Minha dedicatória pessoal aos mestres Maíra Dias, Herbert Schutzer e Ricardo Felipe sem os quais esta pesquisa jamais teria sido possível.
“... dificilmente encontraremos quem desconheça o papel da História para
ajudá-lo na compreensão de si, dos outros e do lugar que ocupamos na
sociedade e no dever histórico” .
Elza Nadai, 1993.
BARAGLIO, Gisele Finatti. O ensino de História durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), 56 páginas. Trabalho do Curso de História –, Universidade Estácio Radial, São Paulo, 2011.
RESUMO
O presente trabalho trata-se de uma investigação acerca do ensino de História na Educação Básica e no Ensino Superior, sobretudo, nas práticas pedagógicas utilizadas na formação de professores de História durante o período Militar (1964-1985) no Brasil, adotadas por meio da interferência direta do Estado na Educação. Pretende-se compreender as razões que levaram as reformas no ensino nesse contexto e reconhecer heranças ou resquícios que desempenham influências até os dias atuais. O estudo baseia-se em discussões de pesquisadores e relatos de alunos e professores sobre o tema. Através dessa pesquisa e análise dos depoimentos foi possível compreender que as práticas pedagógicas atendiam a uma ideologia de subordinação da população brasileira, atendendo aos interesses da classe dominante representada pelo Estado Brasileiro, resultando na desvalorização da historiografia e das reflexões sobre a realidade, próprias do ensino de história e das demais ciências humanas.
Palavras-chave: Ensino de História; Historiografia; Práticas Pedagógicas; Reformas Curriculares; Ditadura Militar (1964-1985).
ABSTRACT
This monograph it is a research about the teaching of history in Basic Education and Higher Education, especially the pedagogical practices used in teacher training during the Military History (1964-1985) to Brazil, taken by means of direct state interference in education. Objective is to understand the reasons behind the education reforms in this context and recognize inheritance or influences that play remains to this day. The study is based on discussions and research reports of students and teachers on the subject. Through this research and analysis of evidence reveals that the pedagogical practices were attending an ideology of subordination of the population, taking into account the interests of the ruling class represented by Brazil, resulting in devaluation of historiography and the reflection on reality, their own education history and other humanities.
Keywords: History teaching; Historiography; Pedagogical Practices, Curricular Reform, the Military Dictatorship (1964-1985).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 04
CAPÌTULO 1- Impactos da Ditadura Militar no sistema educacional brasileiro: Reestruturações no ensino de História
08
1.1 A reestruturação no ensino secundário a partir de 1942 12
1.2 O golpe militar e as reformas no ensino 14
1.3 Reforma no Ensino superior: Licenciatura curta em Estudos Sociais 18
1.4 Reforma no Ensino de 1º e 2º Grau: a substituição da História por Estudos Sociais
21
1.5 A disciplina de Educação Moral e Cívica (EMEC) 24
1.6 A disciplina de Organização Social e Política (OSPB) 29
1.7 O ensino de História a partir da década de 1980 32
CAPÌTULO 2 – Discussão teórica sobre as reformas no ensino de História no período da década de 1960 a 1980
36
CAPÍTULO 3 – A história contada por quem viveu na época 43
3.1 Memórias de uma licenciatura durante a Ditadura Militar 43
3.2 Os reflexos da repressão no ensino de 1º e 2º Graus 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS 52
REFERÊNCIAS 53
INTRODUÇÃO
A presente Monografia trata-se de uma investigação acerca do ensino de História na Educação Básica e no ensino superior, sobretudo, na formação de professores de História durante o período Militar (1964-1985) no Brasil. Busca-se como esse trabalho analisar as práticas pedagógicas utilizadas no ensino da disciplina nesse contexto e heranças ou resquícios que desempenham influências até os dias atuais.
Nessa perspectiva, esse é muito importante não apenas para nós acadêmicos do curso de História, mas para os docentes, historiadores e simpatizantes das Ciências Humanas em geral, pois faz uma reflexão a cerca da trajetória do ensino de História no Brasil. Pretendemos responder durante a discussão algumas questões, tais como: como se constituiu o ensino de História durante o período Militar? quais fatores levaram a substituição da disciplina por Estudos Sociais e OSPB? que cidadãos se buscavam formar? por que foi implantada no currículo escolar a disciplina Educação Moral e Cívica? quais as preocupações com a formação do professor de História?quais práticas pedagógicas eram utilizadas na escola básica e na academia? dentre outras inquietações que forem surgindo no desenvolvimento da pesquisa.
Para responder a esses questionamentos, retomaremos num enfoque histórico o conjunto de circunstâncias que antecederam o golpe militar de 1964 e a repressão dos governos totalitários ao ensino de História, por seu teor crítico e das demais ciências humanas. Com a substituição da História enquanto disciplina escolar, pelos Estudos Sociais no ensino de 1º Grau, há uma desvalorização da historiografia e das reflexões sobre a realidade, própria do ensino de história surge uma História factual voltada a ideais nacionalistas e a figura de heróis.
Cabe ressaltar, que não se pretende aqui julgar como bons ou ruins os métodos e práticas usados no ensino de História no contexto do regime militar, mas analisar as conseqüências destes para as atuais dificuldades encontradas pelos docentes da disciplina, em especial o fato dos alunos não gostarem das aulas de História, pela forma factual com foi trabalhada durante as décadas de 60 a 80, deixando resquícios nos métodos de ensino atuais. Para nortear a discussão apresentaremos opiniões de diferentes teóricos e estudiosos a respeito do tema.
O objetivo principal da pesquisa é analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino de História durante o Regime Militar e compreender as razões que levaram as reformas no ensino básico e superior, bem como reconhecer os legados deixados que influenciaram toda uma geração e ainda continuam sendo sentidos atualmente.
Dentre os objetivos específicos busca-se conhecer um pouco da história do ensino de História no Brasil, a partir da análise da conjuntura histórica que antecedeu ao golpe militar, as mudanças ocorridas na prática do ensino da disciplina de História em todos os níveis de ensino, estabelecendo comparações entre o período de 1964 -1985 com os dias atuais.
Como base para a realização dessa Monografia será analisados as obras: A Política de Formação de Professores de História no Regime Civil-Militar: A criação de Licenciatura Curta em Estudos Sociais, dissertação de Mestrado de João Batista da Silveira, realizada em 2008, fonte de natureza primária. O Ensino de História durante a Ditadura Militar, dissertação de Rosimary Plazza, fonte também de origem primária. O Legado Educacional do Regime Militar, dissertação de Derneval Saviani, realizada em 2008.
Soma-se a estes alguns textos de outros autores, de fontes secundárias como O ensino da Educação Moral e Cívica durante a ditadura militar, artigo de Nataly Nunes e Maria José de Rezende. O livro didático de Educação Moral e Cívica na Ditadura Militar de 1964: A construção de uma disciplina, Artigo de Juliana Miranda Filgueiras. Ditadura Militar – Resumo escolar e Brasil 1964 a 1989, vídeos disponíveis no Youtube, dentre outros que serão postados nas referências bibliográficas no final deste trabalho.
A elaboração deste TCC foi realizada em etapas. A primeira se constitui de um questionário para o levantamento da problematização e das hipóteses, bem como a investigação ou pesquisas em diferentes fontes e seleção de material sobre o tema em estudo. Na segunda etapa realizei a produção de fichamentos com as principais idéias de cada teórico e elaborei tabelas confrontando as idéias dos mesmos. A terceira etapa refere-se à organização do trabalho e/ou a produção dos capítulos.
No Capítulo 1, é feita uma abordagem geral do tema a partir de uma retomada histórica sobre a inclusão da disciplina de História no currículo escolar em 1837 no Colégio D. Pedro II, e a análise das mudanças ocorridas no ensino de História, resultantes do governo autoritário instituído no Brasil nas décadas de 1960 a 1980 com a criação de Decretos-Lei e de Leis para reforma do ensino superior e de primeiro e segundo graus, a exemplo do Decreto nº 869/69 que torna obrigatório o ensino de EMEC no 1º Grau, e das Leis nº. 5.540/68 que estabelece a Reforma Universitária e a Lei nº. 5.692/71 que implanta as Reformas no ensino de 1º e 2º Graus. O capítulo se divide em sub-temas para melhor compreensão do leitor.
O Capítulo 2 é constituído pela discussão bibliográfica, ou seja, o foco está no embasamento teórico, espaço reservado para a análise e confronto de opiniões dos teóricos selecionados que discutem o tema abordado, enriquecendo o teor científico do presente trabalho.
No Capítulo 3, apresento depoimentos de alunos do ensino superior, que também foram professores e viveram na época. Trata-se do resultado de uma análise de documento (Artigo) disponível em site, por não dispor de tempo para realizar a pesquisa de campo busquei na internet fontes históricas que atendessem a minha necessidade para conclusão da Monografia.
Nas Considerações Finais, é feita uma reflexão sobre toda abordagem do tema desenvolvido, reconhecendo sua importância para o meio acadêmico e a necessidade de novas pesquisas a respeito da formação de professores, sobretudo do professor de História, uma vez que o mesmo ainda é pouco discutido. Vale salientar, que se buscou estabelecer uma comparação entre a prática do ensino de História durante a ditadura militar e o ensino atual, na perspectiva de perceber quais as mudanças e permanências. Portanto, acredita-se que esse trabalho possa despertar novas curiosidades, inspirando novas pesquisas para aprofundamento do tema.
CAPÍTULO 1- IMPACTOS DA DITADURA MILITAR NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO: REESTRUTURAÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA
As discussões acerca das transformações ocorridas no ensino de História durante o Regime Militar no Brasil, ocupa grande destaque no cenário historiográfico. Dentre os fatores responsáveis pelas mudanças, a intervenção do Estado na educação destaca-se como elemento importante para manter a política de dominação própria do governo militar, uma vez que a escola e a universidade desempenham a função de reprodutoras das ideologias do mesmo.
De modo geral, o ensino de História pode ser caracterizado a partir de dois grandes momentos. O primeiro teve início na primeira metade do século XIX, com a introdução da área no currículo escolar. Após a Independência, com a preocupação de criar uma genealogia da nação, elaborou-se uma história nacional, baseada em uma matriz européia e a partir de pressupostos eurocêntricos. O segundo momento ocorreu a partir das décadas de 30 e 40 deste século, orientado por uma política nacionalista e desenvolvimentista. O Estado também passou a realizar uma intervenção mais normativa na educação e foram criadas as faculdades de filosofia no Brasil, formando pesquisadores e professores, consolidando-se uma produção de conhecimento científico e cultural mais autônoma no país. (PCNs, 1998, p.19)
Nesta perspectiva, o Estado brasileiro sempre se mostrou preocupado com a forma com que o conhecimento construído com o estudo das Ciências Humanas, em especial com o conhecimento histórico era passado à sociedade. Por tal motivo, foram realizadas as reformas no ensino de História, uma vez que esta significava ameaça aos interesses do Estado representado pelos militares. Esvaziar o teor crítico da disciplina era a garantia da segurança nacional, diante das transformações sociais ao longo do período ditatorial.
Tal preocupação dos governos em relação ao conhecimento histórico é uma herança histórica desenvolvida na sociedade brasileira desde 1837, com a criação do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), quando se institui a História como disciplina escolar obrigatória nos currículos escolares, como confirma Elza Nadai:
No Brasil, sob influência do pensamento liberal francês e o bojo do movimento regencial, após a Independência de 1822, estruturou-se no Município do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II (que durante o Império funcionaria como estabelecimento-padrão de ensino secundário, o mesmo ocorrendo na República, sob denominação de Ginásio Nacional) e seu primeiro Regulamento, de 1838, determinou a inserção dos estudos históricos no currículo, a partir da sexta-série. (NADAI, 1993, p.145-146)
De acordo com a autora, a matéria de História seria ministrada somente a partir da sexta série por falta de material, uma vez que a história ensinada no Brasil seguia os moldes da história francesa. Assim, “em muitos casos os professores não tinham material traduzido para o português e, portanto eram obrigados a recorrer ao original em francês para ministrarem suas aulas” (NADAI, 1993, p.146)
No entanto, a falta de material não era o único obstáculo para a inserção da disciplina nas séries inicias. Vale chamar a atenção para o fato de que a implantação da disciplina na grade curricular, não foi aceita de forma pacífica. Por sua criticidade, o que significava uma ameaça a classe dominante, o próprio sistema político resistia, mesmo após a proclamação da República em 1889. Segundo Elza Nadai (1993), “o discurso feito pelo senador paulista Paulo Egídio de Oliveira, é um exemplo dessa resistência”:
A História não é uma ciência, senão, eu pergunto: qual a sua fenomenologia? A História não tem fenômenos, ou, por outra, todos os fenômenos pertencem à História, que é a trama que serve para prova de todos os conhecimentos humanos de todas as ciências. Como havemos de ensinar a história da civilização? Como a entende Burckle? Havemos de começar por começar estabelecer como certa a lei especial que desenvolve a civilização ocidental? Devia-se, ao contrário, ensinar a História da civilização, tomando por bússola a orientação de Buckle, que dá o predomínio à Nação Inglesa? Havemos de ensinar a história da civilização fazendo pairar acima de toda a nação o elemento greco-romano e dando-lhe assim o predomínio de presidir os destinos do mundo?”” Frente a tantos e variáveis caminhos que se lhe apresentavam, não conseguindo identificar um caminho a seguir ou oferecer uma sugestão alternativa, e o que era para ele de extrema importância-“um método positivo”-, preferiu optar pela “não introdução da História da Civilização no Estado de São Paulo, como parte do programa do ensino público. (NADAI, 1993, p.147)
A análise da fala da autora permite perceber que as idéias do senador mostram que ele desconhecia o teor cientifico da História dentro do pensamento Positivista, ignorando a possibilidade de que a própria História enquanto ciência poderia analisar a criticidade de seu pensamento passado durante o discurso.
A História é incluída no currículo dividindo espaço com a História Sagrada, ambas estavam voltadas para a formação moral do aluno. A primeira dava exemplos dos grandes homens da História, já a segunda concebia os acontecimentos como providência divina e fornecia as bases de uma formação cristã (PCNs, 1998, p.19).
Neste sentido, a História ensinada durante o início de sua inclusão na escola, não estava preocupada com a formação social e política dos educandos, mas já se percebe aqui a presença do civismo como elemento de estudo. Contudo, não poderia ser diferente, uma vez a História no Brasil seguia os moldes da França, segundo (NADAI, 1993, P. 145).
Ao currículo se adicionou a História do Brasil seguindo o modelo da História Sagrada. Os objetivos da inserção da História do Brasil no currículo estavam voltados para a constituição da idéia de Estado Nacional leigo, porém articulado à Igreja Católica. O Estado brasileiro se constituía politicamente, portanto se fazia necessário um passado que validasse a sua constituição. Os conteúdos focavam os grandes eventos, a exemplo, da Independência e da Constituição do Estado Nacional e dos seus representantes se configurava a imagem de herói. (PCNs, 1998, p.19)
No final do século XIX a educação brasileira, foi marcada por lutas envolvendo reformulações curriculares. Projetos continuavam a defender o currículo humanístico. Outros desejavam introduzir um currículo mais científico, adequado à modernização do país. Nesse contexto, as propostas para o currículo humanístico e para o científico, entendiam a História como disciplina escolar, importante para a formação do espírito nacionalista (PCNs, 1998, p.19-20). É com esse pano de fundo que se estabelecem as reformas educacionais nas décadas de 1960 a 1980 durante o regime autoritário e repressor imposto com a ditadura militar.
Apesar dos discursos e das sucessivas reformas, os governos republicanos das primeiras décadas do século XX pouco fizeram para alterar a situação da escola pública, mantendo-se a precária formação de professores, geralmente autodidatas. Surgiram propostas alternativas ao modelo oficial de ensino, logo reprimidas pelo governo republicano, como as escolas anarquistas, com currículo e métodos de ensino próprios, nos quais a História deixava de enfocar a hierarquia entre povos e raças, para identificar-se com os principais momentos das lutas sociais, como a Revolução Francesa, a Comuna de Paris e a Abolição. (PCNs, 1998, p.21).
No entanto, cabe lembrar que a formação de professores e o ensino de história nas escolas públicas em geral, passavam com várias críticas mesmo antes das reformas educacionais feitas após a tomada do governo pelos militares em 1964. Porém, essas críticas estão voltadas para o método como são ensinados os conteúdos, diferente das que surgem no governo militar que estão voltadas, não apenas para os métodos, mas para os conteúdos e a desvalorização da História.
A partir de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a Reforma Francisco Campos, acentuou-se o fortalecimento do poder central do Estado e o controle sobre o ensino. Com a criação das universidades inicia-se a formação do professor secundário. Ao mesmo tempo amplia-se e consolida-se, ainda que com dificuldades, um campo cultural autônomo com a expansão do cinema e do rádio (PCNs, 1998, p.22).
1.1 A reestruturação no ensino secundário a partir de 1942
O ensino secundário passou por novas reformas conduzidas pelo ministro Gustavo Capanema. A Lei Orgânica do Ensino Secundário estabeleceu três cursos: o primário e o ginasial com quatro anos de escolaridade; depois o clássico ou científico, com três anos. Equivalentes a eles foram criados os ginásios e os colégios profissionais. A formação docente foi sendo igualmente estruturada (PCNs, 1998, p.23).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, o mundo passa a ser dividido em dois grandes blocos: o socialismo na URSS e o capitalismo nos EUA. No Brasil, vive-se um período de redemocratização com o fim da Era Vargas. Nesse momento, de acordo com os PCNs (1998, p.23-24) “a História passou a ser novamente objeto de debates quanto às suas finalidades e relevância na formação política dos alunos”.
Portanto, era preciso modernizar as práticas de ensino, reformular os conteúdos, atendendo aos novos desafios da sociedade brasileira, sobretudo na área do desenvolvimento tecnológico, deixados pelo governo Vargas com o investimento na industrialização e cultural com o crescimento dos meios de comunicação de massa, a exemplo do rádio, tv e cinema.
Sob inspiração do nacional-desenvolvimentismo, nas décadas de 50 e 60 o ensino de História voltou-se especialmente para as temáticas econômicas. O reconhecimento do subdesenvolvimento brasileiro levou ao questionamento da predominância da produção agrícola-exportadora e à valorização do processo de industrialização. Enfatizou-se o estudo dos ciclos econômicos, sua sucessão linear no tempo. A presença norte-americana na vida econômica nacional fortaleceu o lugar da História da América no currículo, com a predominância da História dos Estados Unidos, inserindo-se na meta da política da boa vizinhança norte-americana (PCNs, 1998, p.24)
A educação voltada para as questões econômicas, dentro de uma tendência Tecnicista e Marxista tem início no governo de Vargas, mas é durante o governo de Juscelino Kubitschek que ela ganha seu apogeu, permanecendo durante o governo militar. A formação para o trabalho, em especial nas indústrias, seria a garantia do desenvolvimento nacional propagado por Juscelino.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4024, sancionada em dezembro 1961 a formação de professores em cursos superiores afetou o ensino de História gradativamente. A formação intelectual e científica dos alunos de graduação passou a integrar os objetivos das propostas curriculares, que atendiam a produção didática chamada História Nova, do início dos anos 60, com estudos baseados nos modos de produção, sob a influência da historiografia marxista que enfatizava transformações econômicas e conflitos entre as classes sociais, contrariamente à História que valorizava o político e a trajetória vitoriosa da classe burguesa na consolidação harmoniosa do mundo moderno. Nessa tendência, apesar da ênfase atribuída às classes sociais como agentes das transformações históricas, predominou no ensino uma abordagem estruturalista na qual a História era estudada como conseqüência de estágios sucessivos e evolutivos. (PCNs, 1998, p.24)
Com a reforma proposta através da LDB de 1961, a História passa a desempenhar o papel de formação de profissionais capazes de levar os seus alunos a refletirem sobre a realidade política, social e cultural do país. Com a corrente historiográfica Nova História, o ensino da disciplina se caracteriza por uma história-problema, diferente da tradicional, remete os educandos a pensarem.
No entanto, três anos após as novas propostas educacionais realizadas com a LDB em 1961 tiveram distantes da prática com o golpe de estado ou revolução de 1964 como se referem alguns historiadores, para denominar a derrubada do governo de João Goulart em 1964. Preocupados com a formação política dos cidadãos brasileiros, o governo militar logo cria as reformas no sistema educacional, adequando-as a uma proposta pedagógica voltada para os interesses do Estado, tornando as universidades e escolas em propagadoras de suas ideologias.
1.2 O golpe militar e as reformas no ensino
O mundo após a Segunda Guerra Mundial vivia uma grande tensão com a Guerra ideológica travada entre as duas grandes potências econômicas vencedoras no conflito mundial, a URSS e os EUA. A busca por aliados ora do sistema econômico socialista propagado pela União Soviética, ora pelo capitalismo norte americano dos Estados Unidos, mantinham os países em constante insegurança, o medo das armas nucleares se espalham entre as nações, sobretudo nas subdesenvolvidas como no caso do Brasil.
Segundo Tiago Henrique Mendes, o que estava em jogo era a estrutura econômica que acaba por definir as outras, países cujos problemas sociais eram de grandes proporções acabavam sendo influenciado pela possibilidade de um mundo melhor através da adesão ao socialismo, porém, os países centros do capitalismo, especialmente os EUA tentava impedir que essa possibilidade se alastrasse por mais países como já havia acontecido com Cuba aqui na América Latina.
[...] afetou o poder e prestígio dos EUA no continente e concorreu decisivamente para o desenvolvimento de uma ofensiva anticomunista na América Latina que fez ressurgir os valores da Guerra Fria. Na verdade, a experiência cubana fascinou os oprimidos de vários países e os EUA empenharam-se em evitar o surgimento de algo semelhante em outro ponto das Américas. (GERMANO, 1992, p.50)
A década de 60 no Brasil é marcada por significativas transformações no campo político que se intensificam com a tomada da presidencia da república, então representada por João Goulart. Segundo os militares e políticos conservadores as Reformas de Base propostas por João Goulart, em especifico a reforma agrária constituía uma ameaça aos interesses do empresariado e da elite brasileira, uma vez que afetaria inteiramente o direito a propriedade privada. “Em meio à crise que ocorria no mundo, tal fato despertou insegurança nos setores tradicionais da nossa sociedade, pois poderia colocar em risco a manutenção do sistema capitalista no Brasil”. (SILVA, 1978)
No cenário educacional a LDB nº 4024 /61, “sancionada após 13 anos de debate especialmente sobre a escola pública e privada, representou uma vitória dos empresários da educação e dos representantes religiosos da Igreja Católica”. (FONSECA, 1993, p. 20)
O Golpe ou Revolução Militar de 1964 foi justificado pelos militares como uma ação de proteção a segurança do país, alegando proteger a política nacional que segundo eles estava ameaçada pelos comunistas, portanto era preciso manter a ordem para garantir o desenvolvimento econômico do Brasil:
Os rumos do desenvolvimento precisavam ser definidos, ou em termos de uma revolução social e econômica pró-esquerda, ou em termos de uma orientação dos rumos da política e da economia de forma que eliminasse os obstáculos que se interpunham à sua inserção definitiva na esfera de controle do capital internacional. Foi esta última a opção feita e levada a cabo pelas lideranças do movimento de 1964. (ROMANELLI, 1978, p.193)
“O papel da educação assim como as metas para o setor, estabelecidas pelo Estado Brasileiro a partir de 64, estiveram estritamente vinculados ao ideário de segurança nacional e de desenvolvimento econômico”. (FONSECA, 1993, p.19)
Neste sentido, as idéias apresentadas pelos dois autores citados acima, podemos perceber que as escolas e universidades públicas se configuram como aparelho ideológico do Estado, isto é, a educação ideológica é usada para manter os interesses do mesmo. Assim os currículos e programas constituem o instrumento mais poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua interferência, em última instância, na formação da clientela escolar para o exercício da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes.
Segundo Skidmore (1988), “tornou-se necessário naquele momento, adequar todas as instâncias nacionais aos interesses da nova classe no poder para que o Regime Militar pudesse ser legitimado e não correr o risco de ser deposto”. Nesta perspectiva, foi criado um aparato governamental que restringia os direitos civis e políticos da população a fim de calar as possíveis vozes de contestação ao regime. É nesse momento que o governo estruturou e aprovou as reformas educacionais, sendo elas a Reforma Universitária (Lei 5.540/68) e a Reforma do 1º e 2º graus (Lei 5692/71)
[...] ao se revestir de legalidade [Lei 5.540/68 e do Decreto 464/69], possibilitou o completo aniquilamento, por parte do Estado de Segurança Nacional, do movimento social e político dos estudantes e de outros setores da sociedade civil. A ordem foi restabelecida mediante a centralização das decisões pelo Executivo, transformando a autonomia universitária em mera ficção, bem como pelo uso e abuso da repressão político-ideológica. A institucionalização das triagens ideológicas, a cassação de professores e alunos, a censura ao ensino, a subordinação direta dos reitores ao Presidente da República, as intervenções militares em instituições universitárias, o Decreto-lei 477/69 como extensão do AI-5 ao âmbito específico da educação e a criação de uma verdadeira polícia-política no interior das universidades, corporificada nas denominadas Assessorias de Segurança e Informações (ASI), atestam o avassalador controle exercido pelo Estado Militar sobre o Ensino (GERMANO, 1994, p. 133).
Nas idéias do estudioso fica explicito a interferência direta dos militares no ensino, pois o Estado usa as instituições educacionais para manter o controle sobre a sociedade.
É no auge da ditadura que foram assinados os Acordos entre o MEC e a USAID. Os técnicos da USAID (United States Agency for International Development) participaram diretamente na reorganização do sistema educacional brasileiro. Tais acordos deram à USAID um poder de atuação em todos os níveis de ensino (primário, médio e superior), nos ramos acadêmico e profissional, no funcionamento do sistema educacional, através da reestruturação administrativa, no planejamento e treinamento de pessoal docente e técnico, e no controle do conteúdo geral do ensino através do controle da publicação e distribuição de livros técnicos e didáticos (SILVA, 2005, p.5).
Segundo Marilena Chauí “o projeto MEC/USAID esteve assentado em três pilares: educação e desenvolvimento, educação e segurança e educação e
comunidade”. (CHAUÍ, 1978, p.148)
Tendo em vista que um dos principais objetivos do governo militar seria desenvolver o Brasil industrialmente, permitindo ampliação da implantação de multinacionais no território brasileiro, de acordo com Maria do Carmo Martins,
O governo federal teria dois tipos básicos de preocupação: o primeiro se daria em relação ao ideário nacionalista baseado nos princípios de segurança nacional respeitando-se a “ordem pública” e a “hierarquia dos poderes” e o segundo diz respeito ao projeto desenvolvimentista de governo, levando em consideração a necessidade de um mercado consumidor e conseqüentemente o trabalhador capacitado para o trabalho na indústria (MARTINS, 2007, p. 29).
Neste contexto, tanto a lei 4.024/68 quanto a 5692/71 foram modificadas em sua essência, a inspiração liberalista cede lugar a tecnicista que deixa de lado a preocupação com o conteúdo, privilegiando o método adotado no desenvolvimento dos conteúdos escolares selecionados. Essas mudanças na forma de se conceber o ensino, dá a educação dinamismo nas técnicas, das mais variadas formas, seja nas propostas pedagógicas ou nas formas de organização do sistema escolar, bem como o parcelamento do trabalho pedagógico com a sua hierarquização, essa nova forma de pensar a educação dá maior possibilidade de controle sobre a escola e a universidade.
Portanto tornaram as Ciências Humanas suspeitas e baniram do ensino de 1º grau a História e a Geografia, dissolvidas nos Estudos Sociais, que incluíam a disciplina Educação Moral e Cívica, tentativa de atualização para as massas de uma educação de caráter moral, sem o componente cultural próprio às humanidades. No Ensino Médio, História e Geografia sobreviveram, ao lado da Organização Social e Política do Brasil, no ensino superior foram criadas as licenciaturas curtas em Estudos Sociais (PCNs, 2000, p.7).
1.3 Reforma no Ensino superior: Licenciatura curta em Estudos Sociais
As reformas do ensino aprovadas pelo regime militar começaram pelo ensino superior, mediante a aprovação da Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968, regulamentada pelo Decreto n. 464, de 11 de fevereiro de 1969, já citados anteriormente. Com a nova legislação houve transformações em toda em todo o sistema educacional, afetando diretamente a estrutura do ensino superior.
Com a reforma de 1968, se deu dentro da universidade a separação entre curso e o departamento. Como explica Derneval Saviani:
Este foi definido como a unidade básica da universidade, cabendo-lhe reunir os especialistas de uma mesma área de conhecimento ou de áreas afins. Tal alteração foi proposta sob o argumento de que, devendo a universidade fundar-se na unidade do ensino e da pesquisa, era necessário desenvolver a pesquisa, reunindo e conjugando os esforços dos professores preocupados com a mesma área de conhecimento. O curso, por sua vez, se definia pelo currículo, entendido na prática como um elenco de disciplinas distribuídas, via de regra, em três modalidades: obrigatórias, optativas e eletivas. Tal currículo seria composto e coordenado por um colegiado denominado coordenação de curso. Assim, ao departamento se contrapõe a coordenação de curso e ao chefe do departamento, o coordenador do curso. (SAVIANE, 2008, p. 303)
Para complementar esta medida, vieram às reformas curriculares de ensino em 1971, que previa a junção entre a História e a Geografia em uma só disciplina: Estudos Sociais. A consolidação dos Estudos Sociais em substituição à História e Geografia constituiu-se ao lado da Educação Moral e Cívica em fundamentos dos estudos históricos, integrados a temas de Geografia centrados nos círculos homocêntricos. Os conteúdos de História e Geografia foram “esvaziados ou diluídos, ganhando contornos ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado a justificar o projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no país a partir de 1964”. (PCNs, 2001, p.26)
Com as mudanças, o currículo da licenciatura também sofre alteração como mostra o autor João Batista da Silveira:
Na formação docente, a licenciatura curta em Estudos Sociais estabelecia como currículo mínimo as seguintes áreas: História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia, Ciência Política, OSPB e as obrigatórias: EPB, Educação Física, além de Pedagogia. A licenciatura curta seria de 1.200 horas, portanto, um ano e meio; enquanto, a licenciatura longa seria de 2.200 horas, três anos. (SILVEIRA, 2008, p. 82)
Torna-se importante esclarecer que a autorização das licenciaturas curtas ou habilitações intermediárias em nível superior foram realizadas para atender a carência do mercado trabalhista. Portanto, o Estado considerava desnecessária uma formação longa e sólida em determinadas áreas profissionais, especificamente nas licenciaturas encarregadas de formar professores, pois não seria interessante para o governo ter profissionais qualificados na área da educação. Prova disso, é que segundo Selva Guimarães Fonseca (1993, p. 26) “se mantém nas outras áreas de formação profissional a mesma carga horária e período de duração dos cursos”.
O governo federal justifica a aprovação da licenciatura curta, utilizando o mesmo argumento que os legisladores da LDB de 61, alegando que seria suprir a carência de professores qualificados no mercado de trabalho. Dessa forma, profissionais de outras áreas poderiam habilitar-se legalmente para as atividades do magistério, uma vez que a carência era grande.
Com o objetivo de obrigar os profissionais de História ingressar nos cursos de Graduação em Estudos Sociais, é publicada em 1976, a portaria nº 790 é criada pelo Ministério da Educação. Tal documento determina que as aulas de Estudos Sociais para o 1º grau, só poderiam ser ministradas pelos profissionais formados em Estudos Sociais. Enquanto os professores de História e Geografia atuariam apenas no 2º grau. Isso mostra que os ideais do governo era reprimir o conhecimento histórico, temendo as conseqüências que este poderia trazer, sobretudo, por em risco o domínio que mantinha sobre a população brasileira.
Os profissionais de educação formados nos cursos de licenciatura em Estudos Sociais eram autodidatas, construíam um conhecimento global dos conteúdos que deviam ministrar. Porém, se sabe que eles não estariam bem preparados como os professores formados em cursos regulares de História, o que os levava a ter os livros didáticos como material essencial, seguia a risca os conteúdos selecionados pelos autores, reproduzindo uma história factual, alicerçada no estudo de grandes feitos, construindo a figura de heróis e memorização de datas. Essas práticas pedagógicas constituíam uma forma mascarada da intervenção do Estado no processo de formação dos alunos. Por conseguinte se pode constatar que a escolha dos professores de Estudos Sociais para lecionar no Ensino de 1º grau não foi por acaso.
Sobre esse novo momento de discussão vivido pela educação brasileira, a autora Selva Guimarães Fonseca, comenta que “trata-se do controle ideológico sobre a disciplina em nível de 1º grau na formação dos jovens, na formação dos cidadãos e do pensamento brasileiro”. (FONCECA, 1993, p.28)
A desqualificação dos profissionais da educação da área de História, resultantes da intervenção do Estado e a proibição dos mesmos de lecionarem no 1º grau, aumentou a resistência da categoria. Surgiram várias manifestações a partir de 1973 no Fórum de Debate sobre Estudos Sociais, na USP, na Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) e na Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH).
O apoio das instituições da área das ciências humanas foi essencial para o movimento de professores, que ganha forças, e indiretamente obriga o Estado a atender algumas reivindicações por temer uma repercussão maior na sociedade. Gradativamente, a classe vai se estruturando organizando as greves que surgem nos anos de 1978 e 1979.
Um exemplo, da negociação feita entre o governo e a categoria é que por meio do Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o Estado autorizou os licenciados em História a ensinar a matéria de Estudos Sociais, realizando uma revisão do artigo 5º da Resolução nº 8 de 1971. Com a Resolução nº 7 de 1979, o Conselho Federal de Educação (C.F.E), estabelece que os professores licenciados em História podem ensinar Estudos Sociais no Ensino Fundamental.
No tocante a essa relação Universidade X Escola Fundamental, coube a primeira a elaboração de todo saber didático, uma vez que era de responsabilidade do professor universitário a elaboração do currículo que seria utilizado de 1º e 2º graus. Nasceu dessa relação, uma verdadeira ditadura acadêmica, já que para “facilitar” a vida dos professores do ensino fundamental e médio, os professores universitários que elaboravam o currículo, passaram também a elaborar os livros didáticos que estavam de acordo com os mesmos, tirando o poder de decisão quanto à elaboração do currículo e ao conteúdo a ser estudado em sala pelos professores que não fizessem parte da academia, ou seja, foram reduzidos a meros reprodutores do saber produzido na universidade. (PLAZA e PRIORI, p.13)
Pode-se concluir na fala dos autores Rosimary Plazza e Angelo Priori que a reforma universitária influenciou diretamente no trabalho desenvolvido na escola nos ensinos de 1º e 2º Grau, uma vez que o material didático era produzido pelos acadêmicos dos cursos de licenciatura, cabendo ao professor reproduzir os conhecimentos adquiridos na academia.
1.4 Reforma no Ensino de 1º e 2º Grau: a substituição da História por Estudos Sociais
Aprovada em 11 de agosto de 1971, a Lei n. 5.692/71, unificou o antigo primário com o antigo ginásio, criando o curso de 1º grau de 8 anos e instituiu a profissionalização universal e obrigatório no ensino de 2º grau, propendo atender à formação de mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho ou os cursos Técnicos.
Com a reestruturação do ensino, tornou-se necessário reformular os currículos das escolas de primeiro e segundo graus, incluindo as disciplina de Educação Moral e Cívica (EMEC) no 1º grau e Organização Social e Política do Brasil (OSPB) no 2º grau. As disciplinas de História e Geografia foram substituídas pelos Estudos Sociais, levando ao esvaziamento dos conteúdos, fazendo-os regredir ao método mnemônico, fazendo o aluno decorar datas, nomes e fatos importantes da nossa história com vistas ao desenvolvimento do nacionalismo, elemento importante na formação do indivíduo para a efetiva manutenção do regime instituído. (BRASIL/SEF, 1997, p. 25-26)
Nessa perspectiva, usar a escola como aparelho de reproduções de ideologias do Estado, foi uma alternativa usada pelo regime militar. Daí surge a necessidade de reformular os currículos, moldando-os aos interesses da classe dominante. Tal afirmação pode ser confirmada na fala da historiadora Selva Guimarães Fonseca, em seu livro Caminhos da História Ensinada:
Essa nova organização curricular consolida Educação Moral e Cívica e as outras disciplinas obrigatórias constantes no Artigo 7º da Lei 6972/71, ao mesmo tempo em que descaracteriza o ensino de História e Geografia no 1º Grau, que por força da lei, se transforma em Estudos Sociais. No nível de 2º Grau admite-se o tratamento de História e Geografia como disciplinas, desde que diminua sua “duração e intensidade”, pois as disciplinas de formação especial deveriam ter superior ás de disciplinas de formação geral. (FONSECA, 1993, p.41)
Segundo a autora, a disciplina de Estudos Sociais, ao lado da EMEC passa a ser consideradas as principais disciplinas na formação dos educandos do 1° Grau. Enquanto no 2º Grau prevalece a OSPB como disciplina de base, em complementação a EMEC estudada no período escolar anterior. Quanto a História ensinada no 2º Grau fica restrita ao estudo educação para o trabalho, focando o setor industrial, como comprova a citação abaixo:
No nível secundário foram propostos estudos econômicos baseados nos “modos de produção”, sob a influência da historiografia marxista, como os do grupo que lançou uma produção didática chamada História Nova, com uma abordagem histórica que enfatizava as transformações econômicas e os conflitos entre as classes sociais, em detrimento da história tradicional que valorizava o político e a trajetória vitoriosa da classe burguesa na consolidação harmoniosa do mundo moderno. (BRASIL/SEF, 1997, p.22)
Para auxiliar os professores licenciados em Estudos Sociais que ministrariam as aulas nos ensinos de 1º e 2º Graus, foram criados os Guias Curriculares, também chamados de Verdão, que conduziriam o professor em sua prática pedagógica. O mesmo era organizado por um cronograma dos objetivos conteúdos que seriam trabalhados em cada série. Tal iniciativa é fruto do reconhecimento de que com “a junção de História e Geografia em Estudos Sociais provocou entre os professores um total descompasso quanto à forma de ensinar e o que ensinar, já que a mistura entre os conteúdos foi muito grande”. (Plazza e Priori, p.11)
A proposta metodológica presente nos guias, tinha como pressuposto que os estudos sobre a sociedade deveriam estar vinculados as fases de desenvolvimento psicológico do aluno. Assim, o estudo deveria partir do concreto para o abstrato em etapas seqüenciais, isto é, o aluno devia iniciar sua aprendizagem partindo da realidade local, posteriormente a regional e nacional e por fim a mundial.
Quanto à relação da noção de tempo e compreensão da História de acordo com o fragmento a seguir:
Para compreender a História o aluno deveria dominar, em princípio, a noção de tempo histórico. No entanto, o desenvolvimento dessa noção no ensino limitava-se a atividades de organização do tempo cronológico e de sucessão como datações, calendário, ordenação temporal, seqüência passado- presente- futuro. A linha do tempo, amarrada a uma visão linear e progressiva dos acontecimentos, foi sistematicamente utilizada como referência para distinguir os “períodos históricos”. (BRASIL/SEF, 1997, p.23)
A análise do documento constata que a forma linear e progressiva, desconfigura o papel crítico da História, uma vez que os fatos narrados nos livros didáticos não enfatizam os mesmos como conflitos ou problemas sociais de um determinado momento histórico, que se desencadeou por alguma razão. O ensino se resume a mera memorização e reprodução dos acontecimentos, isentando os alunos de refletirem e construir opiniões sobre os mesmos.
Não poderia deixar de ressaltar, que outra característica presente nas salas de aulas tanto na disciplina de Estudos Sociais no 1º Grau, quanto de História no 2º Grau é a propagação da idéia de democracia racial. As escolas divulgavam o Brasil como um país sem preconceitos étnicos, onde cada um colaborava da forma que podia para a felicidade geral. Essa era mais uma forma de mascarar os conflitos e as arbitrariedades cometidas pelos autoritários e repressores do governo militar.
Contudo, todas as transformações ocorridas na educação por meio da reformas no ensino de 1° e 2º Grau, por um lado foi relevante, pois elevou o acesso da população a escola, porém por outro lado, pedagogicamente falando comprometeu a qualidade da educação na rede pública, como mostra o fragmento a seguir:
As mudanças advindas durante o governo militar não se resumem ao currículo e nos métodos de ensino. Com a obrigatoriedade do ensino de oito anos na escola de primeiro grau houve alterações expressivas no público escolar. Todavia, à medida que eram ampliadas as oportunidades de acesso à escola para a maioria da população, ocorria uma paradoxal deterioração da qualidade do ensino público. (BRASIL/SEF, 1997, p.23)
Em resumo, a inserção das disciplinas EMEC e OSPB, bem como a criação dos Estudos Sociais, tornaram a escola e as universidades como agentes reprodutores de ideologias do Estado, uma vez que todo conteúdo ensinado passava pela aprovação do mesmo. Os currículos foram bruscamente alterados e a disciplina de História especificamente foi diluída de seu teor crítico, passando a desempenhar o papel de mera reprodutora de fatos históricos, e ao aluno o papel de sujeito passivo, acrítico.
1. 5 A disciplina Educação Moral e Cívica (EMEC)
As noções de moral e civismo estiveram presentes nos currículos escolares em anos anteriores a Ditadura Militar, porém, não como disciplina, mas como um tema transversal podendo ser trabalhado em várias áreas. Após, a década de 1960 a Educação Moral e Cívica é implantada como disciplina obrigatória do ensino de 1º Grau, sendo oficializada por meio do Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, permanecendo nos currículos oficiais das escolas e universidades como disciplina escolar durante 24 anos, sendo extinta em 1993, com a revogação da Lei n° 8.663.
Buscando justificar a importância da inclusão da disciplina no currículo oficial de todos os níveis de ensino, segundo Vanessa e Geraldo (2006, p. 126) “No texto das Leis, (...) A moral e cívica foi uma doutrina elaborada, ao lado da Segurança Nacional, e fazia parte do projeto de construção de um “Brasil Grande” ou “Brasil Potência”, tal como desejavam os militares”. Neste sentido, era necessário inserir no contexto escolar o ideário de um governo democrático.
Por outro lado, na prática a disciplina de EMEC configura o papel de “habilitar” os educando para servir a pátria, o nacionalismo era um meio de garantir a estabilidade do governo militar. Os conflitos políticos e mazelas sociais eram abafados, retirados dos livros didáticos. Era preciso calar a voz dos que criticavam o governo, “a repressão procurou silenciar as vozes que pediam democracia e liberdade, como grupos de teatro, músicos e organizações de esquerda e estudantil” (GASPARI, 2002, p. 211).
O trecho abaixo apresenta a fala de Rezende que explicita os interesses dos militares, reforçando as idéias citadas a cima:
A afirmativa de que a ditadura tentava legitimar suas ações e medidas através da construção de um suposto ideário de democracia significa que se está empregando o sentido de legitimidade como busca de reconhecimento, por parte da maioria dos segmentos sociais, em torno dos valores propalados como fundantes do regime militar, bem como a procura de adesão ás suas pressuposições em torno da convivência social (REZENDE, 2001, p.3).
De acordo com o autor, ao passar para a sociedade o ideário de um governo democrático, os militares ganhavam apoio popular. Assim, tornava-se necessário por parte do governo manter o domínio sobre os meios de comunicação de massa, usando-os ao seu favor para propagar a suposta democracia.
No âmbito educacional, a escola também é usada como reprodutora dos ideais militares. Ao inserir a EMEC no currículo como disciplina obrigatória, o Estado mantém o controle sobre o que é ensinado, desqualifica o papel do professor ao transformá-lo em mero reprodutor de informações como afirma a autora Selva Guimarães Fonseca:
Para a realização de um projeto educacional, um dos elementos mais importantes do processo é o professor. Este supostamente domina o saber, e a educação realiza-se através do seu trabalho no nível do planejamento e execução do processo de ensino, sendo investido de autoridade institucional. Evidentemente, os princípios de segurança nacional e desenvolvimento econômico norteadores da nova política educacional chocam-se com o princípio de autonomia do professor e o Estado passa a investir deliberadamente no processo de desqualificação dos profissionais da educação (FONSECA, 1993, p. 25).
Segundo a autora, a desqualificação dos profissionais da educação ocorre por meio da criação das Licenciaturas Curtas em Estudos Sociais com a Reforma Universitária aprovada pela Lei n. 5.540/68 que capacitaria o professor da área de humanas, o qual de acordo com Vanessa e Geraldo (2006, p.130) “os dirigentes militares sabiam do quanto o professor poderia contribuir ou para a manutenção do regime ditatorial, ou para que o seu fim chegasse mais rápido”.
Posteriormente, em 1971 com a Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus, o professor de EMEC teria que ser licenciado em Estudos Sociais, pois adquiriria no curso as habilidades essenciais para o ensino factual voltado para a figura de heróis, estudo de datas comemorativas e festas cívicas, como desfiles por exemplo. De acordo com Vanessa e Geraldo (2006, p.130) “o ensino da moral e cívica envolvia toda a escola e a comunidade, através da atuação dos pais, funcionários e professores”.
Para nortear o trabalho do professor foram criados os livros de Educação Moral e Cívica, que tinham como objetivo principal levar os alunos a acreditarem que viviam numa sociedade democrática, ao criar a falsa idéia de participação da população na administração do país em tempo de ditadura. Ao mesmo tempo levava-os a construir o conceito de obediência e nacionalismo como mostra um trecho retirado do livro Educação Moral e Cívica Faixa F, analisado por Nataly Nunes e Maria José de Rezende:
Você, eu, todos nós estamos subordinados às leis brasileiras; as maiores autoridades do governo, também. Para quê? [...] O Estado tem como fim a conquista, a manutenção e o desenvolvimento do bem comum nacional, isto é, de todos nós, que formamos a nação brasileira. [...] O poder pertence ao povo. A isto se chama soberania popular. Em outras palavras, a soberania do Brasil é o poder de seu povo. Mas, como poderiam 104 milhões de brasileiros governar? Seria balbúrdia. Ninguém se entenderia. É por isto que o povo concede sua soberania, isto é confia seu poder a poucos brasileiros, os quais, na condição de “representantes” (do povo), exercem o governo. [...] É imoral para um representante trair o povo que nele confiou e, em vez de trabalhar pelo bem público, aproveitar-se do cargo para tirar vantagens pessoais ou defender indevidos interesses de pequenos grupos em detrimento do bem comum (HERMÓGENES, 1977, pp. 64 e 69).
Outra característica predominante nos livros de EMEC é a ideologia do governo em formar patriotas. O patriotismo ou nacionalismo seria condição essencial para manutenção dos militares no poder. Com a juventude entusiasmada para servir a pátria seria fundamental para obter um exército forte. Tais idéias podem ser confirmadas através da análise do livro Estudo Dirigido de Educação Moral e Cívica realizada também pelas autoras Nataly Nunes e Maria José de Rezende:
Quanto mais amamos a Pátria, mais democratas somos. O voto, com que se elegem os representantes do povo, pode ser um ato de amor à Pátria ou um ato de egoísmo. Eleitores e políticos devem visar, em primeiro lugar, aos interesses da Pátria. Quando a Pátria é servida por todos, todos são beneficiados (CORREA, 1976, p.128).
Nas palavras do autor, fica claro a propaganda nacionalista e o desejo de um cidadão acrítico uma vez que o aluno é levado a pensar apenas em amar e servir a pátria. Além disso, é reforçada a noção de democracia. Segundo Nataly e Maria José (p.7) os livros de EMEC focam a abordagem em três características referentes ao governo dos militares “1º é a melhor forma de governo; 2º é a forma de governo existente no Brasil; 3º se pretende convencer, de que, se no Brasil existe a democracia a melhor forma de governo, são os militares que a realizam”.
Concluindo as reformas educacionais atendem ao desejo do Estado que reconhece o papel da educação para a manutenção do regime militar centrado no ideal democrático, especificamente a disciplina de Educação Moral e Cívica que tem por função formar patriotas, defensores do governo.
1. 6 A disciplina Organização Social e Política Brasileira (OSPB)
Durante o governo do presidente João Goulart foi criado o Conselho Federal de Educação (CFE), sendo seus membros nomeados pelo então Ministro da Educação Antônio de Oliveira Brito por meio de um Decreto que regulamenta a implantação de OSPB no ensino de 2° grau, atendendo as reformas educacionais estabelecidas através da LDB de 1961. O país vive um momento de grandes lutas políticas entre conservadores e os que desejavam mudanças. Portanto, o objetivo de se trabalhar a disciplina era aproximar os alunos de sua realidade política, reconhecendo o papel da escola enquanto instituição autônoma responsável pela formação de cidadãos que percebam a importância de sua atuação na vida pública cabia a escola questionar aos educandos o que seria a participação política e o civismo, pois ambos eram motivos das disputas entre os representantes do governo, como afirma Cleber Santos Vieira:
Buscando valorizar a autonomia dos estabelecimentos de ensino na montagem da grade curricular, a Indicação Nº 1 do CFE, homologado pelo MEC em 24 de abril de 1962, oferecia um complexo e flexível sistema curricular composto, no ciclo ginasial, por disciplinas obrigatórias (Português, História, Geografia, Matemática e Ciências), disciplinas obrigatórias complementares (Organização Social e Política brasileira, duas línguas estrangeiras modernas, língua clássica e desenho) e disciplinas optativas (línguas estrangeiras modernas, música, canto orfeônico, artes industriais técnicas comerciais, técnicas agrícolas). (VIEIRA, 2009, disponível em
http://secbahia.blogspot.com/2009/03/organizacao-social-e-politica-do-brasil.html)
A organização do currículo feita com a LDB de 1961, citada acima por Cleber Vieira permite perceber que existia de fato uma preocupação com a formação política dos alunos. Segundo o autor “o documento que melhor justifica a criação da disciplina, seria o artigo do conselheiro Newton Sucupira registrado no terceiro número da Documenta, publicada em março de 1962”:
Ela tem como finalidade proporcionar ao aluno uma idéia adequada da realidade sócio-cultural brasileira em sua forma e ingredientes básicos. Deverá, pois apresentar o quadro geral das instituições da sociedade brasileira, sua natureza, formação e caráter, bem como as formas de vida e costumes que definem o modo de ser específico e a fisionomia característica de nossa cultura. Será, além disso, um estudo da organização do Estado brasileiro, da Constituição, dos poderes da República, do mecanismo jurídico e administrativo em suas linhas gerais, dos processos democráticos, dos direitos políticos, dos deveres do cidadão, suas obrigações civis e militares. (Disponível em http://secbahia.blogspot.com/2009/03/organizacao-social-e-politica-do-brasil.html)
Com a tomada do governo pelos militares em 1964 destituindo do cargo o então presidente João Goulart é implantado a Ditadura Militar no Brasil. As reformas de ensino a partir de 1969 alteram a proposta da disciplina de OSPB, que passa atender aos interesses do Estado, objetivando apenas formar patriotas, levando-os a construir a falsa idéia de democracia em pleno regime militar. Os livros didáticos apontavam uma sociedade em crescimento, graças ao trabalho árduo do governo. Nas palavras de Cleber Vieira:
Os manuais didáticos de OSPB induziam o aluno a pensar na organização social e política do Brasil configurada pelo eixo nas estruturas políticas estabelecidas ao longo do tempo e, por isso, enraizadas na tradição cívica do país. Os elementos criados a partir de 1964 (atos institucionais, decretos-lei e sobre tudo a constituição de 1967 e emenda constitucional de 1969) foram incorporados como parte desta tradição, e não em termos de ruptura. A combinação desses elementos resultou em verdadeiro arremedo democrático: eleições regulares para o parlamento, bipartidarismo, eleições indiretas para o executivo; repressão aos opositores mais aguerridos, armados ou não; intervenção nos municípios e estados considerados áreas de segurança nacional. (VIEIRA, disponível em
http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/ii_pdf/Cleber_Santos_Vieira.pdf)
Reforçando o pensamento do autor, os militares usavam os livros de OSPB numa organização temporal linear da história do Brasil, para construir nos alunos a idéia de que as ações realizadas pelo governo, ou melhor, o próprio sistema ditatorial era comum, por ser uma tradição do país. Portanto não seria um rompimento com a democracia, uma vez que mesmo indiretamente a população participava da administração nacional, por meio da intervenção dos estados e municípios.
Diante das faces dadas a disciplina de OSPB em contextos diferentes do Brasil apresentadas aqui, fica uma questão que não quer calar: por que se erradicou do currículo escolar a disciplina após a ditadura, não seria necessário reformular as propostas uma vez que ela também apresentava papel importante na formação política do cidadão? Para responder essa questão tomaremos como base as idéias de Matheus Passos:
Não tenho dúvidas de que tais disciplinas eram manipuladas com o objetivo de colocar na cabeça das crianças idéias e ideais do regime militar brasileiro, e também não tenho dúvidas de que, com a “redemocratização” ocorrida em 1985, seu currículo teria, necessariamente, de ser alterado para refletir os ares da Nova República. Entretanto, ao invés de se reformular as disciplinas e se aproveitar o que elas poderiam ter de bom no sentido de formar o senso cívico do cidadão brasileiro, o que ocorreu foi o radicalismo típico daqueles que querem se ver livres de tudo aquilo com o que não concordam: extinguiram-se as disciplinas sem se colocar nada em seu lugar – e sem verificar, é claro, aquilo que as disciplinas poderiam trazer de bom para a sociedade brasileira. (PASSOS, 2009, disponível em http://perspectivapolitica.com.br/tag/ospb/)
Comungando das idéias do autor, pode-se concluir que a disciplina de OSPB trabalhada dentro da perspectiva para a qual foi criada em 1962 teria uma função importante na formação dos educandos. Entretanto com as reformas de 1971 ela perde seu propósito inicial, permanecendo durante todo o período da ditadura enquanto mecanismo de dominação, excluindo dos educandos a reflexão sobre a realidade política e social do país. Porém, a exclusão da disciplina dos currículos escolares parece uma atitude radical do governo brasileiro no período de redemocratização do ensino, pois caberia o MEC e ao CFE reformular a proposta da disciplina adequando-a as necessidades da sociedade.
1.7 O ensino de História a partir da década de 1980
Os últimos anos de ditadura no Brasil são marcados por profundas mudanças em todos os âmbitos sociais, em especial no sistema educacional. A insatisfação das universidades, historiadores e professores de História com a descaracterização das ciências humanas ocorridas com as reformas no ensino deram origem a várias discussões e questionamentos a forma tradicional como era ensinada a História, lutando pelo retorno da disciplina no currículo oficial em todos os níveis de ensino. Tais movimentos ganham força com a formação de associações como a ANPUH e AGB e com a valorização do profissional de história a partir da criação de cursos de Pós-Graduação.
Outro fator determinante para a reestruturação do ensino no período de redemocratização do Brasil refere-se ao desenvolvimento tecnológico. A escola não podia mais fechar os olhos para as novas necessidades dos educandos, portanto as universidades em especial, precisariam preparar o professor de história para essa nova realidade. Tornava-se necessário incluir os recursos tecnológicos nas salas de aula, rompendo como os moldes tradicionais de aulas expositivas e aplicação de questionários para memorização das informações.
As novas gerações de alunos habituaram-se à presença de novas tecnologias de comunicação, especialmente o rádio e a televisão, que se expandiam como importantes canais de informação e de formação cultural. Entrava pelas portas das escolas uma nova realidade que não poderia ser mais ignorada. O currículo real forçava mudanças no currículo formal. Diversos agentes educacionais passaram a discutir e desenvolver novas possibilidades de ensino. Neste contexto, os professores tiveram papel importante na constituição do saber escolar, diminuindo o poder dos chamados técnicos educacionais. (PCNs, 1998, p.27)
As novas exigências educacionais iam além do currículo e das práticas educativas. Todo o sistema educacional precisava ser repensado, especialmente a visão que se tinha do aluno, pois até então, era visto como um ser passivo. Os Estudos Sociais que substituem a História durante a ditadura militar foca os conteúdos numa abordagem positivista, seguindo a linearidade evolutiva dos fatos históricos, excluindo do aluno a habilidade de perceber-se como sujeito do processo de ensino aprendizagem e enquanto sujeito histórico de seu tempo, portanto agente social.
O retorno da História nos currículos escolares e da universidade traz uma nova visão sobre a disciplina, que passa a ser vista como uma área de pesquisa importante na formação dos cidadãos. De acordo com Maria Aparecida e Jezulino Lúcio:
Neste momento, passam a buscar novas formas de se ensinar história rompendo com as visões reducionistas e simplificadoras da história oficial. Duas propostas para o ensino de História surgem neste momento: a História temática e a História integrada. (disponível em
http://educacaodialogica.blogspot.com/2008/11/o-ensino-de-histria-nos-anos-iniciais.html.)
De acordo com os teóricos, essas propostas resultam da constatação por parte dos professores de História de não haver como ensinar os conteúdos em sua totalidade, por isso seriam selecionados. No caso da História Temática, dividi-se os conteúdos em eixos temáticos de acordo a série e maturidade do aluno, ou por ciclo com é feito nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) elaborados pelo MEC em 1998, distribuídos para as escolhas públicas. A História Integrada constitui-se da divisão entre a História Brasil e da História Geral, que se integra também na primeira proposta.
Dentro desse panorama de mudanças na Historiografia, busca-se romper com a História Tradicional e adotar a Nova História, impulsionada pelo pensamento e método da Escola dos Annales. Maria Aparecida e Jezulino Lúcio afirmam que:
Os métodos tradicionais de ensino foram questionados, buscando alternativas que levassem o aluno a construção do conhecimento histórico na sala de aula. Rompia-se com métodos de ensino baseado na leitura de livros didáticos. O cinema, a música, a literatura foram trazidos para o ensino de História como linguagens alternativas para se construir o conhecimento histórico. (disponível em http://educacaodialogica.blogspot.com/2008/11/o-ensino-de-histria-nos-anos-iniciais.html
Nessa perspectiva, a construção do conhecimento histórico se dá por meio de mediadores culturais, discursos e fontes documentais diversas: documentais escritas (cartas, tratados, poemas, literatura), visuais (pinturas, imagens, filmes) e tecnológicas como o retroprojetor, projetor de multimídia, DVD, CD, TV, entre outras, são significativos no auxílio de desenvolvimento do trabalho do professor e na facilidade de compreensão do aluno dos temas históricos. Cabe ao professor adequá-los a metodologia proposta para cada tema trabalhado em sala de aula.
Todas essas inovações dentro da educação com a integração das TICs na sala de aula e a valorização da História enquanto ciência que exige pesquisa e estudo para construção do conhecimento histórico, segundo Paulo Hipolito, surge dois grandes desafios para o professor:
Primeiramente o professor deve compreender que a sala de aula constitui um centro de pesquisa, e que nela não só ensina como também aprende. Ele deve trazer novidades para a sala de aula, e procurar meios para conseguir fazer o passado, tão antigo, em objeto novo. O professor de história, mas que qualquer outro, por compreender as transformações sociais que ocorreram com o passar dos tempos, deve procurar saber o perfil e o contexto social dos seus alunos. Para assim, elaborar sua aula de acordo com a realidade deles. É fazer o aluno sentir-se enquanto parte integrante de um processo histórico e criador de sua própria história. (disponível em
http://www.meuartigo.brasilescola.com/educacao/historia-poder-politico-perspectivas-para-ensino-historia-.htm)
Nesse contexto, a educação enquanto prática social, atua no sentido de promoção e desenvolvimento de formação do sujeito em sua totalidade, para que o mesmo possa atuar de forma ativa na sociedade. Assim, a ação educativa não é uma prática aleatória, isolada, mas sistematica e integrada que exige planejamento, direcionamento e metodologias diversificadas que além de dinamizar a aula, possibilite a construção do conhecimento histórico.
Entretanto, é preciso reconhecer que as mudanças ocorridas na sociedade brasileira e especialmente no ensino de História não atingiram de forma homogênea todos os níveis e instituições de ensino. Ainda permanecem em muitas escolas a História Tradicional, muitos professores continuam despreparados presos a livros didáticos trabalhando conteúdos distantes do interesse dos alunos, legados deixados pela ditadura militar. Concluindo, existe ainda um grande desafio para o próprio sistema educacional brasileiro que em si, é muito contraditório. Quanto aos educadores da disciplina de História “cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegrá-los num conjunto mais vasto de outros problemas em problemáticas”. (SCHMIDT,2004,p.57)
CAPÍTULO 2: DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE AS REFORMAS DE ENSINO NO PERÍODO DA DÉCADA DE 1960 A 1980
A década de 1960 no Brasil é marcada por uma crise política que se intensifica com a renúncia de Jânio Quadros em 1961. Quando seu vice João Goulart, assume e permanece na presidência até 1964, quando então é deposto pelos militares. Algumas ações tomadas por João Goulart, despertam ainda mais a insatisfação dos partidos políticos de direita, a exemplo da abertura às organizações sociais, dando liberdade de expressão para estudantes, organizações populares e trabalhadores que adquirem espaço na sociedade.
Vale lembrar que neste período o mundo vivia a tensão da Guerra Fria. Por isso, os conservadores temiam que o governo brasileiro adotasse o socialismo. Alegando que João Goulart estaria ligado ao movimento socialista, os militares resolvem então dá o golpe ou fazer a revolução como justificaram para garantir a ordem e a segurança nacional, fatores essenciais para o desenvolvimento do país.
Em sua obra O Legado Educacional do Regime Militar, Derneval Saviani, relata sobre o momento de efervescência política e educacional, esclarecendo a importância da vinculação da educação pública aos interesses e necessidades do mercado para o regime militar:
Configurou-se, a partir daí, a orientação que estou chamando de concepção produtivista de educação. Essa concepção adquiriu força impositiva ao ser incorporada à legislação do ensino no período militar, na forma dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, com os corolários do “máximo resultado com o mínimo dispêndio” e “não duplicação de meios para fins idênticos” (SAVIANI, p. 297, 2008).
O autor ressalta ainda que, a orientação geral traduzida nos objetivos indicados e a referência a aspectos específicos, como a profissionalização do nível médio, a integração dos cursos superiores de formação tecnológica com as empresas e a precedência do Ministério do Planejamento sobre o da Educação na planificação educacional, são elementos que integrarão as reformas de ensino do governo militar.
Alguns aspectos importantes das reformas citadas anteriormente, da qual Saviani denomina como legado do regime militar, durante a discussão em seu texto, destaca-se o favorecimento à privatização do ensino, idéia que ganha força com o crescimento acelerado das instituições particulares. Dessa forma, “há uma aliança entre o governo e o empresariado privado, concordando com a implantação do ensino pago, por uma via diferente da prevista pelo projeto de reforma universitária” (Vieira, 1982, p. 117). Quanto à estrutura do ensino, Saviani (2008) “destaca que o curso, por sua vez, se definia pelo currículo, entendido na prática como um elenco de disciplinas distribuídas, via regra, em três modalidades: obrigatórias, optativas eletivas”.
Segundo Derneval Saviani, de forma positiva surge a implantação dos cursos de pós-graduação. “A valorização da pós-graduação e a decisão de implantá-la de forma institucionalizada situam-se no âmbito da perspectiva de modernização da sociedade brasileira, para o que o desenvolvimento científico e tecnológico foi definido como uma área estratégica.” (SAVIANI, 2008). Por outro lado, “o aspecto da estrutura do ensino decorrente da reforma de 1968, ainda em vigor, que interferiu negativamente na qualidade, é a mudança da referência do tempo de duração das disciplinas, de anual para semestral” (SAVIANI, 2008). È o que se chamou na época de Licenciatura curta em Estudos Sociais.
Compartilhando da mesma idéia de Derneval Saviani sobre a formação do professor de História, isto é, da Licenciatura em Estudos Sociais, João Batista da Silveira ressalta que a história ensinada nas universidades e no ensino secundário continuava a seguir a falsa idéia de História evolutiva, verdade apenas para uma parte da população. Neste sentido, os conteúdos foram direcionados para um modelo propagandístico e cívico de educação em comum acordo com a política repressiva do governo militar, voltada aos interesses do sistema capitalista ou ao mundo do trabalho. “Com a Reforma Universitária, Lei 5.540/68 e com a reforma do ensino de 1º e 2º Graus, Lei 5.692/71, a educação no Brasil passaria a se organizar segundo a cartilha ditada pelo capitalismo internacional” (SILVEIRA,p.106,2008).
É importante frisar aqui, que com a reestruturação do ensino os currículos sofreram alterações:
Os currículos e programas constituem o instrumento mais poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua interferência, em última instância, na formação da clientela escolar para o exercício da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes. Através dos programas divulgam-se as concepções científicas de cada disciplina, o estado de desenvolvimento em que as ciências de referência se encontram e, ainda, que direção deve tomar ao se transformar em saber escolar. Nesse processo, o discurso do poder se pronuncia sobre a educação e define seu sentido, forma, finalidade e conteúdo e estabelece, sobre cada disciplina, o controle da informação a ser transmitida e da formação pretendida. Assim, a burocracia estatal legisla, regulamenta e controla o trabalho pedagógico. (ABUD, 2004, p.28)
Nesse contexto, para Paulo Hipolito, o currículo se apresenta como uma forma de relação de poder que coloca uma postura oficial. Ele traz uma seleção de conteúdos que constroem a imagem de um Estado aceitável pela sociedade.
De acordo com João Batista Silveira, o currículo da Licenciatura em Estudos Sociais, assim como em História era organizado em disciplinas, que em algumas faculdades possuíam a mesma divisão, sendo História Antiga (Oriental, Grécia e Roma), História Medieval (Alta Idade Média, Baixa Idade Média e Idade Média Ibérica), História Moderna (História Economica-social e História da Cultura) e História Do Brasil (História do Brasil Colonial e História do Brasil Independente). “Observando os conteúdos dos livros didáticos de História, OSPB e Educação Moral e Cívica da época, é possivel concluir que a História era lecionada sem qualquer contestação, sendo um conteúdo meramente decorativo, que se valia do mito do herói e datas festivas”...] (SILVEIRA,p.139,2008).
De acordo com Paulo Hipolito, a consolidação dos Estudos Sociais em substituição à História e Geografia ocorreu a partir da Lei n. 5.692/71, durante o governo militar. Neste momento os militares adequaram os currículos escolares aos interesses do Estado. Integraram-se também como disciplinas obrigatórias a EMEC e a OSPB, que formariam os sentimentos de patriotismo e nacionalismo nos educandos.
Os Estudos Sociais constituíram-se ao lado da Educação Moral e Cívica em fundamentos dos estudos históricos, mesclados por temas de Geografia centrados nos círculos concêntricos. Com a substituição por Estudos Sociais os conteúdos de História e Geografia foram esvaziados ou diluídos, ganhando contornos ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado a justificar o projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no país a partir de 1964. (PCNs, 2001, p.26).
Com a Lei n. 5.692/71 as aulas de Estudos Sociais para o 1º grau, passariam a ser ministradas professores formados nos cursos de licenciaturas curtas em Estudos Sociais. Dessa forma os profissionais licenciados em História ficariam restritos ao ensino de 2º grau. Tal medida do governo asseguraria a reprodução dos conteúdos listados no livro didático, ministrados pelos professores nas escolas de 1º grau.
Paulo Hipolito chama a atenção, para a qualificação dos professores formados em Estudos Sociais, ressaltando que estes saíam do curso com um conhecimento essencialmente global dos conteúdos a ser ensinado, ou seja, o professor ia para a sala de aula meio que despreparado, o que o levava a se ater unicamente nos livros didáticos em que, na época mais que hoje, constituíam uma forma mascarada da intervenção do Estado no processo de educação dos alunos. “Trata-se do controle ideológico sobre a disciplina em nível de 1º grau na formação dos jovens, na formação dos cidadãos e do pensamento brasileiro”. (FONSECA, 1993, p.28)
Segundo Maria Aparecida Borges, a proposta metodológica para as séries iniciais e finais do Ensino de 1º e 2º graus, está voltada para a tendência pedagógica Tradicional ou um ensino factual, que consiste em uma divulgação da história de reis e heróis. Portanto, se buscava desenvolver no educando o sentimento nacionalista ao se trabalhar os fatos históricos como atos isolados, construindo a figura de heróis, como se os lideres dos movimentos agissem sozinhos, sem interesses próprios, apenas para o bem da nação.
O programa curricular imposto durante o Regime Militar, com a Reforma do Ensino de 1971, impunha um Ensino diretivo, acrítico, no qual a História aparecia como uma sucessão linear de fatos considerados significativos, predominantemente políticos e militares, com destaque para os “grandes nomes”, os espíritos positivos que conduzem a História (LIMA E FONSECA, 2007, p.55)
Esse método de ensino permaneceu durante todo o período militar, passando a ser questionado apenas a partir da década de 80 com a redemocratização do sistema educacional do Brasil.
Assim, os anos 80 são marcados por discussões e propostas de mudanças no ensino fundamental de História. Resgatar o papel da História no currículo passa a ser tarefa primordial depois de vários anos em que o livro didático assumiu a forma curricular, tornando-se quase que fonte “exclusiva” e “indispensável” para o processo de ensino-aprendizagem. (FONSECA, 1993, p.86)
Nesse novo cenário educacional se contestava a história tradicional. De acordo com Maria Aparecida Borges, a visão da história como um processo linear, evolutivo, em direção ao progresso, foi denunciada como redutora da capacidade do aluno de se sentir parte integrante e agente da história, que era apresentada como um produto pronto e acabado. Neste contexto inicia-se a discussão sobre o retorno da História e da Geografia como disciplinas autônomas nos currículos tanto na escola quanto na universidade, uma vez que os problemas enfrentados no ensino são os mesmos, segundo Selva Guimarães Fonseca:
Os problemas do ensino de história no 1º e 2º graus eram também problemas das universidades. (...) uma vez que nelas se formaram o professores, delas saíram os “melhores livros didáticos”, os guias curriculares e os cursos de atualização. Entretanto, a academia não assume estes problemas e, pretendendo-se 14 separar do social, culpa os outros pela “feiúra”, pela “ideologização” e pelo baixo nível do ensino de 1º grau. A função básica de ensino-pesquisa e extensão permanecia circunscrita nos próprios limites da universidade. (FONSECA, 1993, p.122)
As novas discussões a cerca do ensino de História estavam voltadas para a incorporação dos novos métodos e práticas pedagógicas com o uso dos recursos tecnológicos e outras linguagens para que o aluno construa o conhecimento histórico. A sala de aula não tem mais espaço apenas para o livro didático, compete à escola e ao professor usar outros recursos de ensino como o cinema, a música, a literatura e arte no ensino de História.
Neste sentido, é na decáda de 90 que se intensifica a preocupação com a incorporação das Tecnologias da Informação no sistema educacional, tanto no curso de formação de professores quanto nas escolas de Nível Fundamental e Médio:
Paralelamente, o “dilúvio” de informações, com a incorporação e uso das diferentes linguagens (imprensa, programas de TV, vídeos, CD-ROM), exige uma formação contínua e permanente, mas as condições concretas (materiais e pedagógicas) da escola não viabilizam essa prática (CIAMPI & CABRINI, 2007, p21)
Em suma, embora houve grande avanço na forma de se aprender e ensinar a História na escola e na universidade, esta mudança de perspectiva não atingiu de forma global o ensino de História. Na escola a História tem permanecido distante do interesse dos alunos, presa as fórmulas prontas do discurso dos livros didáticos ou relegada a práticas isoladas, sem contextualização, determinadas pelo calendário cívico, a exemplo do estudo do dia do índio, onde muitos professores costumam pintar as crianças e por penachos, porém de forma aleatória. Os resquícios do ensino tradicional e factual ou legado da Ditadura como denomina Saviani, ainda estão presentes nas práticas de ensino atuais. É necessário que se reafirme a importância da História no currículo escolar e, acima de tudo, que se entenda esta disciplina como libertadora, elemento essencial na formação da cidadania.
CAPÍTULO 3 - A HISTÓRIA CONTADA POR QUEM VIVEU NA ÉPOCA
Este espaço foi reservado para enriquecer as discussões propostas durante a realização deste Trabalho de Conclusão de Curso. Aqui serão apresentados depoimentos ou relatos de alunos de cursos de Licenciatura que também foram professores de 1º e 2º graus no período das décadas de 1960 a 1980.
Como a reforma se dá em primeiro momento na universidade, começaremos nossa discussão com o relato de alunos do nível superior. “Com a Reforma do Ensino feita pela ditadura militar, [...] efetivou a criação do curso superior de Estudos Sociais, responsável pela formação de professores para atuarem nessa nova disciplina.” (MARTINS, 2002: 105).
Para realizar essa discussão foi analisado o Artigo A Reestruturação do ensino de História durante a Ditadura Militar: Interlocução entre o discurso e a prática de Tiago Henrique Klengel Biasotto Mendes, disponível em: http:// www.ristedbr.fae.unicamp.br. Fonte de origem primária, na qual o autor apresenta o resultado de sua pesquisa de campo realizada com universitários de diferentes áreas. A entrevista segue uma ordem cronológica que se divide em dois momentos: o primeiro se refere ao período de curso das licenciaturas e o segundo na atuação dos professores em sala de aula nas escolas públicas de 1º e 2º graus.
Segundo o autor, o objetivo das entrevistas realizadas seria traçar um pano de fundo que nos possibilite ter uma noção do que foi a educação na época. Podendo assim, traçar um paralelo entre a teoria proclamada na letra da lei e a prática diária dos professores da rede pública de ensino de 1º e 2º graus.
3.1 Memórias de uma licenciatura durante a Ditadura Militar
Foram entrevistados por Tiago Mendes os professores, na época licenciandos Cândida Thereza Camargo Neves que cursava Educação Artística na UNAERP, a professora Maria Cristina Girão Pirolla que fez Biblioteconomia em uma instituição que não existe mais na cidade de São Carlos e pedagogia na UFSCar; Maria Estela Godoi cursou História em um centro universitário em Catanduva e o professor Paulino Sadao Moritta que cursou Matemática na USP.
De acordo com o autor, ao serem questionados sobre a influência da Ditadura em suas formações os professores tiveram pontos de vista divergentes gerando controvérsias. O que torna mais calorosa a discussão. Para as professora Maria Cristina Girão Pirolla, que cursou pedagogia na Universidade Federal de São Carlos e Cândida Thereza Camargo Neves, percebe-se uma universidade isenta de qualquer manifestação, interesse político ou conflitos:
A gente não tinha problema, tanto que, quando a federal fez trinta anos, uns alunos, foram entrevistar ex-alunos, ex-professores e ex-funcionários da época da ditadura, e eles selecionaram umas pessoas e entrevistaram essas pessoas com as mesmas perguntas, mas ninguém estava junto com ninguém. E a gente nem sabia quem é que era o outro entrevistado. Ai uma das minhas colegas viria aqui em casa justamente nesse dia e ela estava na lista da entrevista. Ai os alunos falaram, olha então ta bom, nós encontramos com a senhora lá, mas eles não contaram para ela que eu seria entrevistada antes. E eu não sabia que ela ia ser entrevistada. Ai, quando eles fizeram as perguntas pra mim, um olhava para o outro. Os outros entrevistados anteriores falaram as mesmas coisas que eu. Quando ela chegou, ai que eu fiquei sabendo que ela ia ser entrevistada e ia ser as mesmas perguntas. Eu fiquei quieta ouvindo e ela falou tudo do jeito que eu falei. O motorista da escola que mora a uns dois quarteirões daqui, falou as mesmas coisas que nós falamos. Porque não tinha, não era um ambiente de opressão, de coisa nenhuma, era uma tranqüilidade total, era tudo amigo [...] era um ambiente cordial [...] Foram três anos de paz (1971-1973). [...] Não aconteceu nada de extraordinário, nada, nada, nada, nada. Nós não sentimos lá dentro que nós estivemos em uma ditadura. Em sociologia, em psicologia estudou todas as correntes [...] estudamos Karl Marx. [...] Não tivemos problema nenhum. (Maria Cristina Girão Pirolla)
De maneira sintética a professora Cândida Thereza Camargo Neves compartilha da mesma opinião de Maria Cristina:
Eu não me lembro na faculdade de alguém estar preocupado com política lá. Pelo menos não no meu curso. E tinha aluno naquela UNAERP. (Cândida Thereza Camargo Neves)
No entanto, de acordo com o entrevistador Tiago Mendes, os professores Paulino Sadao Moritta e Maria Estela Godoi tiveram uma visão contraria as afirmações citadas anteriormente:
Vigilância e repressão em toda a universidade. Talvez mais nos cursos de humanas. Não se podia falar muito, não podia se reunir para discutir (havia o decreto 477, se não me engano de Jarbas Passarinho). Mas discutíamos às escondidas, ou de modo disfarçado, correndo risco, é claro. (Paulino Sadao Morita)
Na opinião da professora Maria Estela Godoi:
Como estudante eu andei participando de alguns encontros assim, lá no grêmio, lá em São José do Rio Preto. Mas foram coisas, assim, esporádicas, eu não tive participação ativa, nem nada. Mas a gente tinha, assim, sempre receio né, receio de uma coisa que a gente nem estava entendendo o que estava acontecendo. [...] Ai no ano seguinte, em 68, eu lembro que dois colegas do curso de anatomia, na época, isso porque não falava ciências biológicas, falava anatomia, se não me engano, não to lembrada. Um deles era o Derli, o outro eu não lembro o nome foram transferidos para a cadeia lá de Uchoa e nós íamos visitá-las, levar chucara que era muito calor e conversar com eles, eles eram do grêmio. Mais tarde, depois de mais de mês eu fiquei sabendo que eles tinham sido transferidos para o DAIQ em São Paulo e nunca mais nos vimos e nem tivemos notícias. (Maria Estela Godoi)
Neste contexto, a opinião da professora Maria Estela Godoi tem maior relevância por cursar História e por ser a História o foco principal da análise da presente entrevista.
Para Tiago Mendes, três hipóteses justificariam a divergência na opinião dos entrevistados. A primeira tomando como base o caso da professora Maria Cristina Pirolla, seria o momento histórico no período de sua passagem pela UFSCar. Era o ano de 1971 e, vigorava o AI-5 que acabou com praticamente todos os focos de resistência ao regime no período denominado “Anos de Chumbo” sob a presidência do general Médici. O que culminou na perseguição aos movimentos estudantis, exílio, prisão e morte de líderes, que segundo o regime da ditadura ameaçavam a ordem nacional.
A segunda hipótese leva em consideração as opiniões dos professores Paulino Sadao Moritta e Maria Estela Godoi. Segundo Tiago Mendes, a UFSCar fora criada recentemente, oferecia só quatro cursos e eram suas primeiras turmas. No caso da USP há um histórico de luta que acompanha a universidade em prol de seus interesses e da sociedade. Além disso, a existência de cursos na área de Humanas incomodavam os militares, por isso sofreram diretamente com as reformas educacionais que buscavam adequar o ensino ao projeto político-educacional adotado pelos militares.
Reforçando a fala do autor, outro relato de Maria Estela Godoi confirma a descaracterização das ciências humanas nos cursos de licenciatura, em especial no curso de História:
[...] tinha uma matéria, no curso de História, de Estudos de Problemas Brasileiros, e nós achávamos, assim, muito esquisito que o professor era um tenente [...] a gente achava que aquilo que ele estava dando não condizia com o nome da matéria. Ai no ano seguinte, nós tivemos geografia com ele, e ele passou o ano inteirinho dando a fauna do deserto ou a flora do deserto. Então nós comentávamos entre nós, o que iria resolver pra gente isso ai, na vida prática, o que a gente iria fazer com isso, era uma coisa nada relacionada com ser humano né. Mas nós falávamos na direção, mas não sabíamos se chegava no tenente. [...] então foi um período que marcou bastante a minha vida nesse sentido então a gente não tinha mais reunião para bater papo, para questionar, todo mundo tinha medo, a gente não sabia o porque. (Maria Estela Godoi)
Nessa perspectiva, de acordo com Thiago Mendes, outro relato de Maria Estela Godoi, levantaria uma terceira hipótese:
Enfim, em termos de proibição, a faculdade de Catanduva, como era uma faculdade particular, então ela tinha que estar bem com o governo, então ela não ia fornecer nada para gente que fosse contra o Regime Militar. (Maria Estela Godoi)
Para o autor, o incentivo do governo brasileiro em criar centros universitários particulares, era interesse do empresariado estar de acordo com suas diretrizes para além do apoio, contar com a participação financeira do Estado na gestão dos gastos do setor privado de educação. Portanto, a função das universidades era formar professores que atendessem as políticas pedagógicas estabelecidas pelo governo militar, por meio das reformas realizadas durante as décadas de 1960 e 1970 no auge da ditadura.
Concluindo a análise da primeira etapa da entrevista que se refere aos depoimentos de alunos licenciados durante a ditadura, pode-se afirmar que os objetivos dos militares em esvaziar a criticidade desenvolvida nos cursos da área de Humanas foram alcançados. A (des) qualificação dos professores, em especial do professor de História ou de Estudos Sociais, refletia diretamente na escola, uma vez que os professores tornaram-se meros reprodutores de informações dos livros didáticos, formando sujeitos acríticos, passivos, distantes da realidade de seu tempo.
3.2 Os reflexos da repressão no ensino de 1º e 2º Graus
Nessa segunda etapa, será analisado de que forma as repressões e o autoritarismo do governo militar refletiu nas escolas públicas de Educação Básica, atual Ensino Fundamental e Médio, na época denominados Ensino de 1º e 2º graus. Neste sentido, segue-se a análise da entrevista de Tiago Mendes, onde os professores relatam suas opiniões sobre como tais fatos refletiram em seus espaços de trabalho. Segundo o entrevistador, também houve divergências entre a opinião dos entrevistados.
Para iniciar, segue o relato da professora Maria Estela Godoi:
Ai, quando eu me formei, eu me formei em 70. Em 71 eu fui para São Paulo, eu me casei e fui para São Paulo, e fui dar aula lá na Zona Sul, na área de Interlagos, em uma escola lá perto da represa e, então, eu lembro também que nós tínhamos, assim, aviso expresso da direção que não poderíamos fechar a porta da sala de aula. [...] E sempre corria um murmurinho que havia alguém infiltrado dentro, na sala de aula, assistindo as nossas aulas. Então eu me lembro até que a neblina da represa entrava pela sala, era um frio terrível, era noite que eu dava aula, período da tarde e da noite, mas não podia fechar a porta. Era um gelo. (Maria Estela Godoi)
Segundo Tiago Henrique Mendes, a escola pública, assim como outras instituições e mesmo ambientes públicos como praças e ruas não se livraram da interferência da repressão deflagrada pelo Regime Militar. A censura dos jornais, revistas, televisão e rádio também atingiram a fala dos professores em sala de aula na veiculação de informações aos educandos. Por isso, todos os conteúdos que seria ministrado nas aulas pelos docentes teriam que estar vinculados a proposta pedagógica presentes nas diretrizes do Estado, orientados pelo CFE. Ao professor cabia seguir o programa do livro didático.
Para Tiago Henrique Mendes, os professores se intimidavam e deixavam de trabalhar com temas que julgavam necessários para desenvolver os conteúdos, por medo de sofrer represália, atendiam as propostas determinadas pelo regime militar. A fala da professora Cândida Thereza Camargo Neves confirma tal afirmação:
Existia muito. Como eu era, tenho tendência a megalomania, e eu já tinha descoberto isso, eu pensei, acho que o melhor de tudo pra eu sobreviver é eu obedecer. Então vou obedecer. Obedecia a horário, obedecia a entrada, obedecia saída, obedecia relatório, obedecia tudo o que tinha que fazer. Vamos obedecer. Obedece, obedece, obedece. (Cândida Thereza Camargo Neves)
Quanto à professora Maria Cristina Girão Pirolla, de acordo com o entrevistador há uma visão contrária aos relatos acima, o que segundo ele é bastante significante analisar, pois tanto ela quanto a professora Cândida Tereza Camargo Neves lecionaram juntas na Escola Estadual Dr. Álvaro Guião. Segue o relato de Maria Cristina:
Mas não tinha, juro por Deus, se houve essa pressão era no curso universitário que eram maiores, porque no secundário não houve não teve essas coisas, não tinha vinham orientações normais. Eu não sofri nada. Então isso ai não tinha, nossos diretores era o seu Cotrim, o professor Moruzzi antes, Doutor Moruzzi. Enfim, não teve essas, essas coisas. No primeiro e segundo grau você não sentia, não sentia, sentia mais no ensino superior porque ai tinha a UNE, união nacional dos estudantes, ela não atingia o ensino básico. (Maria Cristina Girão Pirolla)
Tiago Henrique Mendes afirma que o discurso da professora Maria Cristina é oposto ao de sua colega de trabalho Cândida Thereza. Porém, ambas estavam inseridas no mesmo contexto, na mesma escola, e enquanto uma não sentiu absolutamente nada, a outra coloca de uma forma que a repressão era forte. Para ele uma possível hipótese poderia ser levantada, a professora Maria Cristina teria aderido ao regime instituído, pois em seu depoimento sobre a repressão na universidade, ela diz não existir e a mesma opinião prevalece em relação à escola de 1º e 2º graus.
Entretanto, contrapondo a opinião de Maria Cristina, a professora Cândida Thereza Camargo Neves comprova a existência das influências do governo militar, mostrando a sua resistência ao que era imposto para adaptação dos professores e ao que se esperava deles:
[...] eu nem sei para que se educava naqueles anos 70. [...] Mandando o aluno calar a boca, copia, quieto, né. Você ta desenvolvendo o que? Nada! Eu não concordava com essas coisas e eu fazia da minha moda e a minha moda dava muito mais certo. [...] Nunca ninguém se pôs comigo, porque era assim, tem que fazer, faz, trabalha, entra, sai, horário, limpeza, arruma. [...] Mas olha, o que me preocupava muito, no magistério, era abrir a cabeça daquelas meninas para que elas virassem professoras descentes, para realmente melhor as pessoas, criar um cidadão mesmo. E eu acho que eu tive tanto êxito, mas eu não era sozinha a Maria Nilza também fazia isso, a Neide também fazia isso [...] Você conseguia trabalhar a consciência, olha que coisa mais linda, não ficar atrás desse curso vigia de cópia, “copeia, copeia”. (Cândida Thereza Camargo Neves)
O autor chama a atenção para um trecho, segundo ele bastante curioso e de causar muita reflexão, relatado professor Paulino Sadao Moritta:
Paradoxalmente, naquele tempo, em meio a tanta confusão, repressão, buscava-se a formação do indivíduo. A escola ainda era uma instituição social e enquanto tal era lugar de ação social. No seu lugar, hoje, temos a pedagogia das competências. A escola tornou-se organização social, lugar de prestação de serviços. Hoje, quanto mais se fala em construção de pensamento, parece-me, menos isso se tem. (Paulino Sadao Moritta)
Tiago Henrique Mendes destaca que apesar de tentar traçar um paralelo entre a escola da década de 1970 e a escola atual, não é possivel contrapor o discurso em sua totalidade. Explica que as relações eram outras, o capitalismo estava se firmando e a escola naquele momento, na lógica do mercado, poderia cumprir sua função na formação do indivíduo, mas a escola e qualquer instituição são filhas de seu tempo e para isso precisa se adequar as necessidades para que possam continuar a existir.
No entanto, ele ressalta que a educação hoje deixa de ser privilégio das camadas mais favorecidas da sociedade e se universaliza. Porém, as contradições de classe têm que continuar existindo respeitando a lógica do sistema capitalista, outra estrutura foi criada para atender aos menos favorecidos e dessa forma manter a ordem existente. Uma escola para formar pessoas que pensam e mandam, outra que formará aqueles que calam e obedecem.
A reflexão sobre os relatos dos professores permitem perceber que a afirmação de Tiago Mendes ao se referir as duas faces da escola, “uma escola para formar pessoas que pensam e mandam, outra que formará aqueles que calam e obedecem” é uma verdade. Uma analise da trajetória da história da educação brasileira, sobretudo em relação ao ensino de História levam a conclusão de que o uso da escola como mecanismo de dominação e alienação sempre estiveram presentes, embora muitas vezes tenha sido questionado, também sempre existiram pessoas que defenderam esse sistema opressor e excludente, a exemplo da professora Maria Cristina Girão Pirolla.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer a trajetória do ensino de História do Brasil é um fator fundamental para a atuação dos profissionais da educação que trabalham com a disciplina. Porém, ainda é algo distante da realidade de grande parte dos professores que a lecionam nas escolas da rede pública.
Neste sentido, buscou-se com essa Monografia fazer uma discussão sobre as reformas no ensino de História durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), bem como compreender as razões políticas para estas reformas. Portanto, conhecer como se deu a formação dos professores de História nos cursos de Licenciatura Curta em Estudos Sociais e o reflexo dessa formação na escola, foram as bases de construção desse trabalho. Para isso, foi necessário fazer uma trajetória do ensino de História no Brasil.
Não se pretende avaliar como instrumentos de alienação ou redução da capacidade de pensar dos alunos a inclusão das disciplinas de EMEC, OSPB e Estudos Sociais no currículo. Visto que as duas primeiras já haviam sido inclusas em momento anterior ao golpe ou revolução de 1964, com as reformas de ensino propostas pela LDB de 1961. Por outro lado, não se pode negar que suas propostas teriam sido modificadas pelo governo militar.
Durante o desenvolvimento do presente Trabalho de Conclusão de Curso, se procurou estabelecer uma comparação entre o ensino de história durante o período da Ditadura Militar com os dias atuais, buscando apontar os resquícios desse período de desvalorização da disciplina, onde os métodos tradicionais e a preocupação da formação de cidadãos nacionalistas substituem a preocupação da formação política, social e cultural dos educandos.
Nesta perspectiva, se percebe que muitas características do ensino da História Tradicional, ainda estão presentes nas escolas brasileiras atualmente, a exemplo de métodos como aula expositiva, aplicação de questionários e o uso do livro didático como único recurso para muitos professores. Permanecem “o ensino factual do conhecimento histórico, anacrônico, positivista e temporalmente estanque” (SCHIMIDT & CAINELLI, 2004, p.12).
No entanto, com as mudanças ocorridas no ensino após o fim da Ditadura Militar na década de 1980, muitos profissionais romperam com as práticas tradicionais de ensino. “Desta forma, novos textos, tais como a pintura, o cinema, a fotografia etc., foram incluídos no elenco de fontes dignas de fazer parte da história e passíveis de leitura por parte do historiador” (CARDOSO e MAUAD, 1997,p. 402).
Portanto, o desafio para os profissionais da área de História hoje se constitui em fazer uso de linguagens alternativas, isto é, o uso de fontes iconográficas, não se pautando apenas aos documentos escritos, mas usufruir dos recursos tecnológicos em suas aulas.
Em suma, partindo do pressuposto de que a aprendizagem é um processo subjetivo e com influências coletivas, requer do educador a utilização de metodologias inovadoras, com uso de objetos mediadores variados, que promovam a motivação, o prazer de aprender, desconstruindo nos alunos a idéia de que a História é uma disciplina chata que estuda apenas o passado. Assim, o educando passa a perceber que a História é uma disciplina dinâmica, importante para a compreensão do presente, portanto indispensável para sua formação enquanto cidadão.
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RESUMO
O presente trabalho trata-se de uma investigação acerca do ensino de História na Educação Básica e no Ensino Superior, sobretudo, nas práticas pedagógicas utilizadas na formação de professores de História durante o período Militar (1964-1985) no Brasil, adotadas por meio da interferência direta do Estado na Educação. Pretende-se compreender as razões que levaram as reformas no ensino nesse contexto e reconhecer heranças ou resquícios que desempenham influências até os dias atuais. O estudo baseia-se em discussões de pesquisadores e relatos de alunos e professores sobre o tema. Através dessa pesquisa e análise dos depoimentos foi possível compreender que as práticas pedagógicas atendiam a uma ideologia de subordinação da população brasileira, atendendo aos interesses da classe dominante representada pelo Estado Brasileiro, resultando na desvalorização da historiografia e das reflexões sobre a realidade, próprias do ensino de história e das demais ciências humanas.
Palavras-chave: Ensino de História; Historiografia; Práticas Pedagógicas; Reformas Curriculares; Ditadura Militar (1964-1985).
ABSTRACT
This monograph it is a research about the teaching of history in Basic Education and Higher Education, especially the pedagogical practices used in teacher training during the Military History (1964-1985) to Brazil, taken by means of direct state interference in education. Objective is to understand the reasons behind the education reforms in this context and recognize inheritance or influences that play remains to this day. The study is based on discussions and research reports of students and teachers on the subject. Through this research and analysis of evidence reveals that the pedagogical practices were attending an ideology of subordination of the population, taking into account the interests of the ruling class represented by Brazil, resulting in devaluation of historiography and the reflection on reality, their own education history and other humanities.
Keywords: History teaching; Historiography; Pedagogical Practices, Curricular Reform, the Military Dictatorship (1964-1985).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 04
CAPÌTULO 1- Impactos da Ditadura Militar no sistema educacional brasileiro: Reestruturações no ensino de História
08
1.1 A reestruturação no ensino secundário a partir de 1942 12
1.2 O golpe militar e as reformas no ensino 14
1.3 Reforma no Ensino superior: Licenciatura curta em Estudos Sociais 18
1.4 Reforma no Ensino de 1º e 2º Grau: a substituição da História por Estudos Sociais
21
1.5 A disciplina de Educação Moral e Cívica (EMEC) 24
1.6 A disciplina de Organização Social e Política (OSPB) 29
1.7 O ensino de História a partir da década de 1980 32
CAPÌTULO 2 – Discussão teórica sobre as reformas no ensino de História no período da década de 1960 a 1980
36
CAPÍTULO 3 – A história contada por quem viveu na época 43
3.1 Memórias de uma licenciatura durante a Ditadura Militar 43
3.2 Os reflexos da repressão no ensino de 1º e 2º Graus 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS 52
REFERÊNCIAS 53
INTRODUÇÃO
A presente Monografia trata-se de uma investigação acerca do ensino de História na Educação Básica e no ensino superior, sobretudo, na formação de professores de História durante o período Militar (1964-1985) no Brasil. Busca-se como esse trabalho analisar as práticas pedagógicas utilizadas no ensino da disciplina nesse contexto e heranças ou resquícios que desempenham influências até os dias atuais.
Nessa perspectiva, esse é muito importante não apenas para nós acadêmicos do curso de História, mas para os docentes, historiadores e simpatizantes das Ciências Humanas em geral, pois faz uma reflexão a cerca da trajetória do ensino de História no Brasil. Pretendemos responder durante a discussão algumas questões, tais como: como se constituiu o ensino de História durante o período Militar? quais fatores levaram a substituição da disciplina por Estudos Sociais e OSPB? que cidadãos se buscavam formar? por que foi implantada no currículo escolar a disciplina Educação Moral e Cívica? quais as preocupações com a formação do professor de História?quais práticas pedagógicas eram utilizadas na escola básica e na academia? dentre outras inquietações que forem surgindo no desenvolvimento da pesquisa.
Para responder a esses questionamentos, retomaremos num enfoque histórico o conjunto de circunstâncias que antecederam o golpe militar de 1964 e a repressão dos governos totalitários ao ensino de História, por seu teor crítico e das demais ciências humanas. Com a substituição da História enquanto disciplina escolar, pelos Estudos Sociais no ensino de 1º Grau, há uma desvalorização da historiografia e das reflexões sobre a realidade, própria do ensino de história surge uma História factual voltada a ideais nacionalistas e a figura de heróis.
Cabe ressaltar, que não se pretende aqui julgar como bons ou ruins os métodos e práticas usados no ensino de História no contexto do regime militar, mas analisar as conseqüências destes para as atuais dificuldades encontradas pelos docentes da disciplina, em especial o fato dos alunos não gostarem das aulas de História, pela forma factual com foi trabalhada durante as décadas de 60 a 80, deixando resquícios nos métodos de ensino atuais. Para nortear a discussão apresentaremos opiniões de diferentes teóricos e estudiosos a respeito do tema.
O objetivo principal da pesquisa é analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas no ensino de História durante o Regime Militar e compreender as razões que levaram as reformas no ensino básico e superior, bem como reconhecer os legados deixados que influenciaram toda uma geração e ainda continuam sendo sentidos atualmente.
Dentre os objetivos específicos busca-se conhecer um pouco da história do ensino de História no Brasil, a partir da análise da conjuntura histórica que antecedeu ao golpe militar, as mudanças ocorridas na prática do ensino da disciplina de História em todos os níveis de ensino, estabelecendo comparações entre o período de 1964 -1985 com os dias atuais.
Como base para a realização dessa Monografia será analisados as obras: A Política de Formação de Professores de História no Regime Civil-Militar: A criação de Licenciatura Curta em Estudos Sociais, dissertação de Mestrado de João Batista da Silveira, realizada em 2008, fonte de natureza primária. O Ensino de História durante a Ditadura Militar, dissertação de Rosimary Plazza, fonte também de origem primária. O Legado Educacional do Regime Militar, dissertação de Derneval Saviani, realizada em 2008.
Soma-se a estes alguns textos de outros autores, de fontes secundárias como O ensino da Educação Moral e Cívica durante a ditadura militar, artigo de Nataly Nunes e Maria José de Rezende. O livro didático de Educação Moral e Cívica na Ditadura Militar de 1964: A construção de uma disciplina, Artigo de Juliana Miranda Filgueiras. Ditadura Militar – Resumo escolar e Brasil 1964 a 1989, vídeos disponíveis no Youtube, dentre outros que serão postados nas referências bibliográficas no final deste trabalho.
A elaboração deste TCC foi realizada em etapas. A primeira se constitui de um questionário para o levantamento da problematização e das hipóteses, bem como a investigação ou pesquisas em diferentes fontes e seleção de material sobre o tema em estudo. Na segunda etapa realizei a produção de fichamentos com as principais idéias de cada teórico e elaborei tabelas confrontando as idéias dos mesmos. A terceira etapa refere-se à organização do trabalho e/ou a produção dos capítulos.
No Capítulo 1, é feita uma abordagem geral do tema a partir de uma retomada histórica sobre a inclusão da disciplina de História no currículo escolar em 1837 no Colégio D. Pedro II, e a análise das mudanças ocorridas no ensino de História, resultantes do governo autoritário instituído no Brasil nas décadas de 1960 a 1980 com a criação de Decretos-Lei e de Leis para reforma do ensino superior e de primeiro e segundo graus, a exemplo do Decreto nº 869/69 que torna obrigatório o ensino de EMEC no 1º Grau, e das Leis nº. 5.540/68 que estabelece a Reforma Universitária e a Lei nº. 5.692/71 que implanta as Reformas no ensino de 1º e 2º Graus. O capítulo se divide em sub-temas para melhor compreensão do leitor.
O Capítulo 2 é constituído pela discussão bibliográfica, ou seja, o foco está no embasamento teórico, espaço reservado para a análise e confronto de opiniões dos teóricos selecionados que discutem o tema abordado, enriquecendo o teor científico do presente trabalho.
No Capítulo 3, apresento depoimentos de alunos do ensino superior, que também foram professores e viveram na época. Trata-se do resultado de uma análise de documento (Artigo) disponível em site, por não dispor de tempo para realizar a pesquisa de campo busquei na internet fontes históricas que atendessem a minha necessidade para conclusão da Monografia.
Nas Considerações Finais, é feita uma reflexão sobre toda abordagem do tema desenvolvido, reconhecendo sua importância para o meio acadêmico e a necessidade de novas pesquisas a respeito da formação de professores, sobretudo do professor de História, uma vez que o mesmo ainda é pouco discutido. Vale salientar, que se buscou estabelecer uma comparação entre a prática do ensino de História durante a ditadura militar e o ensino atual, na perspectiva de perceber quais as mudanças e permanências. Portanto, acredita-se que esse trabalho possa despertar novas curiosidades, inspirando novas pesquisas para aprofundamento do tema.
CAPÍTULO 1- IMPACTOS DA DITADURA MILITAR NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO: REESTRUTURAÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA
As discussões acerca das transformações ocorridas no ensino de História durante o Regime Militar no Brasil, ocupa grande destaque no cenário historiográfico. Dentre os fatores responsáveis pelas mudanças, a intervenção do Estado na educação destaca-se como elemento importante para manter a política de dominação própria do governo militar, uma vez que a escola e a universidade desempenham a função de reprodutoras das ideologias do mesmo.
De modo geral, o ensino de História pode ser caracterizado a partir de dois grandes momentos. O primeiro teve início na primeira metade do século XIX, com a introdução da área no currículo escolar. Após a Independência, com a preocupação de criar uma genealogia da nação, elaborou-se uma história nacional, baseada em uma matriz européia e a partir de pressupostos eurocêntricos. O segundo momento ocorreu a partir das décadas de 30 e 40 deste século, orientado por uma política nacionalista e desenvolvimentista. O Estado também passou a realizar uma intervenção mais normativa na educação e foram criadas as faculdades de filosofia no Brasil, formando pesquisadores e professores, consolidando-se uma produção de conhecimento científico e cultural mais autônoma no país. (PCNs, 1998, p.19)
Nesta perspectiva, o Estado brasileiro sempre se mostrou preocupado com a forma com que o conhecimento construído com o estudo das Ciências Humanas, em especial com o conhecimento histórico era passado à sociedade. Por tal motivo, foram realizadas as reformas no ensino de História, uma vez que esta significava ameaça aos interesses do Estado representado pelos militares. Esvaziar o teor crítico da disciplina era a garantia da segurança nacional, diante das transformações sociais ao longo do período ditatorial.
Tal preocupação dos governos em relação ao conhecimento histórico é uma herança histórica desenvolvida na sociedade brasileira desde 1837, com a criação do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), quando se institui a História como disciplina escolar obrigatória nos currículos escolares, como confirma Elza Nadai:
No Brasil, sob influência do pensamento liberal francês e o bojo do movimento regencial, após a Independência de 1822, estruturou-se no Município do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II (que durante o Império funcionaria como estabelecimento-padrão de ensino secundário, o mesmo ocorrendo na República, sob denominação de Ginásio Nacional) e seu primeiro Regulamento, de 1838, determinou a inserção dos estudos históricos no currículo, a partir da sexta-série. (NADAI, 1993, p.145-146)
De acordo com a autora, a matéria de História seria ministrada somente a partir da sexta série por falta de material, uma vez que a história ensinada no Brasil seguia os moldes da história francesa. Assim, “em muitos casos os professores não tinham material traduzido para o português e, portanto eram obrigados a recorrer ao original em francês para ministrarem suas aulas” (NADAI, 1993, p.146)
No entanto, a falta de material não era o único obstáculo para a inserção da disciplina nas séries inicias. Vale chamar a atenção para o fato de que a implantação da disciplina na grade curricular, não foi aceita de forma pacífica. Por sua criticidade, o que significava uma ameaça a classe dominante, o próprio sistema político resistia, mesmo após a proclamação da República em 1889. Segundo Elza Nadai (1993), “o discurso feito pelo senador paulista Paulo Egídio de Oliveira, é um exemplo dessa resistência”:
A História não é uma ciência, senão, eu pergunto: qual a sua fenomenologia? A História não tem fenômenos, ou, por outra, todos os fenômenos pertencem à História, que é a trama que serve para prova de todos os conhecimentos humanos de todas as ciências. Como havemos de ensinar a história da civilização? Como a entende Burckle? Havemos de começar por começar estabelecer como certa a lei especial que desenvolve a civilização ocidental? Devia-se, ao contrário, ensinar a História da civilização, tomando por bússola a orientação de Buckle, que dá o predomínio à Nação Inglesa? Havemos de ensinar a história da civilização fazendo pairar acima de toda a nação o elemento greco-romano e dando-lhe assim o predomínio de presidir os destinos do mundo?”” Frente a tantos e variáveis caminhos que se lhe apresentavam, não conseguindo identificar um caminho a seguir ou oferecer uma sugestão alternativa, e o que era para ele de extrema importância-“um método positivo”-, preferiu optar pela “não introdução da História da Civilização no Estado de São Paulo, como parte do programa do ensino público. (NADAI, 1993, p.147)
A análise da fala da autora permite perceber que as idéias do senador mostram que ele desconhecia o teor cientifico da História dentro do pensamento Positivista, ignorando a possibilidade de que a própria História enquanto ciência poderia analisar a criticidade de seu pensamento passado durante o discurso.
A História é incluída no currículo dividindo espaço com a História Sagrada, ambas estavam voltadas para a formação moral do aluno. A primeira dava exemplos dos grandes homens da História, já a segunda concebia os acontecimentos como providência divina e fornecia as bases de uma formação cristã (PCNs, 1998, p.19).
Neste sentido, a História ensinada durante o início de sua inclusão na escola, não estava preocupada com a formação social e política dos educandos, mas já se percebe aqui a presença do civismo como elemento de estudo. Contudo, não poderia ser diferente, uma vez a História no Brasil seguia os moldes da França, segundo (NADAI, 1993, P. 145).
Ao currículo se adicionou a História do Brasil seguindo o modelo da História Sagrada. Os objetivos da inserção da História do Brasil no currículo estavam voltados para a constituição da idéia de Estado Nacional leigo, porém articulado à Igreja Católica. O Estado brasileiro se constituía politicamente, portanto se fazia necessário um passado que validasse a sua constituição. Os conteúdos focavam os grandes eventos, a exemplo, da Independência e da Constituição do Estado Nacional e dos seus representantes se configurava a imagem de herói. (PCNs, 1998, p.19)
No final do século XIX a educação brasileira, foi marcada por lutas envolvendo reformulações curriculares. Projetos continuavam a defender o currículo humanístico. Outros desejavam introduzir um currículo mais científico, adequado à modernização do país. Nesse contexto, as propostas para o currículo humanístico e para o científico, entendiam a História como disciplina escolar, importante para a formação do espírito nacionalista (PCNs, 1998, p.19-20). É com esse pano de fundo que se estabelecem as reformas educacionais nas décadas de 1960 a 1980 durante o regime autoritário e repressor imposto com a ditadura militar.
Apesar dos discursos e das sucessivas reformas, os governos republicanos das primeiras décadas do século XX pouco fizeram para alterar a situação da escola pública, mantendo-se a precária formação de professores, geralmente autodidatas. Surgiram propostas alternativas ao modelo oficial de ensino, logo reprimidas pelo governo republicano, como as escolas anarquistas, com currículo e métodos de ensino próprios, nos quais a História deixava de enfocar a hierarquia entre povos e raças, para identificar-se com os principais momentos das lutas sociais, como a Revolução Francesa, a Comuna de Paris e a Abolição. (PCNs, 1998, p.21).
No entanto, cabe lembrar que a formação de professores e o ensino de história nas escolas públicas em geral, passavam com várias críticas mesmo antes das reformas educacionais feitas após a tomada do governo pelos militares em 1964. Porém, essas críticas estão voltadas para o método como são ensinados os conteúdos, diferente das que surgem no governo militar que estão voltadas, não apenas para os métodos, mas para os conteúdos e a desvalorização da História.
A partir de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a Reforma Francisco Campos, acentuou-se o fortalecimento do poder central do Estado e o controle sobre o ensino. Com a criação das universidades inicia-se a formação do professor secundário. Ao mesmo tempo amplia-se e consolida-se, ainda que com dificuldades, um campo cultural autônomo com a expansão do cinema e do rádio (PCNs, 1998, p.22).
1.1 A reestruturação no ensino secundário a partir de 1942
O ensino secundário passou por novas reformas conduzidas pelo ministro Gustavo Capanema. A Lei Orgânica do Ensino Secundário estabeleceu três cursos: o primário e o ginasial com quatro anos de escolaridade; depois o clássico ou científico, com três anos. Equivalentes a eles foram criados os ginásios e os colégios profissionais. A formação docente foi sendo igualmente estruturada (PCNs, 1998, p.23).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, o mundo passa a ser dividido em dois grandes blocos: o socialismo na URSS e o capitalismo nos EUA. No Brasil, vive-se um período de redemocratização com o fim da Era Vargas. Nesse momento, de acordo com os PCNs (1998, p.23-24) “a História passou a ser novamente objeto de debates quanto às suas finalidades e relevância na formação política dos alunos”.
Portanto, era preciso modernizar as práticas de ensino, reformular os conteúdos, atendendo aos novos desafios da sociedade brasileira, sobretudo na área do desenvolvimento tecnológico, deixados pelo governo Vargas com o investimento na industrialização e cultural com o crescimento dos meios de comunicação de massa, a exemplo do rádio, tv e cinema.
Sob inspiração do nacional-desenvolvimentismo, nas décadas de 50 e 60 o ensino de História voltou-se especialmente para as temáticas econômicas. O reconhecimento do subdesenvolvimento brasileiro levou ao questionamento da predominância da produção agrícola-exportadora e à valorização do processo de industrialização. Enfatizou-se o estudo dos ciclos econômicos, sua sucessão linear no tempo. A presença norte-americana na vida econômica nacional fortaleceu o lugar da História da América no currículo, com a predominância da História dos Estados Unidos, inserindo-se na meta da política da boa vizinhança norte-americana (PCNs, 1998, p.24)
A educação voltada para as questões econômicas, dentro de uma tendência Tecnicista e Marxista tem início no governo de Vargas, mas é durante o governo de Juscelino Kubitschek que ela ganha seu apogeu, permanecendo durante o governo militar. A formação para o trabalho, em especial nas indústrias, seria a garantia do desenvolvimento nacional propagado por Juscelino.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4024, sancionada em dezembro 1961 a formação de professores em cursos superiores afetou o ensino de História gradativamente. A formação intelectual e científica dos alunos de graduação passou a integrar os objetivos das propostas curriculares, que atendiam a produção didática chamada História Nova, do início dos anos 60, com estudos baseados nos modos de produção, sob a influência da historiografia marxista que enfatizava transformações econômicas e conflitos entre as classes sociais, contrariamente à História que valorizava o político e a trajetória vitoriosa da classe burguesa na consolidação harmoniosa do mundo moderno. Nessa tendência, apesar da ênfase atribuída às classes sociais como agentes das transformações históricas, predominou no ensino uma abordagem estruturalista na qual a História era estudada como conseqüência de estágios sucessivos e evolutivos. (PCNs, 1998, p.24)
Com a reforma proposta através da LDB de 1961, a História passa a desempenhar o papel de formação de profissionais capazes de levar os seus alunos a refletirem sobre a realidade política, social e cultural do país. Com a corrente historiográfica Nova História, o ensino da disciplina se caracteriza por uma história-problema, diferente da tradicional, remete os educandos a pensarem.
No entanto, três anos após as novas propostas educacionais realizadas com a LDB em 1961 tiveram distantes da prática com o golpe de estado ou revolução de 1964 como se referem alguns historiadores, para denominar a derrubada do governo de João Goulart em 1964. Preocupados com a formação política dos cidadãos brasileiros, o governo militar logo cria as reformas no sistema educacional, adequando-as a uma proposta pedagógica voltada para os interesses do Estado, tornando as universidades e escolas em propagadoras de suas ideologias.
1.2 O golpe militar e as reformas no ensino
O mundo após a Segunda Guerra Mundial vivia uma grande tensão com a Guerra ideológica travada entre as duas grandes potências econômicas vencedoras no conflito mundial, a URSS e os EUA. A busca por aliados ora do sistema econômico socialista propagado pela União Soviética, ora pelo capitalismo norte americano dos Estados Unidos, mantinham os países em constante insegurança, o medo das armas nucleares se espalham entre as nações, sobretudo nas subdesenvolvidas como no caso do Brasil.
Segundo Tiago Henrique Mendes, o que estava em jogo era a estrutura econômica que acaba por definir as outras, países cujos problemas sociais eram de grandes proporções acabavam sendo influenciado pela possibilidade de um mundo melhor através da adesão ao socialismo, porém, os países centros do capitalismo, especialmente os EUA tentava impedir que essa possibilidade se alastrasse por mais países como já havia acontecido com Cuba aqui na América Latina.
[...] afetou o poder e prestígio dos EUA no continente e concorreu decisivamente para o desenvolvimento de uma ofensiva anticomunista na América Latina que fez ressurgir os valores da Guerra Fria. Na verdade, a experiência cubana fascinou os oprimidos de vários países e os EUA empenharam-se em evitar o surgimento de algo semelhante em outro ponto das Américas. (GERMANO, 1992, p.50)
A década de 60 no Brasil é marcada por significativas transformações no campo político que se intensificam com a tomada da presidencia da república, então representada por João Goulart. Segundo os militares e políticos conservadores as Reformas de Base propostas por João Goulart, em especifico a reforma agrária constituía uma ameaça aos interesses do empresariado e da elite brasileira, uma vez que afetaria inteiramente o direito a propriedade privada. “Em meio à crise que ocorria no mundo, tal fato despertou insegurança nos setores tradicionais da nossa sociedade, pois poderia colocar em risco a manutenção do sistema capitalista no Brasil”. (SILVA, 1978)
No cenário educacional a LDB nº 4024 /61, “sancionada após 13 anos de debate especialmente sobre a escola pública e privada, representou uma vitória dos empresários da educação e dos representantes religiosos da Igreja Católica”. (FONSECA, 1993, p. 20)
O Golpe ou Revolução Militar de 1964 foi justificado pelos militares como uma ação de proteção a segurança do país, alegando proteger a política nacional que segundo eles estava ameaçada pelos comunistas, portanto era preciso manter a ordem para garantir o desenvolvimento econômico do Brasil:
Os rumos do desenvolvimento precisavam ser definidos, ou em termos de uma revolução social e econômica pró-esquerda, ou em termos de uma orientação dos rumos da política e da economia de forma que eliminasse os obstáculos que se interpunham à sua inserção definitiva na esfera de controle do capital internacional. Foi esta última a opção feita e levada a cabo pelas lideranças do movimento de 1964. (ROMANELLI, 1978, p.193)
“O papel da educação assim como as metas para o setor, estabelecidas pelo Estado Brasileiro a partir de 64, estiveram estritamente vinculados ao ideário de segurança nacional e de desenvolvimento econômico”. (FONSECA, 1993, p.19)
Neste sentido, as idéias apresentadas pelos dois autores citados acima, podemos perceber que as escolas e universidades públicas se configuram como aparelho ideológico do Estado, isto é, a educação ideológica é usada para manter os interesses do mesmo. Assim os currículos e programas constituem o instrumento mais poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua interferência, em última instância, na formação da clientela escolar para o exercício da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes.
Segundo Skidmore (1988), “tornou-se necessário naquele momento, adequar todas as instâncias nacionais aos interesses da nova classe no poder para que o Regime Militar pudesse ser legitimado e não correr o risco de ser deposto”. Nesta perspectiva, foi criado um aparato governamental que restringia os direitos civis e políticos da população a fim de calar as possíveis vozes de contestação ao regime. É nesse momento que o governo estruturou e aprovou as reformas educacionais, sendo elas a Reforma Universitária (Lei 5.540/68) e a Reforma do 1º e 2º graus (Lei 5692/71)
[...] ao se revestir de legalidade [Lei 5.540/68 e do Decreto 464/69], possibilitou o completo aniquilamento, por parte do Estado de Segurança Nacional, do movimento social e político dos estudantes e de outros setores da sociedade civil. A ordem foi restabelecida mediante a centralização das decisões pelo Executivo, transformando a autonomia universitária em mera ficção, bem como pelo uso e abuso da repressão político-ideológica. A institucionalização das triagens ideológicas, a cassação de professores e alunos, a censura ao ensino, a subordinação direta dos reitores ao Presidente da República, as intervenções militares em instituições universitárias, o Decreto-lei 477/69 como extensão do AI-5 ao âmbito específico da educação e a criação de uma verdadeira polícia-política no interior das universidades, corporificada nas denominadas Assessorias de Segurança e Informações (ASI), atestam o avassalador controle exercido pelo Estado Militar sobre o Ensino (GERMANO, 1994, p. 133).
Nas idéias do estudioso fica explicito a interferência direta dos militares no ensino, pois o Estado usa as instituições educacionais para manter o controle sobre a sociedade.
É no auge da ditadura que foram assinados os Acordos entre o MEC e a USAID. Os técnicos da USAID (United States Agency for International Development) participaram diretamente na reorganização do sistema educacional brasileiro. Tais acordos deram à USAID um poder de atuação em todos os níveis de ensino (primário, médio e superior), nos ramos acadêmico e profissional, no funcionamento do sistema educacional, através da reestruturação administrativa, no planejamento e treinamento de pessoal docente e técnico, e no controle do conteúdo geral do ensino através do controle da publicação e distribuição de livros técnicos e didáticos (SILVA, 2005, p.5).
Segundo Marilena Chauí “o projeto MEC/USAID esteve assentado em três pilares: educação e desenvolvimento, educação e segurança e educação e
comunidade”. (CHAUÍ, 1978, p.148)
Tendo em vista que um dos principais objetivos do governo militar seria desenvolver o Brasil industrialmente, permitindo ampliação da implantação de multinacionais no território brasileiro, de acordo com Maria do Carmo Martins,
O governo federal teria dois tipos básicos de preocupação: o primeiro se daria em relação ao ideário nacionalista baseado nos princípios de segurança nacional respeitando-se a “ordem pública” e a “hierarquia dos poderes” e o segundo diz respeito ao projeto desenvolvimentista de governo, levando em consideração a necessidade de um mercado consumidor e conseqüentemente o trabalhador capacitado para o trabalho na indústria (MARTINS, 2007, p. 29).
Neste contexto, tanto a lei 4.024/68 quanto a 5692/71 foram modificadas em sua essência, a inspiração liberalista cede lugar a tecnicista que deixa de lado a preocupação com o conteúdo, privilegiando o método adotado no desenvolvimento dos conteúdos escolares selecionados. Essas mudanças na forma de se conceber o ensino, dá a educação dinamismo nas técnicas, das mais variadas formas, seja nas propostas pedagógicas ou nas formas de organização do sistema escolar, bem como o parcelamento do trabalho pedagógico com a sua hierarquização, essa nova forma de pensar a educação dá maior possibilidade de controle sobre a escola e a universidade.
Portanto tornaram as Ciências Humanas suspeitas e baniram do ensino de 1º grau a História e a Geografia, dissolvidas nos Estudos Sociais, que incluíam a disciplina Educação Moral e Cívica, tentativa de atualização para as massas de uma educação de caráter moral, sem o componente cultural próprio às humanidades. No Ensino Médio, História e Geografia sobreviveram, ao lado da Organização Social e Política do Brasil, no ensino superior foram criadas as licenciaturas curtas em Estudos Sociais (PCNs, 2000, p.7).
1.3 Reforma no Ensino superior: Licenciatura curta em Estudos Sociais
As reformas do ensino aprovadas pelo regime militar começaram pelo ensino superior, mediante a aprovação da Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968, regulamentada pelo Decreto n. 464, de 11 de fevereiro de 1969, já citados anteriormente. Com a nova legislação houve transformações em toda em todo o sistema educacional, afetando diretamente a estrutura do ensino superior.
Com a reforma de 1968, se deu dentro da universidade a separação entre curso e o departamento. Como explica Derneval Saviani:
Este foi definido como a unidade básica da universidade, cabendo-lhe reunir os especialistas de uma mesma área de conhecimento ou de áreas afins. Tal alteração foi proposta sob o argumento de que, devendo a universidade fundar-se na unidade do ensino e da pesquisa, era necessário desenvolver a pesquisa, reunindo e conjugando os esforços dos professores preocupados com a mesma área de conhecimento. O curso, por sua vez, se definia pelo currículo, entendido na prática como um elenco de disciplinas distribuídas, via de regra, em três modalidades: obrigatórias, optativas e eletivas. Tal currículo seria composto e coordenado por um colegiado denominado coordenação de curso. Assim, ao departamento se contrapõe a coordenação de curso e ao chefe do departamento, o coordenador do curso. (SAVIANE, 2008, p. 303)
Para complementar esta medida, vieram às reformas curriculares de ensino em 1971, que previa a junção entre a História e a Geografia em uma só disciplina: Estudos Sociais. A consolidação dos Estudos Sociais em substituição à História e Geografia constituiu-se ao lado da Educação Moral e Cívica em fundamentos dos estudos históricos, integrados a temas de Geografia centrados nos círculos homocêntricos. Os conteúdos de História e Geografia foram “esvaziados ou diluídos, ganhando contornos ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado a justificar o projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no país a partir de 1964”. (PCNs, 2001, p.26)
Com as mudanças, o currículo da licenciatura também sofre alteração como mostra o autor João Batista da Silveira:
Na formação docente, a licenciatura curta em Estudos Sociais estabelecia como currículo mínimo as seguintes áreas: História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia, Ciência Política, OSPB e as obrigatórias: EPB, Educação Física, além de Pedagogia. A licenciatura curta seria de 1.200 horas, portanto, um ano e meio; enquanto, a licenciatura longa seria de 2.200 horas, três anos. (SILVEIRA, 2008, p. 82)
Torna-se importante esclarecer que a autorização das licenciaturas curtas ou habilitações intermediárias em nível superior foram realizadas para atender a carência do mercado trabalhista. Portanto, o Estado considerava desnecessária uma formação longa e sólida em determinadas áreas profissionais, especificamente nas licenciaturas encarregadas de formar professores, pois não seria interessante para o governo ter profissionais qualificados na área da educação. Prova disso, é que segundo Selva Guimarães Fonseca (1993, p. 26) “se mantém nas outras áreas de formação profissional a mesma carga horária e período de duração dos cursos”.
O governo federal justifica a aprovação da licenciatura curta, utilizando o mesmo argumento que os legisladores da LDB de 61, alegando que seria suprir a carência de professores qualificados no mercado de trabalho. Dessa forma, profissionais de outras áreas poderiam habilitar-se legalmente para as atividades do magistério, uma vez que a carência era grande.
Com o objetivo de obrigar os profissionais de História ingressar nos cursos de Graduação em Estudos Sociais, é publicada em 1976, a portaria nº 790 é criada pelo Ministério da Educação. Tal documento determina que as aulas de Estudos Sociais para o 1º grau, só poderiam ser ministradas pelos profissionais formados em Estudos Sociais. Enquanto os professores de História e Geografia atuariam apenas no 2º grau. Isso mostra que os ideais do governo era reprimir o conhecimento histórico, temendo as conseqüências que este poderia trazer, sobretudo, por em risco o domínio que mantinha sobre a população brasileira.
Os profissionais de educação formados nos cursos de licenciatura em Estudos Sociais eram autodidatas, construíam um conhecimento global dos conteúdos que deviam ministrar. Porém, se sabe que eles não estariam bem preparados como os professores formados em cursos regulares de História, o que os levava a ter os livros didáticos como material essencial, seguia a risca os conteúdos selecionados pelos autores, reproduzindo uma história factual, alicerçada no estudo de grandes feitos, construindo a figura de heróis e memorização de datas. Essas práticas pedagógicas constituíam uma forma mascarada da intervenção do Estado no processo de formação dos alunos. Por conseguinte se pode constatar que a escolha dos professores de Estudos Sociais para lecionar no Ensino de 1º grau não foi por acaso.
Sobre esse novo momento de discussão vivido pela educação brasileira, a autora Selva Guimarães Fonseca, comenta que “trata-se do controle ideológico sobre a disciplina em nível de 1º grau na formação dos jovens, na formação dos cidadãos e do pensamento brasileiro”. (FONCECA, 1993, p.28)
A desqualificação dos profissionais da educação da área de História, resultantes da intervenção do Estado e a proibição dos mesmos de lecionarem no 1º grau, aumentou a resistência da categoria. Surgiram várias manifestações a partir de 1973 no Fórum de Debate sobre Estudos Sociais, na USP, na Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) e na Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH).
O apoio das instituições da área das ciências humanas foi essencial para o movimento de professores, que ganha forças, e indiretamente obriga o Estado a atender algumas reivindicações por temer uma repercussão maior na sociedade. Gradativamente, a classe vai se estruturando organizando as greves que surgem nos anos de 1978 e 1979.
Um exemplo, da negociação feita entre o governo e a categoria é que por meio do Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o Estado autorizou os licenciados em História a ensinar a matéria de Estudos Sociais, realizando uma revisão do artigo 5º da Resolução nº 8 de 1971. Com a Resolução nº 7 de 1979, o Conselho Federal de Educação (C.F.E), estabelece que os professores licenciados em História podem ensinar Estudos Sociais no Ensino Fundamental.
No tocante a essa relação Universidade X Escola Fundamental, coube a primeira a elaboração de todo saber didático, uma vez que era de responsabilidade do professor universitário a elaboração do currículo que seria utilizado de 1º e 2º graus. Nasceu dessa relação, uma verdadeira ditadura acadêmica, já que para “facilitar” a vida dos professores do ensino fundamental e médio, os professores universitários que elaboravam o currículo, passaram também a elaborar os livros didáticos que estavam de acordo com os mesmos, tirando o poder de decisão quanto à elaboração do currículo e ao conteúdo a ser estudado em sala pelos professores que não fizessem parte da academia, ou seja, foram reduzidos a meros reprodutores do saber produzido na universidade. (PLAZA e PRIORI, p.13)
Pode-se concluir na fala dos autores Rosimary Plazza e Angelo Priori que a reforma universitária influenciou diretamente no trabalho desenvolvido na escola nos ensinos de 1º e 2º Grau, uma vez que o material didático era produzido pelos acadêmicos dos cursos de licenciatura, cabendo ao professor reproduzir os conhecimentos adquiridos na academia.
1.4 Reforma no Ensino de 1º e 2º Grau: a substituição da História por Estudos Sociais
Aprovada em 11 de agosto de 1971, a Lei n. 5.692/71, unificou o antigo primário com o antigo ginásio, criando o curso de 1º grau de 8 anos e instituiu a profissionalização universal e obrigatório no ensino de 2º grau, propendo atender à formação de mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho ou os cursos Técnicos.
Com a reestruturação do ensino, tornou-se necessário reformular os currículos das escolas de primeiro e segundo graus, incluindo as disciplina de Educação Moral e Cívica (EMEC) no 1º grau e Organização Social e Política do Brasil (OSPB) no 2º grau. As disciplinas de História e Geografia foram substituídas pelos Estudos Sociais, levando ao esvaziamento dos conteúdos, fazendo-os regredir ao método mnemônico, fazendo o aluno decorar datas, nomes e fatos importantes da nossa história com vistas ao desenvolvimento do nacionalismo, elemento importante na formação do indivíduo para a efetiva manutenção do regime instituído. (BRASIL/SEF, 1997, p. 25-26)
Nessa perspectiva, usar a escola como aparelho de reproduções de ideologias do Estado, foi uma alternativa usada pelo regime militar. Daí surge a necessidade de reformular os currículos, moldando-os aos interesses da classe dominante. Tal afirmação pode ser confirmada na fala da historiadora Selva Guimarães Fonseca, em seu livro Caminhos da História Ensinada:
Essa nova organização curricular consolida Educação Moral e Cívica e as outras disciplinas obrigatórias constantes no Artigo 7º da Lei 6972/71, ao mesmo tempo em que descaracteriza o ensino de História e Geografia no 1º Grau, que por força da lei, se transforma em Estudos Sociais. No nível de 2º Grau admite-se o tratamento de História e Geografia como disciplinas, desde que diminua sua “duração e intensidade”, pois as disciplinas de formação especial deveriam ter superior ás de disciplinas de formação geral. (FONSECA, 1993, p.41)
Segundo a autora, a disciplina de Estudos Sociais, ao lado da EMEC passa a ser consideradas as principais disciplinas na formação dos educandos do 1° Grau. Enquanto no 2º Grau prevalece a OSPB como disciplina de base, em complementação a EMEC estudada no período escolar anterior. Quanto a História ensinada no 2º Grau fica restrita ao estudo educação para o trabalho, focando o setor industrial, como comprova a citação abaixo:
No nível secundário foram propostos estudos econômicos baseados nos “modos de produção”, sob a influência da historiografia marxista, como os do grupo que lançou uma produção didática chamada História Nova, com uma abordagem histórica que enfatizava as transformações econômicas e os conflitos entre as classes sociais, em detrimento da história tradicional que valorizava o político e a trajetória vitoriosa da classe burguesa na consolidação harmoniosa do mundo moderno. (BRASIL/SEF, 1997, p.22)
Para auxiliar os professores licenciados em Estudos Sociais que ministrariam as aulas nos ensinos de 1º e 2º Graus, foram criados os Guias Curriculares, também chamados de Verdão, que conduziriam o professor em sua prática pedagógica. O mesmo era organizado por um cronograma dos objetivos conteúdos que seriam trabalhados em cada série. Tal iniciativa é fruto do reconhecimento de que com “a junção de História e Geografia em Estudos Sociais provocou entre os professores um total descompasso quanto à forma de ensinar e o que ensinar, já que a mistura entre os conteúdos foi muito grande”. (Plazza e Priori, p.11)
A proposta metodológica presente nos guias, tinha como pressuposto que os estudos sobre a sociedade deveriam estar vinculados as fases de desenvolvimento psicológico do aluno. Assim, o estudo deveria partir do concreto para o abstrato em etapas seqüenciais, isto é, o aluno devia iniciar sua aprendizagem partindo da realidade local, posteriormente a regional e nacional e por fim a mundial.
Quanto à relação da noção de tempo e compreensão da História de acordo com o fragmento a seguir:
Para compreender a História o aluno deveria dominar, em princípio, a noção de tempo histórico. No entanto, o desenvolvimento dessa noção no ensino limitava-se a atividades de organização do tempo cronológico e de sucessão como datações, calendário, ordenação temporal, seqüência passado- presente- futuro. A linha do tempo, amarrada a uma visão linear e progressiva dos acontecimentos, foi sistematicamente utilizada como referência para distinguir os “períodos históricos”. (BRASIL/SEF, 1997, p.23)
A análise do documento constata que a forma linear e progressiva, desconfigura o papel crítico da História, uma vez que os fatos narrados nos livros didáticos não enfatizam os mesmos como conflitos ou problemas sociais de um determinado momento histórico, que se desencadeou por alguma razão. O ensino se resume a mera memorização e reprodução dos acontecimentos, isentando os alunos de refletirem e construir opiniões sobre os mesmos.
Não poderia deixar de ressaltar, que outra característica presente nas salas de aulas tanto na disciplina de Estudos Sociais no 1º Grau, quanto de História no 2º Grau é a propagação da idéia de democracia racial. As escolas divulgavam o Brasil como um país sem preconceitos étnicos, onde cada um colaborava da forma que podia para a felicidade geral. Essa era mais uma forma de mascarar os conflitos e as arbitrariedades cometidas pelos autoritários e repressores do governo militar.
Contudo, todas as transformações ocorridas na educação por meio da reformas no ensino de 1° e 2º Grau, por um lado foi relevante, pois elevou o acesso da população a escola, porém por outro lado, pedagogicamente falando comprometeu a qualidade da educação na rede pública, como mostra o fragmento a seguir:
As mudanças advindas durante o governo militar não se resumem ao currículo e nos métodos de ensino. Com a obrigatoriedade do ensino de oito anos na escola de primeiro grau houve alterações expressivas no público escolar. Todavia, à medida que eram ampliadas as oportunidades de acesso à escola para a maioria da população, ocorria uma paradoxal deterioração da qualidade do ensino público. (BRASIL/SEF, 1997, p.23)
Em resumo, a inserção das disciplinas EMEC e OSPB, bem como a criação dos Estudos Sociais, tornaram a escola e as universidades como agentes reprodutores de ideologias do Estado, uma vez que todo conteúdo ensinado passava pela aprovação do mesmo. Os currículos foram bruscamente alterados e a disciplina de História especificamente foi diluída de seu teor crítico, passando a desempenhar o papel de mera reprodutora de fatos históricos, e ao aluno o papel de sujeito passivo, acrítico.
1. 5 A disciplina Educação Moral e Cívica (EMEC)
As noções de moral e civismo estiveram presentes nos currículos escolares em anos anteriores a Ditadura Militar, porém, não como disciplina, mas como um tema transversal podendo ser trabalhado em várias áreas. Após, a década de 1960 a Educação Moral e Cívica é implantada como disciplina obrigatória do ensino de 1º Grau, sendo oficializada por meio do Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, permanecendo nos currículos oficiais das escolas e universidades como disciplina escolar durante 24 anos, sendo extinta em 1993, com a revogação da Lei n° 8.663.
Buscando justificar a importância da inclusão da disciplina no currículo oficial de todos os níveis de ensino, segundo Vanessa e Geraldo (2006, p. 126) “No texto das Leis, (...) A moral e cívica foi uma doutrina elaborada, ao lado da Segurança Nacional, e fazia parte do projeto de construção de um “Brasil Grande” ou “Brasil Potência”, tal como desejavam os militares”. Neste sentido, era necessário inserir no contexto escolar o ideário de um governo democrático.
Por outro lado, na prática a disciplina de EMEC configura o papel de “habilitar” os educando para servir a pátria, o nacionalismo era um meio de garantir a estabilidade do governo militar. Os conflitos políticos e mazelas sociais eram abafados, retirados dos livros didáticos. Era preciso calar a voz dos que criticavam o governo, “a repressão procurou silenciar as vozes que pediam democracia e liberdade, como grupos de teatro, músicos e organizações de esquerda e estudantil” (GASPARI, 2002, p. 211).
O trecho abaixo apresenta a fala de Rezende que explicita os interesses dos militares, reforçando as idéias citadas a cima:
A afirmativa de que a ditadura tentava legitimar suas ações e medidas através da construção de um suposto ideário de democracia significa que se está empregando o sentido de legitimidade como busca de reconhecimento, por parte da maioria dos segmentos sociais, em torno dos valores propalados como fundantes do regime militar, bem como a procura de adesão ás suas pressuposições em torno da convivência social (REZENDE, 2001, p.3).
De acordo com o autor, ao passar para a sociedade o ideário de um governo democrático, os militares ganhavam apoio popular. Assim, tornava-se necessário por parte do governo manter o domínio sobre os meios de comunicação de massa, usando-os ao seu favor para propagar a suposta democracia.
No âmbito educacional, a escola também é usada como reprodutora dos ideais militares. Ao inserir a EMEC no currículo como disciplina obrigatória, o Estado mantém o controle sobre o que é ensinado, desqualifica o papel do professor ao transformá-lo em mero reprodutor de informações como afirma a autora Selva Guimarães Fonseca:
Para a realização de um projeto educacional, um dos elementos mais importantes do processo é o professor. Este supostamente domina o saber, e a educação realiza-se através do seu trabalho no nível do planejamento e execução do processo de ensino, sendo investido de autoridade institucional. Evidentemente, os princípios de segurança nacional e desenvolvimento econômico norteadores da nova política educacional chocam-se com o princípio de autonomia do professor e o Estado passa a investir deliberadamente no processo de desqualificação dos profissionais da educação (FONSECA, 1993, p. 25).
Segundo a autora, a desqualificação dos profissionais da educação ocorre por meio da criação das Licenciaturas Curtas em Estudos Sociais com a Reforma Universitária aprovada pela Lei n. 5.540/68 que capacitaria o professor da área de humanas, o qual de acordo com Vanessa e Geraldo (2006, p.130) “os dirigentes militares sabiam do quanto o professor poderia contribuir ou para a manutenção do regime ditatorial, ou para que o seu fim chegasse mais rápido”.
Posteriormente, em 1971 com a Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus, o professor de EMEC teria que ser licenciado em Estudos Sociais, pois adquiriria no curso as habilidades essenciais para o ensino factual voltado para a figura de heróis, estudo de datas comemorativas e festas cívicas, como desfiles por exemplo. De acordo com Vanessa e Geraldo (2006, p.130) “o ensino da moral e cívica envolvia toda a escola e a comunidade, através da atuação dos pais, funcionários e professores”.
Para nortear o trabalho do professor foram criados os livros de Educação Moral e Cívica, que tinham como objetivo principal levar os alunos a acreditarem que viviam numa sociedade democrática, ao criar a falsa idéia de participação da população na administração do país em tempo de ditadura. Ao mesmo tempo levava-os a construir o conceito de obediência e nacionalismo como mostra um trecho retirado do livro Educação Moral e Cívica Faixa F, analisado por Nataly Nunes e Maria José de Rezende:
Você, eu, todos nós estamos subordinados às leis brasileiras; as maiores autoridades do governo, também. Para quê? [...] O Estado tem como fim a conquista, a manutenção e o desenvolvimento do bem comum nacional, isto é, de todos nós, que formamos a nação brasileira. [...] O poder pertence ao povo. A isto se chama soberania popular. Em outras palavras, a soberania do Brasil é o poder de seu povo. Mas, como poderiam 104 milhões de brasileiros governar? Seria balbúrdia. Ninguém se entenderia. É por isto que o povo concede sua soberania, isto é confia seu poder a poucos brasileiros, os quais, na condição de “representantes” (do povo), exercem o governo. [...] É imoral para um representante trair o povo que nele confiou e, em vez de trabalhar pelo bem público, aproveitar-se do cargo para tirar vantagens pessoais ou defender indevidos interesses de pequenos grupos em detrimento do bem comum (HERMÓGENES, 1977, pp. 64 e 69).
Outra característica predominante nos livros de EMEC é a ideologia do governo em formar patriotas. O patriotismo ou nacionalismo seria condição essencial para manutenção dos militares no poder. Com a juventude entusiasmada para servir a pátria seria fundamental para obter um exército forte. Tais idéias podem ser confirmadas através da análise do livro Estudo Dirigido de Educação Moral e Cívica realizada também pelas autoras Nataly Nunes e Maria José de Rezende:
Quanto mais amamos a Pátria, mais democratas somos. O voto, com que se elegem os representantes do povo, pode ser um ato de amor à Pátria ou um ato de egoísmo. Eleitores e políticos devem visar, em primeiro lugar, aos interesses da Pátria. Quando a Pátria é servida por todos, todos são beneficiados (CORREA, 1976, p.128).
Nas palavras do autor, fica claro a propaganda nacionalista e o desejo de um cidadão acrítico uma vez que o aluno é levado a pensar apenas em amar e servir a pátria. Além disso, é reforçada a noção de democracia. Segundo Nataly e Maria José (p.7) os livros de EMEC focam a abordagem em três características referentes ao governo dos militares “1º é a melhor forma de governo; 2º é a forma de governo existente no Brasil; 3º se pretende convencer, de que, se no Brasil existe a democracia a melhor forma de governo, são os militares que a realizam”.
Concluindo as reformas educacionais atendem ao desejo do Estado que reconhece o papel da educação para a manutenção do regime militar centrado no ideal democrático, especificamente a disciplina de Educação Moral e Cívica que tem por função formar patriotas, defensores do governo.
1. 6 A disciplina Organização Social e Política Brasileira (OSPB)
Durante o governo do presidente João Goulart foi criado o Conselho Federal de Educação (CFE), sendo seus membros nomeados pelo então Ministro da Educação Antônio de Oliveira Brito por meio de um Decreto que regulamenta a implantação de OSPB no ensino de 2° grau, atendendo as reformas educacionais estabelecidas através da LDB de 1961. O país vive um momento de grandes lutas políticas entre conservadores e os que desejavam mudanças. Portanto, o objetivo de se trabalhar a disciplina era aproximar os alunos de sua realidade política, reconhecendo o papel da escola enquanto instituição autônoma responsável pela formação de cidadãos que percebam a importância de sua atuação na vida pública cabia a escola questionar aos educandos o que seria a participação política e o civismo, pois ambos eram motivos das disputas entre os representantes do governo, como afirma Cleber Santos Vieira:
Buscando valorizar a autonomia dos estabelecimentos de ensino na montagem da grade curricular, a Indicação Nº 1 do CFE, homologado pelo MEC em 24 de abril de 1962, oferecia um complexo e flexível sistema curricular composto, no ciclo ginasial, por disciplinas obrigatórias (Português, História, Geografia, Matemática e Ciências), disciplinas obrigatórias complementares (Organização Social e Política brasileira, duas línguas estrangeiras modernas, língua clássica e desenho) e disciplinas optativas (línguas estrangeiras modernas, música, canto orfeônico, artes industriais técnicas comerciais, técnicas agrícolas). (VIEIRA, 2009, disponível em
http://secbahia.blogspot.com/2009/03/organizacao-social-e-politica-do-brasil.html)
A organização do currículo feita com a LDB de 1961, citada acima por Cleber Vieira permite perceber que existia de fato uma preocupação com a formação política dos alunos. Segundo o autor “o documento que melhor justifica a criação da disciplina, seria o artigo do conselheiro Newton Sucupira registrado no terceiro número da Documenta, publicada em março de 1962”:
Ela tem como finalidade proporcionar ao aluno uma idéia adequada da realidade sócio-cultural brasileira em sua forma e ingredientes básicos. Deverá, pois apresentar o quadro geral das instituições da sociedade brasileira, sua natureza, formação e caráter, bem como as formas de vida e costumes que definem o modo de ser específico e a fisionomia característica de nossa cultura. Será, além disso, um estudo da organização do Estado brasileiro, da Constituição, dos poderes da República, do mecanismo jurídico e administrativo em suas linhas gerais, dos processos democráticos, dos direitos políticos, dos deveres do cidadão, suas obrigações civis e militares. (Disponível em http://secbahia.blogspot.com/2009/03/organizacao-social-e-politica-do-brasil.html)
Com a tomada do governo pelos militares em 1964 destituindo do cargo o então presidente João Goulart é implantado a Ditadura Militar no Brasil. As reformas de ensino a partir de 1969 alteram a proposta da disciplina de OSPB, que passa atender aos interesses do Estado, objetivando apenas formar patriotas, levando-os a construir a falsa idéia de democracia em pleno regime militar. Os livros didáticos apontavam uma sociedade em crescimento, graças ao trabalho árduo do governo. Nas palavras de Cleber Vieira:
Os manuais didáticos de OSPB induziam o aluno a pensar na organização social e política do Brasil configurada pelo eixo nas estruturas políticas estabelecidas ao longo do tempo e, por isso, enraizadas na tradição cívica do país. Os elementos criados a partir de 1964 (atos institucionais, decretos-lei e sobre tudo a constituição de 1967 e emenda constitucional de 1969) foram incorporados como parte desta tradição, e não em termos de ruptura. A combinação desses elementos resultou em verdadeiro arremedo democrático: eleições regulares para o parlamento, bipartidarismo, eleições indiretas para o executivo; repressão aos opositores mais aguerridos, armados ou não; intervenção nos municípios e estados considerados áreas de segurança nacional. (VIEIRA, disponível em
http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/ii_pdf/Cleber_Santos_Vieira.pdf)
Reforçando o pensamento do autor, os militares usavam os livros de OSPB numa organização temporal linear da história do Brasil, para construir nos alunos a idéia de que as ações realizadas pelo governo, ou melhor, o próprio sistema ditatorial era comum, por ser uma tradição do país. Portanto não seria um rompimento com a democracia, uma vez que mesmo indiretamente a população participava da administração nacional, por meio da intervenção dos estados e municípios.
Diante das faces dadas a disciplina de OSPB em contextos diferentes do Brasil apresentadas aqui, fica uma questão que não quer calar: por que se erradicou do currículo escolar a disciplina após a ditadura, não seria necessário reformular as propostas uma vez que ela também apresentava papel importante na formação política do cidadão? Para responder essa questão tomaremos como base as idéias de Matheus Passos:
Não tenho dúvidas de que tais disciplinas eram manipuladas com o objetivo de colocar na cabeça das crianças idéias e ideais do regime militar brasileiro, e também não tenho dúvidas de que, com a “redemocratização” ocorrida em 1985, seu currículo teria, necessariamente, de ser alterado para refletir os ares da Nova República. Entretanto, ao invés de se reformular as disciplinas e se aproveitar o que elas poderiam ter de bom no sentido de formar o senso cívico do cidadão brasileiro, o que ocorreu foi o radicalismo típico daqueles que querem se ver livres de tudo aquilo com o que não concordam: extinguiram-se as disciplinas sem se colocar nada em seu lugar – e sem verificar, é claro, aquilo que as disciplinas poderiam trazer de bom para a sociedade brasileira. (PASSOS, 2009, disponível em http://perspectivapolitica.com.br/tag/ospb/)
Comungando das idéias do autor, pode-se concluir que a disciplina de OSPB trabalhada dentro da perspectiva para a qual foi criada em 1962 teria uma função importante na formação dos educandos. Entretanto com as reformas de 1971 ela perde seu propósito inicial, permanecendo durante todo o período da ditadura enquanto mecanismo de dominação, excluindo dos educandos a reflexão sobre a realidade política e social do país. Porém, a exclusão da disciplina dos currículos escolares parece uma atitude radical do governo brasileiro no período de redemocratização do ensino, pois caberia o MEC e ao CFE reformular a proposta da disciplina adequando-a as necessidades da sociedade.
1.7 O ensino de História a partir da década de 1980
Os últimos anos de ditadura no Brasil são marcados por profundas mudanças em todos os âmbitos sociais, em especial no sistema educacional. A insatisfação das universidades, historiadores e professores de História com a descaracterização das ciências humanas ocorridas com as reformas no ensino deram origem a várias discussões e questionamentos a forma tradicional como era ensinada a História, lutando pelo retorno da disciplina no currículo oficial em todos os níveis de ensino. Tais movimentos ganham força com a formação de associações como a ANPUH e AGB e com a valorização do profissional de história a partir da criação de cursos de Pós-Graduação.
Outro fator determinante para a reestruturação do ensino no período de redemocratização do Brasil refere-se ao desenvolvimento tecnológico. A escola não podia mais fechar os olhos para as novas necessidades dos educandos, portanto as universidades em especial, precisariam preparar o professor de história para essa nova realidade. Tornava-se necessário incluir os recursos tecnológicos nas salas de aula, rompendo como os moldes tradicionais de aulas expositivas e aplicação de questionários para memorização das informações.
As novas gerações de alunos habituaram-se à presença de novas tecnologias de comunicação, especialmente o rádio e a televisão, que se expandiam como importantes canais de informação e de formação cultural. Entrava pelas portas das escolas uma nova realidade que não poderia ser mais ignorada. O currículo real forçava mudanças no currículo formal. Diversos agentes educacionais passaram a discutir e desenvolver novas possibilidades de ensino. Neste contexto, os professores tiveram papel importante na constituição do saber escolar, diminuindo o poder dos chamados técnicos educacionais. (PCNs, 1998, p.27)
As novas exigências educacionais iam além do currículo e das práticas educativas. Todo o sistema educacional precisava ser repensado, especialmente a visão que se tinha do aluno, pois até então, era visto como um ser passivo. Os Estudos Sociais que substituem a História durante a ditadura militar foca os conteúdos numa abordagem positivista, seguindo a linearidade evolutiva dos fatos históricos, excluindo do aluno a habilidade de perceber-se como sujeito do processo de ensino aprendizagem e enquanto sujeito histórico de seu tempo, portanto agente social.
O retorno da História nos currículos escolares e da universidade traz uma nova visão sobre a disciplina, que passa a ser vista como uma área de pesquisa importante na formação dos cidadãos. De acordo com Maria Aparecida e Jezulino Lúcio:
Neste momento, passam a buscar novas formas de se ensinar história rompendo com as visões reducionistas e simplificadoras da história oficial. Duas propostas para o ensino de História surgem neste momento: a História temática e a História integrada. (disponível em
http://educacaodialogica.blogspot.com/2008/11/o-ensino-de-histria-nos-anos-iniciais.html.)
De acordo com os teóricos, essas propostas resultam da constatação por parte dos professores de História de não haver como ensinar os conteúdos em sua totalidade, por isso seriam selecionados. No caso da História Temática, dividi-se os conteúdos em eixos temáticos de acordo a série e maturidade do aluno, ou por ciclo com é feito nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) elaborados pelo MEC em 1998, distribuídos para as escolhas públicas. A História Integrada constitui-se da divisão entre a História Brasil e da História Geral, que se integra também na primeira proposta.
Dentro desse panorama de mudanças na Historiografia, busca-se romper com a História Tradicional e adotar a Nova História, impulsionada pelo pensamento e método da Escola dos Annales. Maria Aparecida e Jezulino Lúcio afirmam que:
Os métodos tradicionais de ensino foram questionados, buscando alternativas que levassem o aluno a construção do conhecimento histórico na sala de aula. Rompia-se com métodos de ensino baseado na leitura de livros didáticos. O cinema, a música, a literatura foram trazidos para o ensino de História como linguagens alternativas para se construir o conhecimento histórico. (disponível em http://educacaodialogica.blogspot.com/2008/11/o-ensino-de-histria-nos-anos-iniciais.html
Nessa perspectiva, a construção do conhecimento histórico se dá por meio de mediadores culturais, discursos e fontes documentais diversas: documentais escritas (cartas, tratados, poemas, literatura), visuais (pinturas, imagens, filmes) e tecnológicas como o retroprojetor, projetor de multimídia, DVD, CD, TV, entre outras, são significativos no auxílio de desenvolvimento do trabalho do professor e na facilidade de compreensão do aluno dos temas históricos. Cabe ao professor adequá-los a metodologia proposta para cada tema trabalhado em sala de aula.
Todas essas inovações dentro da educação com a integração das TICs na sala de aula e a valorização da História enquanto ciência que exige pesquisa e estudo para construção do conhecimento histórico, segundo Paulo Hipolito, surge dois grandes desafios para o professor:
Primeiramente o professor deve compreender que a sala de aula constitui um centro de pesquisa, e que nela não só ensina como também aprende. Ele deve trazer novidades para a sala de aula, e procurar meios para conseguir fazer o passado, tão antigo, em objeto novo. O professor de história, mas que qualquer outro, por compreender as transformações sociais que ocorreram com o passar dos tempos, deve procurar saber o perfil e o contexto social dos seus alunos. Para assim, elaborar sua aula de acordo com a realidade deles. É fazer o aluno sentir-se enquanto parte integrante de um processo histórico e criador de sua própria história. (disponível em
http://www.meuartigo.brasilescola.com/educacao/historia-poder-politico-perspectivas-para-ensino-historia-.htm)
Nesse contexto, a educação enquanto prática social, atua no sentido de promoção e desenvolvimento de formação do sujeito em sua totalidade, para que o mesmo possa atuar de forma ativa na sociedade. Assim, a ação educativa não é uma prática aleatória, isolada, mas sistematica e integrada que exige planejamento, direcionamento e metodologias diversificadas que além de dinamizar a aula, possibilite a construção do conhecimento histórico.
Entretanto, é preciso reconhecer que as mudanças ocorridas na sociedade brasileira e especialmente no ensino de História não atingiram de forma homogênea todos os níveis e instituições de ensino. Ainda permanecem em muitas escolas a História Tradicional, muitos professores continuam despreparados presos a livros didáticos trabalhando conteúdos distantes do interesse dos alunos, legados deixados pela ditadura militar. Concluindo, existe ainda um grande desafio para o próprio sistema educacional brasileiro que em si, é muito contraditório. Quanto aos educadores da disciplina de História “cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegrá-los num conjunto mais vasto de outros problemas em problemáticas”. (SCHMIDT,2004,p.57)
CAPÍTULO 2: DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE AS REFORMAS DE ENSINO NO PERÍODO DA DÉCADA DE 1960 A 1980
A década de 1960 no Brasil é marcada por uma crise política que se intensifica com a renúncia de Jânio Quadros em 1961. Quando seu vice João Goulart, assume e permanece na presidência até 1964, quando então é deposto pelos militares. Algumas ações tomadas por João Goulart, despertam ainda mais a insatisfação dos partidos políticos de direita, a exemplo da abertura às organizações sociais, dando liberdade de expressão para estudantes, organizações populares e trabalhadores que adquirem espaço na sociedade.
Vale lembrar que neste período o mundo vivia a tensão da Guerra Fria. Por isso, os conservadores temiam que o governo brasileiro adotasse o socialismo. Alegando que João Goulart estaria ligado ao movimento socialista, os militares resolvem então dá o golpe ou fazer a revolução como justificaram para garantir a ordem e a segurança nacional, fatores essenciais para o desenvolvimento do país.
Em sua obra O Legado Educacional do Regime Militar, Derneval Saviani, relata sobre o momento de efervescência política e educacional, esclarecendo a importância da vinculação da educação pública aos interesses e necessidades do mercado para o regime militar:
Configurou-se, a partir daí, a orientação que estou chamando de concepção produtivista de educação. Essa concepção adquiriu força impositiva ao ser incorporada à legislação do ensino no período militar, na forma dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, com os corolários do “máximo resultado com o mínimo dispêndio” e “não duplicação de meios para fins idênticos” (SAVIANI, p. 297, 2008).
O autor ressalta ainda que, a orientação geral traduzida nos objetivos indicados e a referência a aspectos específicos, como a profissionalização do nível médio, a integração dos cursos superiores de formação tecnológica com as empresas e a precedência do Ministério do Planejamento sobre o da Educação na planificação educacional, são elementos que integrarão as reformas de ensino do governo militar.
Alguns aspectos importantes das reformas citadas anteriormente, da qual Saviani denomina como legado do regime militar, durante a discussão em seu texto, destaca-se o favorecimento à privatização do ensino, idéia que ganha força com o crescimento acelerado das instituições particulares. Dessa forma, “há uma aliança entre o governo e o empresariado privado, concordando com a implantação do ensino pago, por uma via diferente da prevista pelo projeto de reforma universitária” (Vieira, 1982, p. 117). Quanto à estrutura do ensino, Saviani (2008) “destaca que o curso, por sua vez, se definia pelo currículo, entendido na prática como um elenco de disciplinas distribuídas, via regra, em três modalidades: obrigatórias, optativas eletivas”.
Segundo Derneval Saviani, de forma positiva surge a implantação dos cursos de pós-graduação. “A valorização da pós-graduação e a decisão de implantá-la de forma institucionalizada situam-se no âmbito da perspectiva de modernização da sociedade brasileira, para o que o desenvolvimento científico e tecnológico foi definido como uma área estratégica.” (SAVIANI, 2008). Por outro lado, “o aspecto da estrutura do ensino decorrente da reforma de 1968, ainda em vigor, que interferiu negativamente na qualidade, é a mudança da referência do tempo de duração das disciplinas, de anual para semestral” (SAVIANI, 2008). È o que se chamou na época de Licenciatura curta em Estudos Sociais.
Compartilhando da mesma idéia de Derneval Saviani sobre a formação do professor de História, isto é, da Licenciatura em Estudos Sociais, João Batista da Silveira ressalta que a história ensinada nas universidades e no ensino secundário continuava a seguir a falsa idéia de História evolutiva, verdade apenas para uma parte da população. Neste sentido, os conteúdos foram direcionados para um modelo propagandístico e cívico de educação em comum acordo com a política repressiva do governo militar, voltada aos interesses do sistema capitalista ou ao mundo do trabalho. “Com a Reforma Universitária, Lei 5.540/68 e com a reforma do ensino de 1º e 2º Graus, Lei 5.692/71, a educação no Brasil passaria a se organizar segundo a cartilha ditada pelo capitalismo internacional” (SILVEIRA,p.106,2008).
É importante frisar aqui, que com a reestruturação do ensino os currículos sofreram alterações:
Os currículos e programas constituem o instrumento mais poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua interferência, em última instância, na formação da clientela escolar para o exercício da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes. Através dos programas divulgam-se as concepções científicas de cada disciplina, o estado de desenvolvimento em que as ciências de referência se encontram e, ainda, que direção deve tomar ao se transformar em saber escolar. Nesse processo, o discurso do poder se pronuncia sobre a educação e define seu sentido, forma, finalidade e conteúdo e estabelece, sobre cada disciplina, o controle da informação a ser transmitida e da formação pretendida. Assim, a burocracia estatal legisla, regulamenta e controla o trabalho pedagógico. (ABUD, 2004, p.28)
Nesse contexto, para Paulo Hipolito, o currículo se apresenta como uma forma de relação de poder que coloca uma postura oficial. Ele traz uma seleção de conteúdos que constroem a imagem de um Estado aceitável pela sociedade.
De acordo com João Batista Silveira, o currículo da Licenciatura em Estudos Sociais, assim como em História era organizado em disciplinas, que em algumas faculdades possuíam a mesma divisão, sendo História Antiga (Oriental, Grécia e Roma), História Medieval (Alta Idade Média, Baixa Idade Média e Idade Média Ibérica), História Moderna (História Economica-social e História da Cultura) e História Do Brasil (História do Brasil Colonial e História do Brasil Independente). “Observando os conteúdos dos livros didáticos de História, OSPB e Educação Moral e Cívica da época, é possivel concluir que a História era lecionada sem qualquer contestação, sendo um conteúdo meramente decorativo, que se valia do mito do herói e datas festivas”...] (SILVEIRA,p.139,2008).
De acordo com Paulo Hipolito, a consolidação dos Estudos Sociais em substituição à História e Geografia ocorreu a partir da Lei n. 5.692/71, durante o governo militar. Neste momento os militares adequaram os currículos escolares aos interesses do Estado. Integraram-se também como disciplinas obrigatórias a EMEC e a OSPB, que formariam os sentimentos de patriotismo e nacionalismo nos educandos.
Os Estudos Sociais constituíram-se ao lado da Educação Moral e Cívica em fundamentos dos estudos históricos, mesclados por temas de Geografia centrados nos círculos concêntricos. Com a substituição por Estudos Sociais os conteúdos de História e Geografia foram esvaziados ou diluídos, ganhando contornos ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado a justificar o projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no país a partir de 1964. (PCNs, 2001, p.26).
Com a Lei n. 5.692/71 as aulas de Estudos Sociais para o 1º grau, passariam a ser ministradas professores formados nos cursos de licenciaturas curtas em Estudos Sociais. Dessa forma os profissionais licenciados em História ficariam restritos ao ensino de 2º grau. Tal medida do governo asseguraria a reprodução dos conteúdos listados no livro didático, ministrados pelos professores nas escolas de 1º grau.
Paulo Hipolito chama a atenção, para a qualificação dos professores formados em Estudos Sociais, ressaltando que estes saíam do curso com um conhecimento essencialmente global dos conteúdos a ser ensinado, ou seja, o professor ia para a sala de aula meio que despreparado, o que o levava a se ater unicamente nos livros didáticos em que, na época mais que hoje, constituíam uma forma mascarada da intervenção do Estado no processo de educação dos alunos. “Trata-se do controle ideológico sobre a disciplina em nível de 1º grau na formação dos jovens, na formação dos cidadãos e do pensamento brasileiro”. (FONSECA, 1993, p.28)
Segundo Maria Aparecida Borges, a proposta metodológica para as séries iniciais e finais do Ensino de 1º e 2º graus, está voltada para a tendência pedagógica Tradicional ou um ensino factual, que consiste em uma divulgação da história de reis e heróis. Portanto, se buscava desenvolver no educando o sentimento nacionalista ao se trabalhar os fatos históricos como atos isolados, construindo a figura de heróis, como se os lideres dos movimentos agissem sozinhos, sem interesses próprios, apenas para o bem da nação.
O programa curricular imposto durante o Regime Militar, com a Reforma do Ensino de 1971, impunha um Ensino diretivo, acrítico, no qual a História aparecia como uma sucessão linear de fatos considerados significativos, predominantemente políticos e militares, com destaque para os “grandes nomes”, os espíritos positivos que conduzem a História (LIMA E FONSECA, 2007, p.55)
Esse método de ensino permaneceu durante todo o período militar, passando a ser questionado apenas a partir da década de 80 com a redemocratização do sistema educacional do Brasil.
Assim, os anos 80 são marcados por discussões e propostas de mudanças no ensino fundamental de História. Resgatar o papel da História no currículo passa a ser tarefa primordial depois de vários anos em que o livro didático assumiu a forma curricular, tornando-se quase que fonte “exclusiva” e “indispensável” para o processo de ensino-aprendizagem. (FONSECA, 1993, p.86)
Nesse novo cenário educacional se contestava a história tradicional. De acordo com Maria Aparecida Borges, a visão da história como um processo linear, evolutivo, em direção ao progresso, foi denunciada como redutora da capacidade do aluno de se sentir parte integrante e agente da história, que era apresentada como um produto pronto e acabado. Neste contexto inicia-se a discussão sobre o retorno da História e da Geografia como disciplinas autônomas nos currículos tanto na escola quanto na universidade, uma vez que os problemas enfrentados no ensino são os mesmos, segundo Selva Guimarães Fonseca:
Os problemas do ensino de história no 1º e 2º graus eram também problemas das universidades. (...) uma vez que nelas se formaram o professores, delas saíram os “melhores livros didáticos”, os guias curriculares e os cursos de atualização. Entretanto, a academia não assume estes problemas e, pretendendo-se 14 separar do social, culpa os outros pela “feiúra”, pela “ideologização” e pelo baixo nível do ensino de 1º grau. A função básica de ensino-pesquisa e extensão permanecia circunscrita nos próprios limites da universidade. (FONSECA, 1993, p.122)
As novas discussões a cerca do ensino de História estavam voltadas para a incorporação dos novos métodos e práticas pedagógicas com o uso dos recursos tecnológicos e outras linguagens para que o aluno construa o conhecimento histórico. A sala de aula não tem mais espaço apenas para o livro didático, compete à escola e ao professor usar outros recursos de ensino como o cinema, a música, a literatura e arte no ensino de História.
Neste sentido, é na decáda de 90 que se intensifica a preocupação com a incorporação das Tecnologias da Informação no sistema educacional, tanto no curso de formação de professores quanto nas escolas de Nível Fundamental e Médio:
Paralelamente, o “dilúvio” de informações, com a incorporação e uso das diferentes linguagens (imprensa, programas de TV, vídeos, CD-ROM), exige uma formação contínua e permanente, mas as condições concretas (materiais e pedagógicas) da escola não viabilizam essa prática (CIAMPI & CABRINI, 2007, p21)
Em suma, embora houve grande avanço na forma de se aprender e ensinar a História na escola e na universidade, esta mudança de perspectiva não atingiu de forma global o ensino de História. Na escola a História tem permanecido distante do interesse dos alunos, presa as fórmulas prontas do discurso dos livros didáticos ou relegada a práticas isoladas, sem contextualização, determinadas pelo calendário cívico, a exemplo do estudo do dia do índio, onde muitos professores costumam pintar as crianças e por penachos, porém de forma aleatória. Os resquícios do ensino tradicional e factual ou legado da Ditadura como denomina Saviani, ainda estão presentes nas práticas de ensino atuais. É necessário que se reafirme a importância da História no currículo escolar e, acima de tudo, que se entenda esta disciplina como libertadora, elemento essencial na formação da cidadania.
CAPÍTULO 3 - A HISTÓRIA CONTADA POR QUEM VIVEU NA ÉPOCA
Este espaço foi reservado para enriquecer as discussões propostas durante a realização deste Trabalho de Conclusão de Curso. Aqui serão apresentados depoimentos ou relatos de alunos de cursos de Licenciatura que também foram professores de 1º e 2º graus no período das décadas de 1960 a 1980.
Como a reforma se dá em primeiro momento na universidade, começaremos nossa discussão com o relato de alunos do nível superior. “Com a Reforma do Ensino feita pela ditadura militar, [...] efetivou a criação do curso superior de Estudos Sociais, responsável pela formação de professores para atuarem nessa nova disciplina.” (MARTINS, 2002: 105).
Para realizar essa discussão foi analisado o Artigo A Reestruturação do ensino de História durante a Ditadura Militar: Interlocução entre o discurso e a prática de Tiago Henrique Klengel Biasotto Mendes, disponível em: http:// www.ristedbr.fae.unicamp.br. Fonte de origem primária, na qual o autor apresenta o resultado de sua pesquisa de campo realizada com universitários de diferentes áreas. A entrevista segue uma ordem cronológica que se divide em dois momentos: o primeiro se refere ao período de curso das licenciaturas e o segundo na atuação dos professores em sala de aula nas escolas públicas de 1º e 2º graus.
Segundo o autor, o objetivo das entrevistas realizadas seria traçar um pano de fundo que nos possibilite ter uma noção do que foi a educação na época. Podendo assim, traçar um paralelo entre a teoria proclamada na letra da lei e a prática diária dos professores da rede pública de ensino de 1º e 2º graus.
3.1 Memórias de uma licenciatura durante a Ditadura Militar
Foram entrevistados por Tiago Mendes os professores, na época licenciandos Cândida Thereza Camargo Neves que cursava Educação Artística na UNAERP, a professora Maria Cristina Girão Pirolla que fez Biblioteconomia em uma instituição que não existe mais na cidade de São Carlos e pedagogia na UFSCar; Maria Estela Godoi cursou História em um centro universitário em Catanduva e o professor Paulino Sadao Moritta que cursou Matemática na USP.
De acordo com o autor, ao serem questionados sobre a influência da Ditadura em suas formações os professores tiveram pontos de vista divergentes gerando controvérsias. O que torna mais calorosa a discussão. Para as professora Maria Cristina Girão Pirolla, que cursou pedagogia na Universidade Federal de São Carlos e Cândida Thereza Camargo Neves, percebe-se uma universidade isenta de qualquer manifestação, interesse político ou conflitos:
A gente não tinha problema, tanto que, quando a federal fez trinta anos, uns alunos, foram entrevistar ex-alunos, ex-professores e ex-funcionários da época da ditadura, e eles selecionaram umas pessoas e entrevistaram essas pessoas com as mesmas perguntas, mas ninguém estava junto com ninguém. E a gente nem sabia quem é que era o outro entrevistado. Ai uma das minhas colegas viria aqui em casa justamente nesse dia e ela estava na lista da entrevista. Ai os alunos falaram, olha então ta bom, nós encontramos com a senhora lá, mas eles não contaram para ela que eu seria entrevistada antes. E eu não sabia que ela ia ser entrevistada. Ai, quando eles fizeram as perguntas pra mim, um olhava para o outro. Os outros entrevistados anteriores falaram as mesmas coisas que eu. Quando ela chegou, ai que eu fiquei sabendo que ela ia ser entrevistada e ia ser as mesmas perguntas. Eu fiquei quieta ouvindo e ela falou tudo do jeito que eu falei. O motorista da escola que mora a uns dois quarteirões daqui, falou as mesmas coisas que nós falamos. Porque não tinha, não era um ambiente de opressão, de coisa nenhuma, era uma tranqüilidade total, era tudo amigo [...] era um ambiente cordial [...] Foram três anos de paz (1971-1973). [...] Não aconteceu nada de extraordinário, nada, nada, nada, nada. Nós não sentimos lá dentro que nós estivemos em uma ditadura. Em sociologia, em psicologia estudou todas as correntes [...] estudamos Karl Marx. [...] Não tivemos problema nenhum. (Maria Cristina Girão Pirolla)
De maneira sintética a professora Cândida Thereza Camargo Neves compartilha da mesma opinião de Maria Cristina:
Eu não me lembro na faculdade de alguém estar preocupado com política lá. Pelo menos não no meu curso. E tinha aluno naquela UNAERP. (Cândida Thereza Camargo Neves)
No entanto, de acordo com o entrevistador Tiago Mendes, os professores Paulino Sadao Moritta e Maria Estela Godoi tiveram uma visão contraria as afirmações citadas anteriormente:
Vigilância e repressão em toda a universidade. Talvez mais nos cursos de humanas. Não se podia falar muito, não podia se reunir para discutir (havia o decreto 477, se não me engano de Jarbas Passarinho). Mas discutíamos às escondidas, ou de modo disfarçado, correndo risco, é claro. (Paulino Sadao Morita)
Na opinião da professora Maria Estela Godoi:
Como estudante eu andei participando de alguns encontros assim, lá no grêmio, lá em São José do Rio Preto. Mas foram coisas, assim, esporádicas, eu não tive participação ativa, nem nada. Mas a gente tinha, assim, sempre receio né, receio de uma coisa que a gente nem estava entendendo o que estava acontecendo. [...] Ai no ano seguinte, em 68, eu lembro que dois colegas do curso de anatomia, na época, isso porque não falava ciências biológicas, falava anatomia, se não me engano, não to lembrada. Um deles era o Derli, o outro eu não lembro o nome foram transferidos para a cadeia lá de Uchoa e nós íamos visitá-las, levar chucara que era muito calor e conversar com eles, eles eram do grêmio. Mais tarde, depois de mais de mês eu fiquei sabendo que eles tinham sido transferidos para o DAIQ em São Paulo e nunca mais nos vimos e nem tivemos notícias. (Maria Estela Godoi)
Neste contexto, a opinião da professora Maria Estela Godoi tem maior relevância por cursar História e por ser a História o foco principal da análise da presente entrevista.
Para Tiago Mendes, três hipóteses justificariam a divergência na opinião dos entrevistados. A primeira tomando como base o caso da professora Maria Cristina Pirolla, seria o momento histórico no período de sua passagem pela UFSCar. Era o ano de 1971 e, vigorava o AI-5 que acabou com praticamente todos os focos de resistência ao regime no período denominado “Anos de Chumbo” sob a presidência do general Médici. O que culminou na perseguição aos movimentos estudantis, exílio, prisão e morte de líderes, que segundo o regime da ditadura ameaçavam a ordem nacional.
A segunda hipótese leva em consideração as opiniões dos professores Paulino Sadao Moritta e Maria Estela Godoi. Segundo Tiago Mendes, a UFSCar fora criada recentemente, oferecia só quatro cursos e eram suas primeiras turmas. No caso da USP há um histórico de luta que acompanha a universidade em prol de seus interesses e da sociedade. Além disso, a existência de cursos na área de Humanas incomodavam os militares, por isso sofreram diretamente com as reformas educacionais que buscavam adequar o ensino ao projeto político-educacional adotado pelos militares.
Reforçando a fala do autor, outro relato de Maria Estela Godoi confirma a descaracterização das ciências humanas nos cursos de licenciatura, em especial no curso de História:
[...] tinha uma matéria, no curso de História, de Estudos de Problemas Brasileiros, e nós achávamos, assim, muito esquisito que o professor era um tenente [...] a gente achava que aquilo que ele estava dando não condizia com o nome da matéria. Ai no ano seguinte, nós tivemos geografia com ele, e ele passou o ano inteirinho dando a fauna do deserto ou a flora do deserto. Então nós comentávamos entre nós, o que iria resolver pra gente isso ai, na vida prática, o que a gente iria fazer com isso, era uma coisa nada relacionada com ser humano né. Mas nós falávamos na direção, mas não sabíamos se chegava no tenente. [...] então foi um período que marcou bastante a minha vida nesse sentido então a gente não tinha mais reunião para bater papo, para questionar, todo mundo tinha medo, a gente não sabia o porque. (Maria Estela Godoi)
Nessa perspectiva, de acordo com Thiago Mendes, outro relato de Maria Estela Godoi, levantaria uma terceira hipótese:
Enfim, em termos de proibição, a faculdade de Catanduva, como era uma faculdade particular, então ela tinha que estar bem com o governo, então ela não ia fornecer nada para gente que fosse contra o Regime Militar. (Maria Estela Godoi)
Para o autor, o incentivo do governo brasileiro em criar centros universitários particulares, era interesse do empresariado estar de acordo com suas diretrizes para além do apoio, contar com a participação financeira do Estado na gestão dos gastos do setor privado de educação. Portanto, a função das universidades era formar professores que atendessem as políticas pedagógicas estabelecidas pelo governo militar, por meio das reformas realizadas durante as décadas de 1960 e 1970 no auge da ditadura.
Concluindo a análise da primeira etapa da entrevista que se refere aos depoimentos de alunos licenciados durante a ditadura, pode-se afirmar que os objetivos dos militares em esvaziar a criticidade desenvolvida nos cursos da área de Humanas foram alcançados. A (des) qualificação dos professores, em especial do professor de História ou de Estudos Sociais, refletia diretamente na escola, uma vez que os professores tornaram-se meros reprodutores de informações dos livros didáticos, formando sujeitos acríticos, passivos, distantes da realidade de seu tempo.
3.2 Os reflexos da repressão no ensino de 1º e 2º Graus
Nessa segunda etapa, será analisado de que forma as repressões e o autoritarismo do governo militar refletiu nas escolas públicas de Educação Básica, atual Ensino Fundamental e Médio, na época denominados Ensino de 1º e 2º graus. Neste sentido, segue-se a análise da entrevista de Tiago Mendes, onde os professores relatam suas opiniões sobre como tais fatos refletiram em seus espaços de trabalho. Segundo o entrevistador, também houve divergências entre a opinião dos entrevistados.
Para iniciar, segue o relato da professora Maria Estela Godoi:
Ai, quando eu me formei, eu me formei em 70. Em 71 eu fui para São Paulo, eu me casei e fui para São Paulo, e fui dar aula lá na Zona Sul, na área de Interlagos, em uma escola lá perto da represa e, então, eu lembro também que nós tínhamos, assim, aviso expresso da direção que não poderíamos fechar a porta da sala de aula. [...] E sempre corria um murmurinho que havia alguém infiltrado dentro, na sala de aula, assistindo as nossas aulas. Então eu me lembro até que a neblina da represa entrava pela sala, era um frio terrível, era noite que eu dava aula, período da tarde e da noite, mas não podia fechar a porta. Era um gelo. (Maria Estela Godoi)
Segundo Tiago Henrique Mendes, a escola pública, assim como outras instituições e mesmo ambientes públicos como praças e ruas não se livraram da interferência da repressão deflagrada pelo Regime Militar. A censura dos jornais, revistas, televisão e rádio também atingiram a fala dos professores em sala de aula na veiculação de informações aos educandos. Por isso, todos os conteúdos que seria ministrado nas aulas pelos docentes teriam que estar vinculados a proposta pedagógica presentes nas diretrizes do Estado, orientados pelo CFE. Ao professor cabia seguir o programa do livro didático.
Para Tiago Henrique Mendes, os professores se intimidavam e deixavam de trabalhar com temas que julgavam necessários para desenvolver os conteúdos, por medo de sofrer represália, atendiam as propostas determinadas pelo regime militar. A fala da professora Cândida Thereza Camargo Neves confirma tal afirmação:
Existia muito. Como eu era, tenho tendência a megalomania, e eu já tinha descoberto isso, eu pensei, acho que o melhor de tudo pra eu sobreviver é eu obedecer. Então vou obedecer. Obedecia a horário, obedecia a entrada, obedecia saída, obedecia relatório, obedecia tudo o que tinha que fazer. Vamos obedecer. Obedece, obedece, obedece. (Cândida Thereza Camargo Neves)
Quanto à professora Maria Cristina Girão Pirolla, de acordo com o entrevistador há uma visão contrária aos relatos acima, o que segundo ele é bastante significante analisar, pois tanto ela quanto a professora Cândida Tereza Camargo Neves lecionaram juntas na Escola Estadual Dr. Álvaro Guião. Segue o relato de Maria Cristina:
Mas não tinha, juro por Deus, se houve essa pressão era no curso universitário que eram maiores, porque no secundário não houve não teve essas coisas, não tinha vinham orientações normais. Eu não sofri nada. Então isso ai não tinha, nossos diretores era o seu Cotrim, o professor Moruzzi antes, Doutor Moruzzi. Enfim, não teve essas, essas coisas. No primeiro e segundo grau você não sentia, não sentia, sentia mais no ensino superior porque ai tinha a UNE, união nacional dos estudantes, ela não atingia o ensino básico. (Maria Cristina Girão Pirolla)
Tiago Henrique Mendes afirma que o discurso da professora Maria Cristina é oposto ao de sua colega de trabalho Cândida Thereza. Porém, ambas estavam inseridas no mesmo contexto, na mesma escola, e enquanto uma não sentiu absolutamente nada, a outra coloca de uma forma que a repressão era forte. Para ele uma possível hipótese poderia ser levantada, a professora Maria Cristina teria aderido ao regime instituído, pois em seu depoimento sobre a repressão na universidade, ela diz não existir e a mesma opinião prevalece em relação à escola de 1º e 2º graus.
Entretanto, contrapondo a opinião de Maria Cristina, a professora Cândida Thereza Camargo Neves comprova a existência das influências do governo militar, mostrando a sua resistência ao que era imposto para adaptação dos professores e ao que se esperava deles:
[...] eu nem sei para que se educava naqueles anos 70. [...] Mandando o aluno calar a boca, copia, quieto, né. Você ta desenvolvendo o que? Nada! Eu não concordava com essas coisas e eu fazia da minha moda e a minha moda dava muito mais certo. [...] Nunca ninguém se pôs comigo, porque era assim, tem que fazer, faz, trabalha, entra, sai, horário, limpeza, arruma. [...] Mas olha, o que me preocupava muito, no magistério, era abrir a cabeça daquelas meninas para que elas virassem professoras descentes, para realmente melhor as pessoas, criar um cidadão mesmo. E eu acho que eu tive tanto êxito, mas eu não era sozinha a Maria Nilza também fazia isso, a Neide também fazia isso [...] Você conseguia trabalhar a consciência, olha que coisa mais linda, não ficar atrás desse curso vigia de cópia, “copeia, copeia”. (Cândida Thereza Camargo Neves)
O autor chama a atenção para um trecho, segundo ele bastante curioso e de causar muita reflexão, relatado professor Paulino Sadao Moritta:
Paradoxalmente, naquele tempo, em meio a tanta confusão, repressão, buscava-se a formação do indivíduo. A escola ainda era uma instituição social e enquanto tal era lugar de ação social. No seu lugar, hoje, temos a pedagogia das competências. A escola tornou-se organização social, lugar de prestação de serviços. Hoje, quanto mais se fala em construção de pensamento, parece-me, menos isso se tem. (Paulino Sadao Moritta)
Tiago Henrique Mendes destaca que apesar de tentar traçar um paralelo entre a escola da década de 1970 e a escola atual, não é possivel contrapor o discurso em sua totalidade. Explica que as relações eram outras, o capitalismo estava se firmando e a escola naquele momento, na lógica do mercado, poderia cumprir sua função na formação do indivíduo, mas a escola e qualquer instituição são filhas de seu tempo e para isso precisa se adequar as necessidades para que possam continuar a existir.
No entanto, ele ressalta que a educação hoje deixa de ser privilégio das camadas mais favorecidas da sociedade e se universaliza. Porém, as contradições de classe têm que continuar existindo respeitando a lógica do sistema capitalista, outra estrutura foi criada para atender aos menos favorecidos e dessa forma manter a ordem existente. Uma escola para formar pessoas que pensam e mandam, outra que formará aqueles que calam e obedecem.
A reflexão sobre os relatos dos professores permitem perceber que a afirmação de Tiago Mendes ao se referir as duas faces da escola, “uma escola para formar pessoas que pensam e mandam, outra que formará aqueles que calam e obedecem” é uma verdade. Uma analise da trajetória da história da educação brasileira, sobretudo em relação ao ensino de História levam a conclusão de que o uso da escola como mecanismo de dominação e alienação sempre estiveram presentes, embora muitas vezes tenha sido questionado, também sempre existiram pessoas que defenderam esse sistema opressor e excludente, a exemplo da professora Maria Cristina Girão Pirolla.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer a trajetória do ensino de História do Brasil é um fator fundamental para a atuação dos profissionais da educação que trabalham com a disciplina. Porém, ainda é algo distante da realidade de grande parte dos professores que a lecionam nas escolas da rede pública.
Neste sentido, buscou-se com essa Monografia fazer uma discussão sobre as reformas no ensino de História durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), bem como compreender as razões políticas para estas reformas. Portanto, conhecer como se deu a formação dos professores de História nos cursos de Licenciatura Curta em Estudos Sociais e o reflexo dessa formação na escola, foram as bases de construção desse trabalho. Para isso, foi necessário fazer uma trajetória do ensino de História no Brasil.
Não se pretende avaliar como instrumentos de alienação ou redução da capacidade de pensar dos alunos a inclusão das disciplinas de EMEC, OSPB e Estudos Sociais no currículo. Visto que as duas primeiras já haviam sido inclusas em momento anterior ao golpe ou revolução de 1964, com as reformas de ensino propostas pela LDB de 1961. Por outro lado, não se pode negar que suas propostas teriam sido modificadas pelo governo militar.
Durante o desenvolvimento do presente Trabalho de Conclusão de Curso, se procurou estabelecer uma comparação entre o ensino de história durante o período da Ditadura Militar com os dias atuais, buscando apontar os resquícios desse período de desvalorização da disciplina, onde os métodos tradicionais e a preocupação da formação de cidadãos nacionalistas substituem a preocupação da formação política, social e cultural dos educandos.
Nesta perspectiva, se percebe que muitas características do ensino da História Tradicional, ainda estão presentes nas escolas brasileiras atualmente, a exemplo de métodos como aula expositiva, aplicação de questionários e o uso do livro didático como único recurso para muitos professores. Permanecem “o ensino factual do conhecimento histórico, anacrônico, positivista e temporalmente estanque” (SCHIMIDT & CAINELLI, 2004, p.12).
No entanto, com as mudanças ocorridas no ensino após o fim da Ditadura Militar na década de 1980, muitos profissionais romperam com as práticas tradicionais de ensino. “Desta forma, novos textos, tais como a pintura, o cinema, a fotografia etc., foram incluídos no elenco de fontes dignas de fazer parte da história e passíveis de leitura por parte do historiador” (CARDOSO e MAUAD, 1997,p. 402).
Portanto, o desafio para os profissionais da área de História hoje se constitui em fazer uso de linguagens alternativas, isto é, o uso de fontes iconográficas, não se pautando apenas aos documentos escritos, mas usufruir dos recursos tecnológicos em suas aulas.
Em suma, partindo do pressuposto de que a aprendizagem é um processo subjetivo e com influências coletivas, requer do educador a utilização de metodologias inovadoras, com uso de objetos mediadores variados, que promovam a motivação, o prazer de aprender, desconstruindo nos alunos a idéia de que a História é uma disciplina chata que estuda apenas o passado. Assim, o educando passa a perceber que a História é uma disciplina dinâmica, importante para a compreensão do presente, portanto indispensável para sua formação enquanto cidadão.
REFERÊNCIAS
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Sua obra " O Ensino de História durante a ditadura no Brasil" é fundamental para que possamos entender a educação no Brasil, bem como a forma em que fora aplicada durante os anos de ditadura (Civil) militar no Brasil, a parabenizo pelo trabalho.
ResponderExcluirObrigada, esta é a ideia, difundir o conhecimento e permitir várias leituras dos eventos históricos.
ResponderExcluirSe puder divulgue!