sábado, 28 de julho de 2012

OS PATAXÓ UM POVO QUE SE RECUSA A DESAPARECER



A reserva indígena (Pataxó) da Jaqueira criada em 1998, possui 827 ha de Mata Atlântica localizada na divisa do  município de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália.


Idealizada por  Nitxnawã,  uma das três líderes  da reserva indígena, e apoiada por suas duas irmãs,  Naiara e Jandaia, essa érea transformou-se  num lugar onde membros da comunidade Pataxó convivem em harmonia direta com a natureza, cultivando os hábitos e costumes de sua etnia Pataxó.


O lugar serve ainda de ponto de atividades de etnoturismo, educação ambiental  e cultural das tradições Pataxó. O desenvolvimento sustentável de sua comunidade é o foco principal da existência da reserva, seguido do reflorestamento e proteção ambiental da Mata Atlântica, valorização cultural e ensino da língua nativa, o patxohã.
A biodiversidade da Jaqueira é muito rica e está totalmente preservada e protegida da destruição do homem. Na reserva foram construídas quijemes, em formato original, onde residem os índios que cuidam da reserva.
Durante o dia outros índios de Coroa Vermelha se juntam aos da reserva para recepcionar os turistas e fazer suas apresentações dentro do programa de ecoturismo – Proecotur, uma proposta de desenvolvimento do turismo sustentável.
É o primeiro projeto implantado em aldeia indígena com preservação ambiental, afirmação cultural; eco e etnoturismo.
Oportunidade para os visitantes é a experimentação da cultura, do idioma, do modo de vida e até da culinária típica, como o peixe assado na folha da patioba ou pati. Do tronco da patioba, uma palmeira delgada, os índios retiram as cordas para atar suas redes, alguns dos instrumentos usados no cotidiano pataxó desde a caça, os hábitos, o cozimento de alimentos da cultura indígena Pataxó também podem ser vistos na reserva.



A história dos Pataxó pelos Pataxó (entrevista):
Antigamente vivíamos em grupos pequenos circulando entre um território que variava do Espirito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. Acabamos confinados pelo governo em um pequeno território, na aldeia de Barra Velha, que incide no atual Parque Nacional de Monte Pascoal. Os antropólogos e historiadores dizem que esse aldeamento jesuítico foi em 1860. A Aldeia Mãe, como ficou conhecida entre nós, era onde moravam todos os Pataxó. Segundo os historiadores fomos aldeados para ficarmos fixos e não atrapalhar o processo de instalação das plantações e da pecuária.
Desde então, a gente sempre esteve naquele território. Em 1943 o governo percebeu que tinha uma grande área verde no extremo sul da Bahia e quando investigou viu que tinham índios morando nessa área, os Pataxó. Nesse ano resolveram transformar o território Pataxó em território florestal. A ideia era demarcar para que não destruíssem a mata. Mas se a única área verde da região foi preservada justamente por que os Pataxós estavam lá?
O Governo pediu a ajuda de todos Pataxós para demarcar. E eles se perguntavam: “Para que demarcar o que é nosso?”. A resposta foi que quem não ajudasse não desfrutaria do território, diante da ameaça todos ajudaram. Depois de delimitar o território e de demarcá-lo, o governo avisou que a partir daquela data ninguém mais podia caçar, pescar ou fazer roça na área demarcada. Nesse momento o povo ficou sem saber para onde ir ou o que fazer.
O governo tirou nosso povo de Barra Velha e delimitou para os Pataxó uma área perto da praia, em cima de um brejo. Os mais velhos falavam: “Vamos morar no brejo? Mas nós não somos sapos para morar dentro da água!”. Ficou todo mundo ali, apertadinho nesse espaço. Foi aí que começou a briga. Todos pensando o que fariam. Sem a roça, a única alternativa era o mangue, que já era uma fonte de alimentação dos Pataxó, mas concentrou só nele. Como não tinham o que plantar, não tinham como produzir a farinha, que é a comida principal dos Pataxó. Tendo a farinha e o peixe, o Pataxó tem tudo.
O que eles faziam para se manter? À noite, iam escondido para pegar piaçaba (palha para fazer teto), porque de dia sempre tinham muitos guardas que não deixavam, e trocavam por farinha na cidade. Nesse período o pessoal passava muito fome. Foi quando alguém de Caraíva disse para eles: “Vocês têm direito! Tem alguém que ampar vocês”. Essa pessoa indicou para que procurassem o Serviço de Proteção ao Índio (SPI – órgão indigenistas do governo brasileiro da época). Isso foi em 1949, imagine quanto tempo de penúria viveram desde 1943. Esse senhor que deu a dica, também lhes deu um jegue para que trocassem por uma passagem até o Rio de Janeiro. O que os mais velhos contam é que chegaram a ir até o SPI no Rio de Janeiro e que lá lhes disseram que enviariam alguém para resolver o problema deles.
Um tempo depois que eles retornaram duas pessoas chegaram à aldeia. Para os Pataxó eram as pessoas enviadas pelo SPI. Um deles dizia que era engenheiro e o outro que era Tenente, disseram que resolveriam o problema deles e que fariam a demarcação de suas terras, mas que precisavam da participação de todos. Os mais velhos dizem que esses homens chegaram com todo um discurso que deixou a todos felizes de eles terem vindo.
Acontece que o território que seria demarcado era muito grande, então os Pataxó disseram que precisavam de alimentação para fazer a trilha e acampar. Chegando na venda mais próxima esses dois homens declararam assalto e obrigaram os Pataxó a pegar tudo o que tinha lá. E pediram a um índio, o seu Tururim, que ainda hoje está vivo, para levar o dono da venda, o seu Teodomiro, até a aldeia. Como o dono da venda era amigo dos índios, o Tururim soltou ele no caminho. E provavelmente foi seu Teodomiro quem denunciou o assalto para a polícia. A confusão estava armada.
Em Porto Seguro e Prado, cidades próximas, se espalhou a notícia de que os índios tinham roubado. Para desfazer o mal entendido os índios colocaram todas as mercadorias dentro da igreja e falaram: “Dessas coisas a gente não quer nada”. Entretanto, os dois homens disseram que todos estavam sobre suas ordens. “Nós vamos dividir isso”, ordenaram. Eles pediram que os Pataxó fossem se preparando com arco, flecha. Com certeza eles já sabiam que ia dar problema.
E deu. Um conflito tão grande que ficou conhecido pelos mais velhos como “O fogo de 1951″. A aldeia fica entre uma montanha e a praia. Na madrugada vieram grupos de policiais de duas cidades, um pela praia e outro por cima do morro, mas eles não sabiam da existência um do outro. Então os policiais de cima atiravam e os de baixo respondiam com tiro, e cada um deles pensava que eram os índios os que atiravam. Os tiros não pegavam nos índios pela posição que estavam e alguns conseguiram fugir para a mata. À medida que os policias foram se aproximando se deram conta de que estavam trocando tiros entre eles e então começaram as ofensivas conjuntas contra a comunidade. Ataram fogo em todas as casas, destruíram tudo. Todo mundo que eles encontravam, geralmente os mais velhos e as crianças, eles amarravam e levavam para a vila. Os mais velhos contam que eram amarrados como caranguejo. Violavam as mulheres, minha tia foi violada, muitas mulheres foram violadas, mulheres novas. Destruíram as roças, saquearam a aldeia. Fizeram muitas torturas com homens e mulheres: montavam neles como se fossem cavalos. Quem eles pegavam, levavam para serem presos na delegacia de Prado. A ordem do governo era para pegar todos os índios. Onde eles achassem índios, na cidade, no mato, onde quer que fosse, eles prendiam.

As lágrimas caem do rosto da jovem. Pausa a narrativa para recuperar o fôlego. É muito trágico. Eu fico imaginando, se eu que não vivi tudo isso fico assim, imagine quem viveu. E prossegue.. Os índios que conseguiram fugir pra o mato passaram vários dias de fome na floresta, que é muito densa, só tem frutos. Durante uma semana os policias ficaram de tocaia nas fazendas para pegar os índios que fossem aparecendo para pedir alimento. Foi isso que aconteceu. Apareceram dois índios com aqueles dois homens e na hora que os policiais os pegaram, mataram os quatro, parece que um índio fugiu, não se sabe direito.
Depois disso a ordem do governo foi que soltassem os índios porque descobriram que o assalto foi uma armação. Não sei como descobriram que foi uma armação se os dois homens morreram. Alguém contou? Muitos antropólogos e historiadores que analisam os relatos e os documentos, considerando que o governo queria fazer o parque florestal, dizem que esse conflito foi uma estratégia para exterminar os Pataxó que eram um empecilho.
Depois que soltaram os Pataxó, nosso povo ficou disperso. A ordem era que os fazendeiros acolhessem os índios. E, de fato, como os índios não tinham mais nada e tinham medo de voltar para aquele pedacinho de terra, muitos começaram a trabalhar nas fazendas em condições quase de escravos, só para poder comer. Viveram essa agonia por quase 7 anos. Nesse período a maioria das famílias foram tomando coragem de voltar para as antigas terras no Parque Nacional Monte Pascoal. Voltaram casados com negros, brancos, houve grande mestiçagem nesse período. O que o Pataxó é hoje é resultado dessa diáspora, desse conflito.
Por fim, a Terra Indígena de Barra Velha foi demarcada em 1991, uma área de 8.627 hectares, não muito grande. Mas ainda continuava como parque florestal. Em 2000 os Pataxó fizeram uma retomada e brigaram para que o parque fosse gerido pelos Pataxó, ainda que continuasse como parque florestal. Nesse mesmo ano o governo decidiu reestruturar o local e tirar os não-índios. O território não é contínuo, é picotado por fazendas de gado, cacau, café, seringueira, frutas e eucaliptos, além de hotéis de luxo e cidades. Hoje existem cerca de 24 aldeias Pataxó nessa área. As famílias moram espalhadas, à medida que vão crescendo formam novas aldeias. O território Pataxó é dividido em 4 municípios: Prado, Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Itamaraju.
Como o aldeamento era jesuítico, quando fomos confinados em Barra Velha, fomos proibidos de falar nossa língua, praticar nossa religião, não podíamos fazer nada relacionado à nossa tradição. Hoje, estamos em um processo que a gente chama de retomada da língua, que começou em 1983. Em 1997, um grupo de pesquisadores Pataxó se reuniu e começou a fazer um registro com os mais velhos, a elaborar um dicionário, uma gramática dos Pataxó, a partir também dos registros de viajantes que estiveram em nossas terras. Esse dicionário já está com mais de 5 mil palavras. Como sempre fica aquele embate se essa realmente era nossa língua, denominamos a língua agora de Patxohã (língua de guerreiro). Hoje todas as escolas indígenas da região têm essa língua como disciplina. Muitas coisas avançaram, mas muito ainda há para ser feito.
Arissana Braz Bonfim de Souza, Pataxó de 36 anos, Graduada em Artes Plásticas e mestranda em Estudos Étnicos na Universidade Federal da Bahia (UFBA), atualmente vive na cidade de salvador. Estuda por “puro gosto”, como faz questão de ressaltar. Entretanto, deixa claro que também vê no estudo um instrumento na luta de seu povo; contou aqui parte da luta de seu povo por esse território. Não aquela que aprendemos nas escolas, nas universidades ou  nos livros. Mas a que lhe transmitiu seu avós e que segue marcada no povo mais velho de sua comunidade. Seu depoimento não traz impressa a precisão dos historiadores, mas os elementos da memória coletiva de um povo que luta por seu reconhecimento.

A MANILHA E O LIBAMBO - SINOPSE

Manilha é um bracelete de metal; libambo é uma cadeia de ferro usada para prender escravos pelo pescoço. Os principais tópicos possuem indicação de página; a referência é da edição de 2002 da Editora Nova Fronteira.

A primeira notícia sobre escravos na África é de uma estela egípcia do faraó Sneferu (4ª. Dinastia, 2.680 aC), anunciando a captura de 7.000 escravos durante uma expedição militar à Núbia. A escravidão é muito comum no mundo antigo, e a base da economia; Estrabão fala da conceituada classe dos comerciantes de escravos (21). Na Grécia clássica, numa população de 315.000 pessoas, cerca de 115.000 seriam escravos; Atenas, então com 155.000 habitantes, tinha 70.000 escravos (20). Escravos vinham de toda parte, inclusive da África; em dois episódios da Odisséia o herói Ulisses vai ao Egito para capturar mulheres e crianças (21); um autor anônimo do séc. I dC fala da escravidão em seu texto “Périplo do mar Eritreu”; da mesma forma Cosmas Indicopleustes, no relato de sua visita à Etiópia (séc. VI dC); há relatos de núbios servindo no exército persa de Xerxes (25). Mosaicos e esculturas romanas representam africanos exercendo atividades como gladiadores, artistas de circo e criados pessoais. Também na Antiguidade barcos indianos faziam transporte de escravos trazidos da África; no século VI há relatos de escravos negros na Indonésia e na China.

Esse comércio é ainda de pequenas dimensões na África; é a rápida expansão muçulmana do séc. VII que vai mudar esse cenário. Os africanos eram inicialmente minoria: os escravos vinham em sua maioria da Europa e Ásia Menor; havia centros de produção de eunucos (escravos castrados) nos Bálcãs e na Armênia (34); a partir da ocupação do Egito e as guerras com os reinos cristãos da Núbia a situação começa a se alterar. No século VIII toda a costa norte da África tornou-se muçulmana; imensas caravanas cruzam o Saara em busca do ouro de Gana; é o inicio do tráfico transaariano de escravos (39). Era então comum a aquisição de escravos para integrarem exércitos (42); a captura ocorria durante guerras tribais ou através de emboscadas a pequenos vilarejos (44). Escravos oriundos da Somália e Moçambique (zanjes, como eram conhecidos) eram usados em grande quantidade na agricultura da Mesopotâmia a partir do séc. VII; os zanjes vão realizar grandes rebeliões; a de 869 dC vai durar 15 anos e se tornar uma guerra civil; seu exército vai chegar a reunir 50.000 homens (46). Ralph A. Austen calcula em 1,7 milhão os escravos transportados pelas rotas transaarianas entre 650 e 1100 dC (53).

É o árabe que vai elaborar toda uma ideologia sobre a inferioridade da raça negra e sua condição naturalmente subumana (59); o negro é discriminado inclusive pelos escravos brancos. O lento processo de assimilação social a partir da alforria também é mais difícil para o negro. Escravos negros são exibidos como símbolo de status no Cantão (séc. XI), devido ao seu alto preço (60).  Entre os séculos XI e XV já há um grande comercio de escravos no Mar Vermelho; Ralph Austen calcula em torno de 3,5 a 4 milhões de escravos transportados por navios no período (62); as rotas transaarianas, terrestres, teriam um movimento maior. A introdução de cavalos árabes no Sudão (séc. XIII), que revolucionou a forma de guerrear na região, foi um importante estímulo para o tráfico; os preciosos cavalos eram adquiridos com escravos (64); em contrapartida, as cortes reais do Sudão e Mali, entre os séculos XIII e XV, exibiam escravos brancos como símbolo de poder e requinte (66). A escravidão existia entre os africanos, mas com uma grande capacidade de absorcionismo, de reinserção social e assimilação dos descendentes; por conta disso alguns autores a consideram mais branda que o tráfico atlântico (82). A África Ocidental conheceu a escravidão em grande escala praticada em grandes propriedades agrícolas destinadas à produção para exportação, como arroz e milhete; a prática era comum nos reinos mais estruturados e centralizados, fortemente inseridos no comércio internacional (91). A riqueza era normalmente ditada pela posse de escravos ou de gado, não pela terra, tradicionalmente de posse coletiva ou real (99). Por conta disso a guerra visa em grande parte a captura de escravos, não de terras (109); guerras dessa natureza são relatadas no Chade no século IX. Os seqüestros com propósito de escravização também eram comuns; havia quadrilhas especializadas no ardil (110). A escravização também poderia ocorrer como punição penal, por exemplo devido ao não pagamento de dívidas, ou como resultado de punições em disputas políticas. Comunidades constituídas por escravos fugidos também existem de longa data na África (118).

Os negros entram na Europa com a invasão árabe na Península Ibérica; sua presença é maior com os almorávidas, lutando nos exércitos árabes ao lado dos berberes; são vistos representados em códices europeus do século XIII (133). A despeito do uso majoritário do trabalhador livre no sistema feudal, há ainda escravos; os cristãos compram-nos na Ásia Menor ou dos vikings, e os tomam dos árabes à medida que avançam pela Espanha. Em regiões como Espanha, Sicília e Rússia o uso majoritário da terra é o trabalho escravo em grandes propriedades agrícolas (135).

A mão de obra escrava aumentaria consideravelmente com o cultivo de cana de açúcar. Os europeus tomaram contato com a cana de açúcar durante as cruzadas; cultivada na Palestina, logo foi levada para Chipre, em seguida para a Sicília e Algarves, entre os séculos XII e XV. Mais tarde será plantada nas Canárias e Madeira, e então introduzida nas Américas (136). Há um grande debate sobre o volume do trabalho escravo utilizado na cultura de cana no Mediterrâneo, mas parece que prevaleceu o trabalho assalariado. Segundo Gorender, é no Brasil que vai começar um novo modo de produção, o escravismo colonial (138); o “engenho-com-plantação” é o prenúncio de um sistema integrado de produção em larga escala. Cerca de 10% da população de Domesday (Inglaterra) era escrava em 1086; a Genova do séc. XIII, com 20.000 habitantes, tinha 3.000 escravos. A Peste Negra causou cerca de 25 milhões de mortes e fez escassear a mão-de-obra, o que produziu um aumento da procura por escravos na Itália e na França; entre 1414 e 14213 mais de 10.000 escravos foram vendidos em Veneza (141); o assunto não incomodava ninguem, desde que não se escravizassem cristãos. Em 1328, 36% da população de Maiorca é escrava; já seria, nos dizeres de Charles Verlinden, uma sociedade escravista.

A partir da reconquista do Algarve, em 1249, os cristãos conseguem estabelecer colônias de mercadores no Norte da África e passam a negociar diretamente com as caravanas transaarianas (142); a expansão otomana havia transformado o norte africano no principal mercado de compra de escravos. Com a conquista de Ceuta (1415) os portugueses fazem as primeiras expedições próprias para prear escravos. A presença negra na Ibéria é tão comum que há uma confraria de cristãos negros em Barcelona e Sevilha.

Em 1445 os navios portugueses fazem capturas de escravos no Senegal (151); isso produz uma violenta reação das populações costeiras, que passam a atacar as galeras munidos de grandes canoas armadas com flechas envenenadas; o navegador Nuno Tristão e 19 camaradas foram mortos num ataque destes. A violenta resistência produz uma mudança de estratégia: os portugueses passam a comerciar, trocando produtos com os navios fundeados perto da costa. Desde o inicio há negros compondo as tripulações portuguesas como marinheiros e como tradutores; o trabalho do tradutor é essencial, e ele é pago com escravos (157); os escravos são agora adquiridos das populações costeiras, em troca de produtos diversos.

O primeiro estado negro a fazer contato com os portugueses é o Reino Jalofo, no Senegal (159), governado pelo “burba” e rodeado de estados vassalos; a elite jalofa é muçulmana, mas a maioria do povo segue cultos locais; o rei então pratica o islamismo e ao mesmo tempo participa de cultos animistas. O primeiro entreposto português na costa atlântica foi estabelecido na ilha de Arguim (169), pouco depois do Cabo Branco, onde ofereciam tecidos e trigo por ouro, escravos e produtos africanos. Fontes do período: Cadamosto, Valentim Fernandes e Duarte Pacheco Pereira. Arqueólogos desenteraram peças européias datadas dos séculos VIII ao XI na Nigéria, prova do alcance do comércio transaariano (200); no século XV havia uma intensa industria de tecidos na região. A partir de 1479 portugueses e outros europeus vão atuar como intermediários no tráfico local de escravos da chamada Costa do Ouro (Gana), comprando e vendendo escravos para os próprios africanos (203). E em 1482 os portugueses constroem na costa de Gana sua primeira feitoria fortificada, o forte de São João da Mina; com isso dão um passo a mais no sentido de tornarem-se independentes dos reis locais (210). Os portugueses se beneficiam de um grande conflito que opõe a duas potências locais, o Império do Mali e o Império Songai (215), o que facilita sua penetração na região; no período de 1500-1535 os portugueses compram 12.000 escravos e adquirem em torno de 600 kg de ouro ao ano. Braudel considera que os portugueses são responsáveis pelo desmoronamento do comércio transaariano a partir de então; o assunto é bastante controverso, e Costa e Silva prefere acreditar numa diminuição do movimento comercial pelo Saara, mas que ele permanece importante por um longo período posterior.

Judeus vindos da Espanha, os cristãos novos, são utilizados na colonização das ilhas de Cabo Verde; eles vão estabelecer redes comerciais e intermediar o tráfico de escravos na Gâmbia; muitos deles passarão a viver no continente e, livres do controle português, vão restabelecer seus cultos e identidade judaica (241-243), fazendo inclusive concorrência com as redes comerciais portuguesas. Outros ainda vão se integrar às comunidades africanas e chegarão a ocupar altos postos nos reinos locais. Esse processo também vai ocorrer entre os próprios portugueses, os chamados “lançados”; portugueses degredados ou fugidos da Coroa passarão a viver entre os africanos e atuar no comércio, havendo então uma grande miscigenação. Jorge Vaz chegou a abjurar o cristianismo e adotou um culto africano (247).

A presença portuguesa altera as relações de poder na região, em pleno conflito entre o Mali e Songai; os estados costeiros, até então vassalos do Império Jalofo e pouco importantes, por estarem afastados das rotas comerciais do Saara, repentinamente enriquecem e vão se tornar independentes. Songai avança sobre territórios do Mali e do Grão-Jalofo em fins do século XVI; o mansa do Mali, desesperado, decide estabelecer uma aliança com os portugueses (286). Enquanto isso os marroquinos vencem os portugueses em Alcacer-Quibir; seu líder passa a ser conhecido como Al-Mansur (o vitorioso) e unifica os reinos locais; combateu os otomanos na Líbia e em 1590 enviou uma expedição contra Songai, que incluía cativos portugueses convertidos ao islamismo (291); seu exército de 2.000 arcabuzeiros vence 8.000 cavaleiros e uma gigantesca infantaria em Tondibi; Tombuctu foi ocupada e os marroquinos chegam até as margens do Niger; Songai e Mali dividem-se em pequenos reinos vassalos.

Os portugueses chegam ao reino do Benin, e assombram-se com as largas avenidas de sua capital (310).

São Tomé e Príncipe foram o grande laboratório do sistema colonial português; em 1493 as ilhas recebem novo donatário e a colonização é reforçada com 2.000 crianças judias arrancadas aos pais para que não fossem educadas na fé mosaica (318). O sucesso do plantio de cana nas ilhas cria uma demanda por escravos (320), o que vai causar um encarecimento do “produto”; na costa de Benim o preço do escravo salta de 12 manilhas, em 1500, para 57 em 1517 (321). O olu (rei) dos itsequiris (Nigéria), Atonorongboye, é batizado em 1570; era tão devoto que dirigia pessoalmente as preces na igreja que mandou construir. Enviou seu filho, Olu Oyenakpagha, para estudar em Lisboa em 1600; lá ele casou-se com uma dama portuguesa, neta do conde da Feira; tiveram um filho mulato (326) que reinou na África e chegou a escrever ao Papa (327). São Tomé foi também palco das maiores rebeliões de escravos do continente, a partir de 1574. Em 1595, 2.500 negros e mulatos, comandados pelo escravo Amador, assumiram o controle da maior parte da ilha; Amador proclamou-se rei (328). As rebeliões e uma praga que grassou nos canaviais acabaram com a economia açucareira da ilha, que passará a atuar como entreposto no tráfico de escravos para o Brasil.
             
O reino do Congo abraçou com entusiasmo o cristianismo; o rei local, interessado em modernizar seu reino, estimulou a adoção de hábitos europeus, o que vai produzir uma enorme demanda por produtos do velho continente; pagos inicialmente com peças de cobre, os produtos logo passam a ser comprados com escravos. O rei português também estava interessado no progresso do Congo, pois sonhava em ter um poderoso rei católico africano como aliado e base de apoio; mas os habitante de são Tomé sabotaram seus esforços; para eles o Congo só tinha interesse como fornecedor de escravos baratos (372). Para evitar que os próprios congolenses fossem vendidos, o rei do Congo instituiu um monopólio real sobre o tráfico em 1526 (375). A morte do rei, em 1543, e a interferência lusitana na sucessão real desatou a guerra civil; a situação vai se complicar com a invasão da região de povos vindos do interior em 1568, os jagas (390); a partir daí o tráfico se intensifica e vai destruir as estruturas tradicionais da sociedade local. As guerras freqüentes contra os jagas criam uma enorme disponibilidade de escravos que fazem o porto de Luanda prosperar (395); culturas trazidas do Brasil, como o milho e a mandioca, passaram a ser cultivadas por escravos em grandes propriedades; toda a economia do congo agora gira em torno do comércio de escravos.

Em Angola, a partir de 1571, os portugueses fazem uma nova experiência: ao invés de estabelecer feitorias, decidem conquistar militarmente o território; o plano é ambicioso, de estabelecer uma ligação terrestre com Moçambique. Um rei local, Cassanze, opõe firme resistência e até logra vence-los em combate em 1575. A partir de 1579 a guerra de conquista torna-se espantosamente cruel, com grande morticínio de populações nativas (410); os portugueses recebem o apoio de 60.000 soldados do Congo; malária e febres causam grande mortandade entre os europeus; 1.700 deles morrem em Angola entre 1575 e 1591 (413). Em 1590 uma força de portugueses e espanhóis sofre uma tremenda derrota no rio Lucala. Movido pelas guerras constantes, o tráfico em Angola movimenta cerca de 100.000 escravos no período 1575-1600; cerca de 500 mulatos vindos do Brasil atuam como intermediários no mercado de escravos angolano (417). A partir de 1624 há a longa guerra contra a rainha Jinga (439); ela possuía armas de fogo fornecidas pelos holandeses e controlava o interior do país. Os batavos, em guerra contra a Espanha, atacam a África lusitana: capturam São Jorge em 1637, Arguim em 1638, Luanda em 1641 e Axim em 1642; o objetivo deles era substituir os portugueses no controle do tráfico de escravos. Forças holandesas vindas de Pernambuco participaram das operações em Angola usando 200 índios brasileiros (466).

A invasão holandesa em Angola deixou os lusitanos em dificil situação: expulsos do litoral, eram atacados no interior pela rainha Jinga, que esteve muito perto de destruí-los completamente; estes foram salvos com a chegada da frota brasileira de Salvador Correia de Sá, em 1648, que expulsou os holandeses. Jinga terminou por assinar um vantajoso acordo de paz com os lusitanos em 1656; faleceu em 1663 com 81 anos de idade (481). Data desse período o controle dos luso-brasileiros sobre Angola e a expressiva presença deles na Costa dos Escravos, em especial no forte da Mina; vinha da Bahia um dos produrtos mais apreciados pelos reis africanos, o tabaco (542); os baianos vão se estabelecer no porto de Ajuda a partir de 1681 (543).

Nesse meio tempo o império marroquino se expande pelo oeste africano, e grandes nações muçulmanas formam-se entre o Sudão e o Chade, conectadas ao comércio do Saara. Os otomanos estão firmemente estabelecidos no Egito, e os árabes na Somália e Eritréia; os cristãos etíopes, sentindo-se cercados, receberam com agrado um enviado do rei português, em 1503 (573) e as notícias da presença lusitana nas costas da Somália. Um representante do Negus esteve em Lisboa em 1509, para negociar uma aliança. A Etiópia venceu uma invasão muçulmana a partir da Somália, em 1516; mas em 1528 os muçulmanos retornaram com um exército maior e canhões; a quase totalidade do país foi ocupada; monges foram mortos e importantes monumentos culturais e livros destruídos (578). Os portugueses atenderam os pedidos de ajuda e enviaram uma expedição em 1541 comandada por Cristóvão da Gama (583). Os otomanos também enviaram reforços e o exército lusitano foi derrotado (1542). Mas no ano seguinte um levante etíope expulsou os árabes; os otomanos se estabeleceram na Eritréia. Há ainda um detalhe curioso: a luta dos etíopes contra os falachas (judeus negros), organizados em pequenos reinos autônomos no Tigre; derrotados numa longa campanha, entre 1577 e 1594, seriam progressivamente conquistados (589), e alvo de discriminação por parte dos cristãos etíopes.

A conversão do Negus, Suzênios, ao catolicismo romano, em 1609, devido à pressão portuguesa, desencadeou progressivamente uma guerra civil; o abuná, representante da Igreja copta monofista de Alexandria, insuflou o povo contra o imperador (594); Suzênios, após tentar uma conversão forçada do clero copta, renunciou ao trono em 1632. A situação havia mudado a ponto de os abissínios se aliarem aos árabes para expulsar os portugueses do país (596).

A Etiópia experimentou uma fase de grande progresso econômico no século XVII por conta da exportação do café para a Europa (598). Os árabes então controlavam toda a costa índica africana, a partir de Moçambique até a Somália e Madagascar; o comércio é feito com Etiópia, Egito, Arábia, Pérsia, Índia e Indonésia (616). Os portugueses apelam às armas para tentar controlar os portos da região (621); os turcos reagem com navios vindos do Egito, atacando portos e navios lusitanos e enviando tropas para Mombasa em 1588; depois disso, inexplicavelmente, se desinteressaram pela região. Foi o rei de Omã que passou a liderar a resistência; o sultão Ibne Saif expulsou os portugueses de Mascate em 1650 e passou a fabricar galeras copiando o modelo lusitano; em 1669 os omanianos atacaram a costa de Moçambique, e em 1698 expulsaram os portugueses da maioria de suas posições (645); apenas em 1727 os portugueses voltaram a ocupar portos importantes em Moçambique.

No século XVII houve um importante esforço lusitano para colonizar o Zambeze; isso produziu conflitos com o Império Monomotapa (670); as guerras constantes permitiram a formação de outro importante centro de tráfico escravagista (684).

Quando os portugueses chegaram a Madagascar, em 1500, já havia na ilha quilombos formados por ex-escravos fugidos do continente (718), prova do volume do tráfico muçulmano praticado na região. Portugueses, holandeses e franceses tentaram fincar raízes na ilha sem sucesso, tendo sido expulsos pelos reis locais.

O Marrocos, em plena expansão, durante o governo do sultão Mulai Ismael (1672-1727) importou da Senegâmbia um total de 200.000 escravos para trabalhos agrícolas e a formação de um exército (787).

Segundo Lovejoy, o tráfico escravista durante o século XVI movimentou 1.900.000 de escravos pelo Atlântico e 1.000.000 pelo Saara/Mar Vermelho/Indico; no século XVII foram respectivamente 6.100.000 e 1.300.000 de escravos, indicando a estabilização das rotas árabes e a explosão do tráfico liderado pelos europeus com destino às Américas