Tentativas de impeachment e gestos de renúncia,
atentados contra opositores e golpes de Estado marcaram o panorama político
mundial da segunda metade do século XX. No Brasil, não foi diferente. Aliás, em
poucos momentos de sua história política esses elementos se embaralharam de maneira
tão avassaladora como no ano de 1954.
Diferentemente de seu primeiro período de governo, iniciado
em 1930 e encerrado em 1945, da segunda vez Getúlio Vargas fora
levado ao Palácio do Catete por uma das maiores votações jamais dadas a um
candidato a presidente da República. A legitimidade do mandato conferida pelas
urnas era, sem dúvida, um dos fatores que constrangia boa parcela da oposição a
procurar meios legais para antecipar o fim de seus quatro anos de mandato. Um
deles era a possibilidade de o Congresso aprovar o impeachment de
Vargas; outro, a pressão para que ele renunciasse como forma de
"pacificar" a nação.
A primeira tentativa de impeachment se
deu no âmbito da CPI da Última Hora, em 1953, quando Vargas foi acusado de
favorece rSamuel Wainer na obtenção de financiamentos junto ao Banco do
Brasil. No ano seguinte, 1954, a oposição disporia de um vasto arsenal de
denúncias para tentar afastá-lo do governo. Em fevereiro, foi divulgado o
Manifesto dos Coronéis, contrário à proposta de aumento de 100% do salário
mínimo; em março, estourou a notícia de um acordo secreto entre os presidentes
Vargas e Perón para a formação do bloco ABC (Argentina, Brasil e Chile) com o
objetivo de reduzir a influência dos Estados Unidos na região. Gradativamente,
a crise política foi apertando o ponto, e a perspectiva de golpe de Estado
contra Vargas, até então restrita a vozes oposicionistas mais exacerbadas, como
as do jornalista Carlos Lacerda e do deputado Aliomar Baleeiro,
conquistava crescentes espaços no debate político. Em maio se acendeu a luz
amarela para o governo: a tensão começou pelo aumento de 100% do salário mínimo
e pela elevação da contribuição dos empregadores para a previdência social,
passou pelo assassinato do jornalista Nestor Moreira, de A Noite, nas
dependências do 2º Distrito Policial no Rio de Janeiro, e culminou, no mês
seguinte, com um novo pedido de impeachment de Vargas feito ao
Congresso. A moção foi derrotada por 136 contra 35, sinalizando para certos
setores da oposição que talvez essa não fosse a via mais adequada para forçar o
encurtamento do mandato do presidente eleito.
Daí para o fortalecimento da
conspiração com vistas à derrubada do governo foi um pequeno passo, o que veio
a requerer a mobilização de um forte aparato de defesa e de segurança para a
guarda e a proteção dos atores políticos mais expostos. Vargas tinha uma guarda
pessoal de confiança, chefiada desde 1950 por Gregório Fortunato, que
funcionava paralelamente ao esquema oficial de segurança a cargo dos Gabinetes
Civil e Militar. Do outro lado, Carlos Lacerda, que da Tribuna da Imprensa comandava
uma luta encarniçada contra o governo, contava com a proteção de oficiais da
Aeronáutica, que se revezavam na função de guarda-costas do polêmico
jornalista.
Para além de uma rima, agosto se
revelou, de fato, um mês de desgosto para o governo. Primeiro, vieram os tiros
desferidos contra Lacerda no dia 5. Naquela madrugada, ao voltar de um comício
no Colégio São José, Lacerda sofreu um atentado na entrada do edifício onde morava
na rua Tonelero, em Copacabana, bairro do Rio de Janeiro. O jornalista foi
ferido no pé, mas o major-aviador Rubens Vaz, que naquele dia lhe dava
proteção, foi morto. Como era de se esperar, o governo foi acusado, e Lacerda,
de pronto, levantou a suspeita de que o alto escalão governamental estivesse
envolvido diretamente no planejamento e na execução do atentado de que fora
vítima e que acabara provocando a morte do oficial.
Apesar dessas denúncias, que poderiam transformar o caso
policial em crime político, as investigações ficaram inicialmente a cargo da
polícia civil. Foi a partir do depoimento do motorista Nelson Raimundo de
Sousa, no dia 7, que a crise político-militar, até então apenas delineada, se
agravou. Ao mesmo tempo que admitiu que o autor do atentado havia fugido em seu
táxi, Nelson acusou de envolvimento no episódio Climério Euribes de Almeida,
membro da guarda pessoal de Getúlio.
Orquestradas por Carlos Lacerda, as pressões pela renúncia
do presidente foram tomando proporções compatíveis com a atitude acuada do
governo, por um lado, e com a articulação rápida da oposição, por outro,
envolvendo até mesmo o vice-presidente Café Filho e o ministro da
Guerra, Zenóbio da Costa. Ao primeiro, foi garantido o indispensável apoio
político para assumir o cargo vacante; ao segundo, foi prometida a permanência
na pasta.
No dia 12 de agosto, Nero Moura, ministro da
Aeronáutica, força a que pertencia o oficial assassinado na rua Tonelero,
autorizou a instauração de um Inquérito Policial Militar, que trouxe as
investigações em curso para a Base Aérea do Galeão, a qual, pelo desembaraço e
autonomia com que passou a atuar na condução do inquérito, passou a ser chamada
de "República do Galeão".
Antes que o mês terminasse, um novo tiro seria ouvido: o que
Vargas disparou contra o próprio peito na manhã do dia 24.
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