O interesse pelo tema “As consequências da
superpopulação na sociedade moderna: Uma análise dos impactos
ambientais e das transformações tecnológicas da sociedade global na vida do
homem contemporâneo” surge em razão do aumento das tensões que vivem os
seres humanos na sociedade do século 21.
De 1950 para cá, a população mundial quase triplicou,
passando de dois e meio bilhões de habitantes para mais de seis e meio bilhões.
Domenico de Masi ressalta que na metade do século
XIX, a vida média dos homens era de 34 anos e das mulheres 35. O homem de
Neandhertal vivia 29 anos, portanto apenas seis a menos que nossos bisavós.
Entretanto, em apenas duas gerações a vida média do homem aumentou 40 anos; e
hoje o homem vive em média 75 anos.
Este crescimento populacional extraordinário não se deu
somente pelo aumento de nascimentos, mas também pelo prolongamento
significativo da longevidade, conseqüência dos avanços da medicina e da
farmacologia. A expansão da população provoca uma série de impactos na vida do
homem na sociedade moderna e no planeta.
São impactos de ordem ambiental, ocupacional, emocional,
política e econômica, entre outros, conseqüência da necessidade de habitação,
abastecimento de água e eletricidade, coleta e tratamento de esgotos, serviços
de educação, saúde e transportes, sistemas de segurança pública e privada,
construção de equipamentos e sistemas viários, serviços de comunicação,
trabalho remunerado e lazer.
A realização desta infra-estrutura e seus derivativos geram
empregos e a arrecadação de tributos de um lado; porém, de outro lado, aceleram
a exaustão do estoque de recursos naturais e a produção de resíduos poluentes
de diferentes conteúdos.
Aristóteles (384 - 322 a.C.), embora não conhecesse as
exatas dimensões do planeta Terra, intuiu as conseqüências provocadas por
qualquer superpopulação:
• Sempre que houver superpopulação haverá pobreza. E as
conseqüências da pobreza são: dissensão cívica e violência.
• If no restriction is imposed on the rate of
reproduction (and this is the case in most of our existing states), poverty is
the inevitable result; and poverty produces, in its turn, civic dissension and
wrongdoing.
• Em “A Política”. The Politics of Aristotle edited and
translated by Ernest Barker – Oxford University Press – page 59 – Ideal States
in Theory.
Em 1798, o Reverendo Thomas Malthus faz um outro
alerta sobre o mesmo tema. Como só considera a população e a capacidade de se
produzir alimentos (duas variáveis apenas), sua tese é superada pelos fatos,
entre eles, a revolução industrial e suas conseqüências de produção em série,
inclusive de alimentos.
Recentemente, a questão ambiental, nos induz a pensar em,
pelo menos, quatro variáveis: (1) o tamanho do planeta, (2) o crescimento
populacional, (3) a diminuição dos estoques de recursos naturais e (4) o
aumento de todas as formas de poluição.
Se estes vetores não forem alterados, excetuando a dimensão
do planeta que é imutável, caminhamos para uma possível e provável situação de
estrangulamento futuro. Não sabemos, ainda, avaliar as conseqüências oriundas
de um quadro formado pelas variáveis acima enumeradas.
Os impactos ambientais podem provocar alterações climáticas
de tal ordem, obrigando grandes contingentes populacionais a promoverem
migrações em escala planetária. Além do aquecimento global, apenas a parte mais
evidente do impacto ambiental em discussão neste momento, existem outras
situações a serem consideradas. Entre elas, tão preocupante quanto à elevação
da temperatura no planeta, é a questão da poluição dos recursos hídricos e sua
conseqüente escassez em diferentes aspectos da vida humana futura.
Embora relegados, inicialmente, à área das ciências
agrárias, a utilização dos recursos hídricos é parte indissociável das ciências
humanas e fator essencial à condição humana na modernidade. Sabemos que boa
parte da poluição dos recursos hídricos é decorrente da inexistência ou da
insuficiência de sistemas de tratamento de esgotos, especialmente nos chamados
países menos desenvolvidos.
O professor Adam Smith (1776) dizia que as coisas
têm pelo menos dois valores: valor de uso e valor de troca. A água, por
exemplo, dizia ele, só tem valor de uso, enquanto os diamantes têm valor de
troca. Sem que ainda tenham se passado dois séculos e meio desta afirmação, a
água já tem valor de troca.
“Deve observar-se que a palavra VALOR tem dois significados
diferentes; umas vezes exprime a utilidade de um determinado objeto; outras, o
poder de compra de outros objetos que a posse desses representa. O primeiro
pode designar-se por ‘valor de uso’; o segundo por ‘valor de troca’. As coisas
que têm o maior valor de uso têm, em geral, pouco ou nenhum valor de troca; e,
pelo contrário, as que têm o maior valor de troca têm, geralmente, pouco ou
nenhum valor de uso. Nada é mais útil do que a água: mas com ela praticamente
nada pode comprar-se; praticamente nada pode obter-se em troca dela. Pelo
contrário, um diamante não tem praticamente qualquer valor de uso; no entanto,
pode normalmente obter-se grande quantidade de outros bens em troca dele”.
Há pelo menos três correntes de pensamento sobre a discussão
dos limites ecológicos impostos à humanidade neste início do século 21: (a) uma
que afirma que não há mais tempo para reversão das tendências em vigor, e que
por isto caminhamos para uma situação de estrangulamento futuro, com diferentes
conseqüências para todas as formas de vida no planeta; (b) outra que afirma que
a tecnologia avançará encontrando as soluções exigidas pela humanidade; (c) e
finalmente, a que afirma ser infrutífera qualquer tentativa de discussão sobre
o futuro do homem, uma vez que sua história é inevitavelmente evolutiva,
imprevisível e incontrolável.
As ciências, sobretudo as humanas, seriam apenas descritivas
e interpretativas do passado e especulativas em relação ao que está por vir.
Contudo, a tendência de aplicar ainterdisciplinaridade para
o entendimento e projeção dos caminhos do homem, mostra que o conhecimento
específico e disperso não acompanha a complexidade do fenômeno da vida.
Aliás, na medida em que o conhecimento foi sendo
departamentalizado, pulverizado e especificado, mais distante foi ficando da
compreensão total do fenômeno humano.
A academia moderna de um lado e a modernidade do outro
perderam o foco sobre o homem vitruviano, concebido por Marcus Vitruvius
Pollio, arquiteto romano, e explicitado por Leonardo da Vinci, pensador
universal renascentista.
A interdisciplinaridade é o retorno ao conceito deuniversitas,
palavra latina que dá origem à universidade.
A pulverização do conhecimento, tentativa moderna de
compreender com mais intensidade a condição humana, nos afastou da
integralidade do ser e nos fez mais inseguros e incertos sobre possíveis
convicções.
Pretender obter a visão global tornou-se uma
heresia num mundo onde a maioria é induzida a querer conhecer mais da partícula
e menos do todo.
É necessário considerar que existiram três estágios pelos
quais os homens passaram ao longo de sua evolução: (1) o domínio da
agricultura, (2) o domínio da máquina, e por último, (3) o domínio da
informação. É possível que o quarto domínio venha a ser o domínio sobre
ele mesmo. Entramos no século 21 com este panorama: dominamos diversas técnicas
e tecnologias e, no entanto, não somos capazes de dar solução às necessidades
de saúde, educação, moradia e trabalho para mais da metade da população
mundial. Ainda estamos aprendendo a tratar adequadamente nossos excrementos.
O estudo acadêmico transformou-se numa babel de afirmações,
muitas delas perdidas em si mesmas. A especificidade exigida, ao invés de
colaborar para o entendimento de nossa integralidade, provoca uma desconexão
absurda sobre os diversos aspectos da vida, por si só, grandiosos demais para a
pretensão da mente humana.
Estudos mais atuais, como por exemplo, “The end of world
population growth in the 21 st century”, publicados em 2004 por Wolfgang Lutz e
outros, afirmam que em algumas partes do planeta, notadamente na Europa e no
Japão, há uma estabilidade numérica da população e o conseqüente envelhecimento
dela. Argumentam que quando determinada quantidade de pessoas atinge certos
níveis de consumo material, saúde e escolaridade, há uma quase certeza de
estabilidade. Porém, não sabem como explicar que em outras partes do planeta,
nos Estados Unidos da América, por exemplo, onde existem as condições referidas
próximas às européias e japonesas, continua o crescimento da população.
Afirmam que doravante teremos que estudar a questão
populacional sob duas óticas entrelaçadas:sua expansão em algumas regiões e seu
envelhecimento em outras.
Contudo, ainda que estes estudos advirtam sobre a
importância das previsões referentes ao crescimento populacional, seus autores
lembram:
“Demographers can no more held responsible for inaccuracy in
forecasting 20 years ahead than geologists, meteorologists, or economists when
they fail to announce earthquakes, cold winters, or depressions 20 years ahead.
What we can be held responsible for is warning one another and our public what
the error of our estimates is likely to be”, escrito por Nathan Keyfitz,
em 1981, considerado um dos maiores demógrafos do século 20.
Assim, fica evidente a temeridade de projeções de ordem
geológica, meteorológica, econômica ou demográfica na visão de um respeitável
estudioso da matéria.
O fato relevante nesta proposição é que ainda que
caminhássemos para uma estabilidade e conseqüente envelhecimento populacional
ao longo deste século, não poderíamos deixar de avaliar as conseqüências dos
impactos ambientais e das transformações tecnológicas globais, visto que são
elas, também, as responsáveis pela criação de sociedades com bons níveis
de consumo material, saúde e escolaridade.
Mais uma vez, o professor Adam Smith, em relação às
transformações decorrentes da modificação dos sistemas de produção, antecipou
algumas conseqüências da introdução de novas máquinas na vida dos
trabalhadores:
“O grande aumento da quantidade de trabalho que, em
conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de
executar deve-se a três circunstâncias: primeira, o aumento de destreza de cada
um dos trabalhadores; segunda, a possibilidade de poupar o tempo que
habitualmente se perdia ao passar de uma tarefa a outra; e, finalmente, a
invenção de um grande número de máquinas que facilitam e reduzem o trabalho, e
tornam um só homem capaz de realizar o trabalho de muitos”.
Percebe-se claramente pela leitura acima, um dos cenários da
condição humana na modernidade: o aumento da destreza, a redução do tempo e a
melhoria da capacidade de produção do homem em razão da utilização da
tecnologia da informação, os computadores, por exemplo.
De novo, numa visão interdisciplinar, há que se
compreender que a tecnologia da informação, assim como outras descobertas
anteriores, tais quais: a eletricidade, a radiofonia, a telefonia, a aviação e
a televisão, acontecem na medida em que aumenta o nível de escolaridade do
homem e a população.
Não há como provar este argumento. Mas, é como se o espírito
curioso e inventivo do homem encontrasse soluções para as necessidades de cada
estágio, adverso ou não, do processo civilizatório.
De Masi faz alusão ao homem antes do invento da roda,
desnecessária por estarmos numa era glacial, onde o instrumento de locomoção
era o esqui. Na medida em que começou o degelo, o esqui deixou de ser útil e
tempos depois o homem inventou a roda para facilitar seus deslocamentos.
Durante um longo período, então, o homem percorria seus
caminhos a pé, sobre o lombo de algum animal, cavalos e camelos – por exemplo,
sobre as rodas das carroças puxadas por algum animal, remando ou velejando com
suas embarcações. Em 1825, há menos de dois séculos, com a primeira linha
ferroviária entre Manchester e Liverpool, a locomotiva a vapor altera
profundamente a velocidade, o tempo e a capacidade de transporte de carga do
homem.
Do trem passamos aos navios, aos automóveis e aos aviões. Deles
às naves espaciais. Todos propelidos pela combustão dos motores.
Zeitgeist, o espírito do tempo, neste inicio de século 21 é
uma tentativa alucinante sobre a possibilidade de conciliação entre crescimento
econômico e sanidade ambiental. A discussão que preside todas asagendas
internacionais é a capacidade do planeta em suportar o crescimento
contínuo nos moldes em que o praticamos. (carrying capacity).
A constante, e cada vez mais acelerada, transformação
tecnológica imporá alterações inusitadas nos sistemas produtivos globais,
provocando uma nova situação, onde o emprego e a atividade laboral remunerada
podem vir a ser cada vez mais escassos em relação aos que deles precisam.
Assim, torna-se relevante o estudo destas questões na
tentativa de desenhar cenários em que a condição humana na modernidade
existirá.
Seremos capazes de nos adaptar aos impactos ambientais
provocados por nossos métodos de produção e expansão populacional?
Teremos condições de sustentar com trabalho remunerado,
moradia e alimentação, educação e saúde, todos os seres humanos?
Qual o cenário existencial para aqueles que não forem
aproveitados ou não puderem ser aproveitados pelos sistemas produtivos globais
em razão das transformações tecnológicas?
A inovação tecnológica poderá solucionar os problemas
ambientais existentes e em processo de intensificação da degradação?
O trabalho humano, fonte da realização primeira do ser, será
cada vez mais padronizado e impessoal ou permitirá a expressão individual do
homem?
Afora a questão populacional é relevante pesquisar as
conseqüências das transformações tecnológicas da sociedade global na vida do
homem contemporâneo, sobretudo no que se refere às relações de produção e
trabalho.
Espera-se da evolução humana não só a melhoria das condições
materiais, como também uma evolução moral no sentido de diminuir a fome, a
falta de moradia e o desemprego.
A condição humana na modernidade deveria existir e prosperar
num ambiente sadio, sob vários aspectos, inclusive do ponto de vista ecológico.
Não por acaso está ocorrendo uma apropriação crescente do
prefixo eco para inúmeras atividades e ciências da modernidade. Para
exemplificar: do ecoturismo a eco psicologia.
O conflito existente entre economia e ecologia precisa ser
desconstruído.
Ainda que ocorra decréscimo populacional no planeta e,
consequentemente, envelhecimento da população, ter-se-á que considerar a
intensificação do uso dos estoques de recursos naturais, bem como a crescente
poluição, visto que a economia de mercado, hoje instalada em escala global, é
estimuladora de consumo exponencial.
Com o fim da bipolaridade ideológica mundial, capitalismo versus comunismo,
aceitou-se a prevalência absoluta da sociedade centrada no mercado. O mercado
não tem limites para sua expansão porque tem a capacidade de ser reinventado
diariamente. Ele absorve e expele pessoas, recursos naturais e tecnologias na
medida de suas necessidades, sem nenhum compromisso com qualquer tipo de
estabilidade, senão a sua. Se a lógica do mercado for intensificada e continuar
a presidir as relações entre os homens, os que não puderem ser absorvidos por
ele, perecerão de maneiras mais ou menos trágicas. Não haverá espaço para o
exercício da solidariedade humana.
Aliás, o homem só terá importância enquanto puder ser
consumidor. Quando perde a capacidade de consumir passa a ser um estorvo
social: um custo para o Estado.
Que mecanismos poderiam ser criados para aproveitar cidadãos
desempregados na restauração dos diferentes ecossistemas do planeta? Quais
poderiam ser os mecanismos de remuneração? As formas de reciclagem são
alternativas econômicas para o futuro?
Além destas, outras questões imediatamente decorrentes,
entre elas os sistemas previdenciários estatais devem ser discutidos em razão
do possível envelhecimento populacional.
Fazer previsões para um indivíduo é temerário. Fazê-las para
a humanidade, muito mais.
No entanto, fatores como população, recursos naturais e
poluição são inevitáveis para qualquer tentativa de compreensão da vida humana
associada no presente.
O exercício intelectual não deve ser apenas uma reflexão
sobre o passado, mas, ao contrário, uma proposição para o futuro