A confiança no poder salvador da política e no processo da história rumo a uma direção identificável desapareceu. A procura de uma vida coletiva isenta de pavores e de sofrimentos afastou-se dos projetos políticos.
Com o afastamento das perspectivas de salvação mediante a política, o ser humano está procurando outros caminhos, estabelecendo ou restabelecendo diversas estratégias. Duas delas são as mais difusas e significativas.
A primeira é aquela de buscar, de novo e intensamente, a ausência de pavores e de sofrimentos em um outro mundo, no céu, sentindo, porém que é ao mesmo tempo cidadão e estrangeiro nesta terra, na qual deve eventualmente tomar conta, mas considerá-la apenas como uma etapa provisória da caminhada rumo à ausência plena de pavores e de sofrimentos.
Diminui o “sentido histórico” e aumenta a necessidade do “absoluto”. Conseqüência da perda da crença que o curso da história se orienta espontaneamente para o melhor. No passado, a primazia do sentido da história durou enquanto foi garantida pela confiança numa reserva áurea de “progresso” que se acumulou no decurso dos séculos.
Todavia, é paradoxal, ao menos na aparência, o facto que hoje vem perdendo credibilidade a idéia de uma conspiração dos eventos rumando para um fim comum. Isto estaria acontecendo justamente no momento em que o mercado mundial e o sistema das comunicações põem em contato rápida e facilmente todos os povos da terra, no momento em que a rede de interdependências globais se torna cada vez mais densa.
Pela primeira vez o ser humano está virtualmente em condição de captar a história contemporânea como um todo. Mesmo assim ele é obrigado a registrar uma espécie de “estrabismo perceptivo”, considerando que, por um lado, assiste o avanço da “globalização” e, por outro lado, o fechamento das “culturas” em si próprias e à sua vontade de evitar a homologação planetária.
Hoje, pode-se afirmar que a queda do sentido histórico depende do facto que se perdeu de vista qualquer processo unitário da história sob a orientação de um protagonista bem identificado. Desapareceram os critérios de seleção implícitos nos modelos que interpretavam o processo histórico como processo unitário guiado por “macro-sujeitos”.
A ausência de pavores e de sofrimentos é procurada na vontade renascida de resguardar-se da tirania do curso do mundo, no desejo por vezes de ignorar os contextos mais amplos em que se vive. Tal projeto, porém, resulta inviável, além de inútil. Jamais conseguiremos tornar-nos independentes do envolvimento com os eventos “externos”.
Por isso, as técnicas de isolamento que visam desvincular-nos totalmente dos condicionamentos históricos são tão funestas quanto aquelas que procuram mergulhar o ser humano nos eventos a ponto de levá-lo a perder a autonomia individual.
A segunda estratégia, ao contrário, consiste em mergulhar profundamente nas satisfações e nos prazeres da vida presente. Percebendo a vida como contingente e fugidia (onde tudo se acaba) o ser humano faz tudo para se saciar aproveitando todas as ocasiões de prazer. Deixa que o desejo se torne o arbítrio para decidir, vez por vez, o que achar mais vantajoso. Sua liberdade corre o risco de transformar-se em escravidão do instante.
Infelizmente a ausência de pavores e de sofrimentos não chega por encomenda. O indivíduo não pode dizer a si mesmo “seja livre de pavores e de sofrimentos!”, como não também dizer “seja espontâneo!”. Além disso, quando é que as contínuas satisfações dos desejos, numa espécie de corrida frenética contra o tempo, trazem a ausência de pavores e de sofrimentos?
As duas referidas estratégias contêm a tentação de uma fuga da política, isto é, de uma busca individual da ausência de pavores e de sofrimentos, devido ao descrédito da dimensão pública. A política se apresenta, atualmente, mais como promessa de ausência de pavores e de sofrimentos privada do que coletiva. As duas referidas estratégias têm um elemento em comum: a tentação de fugir tanto da política e da história, como também do projeto em comum, a favor, por um lado, de uma salvação da alma individual ou, por outro lado, de uma busca desenfreada e privada de prazeres. De qualquer modo, a ausência de pavores e de sofrimentos é considerada um bem à guisa de refúgio a que somente o indivíduo possa aceder, em áreas oportunamente protegidas.
É preciso sair de si próprios, descobrir de novo o enorme espaço positivo da sociabilidade e de uma política que não se identifica com as tagarelices televisivas ou com a inevitável visão limitada da própria política. Na verdade não é possível viver feliz em um leprosário: uma felicidade pessoal não arejada e oxigenada pela esfera pública acaba tendo cheiro de mofo ou declarando a própria natureza de recuo e de derrota.
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