1- INTRODUÇÃO
A produção agrícola mundial tem
se concentrado em monoculturas, com a expectativa de obter aumento do volume
produzido e garantir a alimentação de toda a população do planeta. Contudo, as
consequências ambientais e sociais desse modelo têm sido desastrosas,
provocando destruição da biodiversidade e esgotamento dos solos, além de os
países das regiões mais pobres do planeta estarem passando fome, já que sua
produção é primária e destinada, quase que exclusivamente, para exportação. O
desenvolvimento dos transgênicos intensificou a monocultura e incrementou os
riscos, havendo mais dúvidas sobre seus benefícios do que certezas. Para
garantir segurança alimentar e sustentabilidade ambiental, é preciso investir
em novas técnicas de produção agrícola, inclusive com a supervisão estatal.
O atual modelo agrícola mundial é
altamente questionável no critério sustentabilidade, especialmente porque
privilegia o desenvolvimento de novas técnicas, como a transgenia, de
consequências ainda duvidosas, além de priorizar práticas largamente conhecidas
como causadoras de impactos negativos sobre o meio ambiente, como a monocultura
em grandes extensões de terra.
A simplificação dos ecossistemas,
processo indispensável para o desenvolvimento da monocultura extensiva
(arquétipo que se mantém com a transgenia, já que não foi pela necessidade dos
pequenos produtores rurais que ela se desenvolveu), é extremamente perigosa
para a manutenção desses ecossistemas, que, em geral, são complexos, considerando
que o incremento dos agroecossistemas tem ocorrido nas regiões com maior
biodiversidade do planeta e, desgraçadamente, também mais pobres.
Além dos impactos ambientais,
também a segurança alimentar da população mundial é ameaçada por esse padrão
agrário, apesar de a monocultura em grande escala durante muito tempo ter sido
apresentada como solução para o problema da fome no mundo.
Hoje, diferentemente disso,
sabe-se que as consequências negativas desse modo de produção, que envolve
desmatamento, queimadas, utilização de agrotóxicos, fertilizantes químicos e
transgênicos, são muito mais acentuadas que os benefícios, especialmente no que
se refere aos impactos ambientais e à insegurança alimentar, fatores que
passaram a ameaçar, inclusive, a continuidade da espécie humana.
Diante disso, a manutenção e o
avanço do método de produção monoculturista e a evolução da transgenia precisam
ser disciplinados, para não dizer, barrados, se efetivamente houver interesse
em garantir segurança alimentar. Esse controle depende de uma atuação estatal
efetiva, orientada para o bem comum, com o resguardo de regiões de agricultura
familiar e o desenvolvimento ou aprimoramento de técnicas ambientalmente
adequadas, como a rotação de culturas, além do incentivo às pesquisas na busca
de alternativas para um desenvolvimento rural sustentável.
2 - OS IMPACTOS AMBIENTAIS DA MONOCULTURA
A monocultura é o cultivo de uma
única espécie agrícola em determinada área ou região, ocorrendo, com maior
intensidade, nas grandes propriedades
rurais. No Brasil, esse modelo é bastante conhecido, pois desde que iniciou seu
desenvolvimento como país agrário, concentrou seus esforços em culturas
específicas, como foi o caso da cana-de-açúcar, do café e, atualmente, da soja.
Essas produções em grande escala, em geral, são destinadas à comercialização,
especialmente, para o mercado externo, até porque nenhum ser humano tem
necessidade de uma quantidade muito expressiva de um único alimento para
sobreviver. Essa especialização, contudo, é extremamente prejudicial ao solo,
acarretando significativo desequilíbrio ambiental, devido ao desgaste e
empobrecimento nutricional causados pela produção contínua de uma mesma planta
e a consequente contaminação, gerada pelo uso indiscriminado de fertilizantes,
com o intuito de manter ou recuperar a produtividade da terra, e de
agrotóxicos, indispensáveis para combater as pragas que surgem em razão da
uniformização das culturas.
O enfoque mercadológico, para
Leff, é resultado da globalização econômica, que está gerando uma retotalização
do mundo sob o valor unidimensional do mercado, superexplorando a natureza,
homogeneizando culturas, subjugando saberes e degradando a qualidade de vida
das maiorias (2001, p. 40).
A difusão em larga escala da
prática da monocultura, baseada na utilização intensiva de fertilizantes
químicos e em processos mecânicos de reestruturação e condicionamento de solos,
além do emprego sistemático do controle químico das pragas, ocorreu com o
desenvolvimento do modelo euro-americano de modernização agrícola após a
Revolução Industrial.
Antes disso, a monocultura de
culturas temporárias só podia ser praticada por longos períodos em condições
muito restritas: em regiões de solos excepcionais ou em regiões de conquista
onde a degradação da terra não tinha importância (ROMEIRO, 1998, p. 93).
Assim sendo, um país com alguma
expectativa de desenvolvimento e com um governo consciente de suas
responsabilidades jamais admitiria a instalação de um modelo agrícola de
monocultura em seu território, o qual somente seria aceitável em países de
pobreza extrema que, justamente por esse motivo, teriam apenas a alternativa da
exploração de suas terras pela monocultura para manter suas populações
miseráveis por mais algum tempo.
A monocultura, portanto, poderia
ser a escolha diante do seguinte confronto: sobrevivência temporária da espécie
humana em detrimento da natureza ou preservação do meio ambiente em detrimento
da espécie humana. O antropocentrismo natural do homem o faria optar pela
primeira alternativa, lançando-o à monocultura. Mas, não estando nesse limite,
a preferência pela monocultura jamais deveria prevalecer, já que se trata de um
modo de produção afeto à lógica econômica tradicional, de curto prazo, que, por
isso mesmo, nunca conseguirá incorporar a dimensão ambiental de maneira
sustentável.
No entanto, mesmo não estando
nesse limiar, em todo o mundo o modelo de produção agrária incentivado é o da
monocultura de grandes extensões, seja ela intensiva em agrotóxicos ou em
transgênicos, o que representa, segundo Soares e Porto (2007), a expansão de
sistemas ecológicos artificialmente homogêneos, sendo que, atualmente, 90% da
produção mundial de alimentos estão restritos a somente quinze espécies
vegetais, num âmbito de milhares de espécies vegetais comestíveis conhecidas, e
oito animais.
Castro, em sua obra Geografia da
Fome, lançada em 1946, apresenta um profundo estudo sobre o problema da fome no
Brasil, com suas causas e consequências, especialmente nas regiões Norte e
Nordeste. Dentre as causas, aparece no nordeste açucareiro, com sua típica
paisagem natural, a monocultura, caracterizada como uma doença grave da
economia agrária (2006, p. 109):
Descobrindo
cedo que as terras do Nordeste se prestavam maravilhosamente ao cultivo da
cana-de-açúcar, os colonizadores sacrificaram todas as outras possibilidades ao
plantio exclusivo da cana. Aos interesses de sua monocultura intempestiva,
destruindo quase que inteiramente o revestimento vivo, vegetal e animal da
região, subvertendo por completo o equilíbrio ecológico da paisagem e
entravando todas as tentativas de cultivo de outras plantas alimentares no
lugar, degradando ao máximo, deste modo, os recursos alimentares da região
(Idem, p. 97).
A monocultura da cana-de-açúcar,
explica Castro, se processa em regime de autofagia, já que a cana devora tudo
em torno de si, engolindo terras e mais terras, consumindo o humo do solo,
aniquilando as pequenas culturas indefesas e o próprio capital humano.
Aparentemente, a cana constitui até um elemento de proteção da terra contra os
perigos da erosão, em razão do recobrimento do solo com o revestimento vegetal
de sua abundante folhagem e a consolidação da estrutura do solo com suas raízes
intrincadas. Contudo, a perda da fertilidade é um fator importante no mecanismo
de erosão e a monocultura da cana esgota rapidamente a fertilidade dos solos,
alterando sua estrutura e diminuindo sua resistência às forças de desagregação
(Ibidem, p. 98,99).
Os impactos ambientais produzidos
pela cana no Nordeste, segue Castro, começaram pela destruição da floresta,
abrindo, com as queimadas, as clareiras para seu cultivo. Depois, veio o
empobrecimento rápido, o esgotamento violento do solo, diminuindo, de um lado,
a renovação do seu húmus formado pela decomposição da matéria orgânica vegetal
(que antes vinha da floresta) e, de outro, facilitando ao extremo seus
processos de lavagens exageradas do solo e sua consequente erosão irreversível,
já que o homem não dispõe de nenhum recurso para refazer a riqueza do solo que
a água arrasta para o mar, nem mesmo lançando mão dos dispendiosos processos de
fertilização (loc. cit., p. 103-105).
A Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, foi criada em 26 de abril de 1973, tendo por missão viabilizar
soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da
agricultura, em benefício da sociedade brasileira. Contudo, muitos de seus
estudos permitiram, principalmente no início de sua atuação, a expansão da
monocultura, até porque se acreditava que esse modo de produção poderia
aumentar a produtividade e, consequentemente, representar um avanço social para
o povo brasileiro.
No cerrado brasileiro, relata
Porto-Gonçalves, antes da expansão do agronegócio, o fazendeiro podia ser
proprietário da terra, mas não do babaçu ou do pequi, o que demonstra uma
modalidade mais complexa de apropriação dos recursos naturais, onde as
territorialidades não são mutuamente excludentes. Todavia, desde os anos de
1960, com a abertura de estradas e, sobretudo, nos anos de 1970 e 1980, com a
colaboração dos estudos da Embrapa sobre a correção e adubação de solo e a
seleção de sementes adaptadas à região, e o barateamento relativo de
tecnologias de captação de água a 100 e 200 metros de profundidade, as chapadas
passaram a se constituir em objeto de atenção das grandes empresas do complexo
agropecuário, dando origem ao latifúndio produtivo do agronegócio (2006, p.
259).
A ampla expansão da atividade
agrícola na região do cerrado brasileiro, segundo Soares e Porto (2007), é de
monoculturas associadas ao uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes, o que
é muito natural, pois o bioma do cerrado possui um solo não muito fértil para
agricultura, o que intensifica o uso dessa tecnologia para atingir a alta
produtividade que vem sendo obtida nessas áreas de solo mais pobre.
Mas algumas pesquisas da Embrapa,
apesar dessas críticas, também têm tido a efetiva preocupação com o
desenvolvimento de uma agricultura sustentável. Nesse sentido, um estudo sobre
as tecnologias de produção de soja na região central do Brasil, realizado em
2004, incentivou a rotação de culturas, à medida que, a monocultura ou mesmo o
sistema contínuo de sucessão do tipo trigo-soja ou milho safrinha-soja, tende a
provocar a degradação física, química e biológica do solo e a queda da
produtividade das culturas, além de proporcionar condições mais favoráveis para
o desenvolvimento de doenças, pragas e plantas daninhas.
O sistema de rotação de culturas
prevalecia nas práticas agrícolas tradicionais e consiste em cultivar, em uma
mesma área de terras, diferentes espécies vegetais, as quais devem ser
alternadas anualmente com o objetivo de recuperar o solo. Refere o relatório da
Embrapa que as vantagens desse sistema são inúmeras:
Além de
proporcionar a produção diversificada de alimentos e outros produtos agrícolas,
se adotada e conduzida de modo adequado e por um período suficientemente longo,
essa prática melhora as características físicas, químicas e biológicas do solo;
auxilia no controle de plantas daninhas, doenças e pragas; repõe matéria
orgânica e protege o solo da ação dos agentes climáticos e ajuda a viabilização
do Sistema de Semeadura Direta e dos seus efeitos benéficos sobre a produção
agropecuária e sobre o ambiente como um todo (2004).
A viabilidade econômica do
sistema de rotação de culturas é atestada pela Embrapa, dependendo apenas de um
adequado planejamento da propriedade, que consiste em dividir a área destinada
à implantação dos sistemas de rotação em tantas glebas quantos forem os anos de
rotação e, após essa definição, estabelecer o processo de implantação
sucessivamente, ano após ano, nos diferentes talhões, previamente determinados.
O sistema de rotação de culturas,
portanto, é o mais adequado para a manutenção da integridade e da complexidade
dos ecossistemas naturais. Segundo Romeiro, a rotação de culturas evita a
simplificação extrema, sendo um meio notável de manutenção da estabilidade do
ecossistema agrícola (1998, p. 202).
Apesar de todas as vantagens do
sistema de rotação de culturas, a preferência agrícola mundial ainda tem sido
pela monocultura, sendo seus maiores adeptos, na atualidade, os países não
desenvolvidos (mais pobres), localizados nas regiões tropicais do planeta, que
a utilizam para produção de commodities alimentícios, destinados, quase que
exclusivamente, à exportação para os países ricos. Países ricos que, por sinal,
já esgotaram suas terras em razão dos seus modelos insustentáveis de produção,
mas que, ainda assim, foram importados e ainda hoje são aplicados pelos países
pobres.
Ocorre que os impactos ambientais
desse modelo euro-americano de modernização agrícola nas regiões tropicais são
muito mais graves do que nas regiões de clima temperado frio, como enfatiza
Romeiro, especialmente porque, nos trópicos, a ausência de uma estação fria faz
com que o equilíbrio de cada ecossistema dependa inteiramente da diversidade
biológica, expressa na cadeia de presas e predadores. Diante disso, para a
monocultura ser viável nessas regiões, é preciso um controle químico muito mais
rigoroso, o que representa um problema sério de saúde pública nas regiões de
agricultura moderna, além da reação clássica da natureza de gerar variedades
resistentes, bem como de fazer desaparecer espécies úteis ou transformar outras
até então inofensivas em pragas (1998, p. 112).
A substituição da complexidade
(ecossistemas) pela simplificação (agroecossistemas), acrescenta
Porto-Gonçalves, é menos grave em biomas como os das regiões temperadas e
frias, em razão de serem menos diversificados biologicamente falando, enquanto
que a questão se coloca de modo mais sério quando se trata de regiões
tropicais, onde a diversidade biológica é maior e, portanto, onde mais
complexos são os circuitos de matéria e energia como um todo, sendo que manter
elevada a produtividade nessas regiões, com as grandes monoculturas, exige uma
permanente importação de energia que, nesse caso, só pode advir de fontes que
não a energia solar diariamente renovada (2006, p. 255,256).
Na esteira dos perigos ambientais
decorrentes da monocultura e do uso ampliado de fertilizantes e insumos com
vistas ao aumento da produtividade, também estão os desmatamentos, as
queimadas, a erosão dos solos, a desregulação da dinâmica hídrica, sendo a
agricultura responsável pelo consumo de 70% da água de superfície no planeta, e
a extinção de diferentes espécies.
Mesmo diante de tantos inconvenientes,
os simpatizantes da técnica da monocultura a defendem, afirmando que conduz a
uma maior produtividade, já que todos os esforços de determinadas regiões e/ou
produtores se voltam para uma produção específica. Contudo, para verificar a
consistência desse argumento, é preciso saber se essa maior produtividade não
estaria associada a um incremento na utilização de fertilizantes, o que
demonstraria as falhas do sistema, em razão dos impactos ambientais negativos
decorrentes. E de fato, segundo Porto-Gonçalves, a relação entre produção de
grãos e uso de fertilizantes caiu de 42 toneladas para 13 toneladas de grãos
por cada tonelada de fertilizantes usada entre 1950 a 2000. Diante disso,
conclui o autor: “Saltam à vista as limitações ecológicas desses
agroecossistemas, na medida em que, sendo extremamente simplificados, são, por
isso mesmo, dependentes de insumos externos para manter seu equilíbrio
dinâmico” (2006, p. 246) [grifo do autor].
Os impactos negativos da
monocultura não são apenas agroambientais. A prática da monocultura envolvendo
outras espécies vegetais, mas com objetivos igualmente econômicos, também causa
enormes prejuízos à natureza, como é o caso da monocultura do eucalipto,
encabeçada pelas grandes multinacionais de papel e celulose, que é uma forma de
cultivo que utiliza intensamente os nutrientes do solo, principalmente grandes
quantidades de água, além de ameaçar a biodiversidade.
Assim, resta evidente que a
monocultura é uma prática ambientalmente insustentável, que precisa ser revista
urgentemente, sob pena de tornar estéreis milhares de hectares de terras em
todo o mundo, além de agravar os já nefastos efeitos colaterais sobre os demais
elementos dos ecossistemas envolvidos, que ameaçam, inclusive, a sobrevivência
da espécie humana.
3 - O RISCO AMBIENTAL DO DESENVOLVIMENTO DOS TRANSGÊNICOS
As sementes transgênicas são
organismos geneticamente modificados, isto é, que resultam da combinação de
materiais genéticos, originando uma nova forma, com características diversas
das dos organismos originais envolvidos no experimento. O desenvolvimento das
sementes transgênicas, iniciado na segunda metade do século XX, visava
desenvolver organismos mais tolerantes a herbicidas e resistentes a insetos,
com os quais se obteria maior produtividade e se teria condições de resolver o
problema da fome no mundo, promessa que, entretanto não se concretizou.
Por outro lado, o que as sementes
transgênicas conseguiram, apesar de não constar entre seus objetivos expressos,
foi uma significativa poluição genética nas regiões em que passaram a ser
cultivadas, nas quais não é mais possível produzir alimentos livres de
transgênicos, seja em razão da contaminação do solo, seja pela contaminação
ocorrida pelo ar (há estudos que demonstram que podem ser encontrados vestígios
de transgênicos em locais distantes até cem quilômetros da área em que são
produzidos).
Acredita-se que essa poluição
genética tenha sido planejada pelas grandes indústrias-laboratórios de
fertilizantes, agrotóxicos e sementes, com o intuito de disseminar a
contaminação, afim de que não restasse alternativa alimentícia aos consumidores
a não ser a baseada em organismos geneticamente modificados.
Apesar das diversas pesquisas
envolvendo os transgênicos, sejam as favoráveis, custeadas pelos fabricantes,
sejam as desfavoráveis, geralmente frutos de estudos independentes, o fato é
que, atualmente, ainda não há estudos suficientemente abrangentes, confiáveis e
definitivos que assinalem os efeitos dos organismos transgênicos sobre a saúde
humana e sobre o meio ambiente, até porque os diferentes biomas do planeta não
respondem da mesma forma às diversas ações que sobre eles se realizam.
E no caso dos organismos
transgenicamente modificados, a lógica de curto prazo, característica da razão
econômico-mercantil e tão bem expressa na máxima tempo é dinheiro, não é uma
boa companheira, pois a introdução de organismos transgenicamente modificados
na natureza exige tempo para saber seus efeitos (PORTO-GONÇALVES, 2006, p.
270-272).
As sementes transgênicas, assim
como a biotecnologia em geral, segundo Altieri (2002), estão sendo usadas na
agricultura para reparar os problemas causados por tecnologias agroquímicas
anteriores (resistência aos pesticidas, poluição, degradação do solo etc.),
desenvolvidas pelas mesmas empresas que agora lideram a biorrevolução, sendo
que os cultivos transgênicos criados para o controle de pragas seguem de perto
os paradigmas de usar apenas um mecanismo de controle (um pesticida) que
demonstrou repetidas vezes seu fracasso frente aos insetos, aos patógenos e às
pragas.
Dentre os riscos dos transgênicos
para a agricultura, os mais relevantes, conforme Guerra e Nodari (2001), são o
aumento da população de pragas e microorganismos resistentes e/ou patogênicos,
o aumento ou promoção de plantas daninhas resistentes a herbicidas,
contaminação de variedades crioulas mantidas pelos agricultores, contaminação
de produtos naturais, como o mel, diminuição da diversidade em cultivo com o
aumento da vulnerabilidade genética, dependência, por parte dos agricultores,
de poucas empresas produtoras de sementes, produtividade e incerteza dos preços
dos produtos transgênicos.
Além disso, destaca Altieri
(2002), a agricultura desenvolvida com cultivos transgênicos favorece as
monoculturas, que, como já se verificou, caracterizam-se por níveis
perigosamente altos de homogeneidade genética, conduzindo a uma maior vulnerabilidade
dos sistemas agrícolas ante situações de estresse biótico e abiótico. Ainda, há
os perigos da alteração da complexidade biológica na qual se baseia a
sustentabilidade dos sistemas tradicionais de cultivo e da transferência
involuntária de transgenes às espécies silvestres relacionadas, com efeitos
ecológicos imprevisíveis.
Os herbicidas de utilização
obrigatória no cultivo dos transgênicos são outro fator com impactos muito
negativos sobre o meio ambiente.
As empresas biotecnológicas
sustentam que esses herbicidas, especialmente o bromoxynil e glifosato, se
degradam rapidamente no solo quando aplicados corretamente, não se acumulam nas
águas subterrâneas, não têm efeitos sobre outros organismos e não deixam
resíduos nos alimentos. Entretanto, existem evidências, demonstra Altieri
(2002), de que esses herbicidas causam defeitos congênitos em animais, são
tóxicos para os peixes e para algumas espécies que habitam o solo, podem causar
câncer em seres humanos, se acumulam em frutas e em tubérculos porque sofrem
relativamente pouca degradação metabólica nas plantas e alteram de maneira
ainda desconhecida a biologia do solo, sendo que o glifosato age de uma forma
parecida a dos antibióticos, causando efeitos como: reduzir a habilidade da
soja e do trevo para fixar nitrogênio, tornar as plantas de feijão mais
vulneráveis a enfermidades e reduzir o crescimento das micorrizas que vivem no
solo, fungos chaves para ajudar as plantas a extrair o fósforo da terra.
A promessa da transgenia de
aumentar a produtividade também foi uma grande falácia, pois, segundo Andrioli
e Fuchs, a transgenia em si não pode proporcionar um aumento da produtividade,
pois esta depende da combinação de muitos outros fatores, sendo que para
alcançar uma produtividade maior, alterações genéticas de uma planta precisam
ser combinadas com outros aspectos, tais como o clima, o combate à erosão e ao
esgotamento do solo, a recuperação da capacidade produtiva do solo e reciclagem
de nutrientes e o aumento da diversidade biológica (2008, p. 138)
E para provar o que estão
defendendo, os autores trazem à pauta o caso da soja transgênica, afirmando
que:
Até o momento,
não foi, efetivamente, desenvolvida uma variedade de soja que fosse mais
produtiva que a convencional. Ao contrário: os resultados da produtividade de
grãos transgênicos demonstram que as variedades convencionais são mais
produtivas, quando comparadas às transgênicas (Idem, p. 136).
Mas, se está comprovado que a
semente transgênica não aumenta a produtividade por área cultivada, quais
seriam as causas do seu sucesso?
Os motivos, seguramente, são
econômicos, já que ela proporciona diminuição dos custos da produção,
principalmente de mão-de-obra.
Além da produtividade que não se
acentuou conforme anunciado, havia também o compromisso da redução na aplicação
de herbicidas (em vez de aplicar vários, haveria a necessidade de aplicar
apenas um), mas que, segundo Andrioli e Fuchs, também não foi cumprido, sendo
que, bem diferente disso, foi constatado que o uso desses químicos teve que ser
aumentado em função da crescente resistência das ervas daninhas (2008, p. 38).
Diante de tantas adversidades
ambientais e também sociais advindas da transgenia, além das dúvidas que ainda
envolvem esses organismos, não é crível que os governos continuem se submetendo
aos interesses das grandes corporações agroindustriais, admitindo a expansão do
seu cultivo, sendo imperiosa uma reação estatal forte a esse modelo agrário
imposto pelo capitalismo, especialmente fazendo valer as poucas, mas
importantes regras ainda previstas em tratados internacionais e que podem
ajudar a proteger a natureza e a saúde das populações dessas agressões.
4- A INSEGURANÇA ALIMENTAR COMO CONSEQUÊNCIA
SOCIAL DA MONOCULTURA E DA TRANSGENIA
Como se não bastassem todas as
calamitosas consequências ambientais da prática da monocultura e do
desenvolvimento da transgenia, há outra consequência preocupante: a social,
relacionada com a insegurança alimentar. A questão alimentar está no meio do
debate que tem, de um lado, a prática da agricultura monocultora e o
desenvolvimento da transgenia, e de outro, a preservação da natureza.
Segurança alimentar, segundo a
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), é a
“situação na qual todas as pessoas, durante todo o tempo, possuam acesso
físico, social e econômico a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva,
que atenda a suas necessidades dietárias e preferências alimentares para uma
vida ativa e saudável” (BELIK, 2003, p. 13). A questão do acesso aos alimentos,
esclarece Belik, está na base da definição, de nada adiantando haver superávit
na disponibilidade de alimentos em um determinado país se uma parte da sua
população não tem renda para consumi-los ou se esses alimentos, culturalmente,
não fazem parte de sua dieta.
O sucesso de qualquer espécie,
ensina Porto-Gonçalves, depende de como ela resolve a questão da alimentação,
sendo que a espécie humana, embora biologicamente a mesma, diferenciou-se pela
cultura, conseguindo por meio das agriculturas a segurança alimentar (2006, p.
208,209).
A agricultura, portanto, é o
alicerce da segurança alimentar. Mas não o modelo capitalista de agricultura,
centrado na monocultura de exportação e, mais recentemente, também na
transgenia, e sim a agricultura de subsistência, que preserva hábitos milenares
de ressemeadura e garante a diversidade das sementes.
As populações indígenas,
afrodescendentes e camponesas são as que têm as práticas culturais que mais se
coadunam com os interesses da humanidade e da ecologia do planeta, motivo pelo
qual devem ser respeitadas. Entretanto, esses conhecimentos vêm sendo usurpados
pelas grandes corporações que controlam o mercado das sementes, sendo que as
novas espécies de cultivares, criadas por esses laboratórios, substituem as
nativas uniformizando a agricultura e destruindo a diversidade genética e, à
medida que cresce a uniformidade, aumenta a vulnerabilidade, devendo ser
ressaltado que:
Com o monopólio das sementes (e
do novo modo de produção do conhecimento a ele associado), a produção tende a
se dissociar da reprodução (Vandana Shiva) e, assim, a segurança alimentar
perseguida por cada agrupamento humano durante todo o processo de hominização
passa a depender de algumas poucas corporações que passam a deter uma posição
privilegiada nas relações sociais e de poder que se configuram
(PORTO-GONÇALVES, p. 219-222) [grifo da autora].
A Revolução Verde tentou
despolitizar o debate da fome, naquela época um fenômeno europeu (pós-Segunda
Guerra Mundial), atribuindo-lhe um caráter estritamente técnico-científico, ou
seja, buscava afirmar a ideia de que só o desenvolvimento técnico e científico
seria capaz de resolver o problema da fome e da miséria. Ocorre que a Revolução
Verde e suas sementes híbridas e seu mais recente desdobramento com a
biotecnologia dos transgênicos e do plantio direto priva a maior parte dos
agricultores do acesso à propriedade, situação que, infelizmente, aumenta a
insegurança alimentar (PORTO-GONÇALVES, 2006).
Em Geopolítica da fome, Castro
trata do fenômeno da fome no mundo, definindo-a como o produto da desumana
exploração das riquezas coloniais por processos de economia devastadores,
monocultura e latifúndio, que permitem a obtenção, por preços vis, das
matérias-primas indispensáveis ao seu industrialismo próspero (1965, p. 49), ou
seja:
Não são as
condições naturais que conduzem os grupos humanos à situação de fome, e sim
certos fatores culturais, produtos de erros e defeitos graves das organizações
sociais em jogo. A fome determinada pela inclemência da natureza constitui um
acidente excepcional, enquanto que a fome como praga feita pelo homem constitui
uma condição habitual nas mais diferentes regiões da Terra: toda terra ocupada
pelo homem tem sido por ele transformada em terra da fome (Idem, p. 74).
A monocultura de alimentos e a transgenia
negam todo um legado histórico da humanidade em busca da garantia da segurança
alimentar na medida em que, por definição, não visam alimentar quem produz e,
sim, a mercantilização do produto. Assim, a segurança alimentar é deslocada
pela lógica mercantil. E é em razão disso que as regiões especializadas em
agricultura de exportação, sobretudo áreas coloniais (Ásia, África, América
Latina e Caribe), vivem frequentemente diante da insegurança alimentar, não só
porque os melhores solos são destinados a produzir para fora, mas também porque
é concentrada a propriedade da terra (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 213,214).
Não são as condições naturais que
conduzem os grupos humanos à situação de fome, e sim certos fatores culturais,
produtos de erros e defeitos graves das organizações sociais em jogo. A fome
determinada pela inclemência da natureza constitui um acidente excepcional,
enquanto que a fome como praga feita pelo homem constitui uma condição habitual
nas mais diferentes regiões da Terra: toda terra ocupada pelo homem tem sido
por ele transformada em terra da fome (Idem, p. 74).
A monocultura de alimentos e a
transgenia negam todo um legado histórico da humanidade em busca da garantia da
segurança alimentar na medida em que, por definição, não visam alimentar quem
produz e, sim, a mercantilização do produto. Assim, a segurança alimentar é
deslocada pela lógica mercantil. E é em razão disso que as regiões
especializadas em agricultura de exportação, sobretudo áreas coloniais (Ásia,
África, América Latina e Caribe), vivem frequentemente diante da insegurança
alimentar, não só porque os melhores solos são destinados a produzir para fora,
mas também porque é concentrada a propriedade da terra (PORTO-GONÇALVES, 2006,
p. 213,214).
O colonialismo, na realidade,
desestruturou as formas originais de produção agrícola existentes nas áreas
conquistadas, que estavam fundamentalmente voltadas para atender às
necessidades alimentares de seus povos, sendo substituídas pela agricultura
monocultora comercial de exportação e passando a ser um simples apêndice da
grande lavoura (MELHEM, 1988, p. 37).
No período canavieiro do Brasil
colônia, já era possível visualizar a insegurança alimentar decorrente desse
modelo de produção. Nessa época, a crise da agricultura de subsistência, gerada
pela concentração de todas as forças na monocultura da cana-de-açúcar, atingiu
proporções tão graves que a metrópole teve de intervir através de uma
legislação que tornava obrigatório ao proprietário de terras destinar uma parte
de seu domínio ao plantio de gêneros alimentícios de subsistência (Idem, p.
42).
Outro exemplo mais recente da
insegurança alimentar gerada pelo modelo agrário adotado pelo Brasil é que, em
1960, o país tinha excedentes de produção de alimento e, apenas vinte anos
depois, foi obrigado a importar arroz e feijão para abastecer o mercado
interno, mesmo período em que se tornou o quinto exportador mundial de
oleaginosas, especialmente soja, e também 50% das famílias que viviam da terra
perderam seu meio de sustento, enquanto que 9% dos proprietários de terra do
país passaram a deter 82% das terras agricultáveis ou de pastagens (HELENE,
MARCONDES, NUNES, 1997, p. 47,49).
As famílias que perderam suas
terras, certamente, eram aquelas de pequenos agricultores, que, diante das
novas tecnologias introduzidas no meio agrário pela Revolução Verde, não
tiveram mais condições de sustentar suas propriedades e, impossibilitados de
sobreviver dessa maneira, foram obrigados a abandonar suas terras ou vendê-las aos
latifundiários a preços irrisórios e migrar para as áreas urbanas ou
empregar-se junto aos grandes produtores rurais. Com isso, essas pessoas
passaram de independentes a dependentes alimentares, enquanto o campo tornou-se
o local de trabalho dos grandes latifundiários, detentores do capital e por
isso capazes de se adequar às novas tecnologias disponíveis no ramo, cuja
exigência impede a democratização desse modelo agrário.
A monocultura no Brasil, segundo
Castro, é uma situação de desajustamento econômico e social, consequência da
inaptidão do Estado Político para servir de poder equilibrante entre os
interesses privados e o coletivo, ou, o que é ainda pior, entre os interesses
nacionais e os dos monopólios estrangeiros interessados em nossa exploração de
tipo colonial (2006, p. 267).
A principal responsável pela
sobrevivência da fome no Brasil, já concluía Castro, em 1946, é a dualidade da
civilização brasileira, com a sua estrutura econômica bem integrada e próspera
no setor da indústria, e sua estrutura agrária arcaica, de tipo semicolonial,
com manifesta tendência à monocultura latifundiária, sendo que nenhum fator é
mais negativo para a situação de abastecimento alimentar do país do que a sua
estrutura agrária feudal, com um regime inadequado de propriedade, com relações
de trabalho socialmente superadas e com a não utilização da riqueza potencial
dos solos (Idem, p. 289).
Segundo Romeiro, as
características de mais de quatro séculos de desenvolvimento agropecuário no
Brasil podem ser resumidas em um grande sucesso comercial das agriculturas de
exportação, de um lado, e a escassez relativa de gêneros alimentícios,
exploração predatória da natureza, escravização da mão-de-obra seguida de
precárias condições de acesso a terra e de emprego, de outro. Historicamente,
portanto, a monocultura de exportação concentrou as atenções e cuidados, sendo
relegada a um segundo plano a produção de alimentos para o mercado interno.
Diante disso, a efetiva produção de alimentos ocupa em nosso país áreas
residuais, não ocupadas pela agricultura de exportação ou áreas ainda não
ambicionadas por interesses mais poderosos (1998, p. 101).
A utilização da terra para a
monocultura de exportação pode até garantir o crescimento econômico do país,
como tem ocorrido com o Brasil, contudo, não gera desenvolvimento, não é
independente e tende a manter ou até mesmo aumentar a miséria da população, e é
nisso que reside o grande perigo desse processo.
A verdade é que não basta
produzir alimentos lançando mão de todas as técnicas disponíveis; é preciso que
esses alimentos possam ser adquiridos e consumidos pelos grupos humanos que
deles necessitam, isso porque, se não se proceder à adequada distribuição e
expansão dos correspondentes níveis de consumo, logo se formarão os excedentes
agrícolas, criando-se o grave problema da superprodução ao lado do subconsumo
(CASTRO, 1965, p. 424).
Outro fator a ser considerado, no
que se refere à segurança alimentar, é que a dependência da espécie humana de
energia para as mais diversas atividades e as consequências desastrosas para o
meio ambiente do uso de fontes fósseis têm intensificado a busca por fontes de
energia mais limpas e renováveis, como é o caso dos combustíveis líquidos
derivados da biomassa (álcool etílico, fabricado de açúcar ou amido e biodiesel,
originado de óleos vegetais ou gordura animal).
No entanto, destaca Bressan
Filho, a utilização crescente de matérias-primas agrícolas para a produção em
grandes volumes desses biocombustíveis traz consequências sobre a segurança
alimentar que não podem ser ignoradas, já que haverá uma tendência de
substituição das lavouras tradicionais por lavouras energéticas, de mudança na
destinação de produtos convencionais que também podem ser utilizados para a
produção de biocombustíveis, como milho, trigo, beterraba, cana-de-açúcar e
soja, para as fábricas de energia, além dos efeitos diretos sobre os preços
desses produtos alimentícios tradicionais, pela agregação de um novo e
expressivo fator de demanda, ou em razão da redução do volume da safra das demais
produções agrícolas porque cederam suas áreas de plantio para as lavouras
energéticas (2008, p. 147-149).
Nesse cenário em que o objetivo é
o de garantir a oferta de energia, restará profundamente afetada a garantia do
fornecimento de alimentos para a população. A perda dos solos também é um grave
problema. Em todo o mundo, estimam Helene, Marcondes e Nunes, perdem-se cerca
de 24 bilhões de toneladas de solo
superficial de terras agrícolas a cada ano, o que corresponde a 60 milhões de
toneladas de hectares com 2,5 centímetros de profundidade, área equivalente à
metade de toda a terra agricultável da China
(1997, p. 22).
Essa degradação do solo,
decorrente, entre outras razões, dos desmatamentos e das atividades agrícolas
concentradas em monocultura e no uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes,
tende a diminuir a produção e a produtividade agrícolas, gerando ainda mais
insegurança alimentar, visto que, com suas amplas e produtivas terras, as
populações dos países pobres ainda têm a possibilidade de sobreviver adquirindo
os alimentos de que necessitavam com a renda obtida através da agricultura
monocultora de exportação, enquanto que, com a degradação dessas terras, não
terão mais essa renda e o solo não terá mais condições de produzir os alimentos
de que precisam.
O fato é que a insegurança
alimentar não é uma simples ameaça, mas a realidade diária vivenciada por
grande parte dos países do globo, inclusive o Brasil, que, enquanto preferir
exportar soja para alimentar as populações e os rebanhos europeus e americanos
e abastecer os tanques dos automóveis e as indústrias primárias com os
biocombustíveis a alimentar sua própria população, poderá até vir a ser a
quinta economia do mundo, como têm previsto os especialistas, mas disso seu
povo não terá como se orgulhar, já que continuará convivendo com milhões de
miseráveis subnutridos.
5 - SUSTENTABILIDADE: CAMINHO PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR
Além de segurança alimentar, são
objetivos atuais da humanidade a busca de soberania e de sustentabilidade
alimentar.
Soberania é a autonomia alimentar
dos países e está associada à geração interna de emprego e à menor dependência
das importações e flutuações de preços do mercado internacional, atribuindo uma
grande importância à preservação da cultura e aos hábitos alimentares de um
país (BELIK, 2003, p. 13). Segundo Porto-Gonçalves, o alimento é,
rigorosamente, a energia que move todo ser vivo, inclusive a espécie humana.
Assim, deixar de prover o próprio alimento é colocar a autonomia do agrupamento
humano em risco ou dependente de terceiros, daí falar-se, também, de soberania
alimentar (2006, p. 214,215).
Já a sustentabilidade alimentar
incorpora conceitos ligados à preservação ambiental, que implicam em não
utilização de agrotóxicos nem de produção extensiva em monoculturas (BELIK,
2003, p. 13). A sustentabilidade em geral, destaca Leff, “aparece como uma
necessidade de restabelecer o lugar da natureza na teoria econômica e nas
práticas do desenvolvimento, internalizando condições ecológicas da produção
que assegurem a sobrevivência e um futuro para a humanidade” (2001, p. 48).
Assim, atingir a segurança
alimentar depende de se alcançar também a soberania e a sustentabilidade
alimentares, sendo, portanto, conceitos inter-relacionados. A busca de
alternativas para a insegurança alimentar passa, segundo Sachs, em primeiro
lugar, por uma tentativa de resgatar o que ainda sabemos e conhecemos da
riqueza potencial da flora e da fauna de cada ecossistema e dos produtos
alimentares que podem ser delas extraídos (1986, p. 137), não havendo ninguém
melhor para orientar essa tarefa do que as comunidades tradicionais. Nesse
sentido, afirma Left:
O conceito de
produtividade ecotecnológica conjuga a produtividade ecológica dos ecossistemas
com a inovação de sistemas tecnológicos adequados à sua transformação, mantendo
e melhorando a produtividade global através de projetos de uso integrado dos
recursos, sujeitos à estrutura e funções de cada ecossistema e à capacidade de
autogestão das comunidades e de seus conhecimentos sobre o meio e seus
recursos; das condições de apropriação de seu ambiente como meio de produção e
do produto de seus processos de trabalho; da assimilação da ciência e da
tecnologia moderna a suas práticas tradicionais para constituir meios de
produção mais eficientes, respeitando suas identidades culturais (2001, p. 60)
[grifo da autora].
A monocultura já deu mostras
suficientes de que não é um sistema sustentável, pois não permite se reproduzir
regularmente ao longo do tempo, característica fundamental que a economia
tradicional não leva em consideração. Mas, além de sistemas sustentáveis, para
garantir preservação ambiental e segurança alimentar, defende Sachs que são
necessários sistemas de produção por ciclos fechados, como maneira de
aproveitar melhor os recursos, de transformar resíduos em insumos e minimizar
impactos ambientais negativos (1986, p. 138). Assim, a solução para a
insegurança alimentar, sob a perspectiva do ecodesenvolvimento, passa pela
análise conjunta de três variáveis: tecnologia, localização da produção em
relação ao consumo e organização dos circuitos de abastecimento (Idem, p. 140).
Capra explica que administrar um
sistema social significa encontrar os valores ideais para as variáveis do
sistema, ou seja, se tentarmos maximizar qualquer variável isolada em vez de
otimizá-la, isso levará, invariavelmente, à destruição do sistema como um todo
(1996, p. 235).
Essa concepção evidencia o erro
que comete a humanidade ao maximizar apenas a ótica econômica, com o implemento
de técnicas como a monocultura e a transgenia, já que isso implicará no
aniquilamento de todo o sistema.
Guerra e Nodari (2001) afirmam
que as principais demandas dos mais d seis milhões de pequenos agricultores
familiares no Brasil, e que são os principais responsáveis pela produção da
maior parte dos alimentos para a subsistência, não estão associadas à
necessidade das plantas transgênicas, mas, sim, à implementação de políticas
agrícolas e agrárias consistentes e adequadas às suas necessidades. Assim,
segundo esses autores, a introdução das plantas transgênicas na agricultura
brasileira é uma falsa questão, principalmente porque as desenvolvidas até o
presente momento não atendem às necessidades dessa pequena propriedade
familiar, pelo contrário, apenas aumentam o grau de dependência dos
agricultores.
A segurança alimentar ainda
depende de uma avaliação simultânea de alternativas sustentáveis do ponto de
vista agrícola e ambiental. Uma delas, segundo Guerra e Nodari (2001), seria o
uso sustentável da agrodiversidade, termo empregado para definir a diversidade
genética e a de espécies em cultivo. Recentemente, referem os autores, teria
sido possível observar que o cultivo, em uma mesma área, de diferentes
variedades de arroz suscetíveis e resistentes à determinada moléstia resultou em
89% de acréscimo na produtividade e em uma redução de 94% de severidade dessa
moléstia comparativamente à monocultura. O sucesso dessa técnica, que é a
simples mistura de diferentes variedades, foi tão significativo que, no segundo
ano, não foi necessária a aplicação de fungicidas. Para Conway, a segurança
alimentar depende de uma interferência estatal que garanta: o uso de
tecnologias apropriadas (e não a simples transferência de tecnologia), voltadas
para as condições locais e para as necessidades das famílias e dos indivíduos;
a participação dos agricultores nas pesquisas; o desenvolvimento de
instituições locais e ações de apoio por parte de agências governamentais
locais e organizações não-governamentais (2003, p. 334,351).
Leff sustenta que a solução passa
pelo aproveitamento do potencial ambiental de cada região, pela autogestão
comunitária dos recursos, pelo desenvolvimento de tecnologias apropriadas, por
respeito pelos valores culturais e pela diversidade étnica, assim como pela
recuperação e enriquecimento científico das práticas tradicionais de uso dos
recursos. Essas ações, conclui, abrirão canais para uma gestão participativa
dos recursos e para um desenvolvimento sustentável (2001, p. 98).
O consumidor também poderá ser
determinante na busca de uma agricultura sustentável e de segurança alimentar,
preconiza Romeiro, apesar de alguns percalços que ainda estão sendo encontrados
no caminho:
A pressão dos
grupos de consumidores com maior sensibilidade ecológica tem se traduzido num
crescente mercado alternativo, mas ainda de alcance limitado, principalmente em
virtude da controvérsia científica a propósito dos efeitos, sobre a saúde
humana, do atual modo de produzir e também pelos custos ainda relativamente
elevados dessa produção alternativa (1998, p. 122).
O futuro da agricultura familiar,
para Tortelli, está na compreensão da qualidade dos produtos que são levados ao
consumidor, sendo que o caminho sustentável sólido é o da agroecologia, pois
permite a produção com tranquilidade e segurança (2008, p. 337).
Diante das alternativas, é
inadmissível que em um país como o Brasil, com uma riqueza natural inigualável,
se conviva com a insegurança alimentar. Para mudar a situação, são necessárias
políticas públicas que incentivem a produção de alimentos para a população
nacional, orientadas pelos riscos envolvidos no aumento da produção agrícola
apenas com foco comercial-exportador, que dá preferência à monocultura, à
expansão do uso de agrotóxicos e ao uso desenfreado de novas tecnologias de
altos e, muitas vezes, desconhecidos riscos, como a dos transgênicos. Somente
com uma agricultura mais sustentável ambientalmente e menos dependente de
capital é que se alcançará a tão sonhada segurança alimentar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O enfrentamento da questão
alimentar é decisivo para o sucesso e a continuidade da espécie humana. Diante
disso, é imprescindível que as práticas agrícolas mantidas, desenvolvidas e
incentivadas pelo capitalismo sejam repensadas.
Se a agricultura, em sua origem,
serviu para garantir a segurança alimentar aos povos, a sua prática
monoculturista e, mais recentemente, voltada para o uso da transgenia estão
ameaçando o seu posto de instrumento de combate à fome.
A agricultura que está na base da
segurança alimentar é a agricultura de subsistência, que preserva hábitos
milenares de ressemeadura e garante a diversidade das sementes e não o modelo
capitalista e colonizador, centrado na monocultura de grandes extensões de
terras para exportação e na transgenia.
Os mais diversos impactos
ambientais negativos da monocultura e a da transgenia demonstram que sua
manutenção e desenvolvimento, respectivamente, não podem continuar. E não basta
utilizar o discurso da inclusão das externalidades ambientais negativas.
Afinal, de que adianta cobrar pelos nutrientes do solo se com esse dinheiro não
será possível renová-los nem obter novas terras que disponham da mesma
capacidade produtiva? O caminho para a sustentabilidade e a segurança alimentar
é (re)encontrar modos de produção viáveis, que respeitem o tempo da natureza
(que é bem diferente do tempo da economia), como a rotação de culturas, e a
implementação de modelos que prezem pela diversidade, como aqueles praticados
pela agricultura familiar.
Enquanto os objetivos do mercado
estiverem gerenciando a agricultura, a produção sempre estará focada na
quantidade, não importando a que custo, restando impossível a obtenção de uma
produção com maior qualidade, que pressupõe diversidade e distribuição
equânime, baseadas nas necessidades alimentares das maiorias e não nas ambições
econômicas das minorias.
Expor as coisas dessa maneira se
parece com pregar um retrocesso, mas não é isso que se pretende. A
biotecnologia não precisa ser afastada para o ambiente ser preservado e a
humanidade alimentada em segurança, apenas ela não pode ser acolhida como
substituta da natureza, mas sim como complemento. A ciência e a tecnologia,
para mostrarem seu poder, não precisam exterminar todas as manifestações da
natureza. Não é para isso que se precisa delas. Se a natureza sempre soube se autorregular,
deve-se aprender mais com ela e desenvolver novas tecnologias de forma
harmônica. E isso depende de uma nova ética, como bem demonstra Hans Jonas. Já
quanto à monocultura, ambicionar o seu abandono não significa retrocesso, visto
que sua adoção em nenhum momento significou evolução.
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