc.) e as condições locais (composição étnica, meio físico, época).

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A clericalização da Alta Idade Média

Entre as últimas décadas do século VIII e as primeiras do século IX, com a estreita relação entre Estado e Igreja que levou à constituição do Império Carolíngio, as manifestações da cultura vulgar foram de forma geral abafadas. A cultura clerical, mais do que nunca tornada oficial, foi produzida no âmbito do movimento que se convencionou chamar de Renascimento Carolíngio. Segundo o próprio Carlos Magno, seu objetivo era fazer com que “a sabedoria necessária à compreensão das Sagradas Escrituras não seja muito inferior à que deveria ser”. Melhorar o nível dos clérigos significava para a Igreja oferecer serviços religiosos mais elevados e para o Império servidores administrativos mais eficientes. Daí o alcance daquele movimento ter-se limitado a algumas centenas de pessoas, concentradas nas escolas monásticas e, novidade, numa escola criada no próprio palácio imperial. Diante de seus objetivos, a tônica não era criar, mas redescobrir, adaptar, copiar, por isso já se disse que “a Renascença Carolíngia, ao invés de semear, entesoura”.

Para acelerar essa atividade copista e minimizar os erros de transcrição, buscava-se já havia algum tempo desenvolver uma caligrafia menos desenhada, que apresentasse maior regularidade. Uma caligrafia mais prática, cursiva, que implicasse menor número de movimentos com a mão.

O reequilíbrio da Idade Média Central
Com as acentuadas transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas a partir do século XI, foi quebrada a clara predominância desfrutada pela cultura clerical na fase anterior. A cultura vulgar ressurgia com força. Em conseqüência, a cultura intermediária passou a marcar presença em quase todos os campos. A cultura erudita viu, assim, reduzidas suas áreas de exclusividade, mas com isso pôde concentrar forças e em certos setores atingir seu apogeu. O movimento conhecido por Renascimento do século XII ilustra bem esse fenômeno.

A Reação Folclórica
Com efeito, assistiu-se no século XI a um reequilíbrio de forças entre os dois pólos culturais. Assim como na Alta Idade Média ocorrera a clericalização de muitos elementos folclóricos, agora se dava a folclorização de elementos cristãos. O cristianismo, ao dessacralizar a natureza (que não se identificava mais com as divindades pagãs), tinha marcado nova etapa no pensamento racionalista, e nesse sentido a oposição folclórica representou a resistência de outro sistema mental, de outra lógica, a do “pensamento selvagem”.

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A cultura intermediária e a arte

Mas a emissão e a recepção da mensagem iconográfica não era, obviamente, sempre a mesma. As iluminuras de textos bíblicos e teológicos, consumidas apenas por clérigos, recebiam tratamento mais erudito. As esculturas, as pinturas murais, os mosaicos, os vitrais, colocados em igrejas, mosteiros e catedrais em locais visíveis a todos, transmitiam mensagens ao alcance desse público mais amplo.

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A cultura intermediária e a literatura

Na literatura latina, ao lado de uma produção nitidamente clerical (crônicas, poesias de cunho clássico), havia uma de espírito popular (hagiografia) e outra erudita mas antieclesiástica (goliárdica). Na literatura vernácula, havia gêneros com forte coloração clerical (canção de gesta, ciclo do Graal) e outros acentuadamente laicos (lais,fabliaux). Em termos culturais, portanto, e não apenas lingüísticos, boa parte da literatura da Idade Média Central estava na zona da cultura intermediária.
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A cultura clerical e o ensino

Um setor cultural que a Igreja monopolizava desde princípios da Idade Média continuou nos séculos XI-XIII sob seu controle, apresentando, todavia, características novas, que tendiam a escapar de sua alçada — o ensino. De qualquer forma, mesmo com certa laicização o ensino não deixava de estar na área da cultura clerical, entendida cada vez mais, como já dissemos, como cultura de letrados, e não apenas cultura de eclesiásticos.
Nesse processo, surgiram no século XI as escolas urbanas, que se transformariam em universidades no século XIII. Ambas eram produto do crescimento demográfico-econômico-urbano, que tornava a sociedade mais complexa e mais necessitada de atividades intelectuais. De fato, eram necessários sacerdotes em maior número e mais bem preparados para guiar fiéis mais numerosos e com novos problemas; juristas para uma maior quantidade de tribunais e às voltas com questões novas c mais difíceis; burocratas para os reis e grandes senhores feudais, cujos rendimentos, despesas e interesses se ampliavam; mercadores para atender à crescente procura de bens e que precisavam elaborar contratos, escrever cartas, controlar lucros e estoques.

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A cultura clerical e a teologia/filosofia

O curso universitário que gozava de maior prestígio, apesar de toda a laicização da sociedade e da cultura que ocorria no século XIII, era sem dúvida o de Teologia, especialmente o de Paris. O conhecimento nessa área mantinha-se virtualmente o mesmo dos séculos anteriores, com o termo então utilizado (sacra doctrina) indicando que ela abarcava apenas o que tinha sido revelado direta ou indiretamente por Deus: Bíblia, decisões de concílios, comentários há muito aceitos pela Igreja. Na expressão de Santo
Anselmo, era “a fé em busca da inteligência”.

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O redirecionamento da Baixa Idade Média

O frágil equilíbrio entre cultura clerical e cultura vulgar rompeu-se com a crise do século XIV. A razão disso está ligada ao fato de que na Baixa Idade Média “existia uma falta geral de equilíbrio no temperamento religioso, o que tornava tanto as massas como os indivíduos suscetíveis de violentas contradições e de mudanças súbitas” (62: 163). As manifestações culturais oscilavam então do mais estrito racionalismo ao mais fervoroso misticismo. A cultura clerical não tinha mais a coerência da Alta Idade Média e a cultura vulgar não possuía o mesmo vigor que na Idade Média Central. Buscava-se uma nova composição, da qual sairia à cultura renascentista dos séculos XV-XVI.

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Capítulo VII - As estruturas cotidianas

O caráter factual e descritivo que marcou de forma geral a historiografia até princípios deste século levava à desconsideração dos “pequenos fatos”, dos eventos do dia-a-dia, repetitivos, sem uma influência clara e direta sobre os “grandes fatos” (batalhas, sagração de reis, criação de instituições, surgimento de importantes obras literárias e artísticas etc). No entanto, a crescente compreensão de que o tecido da História é formado por fios dos mais variados tamanhos e cores permitiu o aparecimento de estudos sobre a vida cotidiana e privada das populações do passado. Ou seja, dos aspectos mais duradouros e presentes no desenrolar da História.

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O tempo

A Idade Média não se interessava por uma clara e uniforme quantificação do tempo. Como na Antigüidade, o dia estava dividido em 12 horas e a noite também, independentemente da época do ano. Os intervalos muito pequenos (segundos) eram simplesmente ignorados, os pequenos (minutos) pouco considerados, os médios (horas) contabilizados grosseiramente por velas, ampulhetas, relógios d'água, observação do Sol.

Apenas o clero, por necessidades litúrgicas, estabeleceu um controle maior sobre as horas, contando-as precariamente de três em três a partir da meia-noite (matinas, laudes, primas, terça, sexta, nona, vésperas, completas).
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Sexo
O surgimento do cristianismo respondia a essa demanda psicológica e comportamental da sociedade romana, daí seu sucesso. Tornado religião oficial em 392 e cada vez mais institucionalizado pela Igreja, já na Primeira Idade Média o cristianismo pôde impor seus
valores.

A vida sexual ideal passou a ser a inexistente. A virgindade tornou-se um grande valor, seguindo os modelos de Cristo e sua mãe. Vinha depois a castidade: quem já havia pecado podia em parte compensar essa falta abstendo-se de sexo pelo restante da vida. Os relatos hagiográficos de toda a Idade Média, sobretudo de suas duas primeiras fases, abundam em exemplos de santas que morreram para defender sua virgindade e de santos e santas que ao se converter ao cristianismo abandonaram a vida conjugal.
Contudo essa interferência eclesiástica na vida íntima dos fiéis não foi aceita com facilidade. Quanto mais recuados no tempo e mais afastados dos grandes centros clericais (sedes de bispado, mosteiros), mais os medievos puderam viver de forma “pagã”, no dizer da Igreja.
O matrimônio é uma relação monogâmica. Por um lado, isso atendia a um dado da mentalidade medieval, fascinada pela Unidade cosmológica, talvez como forma compensatória à grande diversidade da realidade concreta do Ocidente, dividido em vários reinos, milhares de feudos, dezenas de línguas e dialetos, diferentes liturgias (apenas com a Reforma Gregoriana tentou-se impor o rito galicano-romano a todas as regiões, o que demoraria a se concretizar). Assim, idealmente, ao Deus único deveria corresponder uma só Igreja, uma só fé, um só governante secular. Por outro lado, a monogamia respondia a uma lenta mas inegável transformação na sensibilidade coletiva — que a Igreja soube reconhecer e tornar lei — pela qual se passava a ver a essência do casamento no consentimento mútuo dos noivos. Isto é, a união deveria ser construída a partir do afeto recíproco, e não apenas de interesses políticos ou patrimoniais.

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Alimentação
Apesar das variações regionais de solo e clima, a Europa medieval consumia por toda parte praticamente os mesmos alimentos e bebidas, preparados quase que da mesma maneira.
Diferenças houve, acima de tudo, entre as categorias sociais. O aristocrata, eclesiástico ou leigo, recebia de seus camponeses, pelo uso da terra, prestações em serviço e produtos agrícolas. Podia, assim, consumir de tudo. Detentor de vários senhorios, um aristocrata não se fixava numa certa terra, morando cada parte do ano numa região, onde consumia a parcela da produção local que lhe cabia. Podia, então, ter alimentos todo o ano, independentemente das vicissitudes agrícolas de cada senhorio. Apesar disso, por razões culturais, o cardápio não era muito variado. Os legumes e verduras não estavam muito presentes, porque, sendo considerados produtos pouco nobres e de digestão difícil, ficavam reservados para dias de jejum. Os queijos, com exceção das regiões montanhosas, também eram desprezados pelas camadas dirigentes, que viam neles aumentos de camponeses, pela literatura, que os associava aos loucos, e pela medicina, que até o século XVI os considerava pouco saudáveis.

A base da alimentação aristocrática era, portanto, carnívora. Carne de animais domésticos, vaca, vitela, carneiro e sobretudo porco. Carne de caça, especial-mente cervo, javali e lebre. Carne de aves, galinha, pato, ganso, cisne, pombo. Carne de peixe de água doce onde possível, pescados em rios e lagos ou criados em tanques (carpa, sável, esturjão). Carne de peixe de mar, consumido fresco nas regiões litorâneas (salmão, linguado, pescado) ou seco nas regiões continentais (arenque, bacalhau). A bebida para acompanhar essas refeições era o vinho. A sobremesa nas mesas aristocráticas podia ser alguma fruta fresca (geralmente consumida no início das refeições ou nos intervalos entre elas) ou, mais comumente, frutas secas (figos, passas, amêndoas, nozes etc.) ou, preferencialmente, uma torta ou bolo doce.

A dieta burguesa procurava em linhas gerais imitar a aristocrática, sobretudo no seu fundamento carnívoro.

A alimentação camponesa estava baseada nos cereais, que forneciam as calorias necessárias para o esforço físico nas tarefas rurais. Cereais preparados sob a forma de papas e mingaus e especialmente de pão. Na verdade, o pão era essencial desde a Antigüidade.

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Moradia
a moradia apresentava grandes variedades regionais, resultantes das necessidades impostas pelo clima e das possibilidades permitidas pelos materiais de construção de cada local.

O norte úmido, frio e florestal definiu um estilo obviamente diferente do sul mediterrâneo seco, quente e pedregoso. As regiões montanhosas do norte ibérico, da zona pirenaica, do centro francês e da região alpina buscaram soluções próprias, diferenciadas das áreas planas. As cidades apresentavam, naturalmente, condições específicas, com uma grande população concentrada numa superfície pequena, enquanto o campo tinha uma densidade demográfica baixa. Mas, assim como os campos se diferenciavam pelo seu contexto geográfico, as cidades não eram iguais entre si. Uma grande sede feudal (como Troyes), a capital de um reino (caso de Londres), uma importante sé episcopal (Burgos, por exemplo), uma cidade dedicada ao comércio internacional (como Veneza ou Lübeck), uma cidade artesanal (como Ypres), um pequeno burgo rural (os mais comuns) não poderiam, por razões geográficas e profissionais, construir habitações e edifícios públicos da mesma forma.
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Vestuário
Por toda Idade Média a base do vestuário foi à túnica de mangas. Seu comprimento mudou várias vezes, mas geralmente ia até os tornozelos para as mulheres e até os joelhos para os homens. Debaixo dessa túnica usava-se uma camisa, longa no caso feminino, curta no masculino, pois os homens portavam ainda calções, uma espécie de ceroula que ia até os tornozelos. No inverno, quem tinha condições colocava diretamente no corpo, sob a camisa, uma peliça, espécie de colete de pele, sem mangas Por cima de tudo vinha uma capa, às vezes com capuz, de pele no caso dos mais ricos, de lã no dos mais simples. O calçado podia ser bota de couro de cano alto para os ricos ou simples sapatilha de tecido para os mais pobres. O uso de luvas era difundido em todas as categorias sociais.

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Lazer
Os medievais levavam uma vida material dura, os clérigos passando muitas horas por dia em orações, estudo e tarefas cotidianas de sua diocese ou mosteiro, os senhores laicos em exercícios militares e administração de seu senhorio, os burgueses em difíceis negociações e perigosas viagens, os camponeses num trabalho pesado e de retorno nem sempre compensador.
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Morte
Vivendo num mundo agrícola, em que se percebe cotidianamente como alguns seres precisam morrer para que outros possam viver, convivendo com a constante ameaça da fome, das epidemias e das guerras, os medievais sentiam a onipresença da morte, mas isso não os incomodava. Eles tinham dela uma visão natural, tranqüila, diferente da de seus descendentes dos séculos seguintes. Como o cristianismo ensina que a morte é o começo da vida eterna, e não o fim definitivo, chegado o momento as pessoas procuravam se preparar. A grande tragédia não era morrer, mas morrer inesperadamente, sem ter confessado, recebido os sacramentos, feito doações e esmolas, estabelecido o testamento. Tinha-se consciência e resignação pelo fato de que o destino das espécies vivas é morrer. A morte
nivela os homens e mostra o despropósito de seu orgulho e suas riquezas.

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Capítulo VIII - As estruturas mentais

Apenas há pouco tempo foi tornado objeto de estudo o fato óbvio de que o homem, e portanto a História, é formado tanto por seus sonhos, fantasias, angústias e esperanças quanto por seu trabalho, leis e guerras. Desta forma, é fundamental a compreensão do primeiro conjunto de elementos para que o segundo ganhe sentido. Bem entendido, não se trata de adotar uma postura determinista, atribuindo tudo à mentalidade (ou à economia, ou à política etc.)- Mas é preciso considerar o pano de fundo mental, “o nível mais estável, mais imóvel das sociedades” (LE GOFF: 69).

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A visão hierofânica de mundo

Para o homem medieval, o referencial de todas as coisas era sagrado, fenômeno psicossocial típico de sociedades agrárias, muito dependentes da natureza e, portanto, à mercê de forças desconhecidas e não controláveis.
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O simbolismo

“A função do símbolo é religar o alto e o baixo, criar entre o divino e o humano uma comunicação tal que eles se unam um ao outro” (39: 98). E encontro de duas realidades numa só, ou melhor, expressão da única realidade sob outra forma. O símbolo é inferior à realidade simbolizada, mas por intermédio daquele o homem se aproxima desta, restabelecendo a unidade primordial. Por isso ele está presente em todas as religiões, cujo sentido é exatamente esse de religar mundo humano e mundo divino. Entende-se, dessa forma, que a relação do símbolo com a coisa simbolizada seja profunda, de essencialidade.
Todos os elementos da natureza, animais, plantas, pedras, são símbolos, respondendo à necessidade de exprimir o invisível e o imaterial por meio do visível e do material. Por essa razão, o templo cristão não poderia deixar de ter forte carga simbólica, especialmente no período românico. A planta em cruz terminando numa cabeceira com várias capelas expressava a concepção de que a igreja era o próprio corpo de Cristo, daí o portal ser um arco do triunfo para se entrar no Reino de Deus.
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O belicismo

Esta característica da mentalidade medieval decorria da presença constante daquelas manifestações sagradas nas suas duas modalidades, vistas do ponto de vista humano, benéficas e maléficas. Elas prolongavam no palco terreno a luta que envolvia temporariamente todo o universo. Os poderes negativos constituíam-se numa realidade palpável para aquela sociedade de tempo rigidamente dividido entre dia e noite, sem luz artificial eficiente, na qual as trevas eram fortemente sentidas. Sua presença cotidiana era indisfarçável e esmagadora. As atividades humanas ficavam limitadas às horas diurnas. A noite era o momento do desconhecido, portanto do assustador. Significativamente, ela era circunstância agravante para a justiça medieval
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O contratualismo

Por fim, do belicismo derivava o contratualismo, estrutura mental que via o homem ligado, com os correspondentes direitos e deveres, a uma ou outra daquelas forças universais em luta. A opção pelo Mal dava origem ao chamado pacto demoníaco, como na conhecida história de Teófilo. Querendo ser nomeado vigário, ele recorreu aos serviços de um judeu que o levou até a presença do Diabo, de quem se tornou “bom vassalo” após renegar Cristo e Maria. Numa carta entregue ao “rei coroado” do Inferno, ele formalizava o acordo, e obteve então as glórias e vantagens que desejava. Depois, arrependido, pediu ajuda à Virgem, “porta do Paraíso”, para recuperar aquela carta, pois “isto foi o pior”, e sem reavê-la não poderia romper seu trato com Satanás. A Virgem o ajudou, o contrato demoníaco foi queimado e ele pôde ter sua alma salva.

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Capítulo IX - O significado da Idade Média

Após os exageros denegridores dos séculos XVI-XVII e os exaltadores do século XIX, hoje temos uma visão mais equilibrada sobre a Idade Média. E verdade que a divulgação que ela conheceu em fins do século XX fora dos meios acadêmicos — inúmeras publicações científicas e ficcionais, filmes, discos, exposições, turismo etc. — nem sempre implicou uma melhor compreensão daquele período. Mas reflete um dado essencial: a percepção que se tem da Idade Média como matriz da civilização ocidental cristã. Diante da crise atual dessa civilização, cresce a necessidade de se voltar às origens, de refazer o caminho, de identificar os problemas. Enfim, de conhecer a Idade Média para conhecer melhor os séculos XX-XXI.
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A longa Idade Média

Os quatro movimentos que se convencionou considerar inauguradores da Modernidade — Renascimento, Protestantismo, Descobrimentos, Centralização — são em grande parte
medievais. O primeiro deles, o Renascimento dos séculos XV-XVI, recorreu a modelos culturais clássicos, que a Idade Média também conhecera e amara. Aliás, foi em grande parte por meio dela que os renascentistas tomaram contato com a Antigüidade. As características básicas do movimento (individualismo, racionalismo, empirismo, neoplatonismo, humanismo) estavam presentes na cultura ocidental pelo menos desde princípios do século XII.
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A herança medieval no século XX

O patrimônio lingüístico ocidental é quase todo medieval, já que, com exceção do basco, idioma cujas origens continuam desconhecidas para os especialistas, às demais línguas formaram-se na Idade Média. Uma terça parte da população mundial atual, isto é, 2 bilhões de pessoas, pensa e se exprime com instrumentos lingüísticos forjados na Idade Média. De fato, ao lado do latim legado pela Antigüidade — e durante a Idade Média empregado nos ofícios religiosos, nas atividades intelectuais e na administração, mas língua morta no sentido de não ser mais língua materna de ninguém —, no século VIII nasceram os idiomas chamados de vulgares, falados cotidianamente por todos, mesmo pelos clérigos. Correndo o risco de simplificar em demasia um processo longo e complexo, podemos dizer que aqueles idiomas se formaram da interpenetração — em proporção diferente a cada caso — do celta, do latim e do germânico.

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A herança medieval no Brasil

Mesmo no Brasil, que vivia na Pré-História enquanto a Europa estava na chamada Idade Média, muitos elementos medievais continuam presentes. A colonização portuguesa introduziu práticas que, apesar de já então superadas na metrópole, foram aqui aplicadas com vigor, inaugurando o clima de arcaísmo que marca muitos séculos e muitos aspectos da história brasileira. Luís Weckmann detectou com pertinência a existência de uma herança medieval no Brasil, porém limitou sua presença apenas até o século XVII. E, na realidade, ela continua viva ainda hoje nos nossos traços essenciais.

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Conclusão - O nascimento do Ocidente

Homem atual se reconhece mais nas coisas superficiais, de origem recente, do que nas essenciais, que vêm daquela época. Este é um grave problema do mundo atual, no qual os
meios de comunicação de massa uniformizam, apagam e constroem fatos incessantemente. Desta forma, há um afastamento da cultura, baseada no indivíduo, na inquietação, na interrogação, não em respostas prontas e rápidas.
A fraqueza do homem medieval era sua força, pois gerava desejos, motivações. A força do homem atual é sua fraqueza, pois gera desilusões. Na verdade, foi conseguindo ao longo dos séculos satisfazer aqueles desejos que o homem chegou à situação atual. Satisfação de desejos que se deu mais no plano material do que no espiritual, daí certa sensação de vazio, de falta de sentido das coisas, que a arte e a literatura contemporâneas expressam fartamente. De certa forma, a crise da civilização ocidental deve se ao descompasso entre o externo (contemporâneo) e o interno (medieval). E uma excessiva valorização do primeiro em detrimento do segundo. E uma espécie de esquizofrenia coletiva e social. Em razão disso, os crescentes prestígio e popularidade dos estudos sobre a Idade Média têm algo, inconscientemente, de busca de reintegração dos dois planos