quarta-feira, 31 de outubro de 2012

DIALÉTICA MATERIALISTA E A ARTE DA CONTRADIÇÃO

Em mais um texto da série sobre metodologias científicas, chegamos ao método dialético.
A dialética é uma forma de analisar a realidade a partir da confrontação de teses, hipóteses ou teorias  e tem origem na Grécia antiga, com filósofos clássicos como Sócrates, Platão, Aristóteles e Heráclito.
Para Platão, a dialética era a própria definição do pensamento científico, ou seja, a dialética era simplesmente a investigação racional de um conceito.
Assim, a dialética é a investigação através da contraposição de elementos conflitantes e a compreensão do papel desses elementos em um fenômeno. O pesquisador deve confrontar qualquer conceito tomado como “verdade” com outras realidades e teorias para se obter uma nova conclusão, uma nova teoria. Assim, a dialética não analisa o objeto estático, mas contextualiza o objeto de estudo na dinâmica histórica, cultural e social.
A argumentação dialética foi usada também na metafísica (Osho Rajneesh, “guru” indiano, utilizou parte dos pensamentos de Heráclito), sendo sistematizada contemporaneamente pelo pensador idealista alemão Friedrich Hegel.
Hegel, expoente da filosofia clássica alemã, identificou três momentos básicos no método dialético: a tese (uma ideia pretensamente verdadeira), a antítese (a contradição ou negação dessa essa tese) e a síntese (o resultado da confrontação de ambas as ideias). A síntese se torna uma nova tese e o ciclo dialético recomeça.
Mas a dialética só se torna método científico a partir de Karl Marx, que critica o idealismo da filosofia clássica alemã e propõe a dialética materialista, ou seja, a utilização do pensamento dialético como método de análise da realidade, utilizando a própria realidade como argumento.
Este texto, como pretende analisar os métodos científicos, se refere a exatamente esse tipo de dialética: a dialética materialista.
As Leis da Dialética
Os diferentes autores que interpretaram a dialética materialista não estão de acordo quanto ao número de leis fundamentais do método dialético: alguns apontam três e outros, quatro. Quanto à denominação e à ordem de apresentação, estas também variam. Numa tentativa de unificação, diríamos que as quatro leis fundamentais são:
1. ação recíproca, unidade polar ou “tudo se relaciona”;
2. mudança dialética, negação da negação ou “tudo se transforma”;
3. passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa;
4. interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários.
AÇÃO RECÍPROCA
Ao contrário da metafísica, que concebe o mundo como um conjunto de coisas estáticas, a dialética o compreende como um conjunto de processos. Para Engels (ln: Politzer, 1979:214), a dialética é a “grande ideia fundamental segundo a qual o mundo não deve ser considerado como um complexo de coisas acabadas, mas como um complexo de processos em que as coisas, na aparência estáveis, do mesmo modo que os seus reflexos intelectuais no nosso cérebro, as idéias, passam por uma mudança ininterrupta de devir e decadência, em que, finalmente, apesar de todos os insucessos aparentes e retrocessos momentâneos, um desenvolvimento progressivo acaba por se fazer hoje”.
Portanto, para a dialética, as coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está “acabada”, encontrando-se sempre em vias de se transformar, desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro.
Por outro lado, as coisas não existem isoladas, destacadas uma das outras e independentes, mas como um todo unido, coerente. Tanto a natureza quanto a sociedade são compostas de objetos e fenômenos organicamente ligados entre si, dependendo uns dos outros e, ao mesmo tempo, condicionando-se reciprocamente.
Stalin (ln: Politzer et al., s.d.:37) refere-se a esta interdependência e ação recíproca, indicando ser por esse motivo “que o método dialético considera que nenhum fenômeno da natureza pode ser compreendido, quando encarado isoladamente, fora dos fenômenos circundantes; porque, qualquer fenômeno, não importa em que domínio da natureza, pode ser convertido num contra-senso quando considerado fora das condições que o cercam, quando destacado destas condições; ao contrário, qualquer fenômeno pode ser compreendido e explicado, quando considerado do ponto de vista de sua ligação indissolúvel com os fenômenos que o rodeiam, quando considerado tal como ele é, condicionado pelos fenômenos que o circundam”.
Politzer et al. (s.d.:38-9) citam dois exemplos práticos, referentes à primeira lei do método dialético. Determinada mola de metal não pode ser considerada à parte do universo que a rodeia. Foi produzida pelo homem (sociedade) com metal extraído da terra (natureza). Mesmo em repouso, a mola não se apresenta independente do ambiente: atuam sobre ela a gravidade, o calor, a oxidação etc., condições que podem modificá-la, tanto em sua posição quanto em sua natureza (ferrugem). Se um pedaço de chumbo for suspenso na mola, exercerá sobre ela determinada força, distendendo-a até seu ponto de resistência: o peso age sobre a mola que também age sobre o peso; mola e peso formam um todo, em que há interação e conexão recíproca. A mola é formada por moléculas ligadas entre si por uma força de atração de tal forma que, além de certo peso, não podendo distender-se mais, a mola se quebra, o que significa o rompimento da ligação entre determinadas moléculas. Portanto, a mola não distendida, a distendida e a rompida apresentam, de cada vez, um tipo diferente de ligações entre as moléculas. Por sua vez, se a mola for aquecida, haverá uma modificação de outro tipo entre as moléculas (dilatação). “Diremos que, em sua natureza e em suas deformações diversas, a mola se constitui por interação dos milhões de moléculas de que se compõe. Mas a própria interação está condicionada às relações existentes entre a mola (no seu conjunto) e o meio ambiente: a mola e o meio que a rodeia formam um todo; há entre eles ação recíproca.”
O segundo exemplo enfoca a planta, que fixa o oxigênio do ar, mas também interfere no gás carbônico e no vapor d’água, e essa interação modifica, ao mesmo tempo, a planta e o ar. Além disso, utilizando a energia fornecida pela luz solar, opera uma síntese de matérias orgânicas, desenvolvendo-se. Ora, esse processo de desenvolvimento transforma, também, o solo. Portanto, a planta não existe a não ser em unidade e ação recíproca com o meio ambiente.
Em resumo, todos os aspectos da realidade (da natureza ou da sociedade) prendem-se por laços necessários e recíprocos. Essa lei leva à necessidade de avaliar uma situação, um acontecimento, uma tarefa, uma coisa, do ponto de vista das condições que os determinam e, assim, os explicam.
MUDANÇA DIALÉTICA
Todas as coisas implicam um processo, como já vimos. Esta lei é verdadeira para todo o movimento ou transformação das coisas, tanto para as reais quanto para seus reflexos no cérebro (idéias). Se todas as coisas e idéias se movem, se transformam, se desenvolvem, significa que constituem processos, e toda extinção das coisas é relativa, limitada, mas seu movimento, transformação ou desenvolvimento é absoluto. Porém, ao unificar-se, o movimento absoluto coincide com o repouso absoluto.
Todo movimento, transformação ou desenvolvimento opera-se por meio das contradições ou mediante a negação de uma coisa – essa negação se refere à transformação das coisas. Dito de outra forma, a negação de uma coisa é o ponto de transformação das coisas em seu contrário. Ora, a negação, por sua vez, é negada. Por isso se diz que a mudança dialética é a negação da negação.
A negação da negação tem algo positivo, tanto do ponto de vista da lógica, no pensamento, quanto da realidade: sendo negação e afirmação noções polares, a negação da afirmação implica negação, mas a negação da negação implica afirmação. “Quando se nega algo, diz-se não. Esta, a primeira negação. Mas, se se repete a negação, isto significa sim. Segunda negação. O resultado é algo positivo” (Thalheimer, 1979:92).
Uma dupla negação em dialética não significa o restabelecimento da afirmação primitiva, que conduziria de volta ao ponto de partida, mas resulta numa nova coisa. O processo da dupla negação engendra novas coisas ou propriedades: uma nova forma que suprime e contém, ao mesmo tempo, as primitivas propriedades. Como lei do pensamento, assume a seguinte forma: o ponto de partida é a tese, proposição positiva; essa proposição se nega ou se transforma em sua contrária – a proposição que nega a primeira é a antítese e constitui a segunda fase do processo; quando a segunda proposição, antítese, é, por sua vez, negada, obtém-se a terceira proposição ou síntese, que é a negação da tese e antítese, mas por intermédio de uma proposição positiva superior – a obtida por meio de dupla negação.
A união dialética não é uma simples adição de propriedades de duas coisas opostas, simples mistura de contrários, pois isto seria um obstáculo ao desenvolvimento. A  característica do desenvolvimento dialético é que ele prossegue através de negações.
Exemplo: toma-se um grão de trigo. Para que ele seja o ponto de partida de um processo de desenvolvimento, é posto na terra. Com isso o grão de trigo desaparece, sendo substituído pela espiga (primeira negação – o grão de trigo desapareceu, transformando-se em planta). A seguir, a planta cresce, produz, por sua vez, grãos de trigo e morre (segunda negação – a planta desaparece depois de produzir não somente o grão, que a originou, mas também outros grãos que podem, inclusive, ter qualidades novas, em pequeno grau; mas as pequenas modificações, pela sua acumulação, segundo a teoria de Darwin, podem originar novas espécies). Portanto, a dupla negação, quando restabelece o ponto de partida primitivo, ela o faz a um nível mais elevado, que pode ser quantitativa ou qualitativamente diferente (ou ambas).
Segundo Engels (ln: Politzer, 1979:202), “para a dialética não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas e, para ela, nada existe além do processo ininterrupto do devir e do transitório”. Nada é sagrado significa que nada é imutável, que nada escapa ao movimento, à mudança. Devir expressa que tudo tem uma “história”. Tomando como exemplo uma maçã e um lápis, veremos que a maçã resulta da flor, que resulta da árvore – macieira – e que, de fruto verde, a maçã passa a madura, cai, apodrece, liberta sementes que, por sua vez, darão origem a novas macieiras, se nada interromper a seqüência. Portanto, as fases se sucedem, necessariamente, sob o domínio de forças internas que chamaremos de autodinamismo. Por sua vez, para que haja um lápis, uma árvore tem de ser cortada, transformada em prancha, adicionando-lhe grafite, tudo sob a intervenção do homem. Dessa forma, na “história” do lápis, as fases se justapõem, mas a mudança não é dialética, é mecânica. Assim, “quem diz dialética, não diz só movimento, mas, também, autodinamismo” (Politzer, 1979:205).
PASSAGEM DA QUANTIDADE À QUALIDADE
Trata-se aqui de analisar a mudança contínua, lenta ou a descontínua, através de “saltos”. Engels (ln: Politzer, 1979:255) afirma que, “em certos graus de mudança quantitativa, produz-se, subitamente, uma conversão qualitativa”. E exemplifica com o caso da água. Partindo, por exemplo, de 20°, se começarmos a elevar sua temperatura, teremos, sucessivamente, 21°, 22°, 23° … 98°. Durante este tempo, a mudança é contínua Mas se elevarmos ainda mais a temperatura, alcançamos, 99°, mas, ao chegar a 100°, ocorre uma mudança brusca, qualitativa. A água transforma-se em vapor. Agindo ao contrário, esfriando a água, obteríamos 19º, 18° … 1°. Chegando a 0º, nova mudança brusca, a água se transforma em gelo. Assim, entre 1° e 99°, temos mudanças quantitativas. Acima ou abaixo desse limite, a mudança é qualitativa.
Dessa forma, a mudança das coisas não pode ser indefinidamente quantitativa: transformando-se, em determinado momento sofrem mudança qualitativa. A quantidade transforma-se em qualidade.
Um exemplo, na sociedade, seria o do indivíduo que se apresenta como candidato, a determinado mandato. Se o número de votos necessário para que seja eleito é 5.000, com 4.999 continuaria a ser apenas um candidato, porque não é eleito. Mas se recebesse um voto a mais, a mudança quantitativa determinaria a qualitativa: de candidato, tornar-se-ia um eleito. Da mesma forma, se um vestibulando necessita de 70 pontos para ser aprovado, com 69 será apenas um indivíduo que prestou exame vestibular, mas, com 70, passará a universitário.
Denominamos de mudança quantitativa o simples aumento ou diminuição de quantidade. Por sua vez, a mudança qualitativa seria a passagem de uma qualidade ou de um estado para outro. O importante é lembrar que a mudança qualitativa não é obra do acaso, pois decorre necessariamente da mudança quantitativa; voltando ao exemplo da água, do aumento progressivo do calor ocorre a transformação em vapor, a 100°, supondo-se normal a pressão atmosférica. Se ela mudar, então, como tudo se relaciona
(primeira lei da dialética), muda também o ponto de ebulição. Mas para dado corpo e certa pressão atmosférica, o ponto de ebulição será sempre o mesmo, demonstrando que a mudança de qualidade não é uma ilusão: é um fato objetivo, material, cuja ocorrência obedece a uma lei natural. Em conseqüência, é previsível: a ciência pesquisa (e estabelece) quais são as mudanças de quantidade necessárias para que se produza dada mudança de qualidade.

Segundo Stalin (ln: Politzer et al., s.d.:58), “em oposição à metafísica, a dialética considera o processo de desenvolvimento, não como um simples processo de crescimento, em que as mudanças quantitativas não chegam a se tomar mudanças qualitativas, mas como um desenvolvimento que passa, das mudanças quantitativas insignificantes e latentes, para as mudanças aparentes e radicais, as mudanças qualitativas. Por vezes, as mudanças qualitativas não são graduais, mas rápidas, súbitas, e se operam por saltos de um estado a outro; essas mudanças não são contingentes, mas necessárias; são o resultado da acumulação de mudanças quantitativas insensíveis e graduais”.
Essa colocação de Stalin não quer dizer que todas as mudanças qualitativas se operam em forma de crises, explosões súbitas. Há casos em que a passagem para a qualidade nova é realizada através de mudanças qualitativas graduais, como ocorre com as transformações de uma língua.
INTERPENETRAÇÃO DOS CONTRÁRIOS
Considerando que toda realidade é movimento, e que o movimento, sendo universal, assume as formas quantitativas e qualitativas, necessariamente ligadas entre si e que se transformam uma na outra, a pergunta que surge é: qual o motor da mudança e, em  particular, da transformação da quantidade em qualidade ou de uma qualidade para outra nova?
Politzer et al. (s.d.:70-l), citando Stalin, indicam que, “em oposição à metafísica, a dialética parte do ponto de vista de que os objetos e os fenômenos da natureza supõem contradições internas, porque todos têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro; todos têm elementos que desaparecem e elementos que se desenvolvem; a luta desses contrários, a luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que perece e o que evolui, é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, da conversão das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas”.
Estudando-se a contradição, como princípio do desenvolvimento, é possível destacar seus principais caracteres:
1) a contradição é interna – toda realidade é movimento e não há movimento que não seja conseqüência de uma luta de contrários, de sua contradição interna, isto é, essência do movimento considerado e não exterior a ele.
Exemplo: a planta surge da semente e o seu aparecimento implica o desaparecimento da semente. Isto acontece com toda a realidade: se ela muda, é por ser, em essência, algo diferente dela. As contradições internas é que geram o movimento e o desenvolvimento das coisas; 
2) a contradição é inovadora – não basta constatar o caráter interno da contradição. É necessário, ainda, frisar que essa contradição é a luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que perece e o que se desenvolve.
Exemplo: é na criança e contra ela que cresce o adolescente; é no adolescente e contra ele que amadurece o adulto. Não há vitória sem luta. “O dialético sabe que, onde se desenvolve uma contradição, lá está a fecundidade, lá está a presença do novo, a promessa de sua vitória” (Politzer et al., s.d.:74); 
3) unidade dos contrários – a contradição encerra dois termos que se opõem: para isso, é preciso que seja uma unidade, a unidade dos contrários.
Exemplos: existe, em um dia, um período de luz e um período de escuridão. Pode ser um dia de 12 horas e uma noite de 12 horas. Portanto, dia e noite são dois opostos que se excluem entre si, o que não impede que sejam iguais e constituam as duas partes de um mesmo dia de 24 horas. Por sua vez, na natureza existem o repouso e o movimento, que são contrários entre si. Para o físico, entretanto, o repouso é uma espécie de movimento e, reciprocamente, o movimento pode ser considerado como uma espécie de repouso. Portanto, existe unidade entre os contrários, apresentando-os em sua unidade indissolúvel.
“Essa unidade dos contrários, essa ligação recíproca dos contrários, assume um sentido particularmente importante quando, em dado momento do processo os contrários se convertem um no outro” (o dia se transforma em noite e vice-versa); “a unidade dos contrários é condicionada, temporária, passageira, relativa. A luta dos contrários, que, reciprocamente, se excluem, é absoluta, como absolutos são o desenvolvimento e o movimento” (Politzer et al. s.d.:77-9).

REFERÊNCIAS:
POLITZER, Georges. Princípios elementares de filosofia. 9. ed. Lisboa: Prelo, 1979. Parte IV, Capítulos 1,2,3,4 e 5.
POLITZER, Georges et al. Princípios fundamentais de filosofia. São Paulo: Hemus, s.d. Parte I, Capítulos 1, 2, 3,4, 5, 6 e 7.
THALHEIMER, August. Introdução ao materialismo dialético. São Paulo: Ciências Humanas, 1979. Capítulo 10.

O GOLPE DE 1964 E A INSTAURAÇAO DO REGIME MILITAR

Na madrugada do dia 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado contra o governo legalmente constituído de João Goulart. A falta de reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi notável. Não se conseguiu articular os militares legalistas. Também fracassou uma greve geral proposta pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao governo. João Goulart, em busca de segurança, viajou no dia 1o de abril do Rio, para Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência com apoio de oficiais legalistas, a exemplo do que ocorrera em 1961. Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil para ser sepultado, em 1976. 
Antes mesmo de Jango deixar o país, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga a presidência da República. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência, conforme previsto na Constituição de 1946, e como já ocorrera em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. O poder real, no entanto, encontrava-se em mãos militares. No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado "Comando Supremo da Revolução", composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas.

Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro político, como por exemplo o CGT, a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares de pessoas foram presas de modo irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. O líder comunista Gregório Bezerra, por exemplo, foi amarrado e arrastado pelas ruas de Recife. 
A junta baixou um "Ato Institucional" – uma invenção do governo militar que não estava prevista na Constituição de 1946 nem possuía fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se seguiram. Ao longo do mês de abril de 1964 foram abertos centenas de Inquéritos Policiais-Militares (IPMs). Chefiados em sua maioria por coronéis, esses inquéritos tinham o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. Milhares de pessoas foram atingidas em seus direitos: parlamentares tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados. Entre os cassados, encontravam-se personagens que ocuparam posições de destaque na vida política nacional, como João Goulart, Jânio Quadros, Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes. 
Entretanto, o golpe militar foi saudado por importantes setores da sociedade brasileira. Grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja católica, vários governadores de estados importantes (como Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo) e amplos setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar, como forma de pôr fim à ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica. O golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano, satisfeito de ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba, onde a guerrilha liderada por Fidel Castro havia conseguido tomar o poder. Os Estados Unidos acompanharam de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos, principalmente através de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, e do adido militar, Vernon Walters, e haviam decidido, através da secreta "Operação Brother Sam", dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes enfrentassem uma longa resistência por parte de forças leais a Jango. 
Os militares envolvidos no golpe de 1964 justificaram sua ação afirmando que o objetivo era restaurar a disciplina e a hierarquia nas Forças Armadas e deter a "ameaça comunista" que, segundo eles, pairava sobre o Brasil. Uma idéia fundamental para os golpistas era que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros; ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos internos" – para usar uma expressão da época. Esses "inimigos internos" procurariam implantar o comunismo no país pela via revolucionária, através da "subversão" da ordem existente – daí serem chamados pelos militares de "subversivos". Diversos exemplos internacionais, como as guerras revolucionárias ocorridas na Ásia, na África e principalmente em Cuba, serviam para reforçar esses temores. Essa visão de mundo estava na base da chamada "Doutrina de Segurança Nacional" e das teorias de "guerra anti-subversiva" ou "anti-revolucionária" ensinadas nas escolas superiores das Forças Armadas.
Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime democrático que vigorara no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia se mostrado incapaz de deter a "ameaça comunista". Com o golpe, deu-se início à implantação de um regime político marcado pelo "autoritarismo", isto é, um regime político que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário. 
Já no início da "Revolução" ficou evidente uma característica que permaneceria durante todo o regime militar: o empenho em preservar a unidade por parte dos militares no poder, apesar da existência de conflitos internos nem sempre bem resolvidos. O medo de uma "volta ao passado" (isto é, à realidade política pré-golpe) ou de uma ruptura no interior das Forcas Armadas estaria presente durante os 21 anos em que a instituição militar permaneceu no controle do poder político no Brasil. Mesmodesunidos internamente em muitos momentos, os militares demonstrariam um considerável grau deunião sempre que vislumbravam alguma ameaça "externa" à "Revolução", vinda da oposição política. 
A falta de resistência ao golpe de 1964 não deve ser vista como resultado da derrota diante de uma bem articulada conspiração militar. Foi clara a falta de organização e coordenação entre os militares golpistas. Mais do que uma conspiração única, centralizada e estruturada, a imagem mais fidedigna é a de "ilhas de conspiração", com grupos unidos ideologicamente pela rejeição da política pré-1964, mas com baixo grau de articulação entre si. Não havia um projeto de governo bem definido, além da necessidade de se fazer uma "limpeza" nas instituições e recuperar a economia. O que diferenciava os militares golpistas era a avaliação da profundidade necessária à intervenção militar. 
Desde o início havia uma nítida diferenciação entre, de um lado, militares que clamavam por medidas mais radicais contra a "subversão" e apoiavam uma permanência dos militares no poder por um longo período e, de outro lado, aqueles que se filiavam à tradição de intervenções militares "moderadoras" na política – como havia acontecido, por exemplo, em 1930, 1945 e 1954 – seguidas de um rápido retorno do poder aos civis. Os mais radicais aglutinaram-se em torno do general Costa e Silva; os outros, do general Humberto de Alencar Castelo Branco. 
Articulações bem-sucedidas na área militar de um grupo de oficiais pró-Castelo e o apoio dos principais líderes políticos civis favoráveis ao golpe foram decisivos para que, no dia 15 de abril de 1964, Castelo Branco assumisse a presidência da República, eleito, dias antes, por um Congresso já bastante expurgado. O novo presidente assumiu o poder prometendo a retomada do crescimento econômico e o retorno do país à "normalidade democrática". Isto, no entanto, só ocorreria 21 anos mais tarde. É por isso que 1964 representa um marco e uma novidade na história política do Brasil: diferentemente do que ocorreu em outras ocasiões, desta vez militares não apenas deram um golpe de Estado, como permaneceram no poder.

RESUMO
Período: de 31 de março de 1964 (Golpe Militar que derrubou João Goulart) a 15 de janeiro de 1985 (eleição de Tancredo Neves).
Fatores que influenciaram (contexto histórico antes do Golpe):
- Instabilidade política durante o governo de João Goulart;- Ocorrências de greves e manifestações políticas e sociais;
- Alto custo de vida enfrentado pela população;
- Promessa de João Goulart em fazer a Reforma de Base (mudanças radicais na agricultura, economia e educação);
- Medo da classe média de que o socialismo fosse implantado no Brasil;
- apoio da Igreja Católica, setores conservadores, classe média e até dos Estados Unidos aos militares brasileiros;
Principais características do regime militar no Brasil:
- Cassação de direitos políticos de opositores;
- Repressão aos movimentos sociais e manifestações de oposição;
- Censura aos meios de comunicação;- Censura aos artistas (músicos, atores, artistas plásticos);
- Aproximação dos Estados Unidos;- Controle dos sindicatos;
- Implantação do bipartidarismo: ARENA (governo) e MDB (oposição controlada);
- Enfrentamento militar dos movimentos de guerrilha contrários ao regime militar;
- Uso de métodos violentos, inclusive tortura, contra os opositores ao regime;
- “Milagre econômico”: forte crescimento da economia (entre 1969 a 1973) com altos investimentos em infraestrutura. Aumento da dívida externa.
Abertura Política e transição para a democracia:
- Teve início no governo Ernesto Geisel e continuou no de Figueiredo;
- Abertura lenda, gradual e segura, conforme prometido por Geisel;
- Significativa vitória do MDB nas eleições parlamentares de 1974;
- Fim do AI-5 e restauração do habeas-corpus em 1978;- Em 1979 volta o sistema pluripartidário;
- Em 1984 ocorreu o Movimento das “Diretas Já”. Porém, a eleição ocorre de forma indireta com a eleição de Tancredo Neves.
  
PRESIDENTES DO PERÍODO MILITAR NO BRASIL:
CASTELO BRANCO (1964-1967)
COSTA E SILVA (1967-1969)
JUNTA MILITAR (31/8/1969-30/10/1969)
MEDICI (1969-1974)
GEISEL (1974-1979)
FIGUEIREDO (1979-1985) 


FILME DANTON - Resenha Crítica


RESUMO
O Processo da Revolução O filme trata da fase da Revolução Francesa em que os jacobinos estão no poder, mas precisamente Robespierre. Esta é a fase do Tribunal Revolucionário, do Comitê de Segurança Nacional que tinha por função defender a França dos contra-revolucionários e traidores. Robespierre parece defender a liberdade daqueles que não tem muitos prazeres a gozar, mas que são constantemente explorados. Ele se preocupa com a liberdade anterior as outras, pois, se não há exploração os cidadãos tem mais possibilidades. Portanto, para ele o terror era um mal necessário, até mesmo para que os contra-revolucionários percebessem que eles não estavam divididos, e que se estivessem não poupariam nem sequer os aliados, tampouco os inimigos.
Robespierre parece ser um homem gélido, sem coração, que condena amigos a guilhotina, contudo ele o faz para que divergências internas não ponham em risco a Revolução. Seu conceito de liberdade é acima de tudo relacionado com o bem comum, com o bem da recém- criada República, cujo destino parece ser sua única preocupação. Entretanto, Danton não deixa de ter razão, e por isso, é adorado pelo povo, pois compreende seus anseios de voltar viver normalmente, sem medo.
Contudo, ele é contraditório, pois ele mesmo criou o Tribunal Revolucionário, bem como foi julgado por ele. A liberdade para ele era mais imediata e consistia talvez em um desejo de salvar a própria pele, pois parece ter enriquecido com a Revolução e estava sendo acusado de traição. O governo jacobino, se levado a máxima atribuída a Maquiável, “de que fins justificam os meios”, pode ser considerado positivo, pois foi neste período, que se acabou com a escravidão nas colônias, a instituição do sufrágio universal, a obrigatoriedade do ensino, aumento de impostos dos ricos e nobre

CONTEXTO HISTÓRICO
Na segunda metade do século XVIII, a história ocidental vive a passagem da Idade Moderna para Contemporânea, quando a crise do Antigo Regime foi agravada pela difusão dos princípios iluministas que marcaram as revoluções burguesas (Industrial, Americana e Francesa).
A Revolução Francesa foi o principal movimento político e social do século XVIII. Seu caráter democrático e liberal é representado pela ascensão política da burguesia e pela participação de camponeses e artesãos, na luta contra os vestígios feudais do Antigo Regime.
O principal período da revolução, foi a fase popular (1792-940) quando o país foi governado por uma nova assembléia denominada Convenção. Essa etapa conhecerá o chamado "terror", a ditadura dos jacobinos (corrente política liderada pela pequena burguesia aliada ao povo, que defendia um caráter mais popular para a revolução).


Esses, comandados por Robespierre e Saint-Just, instalaram o "terror" após o assassinato do líder jacobino Jean Paul Marat. Era junho de 1793, o ano I da recém proclamada República. Com o Comitê de Segurança Nacional, que garantia a segurança interna, e o Tribunal Revolucionário, encarregado de julgar supostos contra-revolucionários, o terror revolucionário se espalhou por toda França.

Robespierre liderou o movimento, mantendo-se no poder com apoio dos grupos mais extremistas de esquerda, como os hebertistas, seguidores de Hébert, que defendiam a ampliação das medidas de violência. Apesar da ditadura, é nessa fase que ocorre uma série de avanços populares, como a abolição da escravidão nas colônias francesas, o sufrágio universal, a obrigatoriedade do ensino, o aumento dos impostos dos ricos e o confisco de bens dos nobres e dos emigrados. Esses avanços provocaram uma reação contra-revolucionária, contida com milhares de julgamentos, onde o Tribunal Revolucionário dominado pelos jacobinos era a lei. Em menos de um ano, foram condenados à morte na guilhotina mais de 20 mil suspeitos.

No início de 1794, o Terror atinge os próprios membros da Convenção. Os indulgentes, grupo revolucionário chefiado por Georges Danton, pediam o fim das perseguições, temendo que a onda revolucionária pudesse envolvê-los. No início de 1794, Robespierre, contra sua vontade pessoal, condenou Danton à morte visando eliminar todas oposições. Após alguns meses, fragilizado e isolado politicamente, Robespierre foi aprisionado juntamente com Saint-Just, sendo em seguida, ambos condenados à guilhotina. Iniciava-se uma outra etapa da Revolução Francesa, representada pelo restabelecimento da alta burguesia (girondinos), no poder.
 
ANÁLISE
Abordar o imenso canteiro de obras da Revolução Francesa, a partir do alcance do eco que ela encontrou na Europa e no mundo, é mais que se conformar com a vocação própria de um "Congresso Internacional das Luzes", atento por natureza à abordagem comparativa, assim como aos fenômenos de difusão: é também responder à solicitação de um momento. E enquanto sentimos os ecos do Bicentenário da "Grande Revolução": um acontecimento que pertence tanto ao patrimônio da humanidade quanto ao da França; a tentação de um balanço impõe-se legitimamente. É a óptica de nosso estudo de todas as formas de recepção no pensamento político, filosófico ou histórico, na literatura, na arte e mais amplamente todos os suportes do imaginário, das idéias-forças, assim como da memória do acontecimento.
Falar aqui de eco (ou de repercussão) da Revolução parece, à primeira vista, limitar o campo operacional, ainda que tenha considerado o termo em toda a riqueza das leituras que ele autoriza, do que dá testemunho a multiplicidade dos equivalentes semânticos encontrados no decorrer das comunicações (eco, ressonância, influência, difusão, recepção, impacto, repercussões, reações, legados, ou herança ...). Tal lista tendo sido evocada não apenas pela curiosidade, mas pelas nuances que sugere na maneira de abordar o problema. Limitar-nos-emos à leitura mais imediata do termo como percepção, impressão causada pela Revolução Francesa sobre os contemporâneos, sem levar em conta os abalos profundos que provocou nos sistemas institucionais e sociais.
Permiti-me não hesitar em transpor essa fronteira, e espero com razão. A reflexão na história do século XIX aos dias de hoje, considerando que o eco diferido ou prolongado é tão importante quanto o eco imediato. Tal conduta impõe-se sobremaneira, tanto que em muitos países, por razões ao mesmo tempo geográficas e históricas, o impacto contemporâneo dos fatos foi modesto, até mesmo nulo.
A descoberta ulterior, ao contrário, notável e duradoura em seus efeitos. Partilho desse ponto de vista, mesmo que pareça à primeira vista exceder os limites cronológicos da análise de um filme com conteúdo histório setecentistas. A bem dizer, a diversidade das contribuições propostas deixa incontestavelmente a impressão de um canteiro amplamente aberto, tanto numa perspectiva geográfica quanto temática. É ao longo do tempo que se aprecia a dimensão real do acontecimento que encerra o Século das Luzes.
Um Canteiro Antigo e Novo
A afirmação pode parecer paradoxal: que se tenha falado em termos de conquistas da Liberdade, ou das vitórias da Grande Nação, ou, ao contrário, de denúncia do contágio revolucionário, o problema do eco da Revolução é tão velho quanto o próprio acontecimento. De início, num gigantesco diálogo com múltiplas vozes, onde Burke e Thomas Paine se respondem, onde Chateaubriand e Joseph de Maistre se esforçam para teorizar a quente a experiência em curso e dar-lhe resposta, o problema da Revolução foi colocado em termos gerais. Mas, como pode ter sido de outra forma, se o confronto armado, a partir de 1792, e até 1815, conduzia a um abalo generalizado da Europa monárquica em seus equilíbrios mais enraizados?
As notícias da Revolução Francesa chegaram a Portugal através de embaixadores, causando espanto e medo. Em Fevereiro de 1793, a rainha D. Maria I ordenou que se fizesse luto durante quinze dias pela morte dos reis de França.
A Revolução Francesa pôs em perigo outras monarquias absolutas na Europa. E alguns reis absolutistas, ao sentirem-se ameaçados, reagiram e declararam guerra à França. No comando das tropas franceses notabilizou-se um militar ambicioso chamado Napoleão Bonaparte, que depois de sucessivas vitórias, foi coroado imperador. O sonho de Napoleão Bonaparte, era conquistar toda a Europa e governá-la como um império. Esta onda de vitórias terminou na célebre batalha de Trafalgar (1805). A armada inglesa, sob o comando do almirante Nelson, derrotou a armada francesa. Apesar deste fracasso, Napoleão conseguiu algumas vitórias sobre outros reinos do continente – Áustria, Rússia e Prússia.
Passar dessas reações a quente às abordagens científicas do tema, demandaria um percurso historiográfico em cujo detalhe não entrarei. Nas grandes obras históricas da época romântica, de Thiers a Michelet, a Lamartine ou a Louis Blanc, a dimensão internacional do abalo revolucionário está longe de estar ausente, mas continua, no estado dos conhecimentos, galocêntrica, apesar de virem do exterior considerações que ainda se hipnotizam com o acontecimento da Revolução em si, como Carlyle, que trata desse "prodígio chamado Revolução Francesa que o Universo ainda olha com estupefação".
Também como Eric Hobsbwan brilhantemente demonstrou em “Ecos da Marselhesa”, onde situa a Revolução Francesa na história dos séculos XIX e XX, examinando o processo de sua recepção nestes duzentos anos e o significado de sua herança. As conexões teóricas e políticas da Revolução Francesa com a Revolução Russa, exploradas; 1917 aparece como a realização dos ideais de 1789 e isso tem impacto na historiografia contemporânea.
Explosão no espaço, explosão também no tempo; uma parte importante da leitura inscreveu-se no quadro mais amplo de uma visão renovada das Luzes européias e dos estudos de sua difusão, ou de sua influência, que deram lugar a toda uma série de encontros, de historiadores e de literatos. Assim o problema das origens, ou das raízes, ocupa posição privilegiada tanto no nível da influência dos grandes pensadores quanto no das aberturas de caminho (sociabilidade maçônica) que operam no período pré-revolucionário. A jusante, são os ecos de longo prazo da Revolução Francesa que solicitam pesquisas, como é o caso nos países da Europa Central, Balcânica e do Leste, onde a difusão dessa imagem se operou no decurso dos movimentos nacionais e revolucionários do século XIX. Questão que se coloca em termos semelhantes para a América Latina.
A literatura e o discurso propriamente político continuaram sendo muito naturalmente o lugar onde se inscreve a referência à Revolução Francesa, permanecendo até o início do século XX a referência maior a uma modificação violenta da ordem social e institucional, como o lugar fundador de toda uma filosofia política. Lembrança da herança dos valores-chaves liberdade, igualdade, fraternidade, reflexão sobre as vias da passagem de um estado social a um outro, pela riqueza das experiências históricas da qual era portadora, a Revolução Francesa pôde ser reclamada sucessivamente pelos movimentos liberais do século XIX nacionais, assim como conheceu, a partir de 1848, uma espécie de apropriação pelas correntes socialistas, e o movimento operário, integrando em seu patrimônio a referência a essa experiência coletiva. No que defini como plasticidade da herança revolucionária, é evidente que não foram considerados os mesmos aspectos da herança, ou os mesmos heróis, de 1789 ou 1793, Mirabeau ou Robespierre.

A GUERRA DO PARAGUAI E SUAS VERSÕES HISTORIOGRÁFICAS

A Guerra do Paraguai foi um marco para os países que dela participaram. Guerra do Paraguai se diz no Brasil; Guerra da Tríplice Aliança se fala no Rio da Prata e, no Paraguai, é conhecida como Guerra Grande; na busca de uma designação comum se poderia dizer Guerra de 1865-1870. Dessas designações a que mais se aproxima da realidade é, de fato, Guerra Grande: grande foi sua duração; grande foi o sofrimento humano que desencadeou nas nações envolvidas e grandes foram as conseqüências políticas e econômicas para os países que a lutaram.
A Historiografia da Guerra do Paraguai sofreu mudanças profundas desde o desencadeamento do conflito. Durante e após a guerra, a historiografia dos países envolvidos limitou-se a explicar suas causas como devida apenas à ambição expansionista e desmedida de Solano López. A partir dos anos 1960, uma segunda corrente historiográfica, apresentou a versão de que o conflito bélico teria sido motivado pelos interesses do Império Britânico que buscava a qualquer custo impedir a ascensão de uma nação latino-americana poderosa militarmente e econômica.
A partir dos anos 1980, novos estudos propuseram razões diferentes, revelando que as causas se deveram aos processos de construção dos Estados nacionais dos países envolvidos(Paraguai,Argentina,Uruguai e Brasil).

1.        A HISTORIOGRAFIA TRADICIONAL (1868 – 1970)
A historiografia tradicional, também chamada de Oficial e Ufanista, surgiu imediatamente após o conflito e perdurou até o final da década de 1960. Tratava-se de uma visão simplista e exagerada das causas da Guerra do Paraguai que teria ocorrido graças às ambições infinitas de um supostamente megalomaníaco e sanguinário Solano López que tinha por intenção criar o "Paraguai Maior" através da conquista de territórios dos países vizinhos. A reação dos Aliados teria ocorrido então numa tentativa desesperada de fazer prevalecer a "civilização" de países constitucionais e democráticos contra a "barbárie tirânica" do Paraguai governado por López.
Sua grande duração foi justificada pela obstinação de Pedro II de ver López derrotado por desprezá-lo ao considerá-lo mais um caudilho latino-americano e consequentemente, seria necessário lavar a honra do Brasil. Também se alegou que a irritação do Imperador teria ocorrido após uma proposta de López para casar-se com a princesa Isabel, mas isto nunca ocorreu e trata-se de uma invenção posterior de um autor norte-americano. Mais tarde, surgiria o culto oficial dos heróis da guerra tais como o Duque de Caxias, Tamandaré, Osório e Mitre. Enquanto que no Paraguai, do fim da guerra até meados da década de 1930, López era visto também como um megalomaníaco que destruiu o país numa guerra desnecessária e fútil.

2.     A historiografia revisionista (1968 – 1990)
A chamada historiografia revisionista surgiu no final da década de 1960 e ganhou força durante a década de 1970-80. As origens remotas da mesma perduram do final do período monárquico do Brasil, quando os republicanos e militares insatisfeitos realizaram ataques e críticas quanto a participação brasileira no conflito. Havia por detrás de tais acusações uma ideologia em comum entre os republicanos brasileiros, assim como argentinos e uruguaios, que tinham por objetivo desacreditar o regime monárquico ao considerá-lo o único culpado pelo desencadeamento da Guerra do Paraguai e das atrocidades cometidas.
O revisionismo histórico da Guerra do Paraguai recebeu impulso de fato em 1968 a publicação da obra "A Guerra do Paraguai – Grande negócio!" do escritor Leon Pomer onde alegou que a guerra ocorreu por interesse único da Grã-Bretanha (recentemente Pomer reconheceu que a Grã-Bretanha não teve participação alguma). Na obra, em tantas outras publicadas no período, o Paraguai é apresentado como um país socialista e igualitário, além de extremamente moderno, rico e poderoso. Seu governante, Solano López, seria uma espécie de líder visionário, antiimperialista e socialista que buscava tornar seu país livre das influências "imperialistas" estrangeiras. A Grã-Bretanha, supostamente receosa deste modelo autônomo e temendo que pudesse vir a servir de exemplo para os países vizinhos, tratou de ordenar que o Brasil, Argentina e Uruguai, simples "marionetes", destruíssem o Paraguai, exterminando praticamente toda a população paraguaia conseqüentemente.
Tal visão propagada pela historiografia ainda é ensinada na maior parte das escolas dos países latino-americanos, carece de qualquer tipo de provas concretas, dados ou evidências.
Contudo, os efeitos da visão historiográfica revisionista do conflito foram impactantes, pois diversas gerações de latino-americanos (principalmente brasileiros, argentinos e uruguaios) vieram a observar seu passado de uma forma pessimista e a desprezarem os vultos históricos de seus países”.

3.        HISTORIOGRAFIA MODERNA (1990 a ____)
Os estudos realizados por profissionais revelaram que as causas do conflito não foram em razão de influência externa ou por uma pura e simples ambição de um único homem. Mas sim, uma série de fatores relacionados a formação como: Estados-nações dos países participantes e dos processos geopolíticos e econômicos da região, resultante de heranças históricas, políticas e geográficas de duas culturas diferentes: portuguesa e espanhola. O historiador Francisco Doratioto apresenta de maneira concisa esta nova visão sobre as causas do conflito.
“A Guerra do Paraguai foi fruto das contradições platinas, tendo como razão última a consolidação dos Estados nacionais na região. Essas contradições se cristalizaram em torno da Guerra Civil uruguaia, iniciada com o apoio do governo argentino aos sublevados, na qual o Brasil interveio e o Paraguai também. Contudo, isso não significa que o conflito fosse a única saída para o difícil quadro regional. A guerra era umas das opções possíveis, que acabou por se concretizar, uma vez que interessava a todos os Estados envolvidos. Seus governantes, tendo por bases informações parciais ou falsas do contexto platino e do inimigo em potencial, anteviram um conflito rápido, no qual seus objetivos seriam alcançados com o menor custo possível. Aqui não há ‘bandidos’ ou ‘mocinhos’, como quer o revisionismo infantil, mas sim interesses”.
A guerra era vista por diferentes ópticas: para Solano López era a oportunidade de colocar seu país como potência regional e ter acesso ao mar pelo porto de Montevidéu, graças a aliança com os blancos uruguaios e os federalistas argentinos, representados por Urquiza; para Bartolomeu Mitre era a forma de consolidar o Estado centralizado argentino, eliminando os apoios externos aos federalistas, proporcionando pelos blancos e por Solano López; para os blancos, o apoio militar paraguaio contra argentinos e brasileiros viabilizaria impedir que seus dois vizinhos continuassem a intervir no Uruguai; para o Império, a guerra contra o Paraguai não era esperada, nem desejada, mas, iniciada, pensou-se que a vitória brasileira seria rápida e poria fim ao litígio fronteiriço entre os dois países e às ameaças à livre navegação, e permitira depor Solano López.”.
“Dos erros de análise dos homens de Estado envolvidos nesses acontecimentos, o que maior consequência teve foi o de Solano López, pois seu país viu-se arrasado materialmente no final da guerra. E, recorde-se, foi ele o agressor, ao iniciar a guerra contra o Brasil e, em seguida, com a Argentina”.
Esta última corrente historiográfica é a que está sendo levada em conta pelos livros e obras mais recentes que tratam do assunto. Tal fato é proveniente do fato de que ao contrário das duas correntes anteriores, embora também adote uma linha de pesquisa portanto ideológica, não se trata de um estudo baseado somente em ideologias ou patriotismo, mas de um trabalho científico.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Império de Songhai (GAO)


Songai foi o último grande estado mercantil-tributário do Sudão Ocidental. Com ele interrompeu-se o processo de ascendente das civilizações negras na região.

O Reino Gao alcançou invulgar poder e riqueza antes de se dissolver as condições que haviam dado origem ao importante movimento civilizatório. As origens do Império Songai, como o
reino de Gana e de Mali, são praticamente desconhecidas. Sabemos de populações songais vivendo em regiões do Kukia (afluente do Níger), divididas em dois grandes grupos: os sorkos, pescadores, e os gous, caçadores.
Segundo a tradição oral, estas populações eram governadas por um chefe-sacerdote (kanta) e o povo era tiranizado por um peixe monstruoso. Um estrangeiro chegado do Iêmen matou o animal e fundou a dinastia Dia, que passou a controlar o pequeno reino.

O décimo-quinto Dia teria se convertido ao islamismo, sob a influência dos comerciantes muçulmanos de Gao e transferido para esta cidade a capital do reino. Gao, nesta época, despontava como centro mercantil e enriquecia-se devido à crescente importância das rotas comerciais saarianas do oriente. Como no caso de Gana, o senhor africano e sua gente não viviam em Gao, que era reservada aos comerciantes islamizados. Habitava uma aglomeração urbana próxima àquela cidade. Os pescadores songais controlavam o comércio fluvial do Níger, principalmente o do valioso sal.


O reino de Songai foi conquistado por Mali, na Segunda metade do século XIII. Seus príncipes reais tiveram que deixar suas terra para servirem, como oficiais, nos exércitos de Mali.

Um príncipe Songai, entretanto, voltou fugido para sua gente e libertou pequena parcela dos territórios songais. Gao e a ex-capital política do reino continuaram nas mãos de Mali. Este senhor rebelde tomou o título de Soni e fundou uma nova dinastia. Com a decadência do império mandinga, os sonis começaram a crescer em poderio. Na Segunda metade do século XV, um soni, Ali, O Grande, derrotou o império Mali e fundou o mais importante império comercial-tributário do Sudão ocidental. Este senhor mostrou-se um grande general e estadista. Depois de estender os territórios nacionais com brilhantes campanhas militares, administrou o império através de governadores, construiu canais de irrigação e formou uma importante flotilha no Níger, entre outras realizações.


Dinastia Áskia

Quando soni Ali morreu em l492, foi substituído por seu filho que como Soni Ali, era também o chefe do partido antimuçulmano.


Entretanto dois anos depois, o poder foi tirado das mãos deste filho. Um ex-general de Soni Ali derrotou o novo senhor e tomou o poder.


Mohammed, de origem sarakolê, fundou a dinastia Áskia e aliou-se ao partido muçulmano. No inicio de seu império viajou a Meca (1496-l497), escolheu auxiliares entre os letrados muçulmanos de Tumbuctu e fez-se investir como califa do Sudão Ocidental pelo xerife de Meca. Foi sob o reinado do novo senhor que o império de Songai alcançou seu máximo apogeu.


O Áskia Mohammed foi um grande conquistador e estadista. Dividiu o império Gao em quatro vice-reinos, organizou um sistema regular de arrecadação de impostos, unificou os pesos e as medidas, explorou as salinas de Teghazza, fortaleceu a flotilha do Níger e, pela primeira vez no Sudão Ocidental, formou um exército regular constituído de escravos e prisioneiros.

O Império de Songai não foi um mero sucessor das duas formações negro-africanas anteriores. Ele superou qualitativamente o reino de Gana e o império de Mali. Gana restringiu-se, no geral, aos territórios do povo Sarakolê. Mali e Songai, ao contrário, foram impérios que abarcaram etnias e populações muito amplas do que respectivamente, os povos mandingas e Songai. O último império, no nível poético e organizativo, ultrapassou os dois anteriores. Começava-se viver plenamente uma organização estatal com classes antagônicas e com um aparato administrativo que aos poucos se distanciava da organização gentílica e tribal. O Estado Gao possui pela primeira vez no Sudão ocidental, um exército profissional e uma arrecadação sistemática de impostos. É também sintomático que o fundador da dinastia Áskia tenha sido um Sarakolê e não um Songai, que continuou sendo a etnia base do império.

Com 86 anos, o Áskia Mohammed foi destituído por seu filho. O Império iniciava a sua decadência, apesar da grandeza que vivia. Songai controlava importantes territórios ao sul, o antigo reino de Mali, diversos Estados hauças, etc. Entretanto, a sua soberania era imposta às províncias estrangeiras através do terror. As populações dominadas esperavam a hora em que poderiam liberta-se. O Filho de Mohammed viu seu poder debilitar-se lentamente. O Império Songai desagregou-se durante o último reinado Áskia, Ishaq II (l588 –l591).



Nas últimas décadas do Século XVI, os senhores muçulmanos do Marrocos voltaram os olhos para as riquezas do Império Songai, tentando responder à séria crise que Marrocos vivia. Por outro lado, os portugueses aferravam-se firmemente às costas marroquinas. Por outro lado, a crescente importância das linhas mercantis orientais controladas por Songai determinava que as rotas do Sudão Ocidental/Magrebe perdessem importância. O deslocamento mercantil, profundamente prejudicial ao Marrocos, devia-se à crescente insegurança do Saara Ocidental, aos melhores preços dos mercados orientais e à própria localização dos territórios nacionais gaos.