Eis um assunto para muitos estudos, é um filme para ser assistido diversas vezes. Num preâmbulo do que será abordado e considerado como predisposição inata dos seres vivos para realizar determinado atos ou comportamentos padronizados e independentes de sua vontade O Instinto – neste caso não relacionado ao filme, mas ao conceito - supõe-se uma forte base genética para sua existência, ideia defendida já por Darwin. O que determina esta suposta influência genética sobre os instintos não são completamente compreendidos.
O instinto solicita o uso da razão para evitar o comprometimento indevido, como aconteceu - no filme. A mensagem é profunda, pois leva ao questionamento das ilusões que alimentamos e prisões em que nos trancamos por força das circunstâncias que nos cercam ou pelo desejo de agradar.
Resumo do filme:
Como próprio título diz, o filme trata do tema aludido, é um grito à liberdade, um protesto à manipulação de qualquer nível, embora sem sancionar o uso da violência apresentada.
Ethan Powell (Anthony Hopkins) é um antropólogo que foi pra Uganda pesquisar a vida dos gorilas. Introduz-se paulatinamente entre os animais, conhecendo seus costumes e hábitos, sendo inclusive aceito como integrante da família de gorilas. Com efeito passa um tempo vivendo como “um integrante aceito” no grupo desses antropóides Tempos depois, foi preso, tachado psicopata, doente mental agressivo, acusado de assassinato de guardas florestais.
Extraditado para os EUA ele é encarcerado em uma prisão famosa por abrigar criminosos psicopatas do mais alto potencial de periculosidade. Na prisão, o médico Theo Caulder (Cuba Gooding Jr.) vê em Ethan um grande material para desenvolver uma pesquisa para se consagrar enquanto psiquiatra – recuperar um recolhido silencioso, considerado agressivo, irrecuperável e mantido algemado.
Nesse ínterim as coisas tomam rumos bem diferentes, onde cliente e terapeuta fazem parte de um papel só.
Ao longo desse relacionamento o jovem psiquiatra compreendeu a situação de Powell e se deparou com o desmoronamento da ciência; percebeu que somente os meios e técnicas científicas eram insuficientes e por vezes caducos diante da complexa realidade – que será tratada mais adiante; o promissor psiquiatra passou a não mais querer buscar a “verdade” em Powell para ser revelada em uma “tese científica” e passou a viver uma relação cliente-terapeuta e não cliente e terapeuta. A separação objeto e observador deixou de existir entre os dois e ambos passaram a se relacionar como seres humanos, onde um é afetado pelo outro. Theo e Powell faziam um para o outro, o papel de cliente e terapeuta juntos.
Theo conseguiu realizar algumas mudanças na prisão. Criou métodos mais justos e que não implicava em violência, o que acabou por desagradar as autoridades governamentais que iriam acarretar uma série obstáculos, por vezes sujos, para o psiquiatra e os detentos. Mas Theo havia conseguido mudar a mentalidade dos detentos e do psiquiatra local, que passaram a ver no respeito e na compreensão, elementos para substituir a violência – algo que até então era o exemplar.
Durante a trama, Powell, o civilizado que compreendeu os “selvagens”, agora compreendia ambos os lados; e o lado soturno para ele era o dos civilizados, os verdadeiros “selvagens” no sentido pejorativo. Conseguiu expor suas idéias a Theo, estabeleceram um vínculo favorecedor e tinham momentos juntos livres da vigilância, onde o antropólogo muito temido chegava até a ser liberado das algemas. Theo conseguiu uma audiência para que Powell pudesse expor as injúrias e toda trama que o colocaram na condição de um criminoso psicopata.
Mas os obstáculos eram muitos. O diretor da prisão era autoritário. Alguns policiais provocavam Powell e os presos para que situações fossem criadas onde eles pudessem usar violência e culpabilizar os detentos – algo não muito diferente do que muitas escolas e outras instâncias governamentais, ainda hoje, costumam fazer.
Daí em diante, só mesmo refletindo sobre o homem civilizado que inventou o papel de superior para si mesmo diante dos selvagens que vivem na natureza e que também, pelo homem, foram colocados na condição de inferiores. Powell traz em tona o quanto os homens não compreendem os “selvagens” e o quanto a vida civilizada é deturpada em seus significados.
Powell encontrou no meio dos gorilas e na vida selvagem uma vida autêntica, longe dos jogos perigosos que se armam na civilização. Os humanos correm todos pela paz, mas suas ações causam conflitos, um quer se sobressair diante do outro. A paz, tão desejada pelos humanos, sentimento colocado no altar, quem diria, está entre os “selvagens” e não entre “nós civilizados”, diz-nos a mensagem de Powell.
Longe de ser um filme romântico e moralista, o filme mostra os obstáculos que irão surgir caso a civilização queira abandonar a si própria e desejar o selvagem, como o próprio Powell experimentou. Também não é um filme que irá apontar deveres dos homens, não aponta que os homens devem voltar a andar sobre quatro patas, como diria a critica de Voltaire à obra de Rousseau. O filme suscita o pensar sobre o extermínio dos animais pelo homem, do homem pelo homem, dos problemas que a civilização também cria entre outras questões, deixando em aberto um vasto horizonte para o animal homem pensar a sua própria condição.
Powell, o “selvagem”, ensinou o civilizado Theo, e este ensinou o selvagem, que por fim, parece ter compreendido que uma vez nascendo no seio da civilização não seria uma simples questão de escolha optar pela vida na selva; mas nem por isso se rendeu à civilização: encontrou-se com a clareira do ser heideggeriano
Finalmente como convém à cultura americana o jovem médico consegue o que parecia impossível: ajuda o doente falar e, com isso, é permitida sua soltura das algemas. Das sessões de terapia psiquiátrica consegue extrair a razão da violência: quando na floresta, em companhia dos gorilas, os animais foram atacados impiedosamente por guardas florestais e ele, na defesa instintiva de sua família, utiliza-se da agressão e acaba assassinando vários guardas. No curso do filme, quando o médico estava prestes a efetivar sua liberdade, um colega de prisão foi atacado por um dos carcereiros e nosso personagem, novamente na defesa instintiva de sua nova família de presidiários, volta a usar de extrema violência, complicando em definitivo qualquer possibilidade de liberdade.
O filme destaca valores reais da vida humana, como a solidariedade, e mostra a superficialidade das ilusões, mantidas muitas vezes à custa de manipulações, sacrifício da liberdade (e cujas grades nós mesmos construímos) e tolas vaidades, verdadeiramente passageiras.
Tanto é que em seu regresso ao que consideramos civilização o personagem de Hopkins não emitia uma palavra, nem mesmo possuía uma expressão humana e se apresentava como um “selvagem”, ninguém, nem mesmo a filha, consegue sensibilizá-lo para estabelecimento de comunicação: estava na civilização, mas havia abdicado dela, seu espírito estava lá na selva, junto com os gorilas.
Ainda sob um olhar crítico à nossa civilização em contrapartida ao que seja vida selvagem vemos cenas de tortura, sedação através de altas dosagens de psicotrópicos e brutalidade - os meios utilizados por policiais e pelo psiquiatra da prisão – algo que infelizmente ainda subsiste na mentalidade atual.
De outro aspecto, cientes da justa reprovação social da violência dos assassinatos, ainda que na luta pela preservação, o filme nos revela a facilidade da escravidão que é orientada pelo jogo das relações humanas e imposta pela sociedade. Ah! Isto é inquestionável. E foi justamente este quadro social doentio que o personagem principal buscou mostrar ao seu legítimo defensor. Neste ponto, prefiro ficar com o posicionamento de outro filme, Uma estória americana, que narra sobre o preconceito racial americano e culmina com uma reação sem violência daqueles que eram discriminados, segundo o uso da razão em lugar do instinto e, por isso, mais ajustada aos princípios usados por Gandhi.
Primitivamente destinado a desenvolver no homem animal o cuidado de sua conservação e de seu bem-estar, o instinto também pode ser considerado uma das origens do mal; porque, persistindo mais violento e mais áspero em certas naturezas, ele as impele a se apoderarem do que desejam ou a concentrar o que possuem. O instinto, a que os animais obedecem cegamente, e que é a sua própria virtude, deve ser incessantemente combatido pelo homem que quer elevar-se e substituir o grosseiro utensílio da necessidade pelas armas finamente cinzeladas da inteligência..
O instinto é mau, porque é puramente humano e a humanidade não deve pensar senão em se despojar, em deixar a carne para elevar-se ao espírito e ao intelecto... a partir destas pequenas e rudimentares linhas filosóficas nada de verdadeiramente bom pode emanar do instinto.
Podemos, entretanto dizer que há duas espécies de instintos: o animal, e o moral. O primeiro é orgânico; é dado aos seres vivos para a sua conservação; é cego, quase inconsciente, quase um contrapeso à sua indiferença e à sua negligência – nos iguala aos homens do Mito da Caverna.
Já o mesmo não acontece com o instinto moral, privilégio do homem, que podemos definir como propensão inata para fazer o bem ou o mal. Ora, essa propensão é devida ao estado de maior ou menor avanço do que seja um ou outro, da capacidade de discernimento ou do espírito. O homem que já é depurado em si faz o bem sem premeditação, como uma coisa natural.
Assim, desculpem-me alguns filósofos, mas não considero justo afirmar que ‘os homens que não são bons e devotados senão instintivamente, o são mal; porque sofrem uma cega dominação que, de repente, pode precipitá-los no abismo’.
Em minha humilde e ainda frágil interpretação os que são instintivamente bons e devotados denotam um progresso realizado.
Revendo o filme observo que dominado pelo instinto, o protagonista usou da violência, seja por quais razões foram, a partir da premissa do bem ou mal absolutos e instintivos se houvesse no personagem a propensão inata para fazer o bem – devida ao estado de maior ou menor avanço ou desenvolvimento antropológico, tal violência seria substituída pela reflexão madura.
De igual forma, na medida em que o homem for mais ou menos avançado ou desenvolvido, tais instintos podem direcioná-lo para atos repreensíveis, e ele (homem) será guiado nisso por seu grau de desenvolvimento que simpatizam ou antagonizam com essas disposições, mas não há arrebatamento irresistível, quando tem a vontade de resistir. Parafraseando a Genesis ”(...) Nos atos instintivos, não há nem reflexão, nem combinação e nem premeditação. (...)”
Já no seu início o homem não tem senão instintos e aquele, pois, em quem os instintos dominam está mais próximo do ponto de partida do que do objetivo. Para avançar em direção ao objetivo, é preciso vencer os instintos em proveito dos sentimentos, quer dizer, aperfeiçoar estes sufocando os germes latentes da matéria. Os instintos são assim a germinação e os embriões dos sentimentos; eles carregam consigo o progresso.
Ao analisarmos as paixões como sentimentos; tais paixões são verdadeiras alavancas das forças do homem e o ajudam na realização dos objetivos, mas, se em lugar de as dirigir, o homem se deixa dirigir por elas, cai nos excessos e a própria força que, em suas mãos, poderia fazer o bem, recai sobre ele e o esmaga. Todas as paixões têm seu princípio num sentimento ou necessidade natural. O princípio das paixões, portanto, não é um mal, visto que repousa sobre uma das condições providenciais de nossa existência. A paixão, propriamente dita, é o exagero de uma necessidade ou de um sentimento. Ela está no excesso e não na causa, e esse excesso torna-se um mal quando tem por conseqüência um mal qualquer. Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal, o distancia da natureza intelectual.
No que tange a antropologia há uma clara distinção entre o que sejam componentes instintivo e cultural; como exemplos clássicos de comportamento, desenvolvidos ao extremo, são o dos insetos, por um lado - instintivo, e dos mamíferos - cultural, por outro. Enquanto que os primeiros praticamente não têm aprendizado e nascem com quase toda a informação que precisam para sobreviver, os segundos são seres com comportamento social e que precisam da convivência em grupo, pelo menos na infância, para adquirir o acúmulo de sucessos das gerações anteriores, transmitido culturalmente e não no equipamento genético.
Segundo essa concepção, as características do instinto providencialidade, infalibilidade, que deriva do caráter interior e graças à qual o instinto estaria sempre apto a garantir a vida do animal e a continuação da espécie; imutabilidade, que deriva das duas características precedentes e que consiste na imperfectibilidade do instinto; cegueira, no sentido de que o instinto foge ao controle do animal e o guia sem nenhuma iniciativa direta de sua parte. Algumas dessas características por vezes foram pressupostas e mantidas na concepção científica do instinto Contudo, são típicas da concepção metafísica, sendo caracteres presumidos, deduzidos da função atribuída ao instinto no cosmo, todos em oposição aos dados da observação. Essas características também são admitidas e defendidas habitualmente - tanto que aceitamos as formas de tortura praticadas contra a personagem, desde sua captura.
O filme Instinto, portanto, traz importante contribuição para diversos entendimentos do domínio das paixões e pela necessária prevalência do sentimento e da razão sobre o instinto, do que compõe o instinto – inerente dos seres vivos de outro, a que chamamos de cultural, ou seja a informação transmitida e apreendida visando a perpetuação da espécie, sem olvidar outros questionamentos significativos sobre a vida social.
O que significa fazer parte de uma civilização, de uma ordem, uma “ilusão” ou uma grande brincadeira que perdura por milhares de anos, o que significou para o homem criar para si esta aventura rumo ao que a sua natureza lhe destinou
O destaque para a expressão “sua família” é proposital, segundo a narrativa do filme: tanto em companhia dos gorilas, como em companhia dos demais presos. Ainda que sem os laços da consangüinidade, o instinto de conservação leva à defesa mútua dos companheiros de convivência.
Sem falar dos laços de família ou raça, presenciei pessoalmente esta questão de solidariedade entre pessoas estranhas entre si, porém que passaram à rotina da convivência. Podemos observar atentamente laços de solidariedade que são estabelecidos entre indivíduos que juntos convivem, embora despidos de outros vínculos que os poderiam prender emocionalmente. A convivência, levada a um nível extremo no caso do filme, estreitou os laços e os afetos, possibilitou a solidariedade, portanto.
Isto foi algo que efetivamente impressionou não só ao personagem, mas também a mim: os gorilas aceitaram uma espécie diferente, coisa que ele não encontrava entre os humanos - e nem a maioria de nós encontra - que costumam não aceitar nem os seus semelhantes- triste constatação que os gorilas são mais humanizados que o homem civilizado.
Convivendo com os gorilas o antropólogo se vê longe daquela “necessidade do homem moderno” de sempre querer mais além do necessário – o acúmulo de riquezas - além do extermínio intra e inter espécie – algo que só os humanos fazem. A civilização é doente e terrivelmente mefítica quando Powell se vê diante de uma paz na vida selvagem com os gorilas que ele pondera e enfatiza: uma paz que os humanos não são capazes.
O que parece ser a questão central em torno da antípoda civilização x “selvagem” – com aspas para sinalizar que selvagem não está empregado no sentido pejorativo como costuma ser usado pelos civilizados, começa então a ser desconstruído.
Se antes Powell havia partido com a intenção de elaborar estudos teóricos sobre os gorilas, um material que serviria à ciência, em meio ao grupo ele abdicou da civilização. O mundo sustentado pelas palavras e teorias inventadas pelo homem desaparece por completo, restando somente a contemplação, o encanto, o mistério: a vida vivida e não explicada. Algo que Heidegger pontuava como a clareira do ser.
Essa condição não se trata de misticismo, mas um modo de existir do homem para além do mundo desencantado pela técnica e racionalização, aquele que só é visto através de conceitos, idéias, palavras e dados empíricos. O encantamento do homem diante do mundo é o encontro do sentir com o inefável onde nenhuma palavra é capaz de sustentar aquele modo de existir.
Isso não significa uma oposição à ciência, mas compreender esta como apenas um meio que poderia ser utilizado para intensificar o viver, sabendo-se que são meras ilusões, desautorizando-a enquanto palavra de verdade, pois o mundo é legítimo em seus enigmas e conflitos insolúveis. A ciência é destronada do trono que ela ocupou após destronar Deus, pois o existencialismo entende que o homem está sobre um abismo sem fundo e sob um céu vazio: lançado ao nada. E esse nada não é aquele niilista, é uma condição humana reconhecida e que, justamente a partir dela, do nada ser, que o homem pode inventar infinitos sentidos para a vida.
Powell, com os gorilas, vivia sobre um abismo sem fundo e sob um céu vazio, experimentava a vida de uma forma como nunca havia antes, contemplava o existir tal como ele se apresenta, estava diante do encantamento do mundo: sem palavras e sem idéias, sem civilização. O viver era vivido e sentido, despreocupado com o explicar.
Observamos ainda que - em parte - o homem, em sua evolução, passou por várias etapas. No princípio, quando ainda mantinha um estreito parentesco com os animais, (nômades pré-históricos) nele predominavam os instintos. Mais tarde, as sensações e emoções se tornaram determinantes. Quando já se encontrava mais avançado em sua caminhada, o ser humano passou a valorizar os sentimentos. Isso não significou, que o indivíduo tenha se despojado de todos os instintos, sensações e emoções, pois eles são necessários para a manutenção da vida humana. Cada uma destas fases existenciais tem sua função primordial para a sobrevivência da humanidade.
Em antropologia cultural, os componentes considerados inatos no comportamento humano (como o sexo, instintos de agressividade e de competição) poderiam ser modificados. A cultura seria capaz de reprimir ou alterar esses comportamentos.
Afirmar que o homem é um animal social é, para todos nós, um truísmo. Para os antropólogos, a obviedade da questão reside no fato de que o homem, tal como o conhecemos, não sobrevive sem a cultura, a qual exige a vida social. Dessa forma, as indagações antropológicas raramente se dirigiram no sentido de perguntar quais as origens da sociabilidade, mas se concentraram nas origens e na evolução do comportamento cultural que nos distingue dos demais animais. Mas, se não podemos imaginar o surgimento da cultura sem a existência prévia de alguma forma de vida coletiva, parece-me interessante indagar qual os fundamentos da sociabilidade dos grupos proto-humanos, quais antecedem a evolução cultural?
Não somos, certamente, os únicos mamíferos sociais, o filme mostra isso claramente. Os evolucionistas têm enfatizado o fato de que a emergência da vida social está associada à sua importância como mecanismos de proteção contra predadores. Mas a vida em grupo não emerge esporadicamente na natureza como decorrência de um cálculo de custo-benefício que leve alguns animais de uma espécie a se associarem espontaneamente e outros não. A vida em grupo aparece sempre como característica de uma espécie em seu conjunto e é própria de algumas e não de outras. Trata-se portanto de um padrão geneticamente estabelecido – as espécies sociais são geneticamente programadas para a vida em grupo e devemos então nos perguntar em que medida este tipo de programação continua atuante no Homo sapiens-sapiens.
Dois mecanismos me parecem essenciais nessa programação: os que evitam a dispersão dos indivíduos e os que promovem vínculos entre os membros do grupo.
Obviamente não podemos incluir o raciocínio e a razão entre esses mecanismos – mas as emoções certamente estão envolvidas. A comparação com o comportamento dos gorilas é inevitável.
De outro lado, as utopias do século XVI - Elogio da Locura; Utopia - e obras como a de Baltasar Gracián, El Criticón no século XVII, levam à discussão acerca da natureza humana como má por natureza ou boa por natureza, como pretendeu o Iluminismo acima comentado - Locke e sobretudo Rousseau -, que volta a descobrir exemplos de bons selvagens nas ilhas do Pacífico, com indígenas nus de fácil trato e natureza pródiga que descrevem viajantes como James Cook e produzem histórias como a do motim do Bounty.
O conceito de civilização converteu-se na bandeira da idéia de progresso na que tão comodamente sentia-se a burguesia capitalista, nova classe dominante, que justifica o domínio europeu, paternalista e colonial, sobre os povos selvagens. A antropologia e a etnologia, nascidas no século XIX, terão que esforçarem-se muito por transformar esse mito em ciência, ao que contribuiu em boa parte o relativismo cultural e o conceito de alteridade.
O equilíbrio dessa relação só vai-se romper quando ela começa a inserir-se num contexto dominado pela sociedade e pela civilização com as conseqüências necessariamente negativas que elas trazem. A “nostalgia” do estado de natureza é tão mais profunda quanto é para Rousseau a impossibilidade do homem viver em sociedade de maneira tão pacífica e sadia quanto vivia naquele estado. Afinal, “a maioria de nossos males é obra nossa e (…) os teríamos evitado quase todos conservando a maneira de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita pela natureza”.1
Rousseau pretende com o discurso assinalar quando e como o homem saiu do estado de natureza, e sucedendo a natureza à lei, o homem trocou a tranqüilidade imaginária para uma felicidade concreta.
A cena onde ele fica em silencio é onde a questão se torna existencial no filme, e não somente sociológica e superficial. O silencio é a entrada para um mundo onde o homem civilizado não enxerga mais. A “falta de sanidade” pela qual a personagem é acusada é algo aparente porque seu silencio fala mais que as palavras, e o seu silencio denuncia uma compreensão mais profunda da existência do homem enquanto animal e um ser que não faz mais parte da natureza selvagem, Ethan Powell não faz parte da civilização, mas também não é um animal desprovido de razão, portanto ele é um ser dividido entre dois mundos. O que esta em jogo é a nossa subjetividade constituída ao longo dos milhares de anos. Esse retorno do selvagem ao mesmo tempo implica num distanciamento de sua família, o adeus é significativo, mas como trata-se de dois mundos separados por uma linha frágil, a separação completa é impossível para a personagem de Hopkins. Por isso seu retorno a natureza no final do filme não é um retorno tranqüilo, mas doloroso onde dois mundos estão sempre em conflito no homem.
Pretendi com o texto apontar algumas considerações de acordo com minhas perspectivas sobre o filme em cada momento que o assisti. Instinto é um daqueles filmes que podem colocar nossos pensamentos, onde ficamos “paralisados”, após o término, e a cada nova visita descobrimos uma nova ótica, um novo olhar, uma nova percepção do homem, nossa e do mundo.
Diretor
. Jon Turteltaub
Intérpretes
. Anthony Hopkins
. Cuba Gooding Jr.
. Donald Sutherland
Gênero
. Drama
Adorei sua análise. Sou muito fã deste filme.
ResponderExcluirExcelente trabalho! Estou fazendo um curso de pós-graduação em Neuropsicologia e um de psicanálise. Neste me deram por trabalho assistir este filme. Acabei vendo o filme e lendo o livro que lhe deu origem: Ismael - Um romance da condição humana do Daniel Quinn.éalgo que merece ser visto e lido por aqueles que são adeptos da temática que envolve o comportamento humano e da sociedade.
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