Sempre acreditei que lidar com as emoções de alunos é de
extrema relevância, pois ajuda muito na resolução de conflitos coletivos e
individuais das crianças. Por isso quero falar um pouco do projeto Amigos do
Zippy, para quem não conhece, trata-se de um projeto realizado por Tania
Paris, presidente da ASEC (Associação pela Saúde Emocional de
Crianças), entidade sem fins lucrativos que se dedica ao desenvolvimento e
expansão de programas de educação emocional no Brasil.
O projeto oferece capacitação para os educadores que tem o
interesse em desenvolver o programa com as crianças e eles recebem todo o
material necessário, desde apostilas metodológicas, com aulas estruturadas,
ilustrações para darem vida às histórias e moldes para os materiais para
brincadeiras até pôsteres grandes e coloridos para a sala de aula, crachás para
as crianças, guias para os pais etc. “Existe uma metodologia própria, que
privilegia o aprendizado de lidar com dificuldades de forma crescente, desde as
mais simples até as mais complexas, como a perda de um ente querido, passando
por situações de rejeição, bullying e conflitos”, explica Tania.
Sobre o projeto:
O Amigos do Zippy começou no final da década de 90, com
projetos piloto na Dinamarca e na Lituânia – países que, na época, apresentavam
diferenças culturais marcantes, já que o primeiro era bastante liberal enquanto
o segundo saída de um regime comunista. Em cada um, 300 crianças fizeram parte
das aulas de desenvolvimento emocional, e tiveram seus resultados comparados
com 300 crianças que não participaram.
“Os resultados foram muito semelhantes, apesar de as
crianças terem características muito distintas”, conta Tania, “por isso, ficou
visível que o programa funcionava”. Com base nesses resultados, surgiu a
organização Partnership for Children, em Londres, responsável por levar a
iniciativa para o resto do mundo.
Hoje, o Amigos do Zippy está em 31 países e em 6 estados
brasileiros. Apenas no Brasil, 220 mil crianças de escolas públicas e particulares
já passaram pelo projeto. “Não fazemos distinção. Nosso pensamento é que todos
são pessoas e todos enfrentam situações ruins. Nossa maior dificuldade em
resolver um problema é lidar com o que nós estamos sentindo em relação ao
problema”.
Capacitação do professor:
O Amigos do Zippy atua principalmente com a capacitação dos
professores. “É importante que sejam eles a levar essas lições para a escola
porque eles já têm um relacionamento próximo com as crianças e conhecem seu
histórico”. Também por esse motivo, os educadores são livres para adaptar os
ensinamentos recebidos de acordo com a necessidade dos alunos.
“Modifiquei minha metodologia em sala e sinto que, agora,
conheço meus alunos porque ouço o que eles falam. Nós nos acolhemos mutuamente
e, principalmente, resolvemos juntos os conflitos. Profissionalmente, me sinto
mais madura agora”, diz um dos relatos de professores recolhidos pelo Amigos do
Zippy ao final do período letivo. Após um ano de reuniões e
acompanhamentos, a diferença mais marcante é a atenção redobrada às
necessidades e dificuldades emocionais de cada criança. Através de
atividades, as crianças passam a se expressar com confiança e fortalecem o
vínculo com colegas e professores.
“A maior dificuldade em resolver um problema é lidar com o
que nós estamos sentindo em relação ao problema”.(Tania Paris – presidente
da ASEC)
Se crianças pequenas aprendem a lidar com suas emoções, elas
serão mais aptas a enfrentar crises na idade adulta.
Imagine chegar em casa e começar a fazer o jantar enquanto
seu filho assiste televisão. Vocês conversam – um na cozinha, o outro, na sala,
e ambos distraídos com outras tarefas. Até que o assunto começa a ficar mais
delicado. O menino, então com sete anos, desliga a TV e caminha até o lado do
fogão: “Eu aprendi que, quando estamos falando sério, temos que olhar nos
olhos”.
“A mãe fica emocionada ao contar essa história”, diz Tania,
“porque percebe que esse é um aprendizado que muda a relação de toda a família”.
O aprendizado, no caso, foi adquirido através do programa
Amigos do Zippy, iniciativa que deu origem à ASEC e que, há dez anos, capacita
professores brasileiros para cultivar a inteligência emocional de crianças do
primeiro e segundo ano do Ensino Fundamental. Define-se a educação
sócio-emocional como a habilidade de identificar e gerenciar emoções,
estabelecer relacionamentos saudáveis e contornar comportamentos destrutivos –
qualquer ação que a pessoa realize em prejuízo de si mesma.
“Existem muitos programas de prevenção, mas nós trabalhamos
com a promoção”, explica Tania. “Por exemplo, ao prevenir uma doença, você
procura fatores de risco e trabalha para combatê-los. Mas uma solução mais
ampla seria promover a saúde através de hábitos saudáveis, ou fatores de
proteção”. Daí a decisão de desenvolver, desde a infância, habilidades que
garantam a saúde emocional e mental das crianças. Dessa forma, quando
confrontadas com situações difíceis, no futuro, elas terão as ferramentas para
buscar soluções por conta própria.
Para isso, as turmas participam de seis módulos:
Sentimentos: São analisadas a tristeza, a alegria, a
raiva, o ciúme e o nervosismo. Aqui, as crianças praticam falar sobre como se
sentem e buscam maneiras de se sentir melhor;
Comunicação: Ensina a ouvir, pedir ajuda e dizer o que
desejam em situações difíceis;
Começando e interrompendo relacionamentos: Esta é uma
aula sobre amizade, em que a turma aprende como fazer e conservar amigos, como
lidar com a solidão e a rejeição, e como fazer as pazes após desentendimentos;
Resolução de conflitos: Aborda, em particular, a
questão do bullying, como identificar e desconstruir essa violência e com quem
conversar ao presenciar uma intimidação;
Lidando com mudanças e perdas: Cria um espaço para
falar sobre morte e separação;
Nós sabemos lidar com dificuldades: É o módulo final,
que reforça os aprendizados obtidos durante os encontros e discute como ajudar
os outros e se adaptar à diferentes situações.
Cada tema é tratado de uma forma distinta, que pode ser
desde uma dramatização até um desenho, passando por várias discussões entre o
grupo. Tania percebe que “as crianças reconhecem o programa como uma aula para
brincar. E é fundamental que ele seja muito lúdico”. Geralmente, as temáticas
são introduzidas através de uma história em que o personagem experimenta certos
desafios. Ao sugerir soluções para o personagem, as crianças estão,
paralelamente, descobrindo o que elas poderiam fazer ao se encontrarem naquela
mesma situação.
Ao final de um ano de encontros, pais e professores narram
uma série de avanços: melhora na leitura e escrita, maior interesse pela escola
e vontade de aprender, desenvolvimento da comunicação, expressão de sentimentos
e autoconfiança. Tudo isso influencia diretamente no aprendizado cognitivo, ou
seja, no desempenho acadêmico dos alunos. Na história, Zippy é um inseto
cujos amigos são crianças. A leitura do livro dá início a um debate e outras
atividades lúdicas sobre os desafios que ele enfrenta.
Melhora cognitiva:
Um estudo americano com 300 mil crianças mostrou que aquelas
que estavam inseridas em programas de desenvolvimento de habilidades emocionais
apresentaram um rendimento escolar de 11 a 17% superior do que as que não
participaram. Outras pesquisas vão mais longe: um projeto da Unesco na América
Latina, que abrangeu 54 mil estudantes, concluiu que quem convive harmoniosamente
com os colegas pode atingir notas até 46% mais altas do que aqueles que habitam
ambientes de conflito.
Esses resultados ressaltam a importância de duas frentes na
hora de cultivar a saúde emocional: o desenvolvimento de habilidades e o
ambiente de apoio. Não basta, portanto, ensinar a criança sobre respeito e
solução de problemas se os locais em que ela transita não forem, também,
ambiente seguros, onde ela se sinta ouvida e bem cuidada.
“Quem
experimenta com frequência emoções positivas tem mais facilidade para planejar
e estabelecer metas a longo prazo. Esses estados positivos preparam para um
aprendizado mais rápido e um melhor desempenho intelectual. A isto se somam
outros importantes benefícios psicossociais, que permitem que as crianças e os
professores convivam em um clima muito mais saudável, com menos agressão e
bullying”, disse a educadora e pesquisadora Laura Oros ao portal Terra
Educação. Os benefícios permanecem na vida adulta, implicam em vidas
profissionais bem sucedidas, casamentos saudáveis e menos propensão à depressão
e outras doenças.