terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O ENSINO DE LIBRAS E A EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL


Na discussão sobre a educação dos surdos, devem-se relevar as necessidades e dificuldades lingüísticas dos mesmos. Atualmente, entende-se, na educação desses alunos, a primeira língua deve ser a de sinais, pois possibilitam a comunicação inicial na escola em que eles são estimulados a se desenvolver, uma vez que os surdos possuem certo bloqueio para a aquisição natural da linguagem oral.
O ensino de libras vem sendo reconhecido como caminho necessário para uma efetiva mudança nas condições oferecidas pela escola no atendimento escolar desses alunos, por ser uma língua viva, produto de interação das pessoas que se comunicam.
Essa linguagem é um elemento essencial para a comunicação e fortalecimento de uma identidade Surda no Brasil e, dessa forma, a escola não pode ignorar no processo de ensino aprendizagem.
A educação inclusiva se orienta pela perspectiva da diversidade, com metodologias e estratégias diferenciadas, com responsabilidade compartilhada, cuja capacitação do professor passa pelo conhecimento sobre a diversidade, com a família, responsabilidade para com o exercício da profissão. As transformações acontecem na atividade principal, quando o aluno esta dentro da sala de aula.
Este é o principal motivo de haver modificação, pois sem ela, não haverá mudança, considerando que as relações e a constituição do ser humano acontecem nas situações mais ocultas da vida.
Segundo Quadros (1998, pg. 64), assim como as línguas faladas às línguas de sinais não são universais: cada país apresenta a sua própria língua. No caso do Brasil, tem - se a LIBRAS.
O ensino de dessa linguagem é uma questão preocupante no contexto da educação dos surdos, pois o reconhecimento da importância do estudo da mesma no ensino de surdos, ainda é deixado de lado. Portanto há uma necessidade maior de reflexão no sentido de evidenciar a sua importância.
De acordo com FRITH (1985,1990 p. 1503):
“A dislexia do desenvolvimento consiste numa interrupção da progressão da leitura ao longo dos estágios logográfico, alfabético e ortográfico. Nessa dislexia, a criança tem dificuldades para progredir do estagio logográfico ao alfabético, e em desenvolver a rota fonológica. Assim, ela tende a fazer leitura visual de um conjunto limitado de palavras de sobrevivência de alta freqüência que conseguiu memorizar, e comete erros visuais envolvendo a composição grafêmica das palavras”.
A principal função da escola é possibilitar ao aluno adequar-se ao conhecimento ensinado pelo professor. Neste processo de ensino aprendizagem, os conceitos oferecidos pela escola interagem com os conceitos do senso comum aprendidos no cotidiano e, nessa interação é que a escola reorganiza os ensinamentos modificando-os, que se consolidam a partir do senso comum.
Para essas reflexões serem realizadas, as bases teóricas foram buscadas em estágios em salas de aula, em questionários aplicados a professores especializados e em bibliografia de outros autores como: Heloisa Maria Moreira Lima Salles, Enilde Faulstich, Orlene Lúcia Carvalho, Ana Adelina Lopo Ramos, Carlos Skiliar, entre outros, pois desenvolvem pesquisas e análises de suma importância apresentado no devido artigo.
A LIBRAS – Linguagem Brasileira de sinais
A libra, não é apenas uma linguagem, uma vez que prestam as mesmas funções das línguas orais, pois ela possui todos os níveis lingüísticos e como toda língua de sinais, a LIBRAS é uma língua de modalidade visual-gestual, não estabelecida através do canal oral, mas através da visão e da utilização do espaço.
Como a língua de sinais se desenvolve de forma, é lógico e aceitável que os surdos se comuniquem naturalmente utilizando as mãos, cabeça e outras partes do corpo, por estarem privados da audição.
Sobre isto, SALLES (2004), menciona:
“A LIBRAS é adotada de uma gramática constituída a partir de elementos Constitutivos das palavras ou itens lexicais e de um léxico que se estruturam a partir de mecanismos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos que apresentam também especificidades, mas seguem também princípios básicos gerais. É adotada também de componentes pragmáticos convencionais codificados no léxico e nas estruturas da LIBRAS e de princípios pragmáticos que permitem a geração de implícitos sentidos metafóricos, ironias e outros significados não literais. A LIBRAS é a língua utilizada pelos surdos que vivem em cidades do Brasil, portanto não é uma língua universal.”
Histórico da Língua Brasileira de Sinais na Educação de Surdos
Não se sabe certo onde surgiu a língua de sinais nas comunidades surdas, mas foram criadas por homens que tentaram recuperar a comunicação através dos demais canais por terem um impedimento auditivo. Não existem registros oficiais do surgimento da língua de sinais no mundo. Alguns educadores, mesmo fracassando não mediam esforços para fazer os surdos falarem, inclusive no Brasil, já outros, criavam adaptações técnicas e metodologia especifica para ensinar os surdos levando em consideração as suas diferenças lingüísticas. No entanto, vários surdos sinalizavam entre si, criando um momento propício para a constituição de uma língua de sinais.
Desenvolvimento da pessoa surda
A relação entre o homem e o mundo acontece mediada pela linguagem, porque permite ao ser humano planejar suas ações, estruturar seu pensamento, registrar o que conhece e comunicar-se.
A língua é o principal meio de desenvolvimento do processo cognitivo do pensamento humano. Por isso a presença de uma língua é considerada fator indispensável ao desenvolvimento dos processos mentais.
A disposição de um ambiente lingüístico é necessária para que a pessoa possa sintetizar e recriar os mecanismos da língua. É através da linguagem que a criança percebe o mundo e constrói a sua própria concepção. Com bases na pesquisa realizada a Escola Municipal Geraldo Caldani, percebemos que os surdos possuem desenvolvimento cognitivo compatível de aprender como qualquer ouvinte, no entanto, os surdos que não adquirem uma língua, têm dificuldade de perceber as relações e o contexto mais amplo das atividades em que estão inseridos, assim o seu desenvolvimento e aprendizagem ficam fragmentados.
Segundo Lúria (1986), os processos de desenvolvimento da linguagem incluem o conjunto de interações entre a criança e o ambiente tornando-se necessário desenvolver alternativas que possibilitem os alunos com surdez adquirir linguagem aperfeiçoando esse potencial.
Quando uma criança surda tem acesso a sua língua natural, ou seja, a língua de sinais, ela se desenvolve integralmente, pois tem inteligência semelhante a dos ouvintes, diferindo apenas na forma como aprendem que é visual e não oral-auditiva. No entanto, a maioria das crianças surdas vêm de famílias ouvintes que não dominam a língua de sinais, e por isso, é essencial a imersão escolar na primeira língua das crianças surdas, já que essa aquisição da linguagem permitem o desenvolvimento das funções cognitivas.
 
A LIBRAS no contexto do Ensino Fundamental
A escola é muito importante na formação dos sujeitos em todos os seus aspectos. É um lugar de aprendizagem, de diferenças e de trocas de conhecimento, precisando, portanto atender a todos sem distinção, a, fim de não promover fracassos, discriminações e exclusões.
Diferente dos ouvintes, grande parte das crianças surdas entram na escola sem o conhecimento da língua, sendo que a maioria delas vem de famílias ouvintes que não sabem a língua de sinais, portanto, a necessidade que a LIBRAS seja, no contexto escolar, não só língua de instrução, mas, disciplina a ser ensinada, por isso, é imprescindível que o ensino de LIBRAS seja incluído nas séries iniciais do ensino fundamental para que o surdo possa adquirir uma língua e posteriormente receber informações escolares em língua de sinais.
O papel da língua de sinais na escola vai além da sua importância para o desenvolvimento do surdo, por isso, não basta somente a escola colocar duas línguas nas classes, é preciso que haja a adequação curricular necessária, apoio para os profissionais especializados para favorecer surdos e ouvintes, a fim de tornar o ensino apropriado a particularidade de cada aluno. Sobre isso Skliar menciona:
Segundo SKLIAR (2005, p. 27): “ Usufruir da língua de sinais é um direito do surdo e não uma concessão de alguns professores e escolas”.
A escola deve apresentar alternativas voltadas ás necessidades lingüísticas dos surdos, promovendo estratégias que permitam a incursão e o desenvolvimento da língua de sinais como primeira língua.
As diferentes formas de proporcionar uma educação à criança de uma escola, dependem das decisões político-pedagógicas adotadas pela escola. Ao optar por essa educação, o estabelecimento de ensino assume uma política em que duas línguas passarão a ser exercitadas no espaço escolar.
Preparação dos profissionais
Deve-se pensar em uma preparação para os profissionais para incluir crianças com necessidades especiais no ensino fundamental, pois nesse processo, o educador irá estar diretamente interligado com esses alunos favorecendo o desenvolvimento das habilidades para a prática pedagógica, com o auxílio de um programa assistencial infantil, que atende essas crianças, que obrigatoriamente deve estar presente na escola.
Quando ocorre o preconceito da sociedade quanto ao deficiente auditivo, é preciso que haja educadores qualificados e ambiente adequado para o atendimento aos alunos amenizando essa problemática, dando importância à perspectiva de atender as exigências da sociedade que só alcançará seu objetivo quando todas as pessoas tiverem acesso à informação e conhecimento necessário para a formação de sua cidadania.
Em meio a discussões sobre os questionários aplicados a profissionais na escola Geraldo Caldani, releva que para o desempenho das atividades pedagógicas em relação às crianças com deficiência auditiva, devem receber assessoramento da equipe pedagógica e de intérpretes que atendem as necessidades dos alunos surdos inclusos no ensino regular.
A inclusão do deficiente auditivo deve ser integral, acima de tudo, digna de respeito e direito a educação com qualidade atendendo aos interesses individuais e nos grupos sociais.
A educação especial passa por uma transformação em termos da sua concepção e diretrizes legais. É preciso estabelecer um plano de ação político-pedagógico que envolva a inclusão das pessoas portadoras de necessidades especiais. Faz-se necessário lembrar que a Educação Especial delineia um processo de construção e compreensão de posicionamentos quanto às orientações e diretrizes atuais.
Com o processo de inclusão dos portadores de necessidades educativas especiais no ensino fundamental, devemos levar em consideração que as mudanças são freqüentes, principalmente quando consideramos que toda a nossa tradição histórica tem sido preconceituosa e discriminativa. Quanto a isso, os profissionais sabem que existe uma grande preocupação no rendimento escolar, por isso, o educador deve estar preparado para lidar com situações constrangedoras, pois terá contato com diferentes tipos de alunos.
Há ainda, uma grande preocupação quanto a participação dos pais na escola, pois são poucos os que são presente na educação escolar. Os mesmos, muitas vezes desconhecem a LIBRAS, pois utilizam gestos que são reproduzidos naturalmente.
No processo de inclusão no âmbito escolar, deverá ser feito um trabalho de conscientização que é um trabalho essencial para a construção de uma sociedade justa e igualitária, na qual as diferenças sejam consideradas e respeitadas.
As diferenças humanas
Os ouvintes são acometidos pela crença de que ser ouvinte é melhor do que ser surdo, pois, na ótica do ouvinte, ser surdo é o resultado da perda de uma habilidade disponível para a maioria dos seres humanos. No entanto, essa parece ser uma questão de mero ponto de vista. “Um órgão a mais ou a menos em nossa máquina teria feito de nós outra inteligência” (FAULSTICH, 2004 p.36 ).
Se não há limite entre a grandeza e a pequenez podemos concluir que ser surdo não é melhor nem pior de ser ouvinte, mas diferente. Esta é uma questão que merece ser amplamente discutida, pois, estão limitadas as considerações das pessoas com necessidades especiais.
Segundo Skliar (2005) explica que falar em Cultura Surda como um grupo de pessoas localizados no tempo e no espaço é fácil, mas refletir sobre o fato de que nessa comunidade surgem processos culturais específicos é uma visão rejeitada por muitos, sobre o argumento da concepção da cultura universal.
Quanto à Língua de sinais, cabe ressaltar a forma como os indivíduos são nela nomeados, atribuindo-se aos sujeitos características físicas, psicológicas, associadas ou não a comportamentos particulares, os mais variados, os quais personificam os indivíduos. É uma língua adquirida efetivamente no contato com seus falantes. Esse contato acontece com a participação da família, onde a cultura esta em plena transformação e ao mesmo tempo diversifica seus hábitos e costumes que refletem nessa cultura.
Nesse sentido, é fundamental o contato da criança surda com os adultos surdos e outras crianças com as mesmas necessidades para que haja a interação lingüística favorável que possibilite um ambiente de interação, quando se trata de língua de sinais.
O processo de alfabetização de surdos tem duas enquetes a serem ressaltadas: o relato de estórias por parte da comunidade e a produção de literatura infantil em sinais (não sistemas de comunicação artificial, portuguesa sinalizado, ou qualquer outra coisa que não seja a Língua de Sinais Brasileira (LSB)). Recuperar a produção literária da comunidade surda é necessário para tornar produtivo o processo de alfabetização.
Segundo Quadros, o papel do surdo adulto na educação se torna fundamental para o desenvolvimento da pessoa surda. É preciso produzir estórias utilizando-se configurações de mãos específicas, produzirem estórias em primeira pessoa sobre pessoas surdas, sobre pessoas ouvintes, produzir vídeo de produções literárias de adultos surdos.
“A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (Constituição da República Federativa do Brasil, III, Art. 205).
A educação de surdos e a educação especial
A educação especial para surdos parece não ser o marco adequado para uma discussão significativa sobre a educação dos surdos. Mas, ela é o espaço habitual onde se produzem e se reproduzem táticas e estratégias de naturalização dos surdos em ouvintes, e o local onde a surdez é disfarçada. De acordo com SALLES (2004, p.12):
“Os processos para as crianças surdas são produzidos dentro de uma subclasse de educação chamada ‘especial’. No caso da educação especial, significa algo adicional ao comum; na verdade é uma subdivisão ou uma porção que daí se limita. Pressuposições são feitas a partir de ‘capacidade de absorção’ de tais crianças marcadas, a respeito das possíveis limitações de seus potenciais cognitivos, ao invés de questionar se ‘canais de absorção’ alternativos poderiam ser-lhes disponíveis. Ironicamente, todos os esforços de instrução e reabilitação focalizam-se, muitas vezes exclusivamente, do canal ‘perdido’ que falta como a única característica ao redor da qual todo o ensino deveria girar. Esta retração irônica pela educação especial produz um mundo limitado de aprendizado de interação social. Embora esta obsessão por ouvir possa ser traçada, a combinação da fala com a linguagem, o resultado imediato é uma opressão direta das crianças surdas e uma negação das identidades sociais que lhes podem estar disponíveis como adultos surdos”.
A necessidade de construir um território mais significativo para a educação dos surdos nos conduz a um conjunto de inquietações acerca de como narramos aos outros, de como os outros se narram a si mesmos, e de como essas narrações são colocadas de um modo estático nas políticas e nas praticas pedagógicas.
A tensão e a ruptura com a educação especial só podem ser entendidas como estratégias para deslocar representações e não no seu sentido linear, literal. O movimento de aproximação com outras linhas de estudo em educação também é uma provocação para o descentramento.
Reflexão sobre o fracasso educacional dos surdos
A falta de compreensão e de produção dos significados da língua oral e o analfabetismo na escola antiga, a mínima proporção dos surdos tinham acesso a estudos de ensino superior, pois estava escassa a qualificação profissional para o trabalho, e estes são motivos para várias justificações impróprias sobre o fracasso na educação dos surdos. Uma delas, está a culpabilizacao aos professores ouvintes por esse fracasso e a localização do fracasso nos processos dos métodos de ensino – o que esforça a necessidade de sistematizá-los ainda mais, de torná-los mais rigorosos e impiedosos com relação aos surdos.
Nesses tipos de justificações, evita-se a denuncia do fracasso da escola, da educação e do compromisso da responsabilidade do Estado.
Os que fracassam em relação aos surdos são os direitos lingüísticos e de cidadania quanto, as teorias de aprendizagem que refletem as condições cognitivas dos surdos.
O que se faz necessário quanto à presença do fracasso, é o surgimento de novas teorias e variadas perspectivas. Chegamos à conclusão que a educação dos surdos não fracassou, ela apenas conseguiu os resultados previstos em função dos mecanismos e das relações de poderes e de saberes atuais.
Em relação a isso foram questionadas as formas de processo de ensino aprendizagem e quais são os processos e as metodologias utilizadas na Escola Municipal Geraldo Caldani.
Os professores têm o auxílio necessário da equipe pedagógica e freqüentam cursos de LIBRAS semanalmente, utilizando sempre o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola que é adequado para proporcionar uma metodologia diversificada e eficiente para que haja interação entre professores e alunos em sala de aula para se obter resultados significativos.
Também são usados recursos visuais diferenciados com o objetivo de proporcionar melhor entendimento dos conteúdos explanados no decorrer das aulas tanto no espaço como nos recursos usados em sala de aula na qual possui laboratório de informática com acesso a internet e vídeos diversificados adaptados em libras e coleção do dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da LÍNGUA de Sinais Brasileira.
Reflexão sobre as potencialidades educacionais dos surdos
A educação dos surdos pode muito bem ser definida como uma história de impossibilidades. A reflexão sobre o consenso das potencialidades educacionais dos surdos não deve ser apressadamente interpretada sobre o modo como os surdos podem ser educados e como uma conseqüência de objetivos pedagógicos a serem desenvolvidos em termos de uma preposição metodológica.
Os Estudos Surdos em Educação podem ser pensados como um território de investigação educacional e de preposições políticas que, através de um conjunto de concepções lingüísticas definem uma particular aproximação com o conhecimento e com os discursos sobre a surdez e sobre o mundo dos surdos.
A escola de surdos e o trabalho
As escolas de surdos vêm atuando de forma direta no que se refere na formação de surdos trabalhadores. Essa formação atua diretamente no que se refere à na disciplina do sujeito para uma melhor adequação às necessidades do mundo do trabalho. O sentido de aprendizagem possibilita ao aluno surdo uma atividade que evita que o aluno seja no futuro uma “carga” para a família.
Fica evidenciado que os jovens alunos surdos vinham sendo disciplinados a uma rotina que atendia ao ritmo das antigas fábricas que surgiram na época.
O sentido de reabilitação pode ser facilmente encontrado em diferentes projetos direcionados às questões do trabalho nas escolas de surdos. É importante ressaltar que se a escola de surdos atende a criança e jovens que ainda não foram inseridos no mercado de trabalho, é equivocado falar em reabilitação, como se fosse necessário reparar algo ou alguém que já falhou.
Essas escolhas de atividades profissionais são motivadas pela crença de muitos pais e educadores de que a informática é a atividade ideal para os surdos. Outros projetos privilegiam ofícios que não exigem escolaridade mais avançada, mas que possibilitam um trabalho mais individual, sem a necessidade de contato freqüente com o público.
O compromisso assumido pelas escolas em garantir ao seu aluno surdo uma formação para um emprego, comprovando a eficiência do processo educacional, leva as mesmas a se constituírem em agência de emprego. Alunos surdos e seus familiares vão até esses profissionais na certeza de que eles irão atender seus anseios por um emprego e pela possível independência financeira.
Segundo CARVALHO, (2004) argumenta que surdez e problema se conectam de forma muito imediata. As dificuldades ligadas à falta de emprego resultam em um difícil acesso a informação adequada e aos processos de tomada de decisão, fazendo com que os alunos surdos e familiares procurem na escola apoio e auxilio.
A visão da escola
A escola tem sido objeto para muitos estudos e projetos educativos e sociais que determina a participação de diferentes grupos culturais. Na Escola Geraldo Caldani, sempre ouve a preocupação com o perfil da escola, com o disciplinamento e com a educação de excluídos oriundos das classes populares e de grupos culturais, pois em todos os sentidos sempre houve preconceitos.
As diferenças existentes entre grupos culturais estão presentes na escola moderna, porém, não sabe como trabalhar e pensar as mesmas. A escola esta preparada para uniformizar os sujeitos que devem ser “livres”, educados e servis. Esta dificuldade em trabalhar com essas diferenças não se observa só na escola, mas em todas as instituições que se deparam com o crescimento material gerado pela ciência e tecnologia.
Segundo GÓES(1999) diz que a escola esta entre posições de direita e esquerda e que esta vem colaborando para diminuir as diferenças.
Por um lado é vista como capaz de promover o uso da razão e da formação de alunos livres, e por outro, é vista como incompetente por não conseguir formar cidadãos e por estar produzindo divisões entre ricos e pobres. CARVALHO (2004) diz:
“A pesquisa educacional vem desenvolvendo, nas ultimas décadas, um imenso arsenal de teorias, interpretações, recomendações, prescrições, etc. que se ocupam com a crise educacional. Com isso essas teorias tentam descrever, analisar, compreender e até modificar a educação especial moderna. E, para isso, trazem o aporte da Psicologia, da Filosofia, da Sociologia, da Politicologia, etc.”
Pensar a escola possibilitará os profissionais estudar várias outra formas sociais - pedagógicas para que o pensamento da escola passe a ver o sujeito como um ser de produção de sentidos, valores e identidades. Precisamos questionar o papel que a escola desempenha, e principalmente, uniformizar sujeitos para a redução de suas vidas em “reproduzir” a realidade de outros.
Muitas são as diferenças existentes na escola, assim como, muitas são as formas como podemos vê-las e pensá-las, isto dependerá do interesse e posição de quem a estuda. As diferenças culturais ou na cultura devem ser vistas e pensadas como diferenças políticas que devem sobressair aos limites lingüísticos, de cor, raça e de gênero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das variáveis observadas nesta experiência no estudo sobre o ensino de libras na educação fundamental na Escola Municipal Geraldo Caldani, foi possível observar que a inclusão escolar e a educação dos alunos surdos, promovem algumas modificações que devem ocorrer anterior à sua presença na escola, como as modificações que ocorrem à medida que as especificidades são identificadas, bem como a capacitação dos profissionais que irão trabalhar diretamente com eles.
Desta maneira, este artigo reafirma que a inclusão de alunos surdos na sala de aula do ensino comum é uma proposta não relacionada somente com as questões da surdez, mas com questões que envolvem uma diferença diversificada num sentido de que outros caminhos pedagógicos devem ser trilhados para que estes alunos possam vir a constituir-se como um sujeito surdo pertencente a uma sociedade cuja maioria é de ouvintes. Dentre estes ouvintes, outras diferenças também existem, pois vivemos em uma sociedade que também não reconhece as necessidades dos ouvintes, não tem um olhar para suas particularidades.
Esses aspectos crítico - pedagógicos que envolvem o ensino de libras para as séries iniciais sempre estarão sujeito a mudanças. Estas, não ocorrem de modo rápido e também não são de fácil elaboração, pois os conceitos sobre a educação e língua de sinais, necessitam ser reformulados e ao mesmo tempo esses novos conceitos que circulam no interior escolar, devem ser aceitos por todos na área da educação, sabendo que conflitarão com aqueles já existentes.
Há muito que se fazer ainda no que se diz respeito sobre a educação especial. As instituições de ensino precisam proporcionar mais recursos lingüísticos para os deficientes auditivos para que eles possam se desenvolver de forma autônoma, preparando - se para os desafios do cotidiano fazendo a diferença.
Desta forma, será no cotidiano da inclusão escolar, através das experiências e reflexões das mesmas, que se estabelecerá no processo social, as maneiras para a inclusão e quais serão as propostas pedagógicas utilizadas para o ensino das crianças com necessidades educativas especiais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GÓES, Maria Cecília Rafael; LACERDA, Cristina Broglia Feitosa. Surdes, Processo Educativo e Subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000.
GÓES, Maria Cecília Rafael; Linguagem, Surdez e Educação. 2ª ed. Campinas, SP: autores associados, 1999. – coleção (educação). contemporânea)
SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima; FAULSTICH, Enilde; CARVALHO, Orlene Lúcia; RAMOS, Ana Adelina Lopo. Ensino de Língua Portuguesa para Surdos, vol. 1 - caminhos para a pratica pedagógica, Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos, 2004.
QUADROS, Ronice Muller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira - Estudos Lingüísticos, 2004. Ed 1. Artmed Psipedagogi.
SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima; FAULSTICH, Enilde; CARVALHO, Orlene Lúcia; RAMOS, Ana Adelina Lopo. Ensino de Língua Portuguesa para Surdos, vol. 2 - caminhos para a pratica pedagógica, Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos, 2004.
SKLIAR, Carlos; A Surdez, um olhar sobre as diferenças. 3ª edição; ed. Mediação – Porto Alegre – RS – 2005.
CAPOVILLA, Fernando Cezar; RAPHAEL, Walkiria Duarte; Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue Língua de Sinais Brasileira; vol. II – SP – 2006

 

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SEGURANÇA AMBIENTAL GLOBAL - BREVE ENSAIO


Os conceitos de segurança ambiental global e de desenvolvimento sustentável são centrais para o estabelecimento da ordem ambiental internacional(1). O primeiro deles, nos faz refletir sobre a necessidade de manter as condições da reprodução da vida humana na Terra, posto que ainda não se tem notícia da existência de outro planeta com condições naturais semelhantes ao que habitamos, o que não deixa outra alternativa senão vivermos aqui. Em uma palavra, a Terra ainda é a morada da espécie humana, ao menos por enquanto. Já o segundo, procura regular o uso dos recursos naturais através do emprego de técnicas de manejo ambiental, de combate ao desperdício e à poluição. Se fôssemos empregar uma expressão também para esse conceito, diríamos, que ele define que as ações humanas dirigidas para a produção de coisas necessárias à reprodução da vida devem evitar a destruição do planeta.
Entretanto, em que pese o reconhecimento destas duas premissas e de que elas envolvem a promoção de ajustes globais, nos quais os vários atores do sistema internacional certamente devem contribuir para que metas comuns sejam alcançadas, os países, principais interlocutores na ordem ambiental internacional, por meio de seus negociadores, têm procurado salvaguardar o interesse nacional. Agindo desta forma, transformam as preocupações com a sustentabilidade do sistema econômico hegemônico e a possibilidade de que ele nos encaminhe para uma situação de risco em mera retórica. As preocupações ambientais globais acabam se revestindo de um caráter meramente de divulgação, enquanto na arena da política internacional as decisões de fato têm se encaminhado para contemplar interesses nada difusos.
O que efetivamente tem prevalecido são as vantagens econômicas e políticas que os países podem auferir a cada rodada de negociações. E, o que é mais interessante, eles se comportam de maneira particular para cada tema destacado no arranjo institucional da ordem ambiental internacional.
Os conceitos que veremos a seguir influenciaram as reuniões internacionais ao longo da década de 1990. Eles foram criados para legitimar a ordem ambiental internacional, procurando garantir-lhe uma base científica. Iniciamos com o desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento sustentável
Um dos problemas da vida contemporânea é medir a capacidade que teremos de manter as condições da reprodução humana na Terra. Em outras palavras, trata-se de permitir às gerações vindouras condições de habitabilidade no futuro, considerando a herança de modelos tecnológicos devastadores e possíveis alternativas a eles. Os seres humanos que estão por vir precisam dispor de ar, solo para cultivar e água limpos. Sem isso, as perspectivas são sombrias: baixa qualidade de vida, novos conflitos por água , entre outras.
Durante a década de 1970, tomou corpo uma discussão que procurava aproximar algo até então muito distante: a produção econômica e a conservação ambiental. Esta aproximação ocorreu de maneira lenta, através de reuniões internacionais e relatórios preparatórios.
A associação entre desenvolvimento e o ambiente é anterior à Conferência de Estocolmo. Os presságios de uma nova concepção são esboçados no encontro preparatório de Founex (Suíça), em 1971, onde iniciou-se uma reflexão a respeito das implicações de um modelo de desenvolvimento baseado exclusivamente no crescimento econômico, da problemática ambiental. Esta discussão ganhou destaque com o economista Ignacy Sachs, gerando o conceito de ecodesenvolvimento na década de 1970.
Em 1973, na primeira reunião do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), realizada em Genebra, Maurice Strong, então Diretor-executivo do programa, empregou a expressão ecodesenvolvimento. Na ocasião, porém, ele não teve a preocupação em definir o conceito, que seria formulado, pela primeira vez, por SACHS, no ano seguinte. Para ele, o ecodesenvolvimento seria “um estilo de desenvolvimento particularmente adaptado às regiões rurais do Terceiro Mundo, fundado em sua capacidade natural para a fotossíntese" (Sachas, 1974. In Leff, 1994:317).
Esta primeira formulação, em que pese seu caráter genérico, merece ser comentada do ponto de vista da geografia. A capacidade natural para a fotossíntese dos países subdesenvolvidos era uma alusão à sua paisagem natural, destacando imagens, em especial a europeus, de um "mundo verde". Algo similar ao que é difundido sobre a Amazônia brasileira em nossos dias.
O segundo comentário é a indicação de sua aplicação no meio rural dos países do Terceiro Mundo. O que o levaria a tecer esta consideração? Seria uma sugestão que, se seguida, condenaria os países ao subdesenvolvimento? Ou a reafirmação da clássica divisão do trabalho entre o campo e a cidade, donde pode-se imaginar que a cidade é insustentável?
Em nosso ponto de vista, Sachs está refletindo, conscientemente ou não, um conceito geográfico. Trata-se da formulação de gênero de vida. Esta passagem de Vidal de La Blache ilustra a matriz de Sachs:
Sob a influência da luz e de energias cujo mecanismo nos escapa, as plantas absorvem e decompõem os corpos químicos; as bactérias fixam, em certos vegetais, o azote da atmosfera. A vida, transformada na passagem de organismo em organismo, circula através de uma multidão de seres: uns elaboram a substância de que se alimentam os outros; alguns transportam germes de doenças que podem destruir outras espécies. Não é exclusivamente graças ao auxílio dos agentes inorgânicos que se verifica a acção transformadora do homem; este não se contenta em tirar proveito, com o arado, dos materiais em decomposição do subsolo, em utilizar as quedas de água, devidas à força da gravidade em função das desigualdades do relevo. Ele colabora com todas estas energias agrupadas e associadas segundo as condições do meio. O homem entra no jogo da natureza (VIDAL DE LA BLACHE, 1921:42).

A idéia de sustentabilidade é justamente a de fazer a espécie humana "entrar no jogo da natureza". Em outras palavras, Sachs vislumbra o ambiente rural como o lugar possível para desenvolver-se um modo de vida capaz de manter e reproduzir as condições da existência humana sem comprometer a base natural necessária à produção das coisas. As comunidades alternativas e os ecologistas radicais também. Esses últimos chegaram até a condenar as cidades.

Se tomarmos a divisão do trabalho como um aspecto a ponderar na direção da sustentabilidade veremos que Marx continua, neste aspecto, com a razão. Trata-se da primeira e principal divisão estabelecida pela espécie humana, com a agravante de que a cidade depende do campo e ainda seria insustentável. Como resposta a esta formulação surgem inúmeros programas na década de 1990, dentre os quais se destaca o de cidades sustentáveis, que em alguns países, dentre eles o Brasil, vem reunindo lideranças de vários segmentos para discutir alternativas para tornar a cidade sustentável. Ora, como sustentar um meio que, em si, tomando emprestada uma expressão de Marx, depende de energia e matéria-prima gerada fora dela para funcionar, se os habitantes da cidade não produzem alimento, em que pese o caráter cada vez mais urbanizado do campo e a sujeição do pequeno produtor ao capital (Oliveira, 1981). Outra derivação do termo cidades sustentáveis surgiu no campo da saúde. Nesse caso, a expressão que define os programas é "cidade saudável", reconhecendo, embora não explicitamente, que os urbanistas higienistas, muito em voga no início do século XX, tinham razão. Não é agradável viver em um lugar com trânsito intenso, odores ruins, barulho excessivo, respirando um ar combinado com vários elementos químicos, muitos deles causadores de doenças graves em seres humanos, como vimos.
Mas voltemos ao histórico da formulação do conceito de desenvolvimento sustentável. A formulação teve continuidade com a Declaração de Coyococ (México), organizada pelo PNUMA e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em 1974. Nesse documento, lê-se que o ecodesenvolvimento seria uma “relação harmoniosa entre a sociedade e seu meio ambiente natural conectado à autodependência local” (Leff, 1994:319).
O Relatório Que Faire, de 1975, atualiza o termo, grafando a expressão que vai consolidar esta idéia: desenvolvimento sustentado.
A consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável na comunidade internacional virá anos mais tarde, a partir do trabalho da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), criada em 1983 através de uma deliberação da Assembléia Geral da ONU. Ficou definida a presença de 23 países-membros da Comissão, que promoveu entre 1985 e 1987:
(...) mais de 75 estudos e relatórios, realizando também conferências ou audiências públicas em dez países e acumulando assim as visões de uma seleção impressionante de indivíduos e organizações (McCORMICK, 1992:189).
Esta Comissão foi presidida por Gro Harlem Brundtland, que fora primeira-ministra da Noruega e pretendia dar um tom mais progressista aos trabalhos do grupo que coordenava. O documento mais importante produzido sob seu comando foi o relatório Nosso Futuro Comum(2). Nesse relatório está a definição mais empregada de desenvolvimento sustentável, que reproduzimos a seguir:
(...) aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades (CMMAD, 1988:46).
Esse conceito tornou-se referência para inúmeros trabalhos e interesses os mais diversos. Se de um lado existe os que acreditam que o planeta em que vivemos é um sistema único que sofre conseqüências a cada alteração de um de seus componentes, de outro, está os que acreditam que o modelo hegemônico pode ser ajustado à sustentabilidade. Esse é o debate: manter as condições que permitam a reprodução da vida humana no planeta, ou manter o sistema, buscando a sua sustentabilidade. O primeiro grupo tem em James Lovelock (1989) o seu representante maior, que pensa a Terra como um sistema holístico. Já o segundo grupo, possui representantes espalhados por todo o planeta.
São aqueles que buscam tecnologias alternativas e não impactantes sem questionar o padrão de produção vigente.
Apesar da adoção do conceito de desenvolvimento sustentável em atividades de planejamento, inclusive do turismo ecológico, ele não é entendido de maneira consensual. Destacamos as idéias de S. C. Herculano, que afirma que o desenvolvimento sustentável tem dois significados:
(...) é uma expressão que vem sendo usada como epígrafe da boa sociedade, senha e resumo da boa sociedade humana. Neste sentido, a expressão ganha foros de um substituto pragmático, seja da utopia socialista tornada ausente, seja da proposta de introdução de valores éticos na racionalidade capitalista meramente instrumental. (...) Na sua segunda acepção, desenvolvimento sustentável é (...) um conjunto de mecanismos de ajustamento que resgata a funcionalidade da sociedade capitalista (...). Neste segundo sentido, é (...) um desenvolvimento suportável, medianamente bom, medianamente ruim, que dá para levar, que não resgata o ser humano da sua alienação diante de um sistema de produção formidável (HERCULANO, 1992:30).
Outro autor que trabalha o assunto é Carlos Walter P. Gonçalves, que afirma que o desenvolvimento sustentável
(...) tenta recuperar o Desenvolvimento como categoria capaz de integrar os desiguais (e os diferentes?) em torno de um futuro comum. Isto demonstra que pode haver mais continuidade do que ruptura de paradigmas no processo em curso (GONÇALVES, 1996:43).
Por seu turno, Ribeiro et al. sugerem distinguir
(...) o conceito de Desenvolvimento Sustentável de sua função alienante e justificadora de desigualdades de outra que se ampara em premissas para a reprodução da vida bastante distintas. Desenvolvimento Sustentável poderia ser, então, o resultado de uma mudança no modo da espécie humana se relacionar com o ambiente, no qual a ética não seria apenas entendida numa lógica instrumental, como desponta no pensamento eco-capitalista, mas sim, embasada em preceitos que ponderassem as temporalidades alteras à própria espécie humana, e, porque não, também as internas à nossa própria espécie (RIBEIRO et al., 1996:99).
S. C. Herculano (1992) faz par com Gonçalves (1996) quando não vislumbra nenhuma ruptura a partir da almejada sustentabilidade. Entretanto, não deixa de reconhecer que ela pode, ao menos, viabilizar uma reforma do capitalismo.
Por sua vez, Gonçalves (1996) lembra que pode estar sendo gerado um novo discurso totalizante a partir do desenvolvimento sustentável. Um discurso que se instalaria na ausência de alternativas transformadoras das desigualdades sociais, a partir das relações sociais.
Já Ribeiro et al.(1996), ponderam que o desenvolvimento sustentável poderia vir a ser uma referência, desde que servisse para construir novas formas de relação entre os seres humanos e desses com o ambiente. Apontam que o grande paradoxo do desenvolvimento sustentável é manter a sustentabilidade, uma noção das ciências da natureza, com o permanente avanço na produção exigida pelo desenvolvimento, cuja matriz está na sociedade.
Tendo como princípio conciliar crescimento e conservação ambiental, o conceito de desenvolvimento sustentável, por sua vaguidade, passou a servir a interesses diversos. De nova ética do comportamento humano, passando pela proposição de uma revolução ambiental até ser considerado um mecanismo de ajuste da sociedade capitalista (capitalismo soft), o desenvolvimento sustentável tornou-se um discurso poderoso, promovido por organizações internacionais, empresários e políticos, repercutindo na sociedade civil internacional e na ordem ambiental internacional.
A segurança ambiental global
Diferente do que ocorreu com o desenvolvimento sustentável, que foi sendo elaborado ao longo de várias reuniões internacionais e está servindo como base para a implementação de políticas, a idéia de segurança ambiental global não está configurada como um conceito que leva à ação, mas sim à implementação de estratégias por uma unidade política. Ela evolui de maneira mais lenta, encontrando muito mais resistência que o conceito anterior (Elliot, 1998). Mas não deixou de cumprir a função de justificar "cientificamente" a política externa dos países.
Pensar globalmente os problemas ambientais exige conhecimento científico e perspicácia política. Uma das grandes dificuldades que se encontra em reuniões internacionais é que muitos dos representantes dos países que participam ficam divididos entre estes dois grupos de personagens - os cientistas e os tomadores de decisões - e raramente conseguem chegar a bom termo, até quando representam o mesmo país.
Uma das evidências mais claras deste comportamento decorre da crítica contundente que muitos cientistas apontam aos documentos oficiais resultantes de discussões políticas. É comum dizerem que o conceito está errado ou sem base científica que o sustente. Deste modo, tendem a desconsiderar todo o esforço de elaboração do documento e a verdadeira "alquimia" política empregada, às vezes ao longo de anos e por meio de discussões aparentemente intermináveis, em sua construção.
De outro lado, os políticos, que têm ganho esta batalha com os pesquisadores, ressentem-se de informações mais precisas sobre determinadas questões, ou, o que é mais freqüente, encomendam conclusões científicas que "expliquem" suas decisões. Este descompasso, à luz da opinião pública - filtrada pelas ONGs e pelas grandes empresas de comunicação -, resulta em uma série de reuniões dispendiosas que aparentemente só servem para gerar diárias para delegações imensas conhecerem o mundo e seus países comprometerem-se a gastar recursos em questões inócuas.
Este preâmbulo foi necessário pois, no caso da segurança ambiental global, ele se ajusta ao que se verifica na realidade.
Vejamos o problema da camada de ozônio. Seu comprometimento coloca em risco toda a espécie humana? Não. Os mais ricos podem comprar protetores de radiação solar e continuar a expor-se ao Sol. Porém, e aqui o tempo é um fator determinante, confirmadas as possibilidades apontadas por estudiosos, vai chegar um momento em que não vai adiantar muito proteger-se dos raios solares.
E as mudanças climáticas? Suas conseqüências afetarão a todos da mesma maneira? Certamente não. Mas novamente os estudiosos apontam riscos, como por exemplo a mudança dos ciclos de vida dos vegetais que produzem alimento e uma eventual crise alimentar. Áreas úmidas podem transformar-se em áreas semi-áridas. Pontos do litoral em todo o mundo serão alagados. Esses problemas exigem um rearranjo do modo de vida de muita gente, acarretando em novos beneficiários e em novos despossuídos.
Para evitar uma catástrofe em escala mundial, ou como ficaria mais claro, para manter o atual estado das coisas e da divisão do poder mundial, estabeleceram-se regras internacionais para impedir que as ações humanas desencadeiem processos como os apontados acima. Esta é uma das bases da ordem ambiental internacional. Entretanto, como estamos vivendo um dinâmico processo de ajuste internacional de interesses envolvendo a temática ambiental, surgem novas oportunidades e novos países podem ser alçados à posições de destaque no cenário internacional. Rafael Duarte Villa aponta um conceito para ajudar a compreensão da conjuntura atual. Trata-se da segurança global multidimensional, que para o autor
(...) reflete a nova natureza preponderante da segurança internacional: esta já não pode mais ser visada em termos de acréscimo de poder. A preservação de [um] Estado nacional face os novos fenômenos transnacionais - explosão populacional, migrações internacionais e desequilíbrios ecológicos globais - não se dá pela imposição da sua vontade unilateral ou pelo apelo à última ratio, a violência institucional. Em outras palavras, questiona-se o pano de fundo genérico realista que vê na legalidade e legitimidade da guerra o elemento específico das relações internacionais. Neste sentido pode-se afirmar que a singularidade da segurança global multidimensional é que os conflitos que podem derivar dos fenômenos transnacionais não admitem a guerra como meio de solução (VILLA, 1997:209).
Para o cientista político Villa (1997), a imposição de temas transnacionais impede ou tira o efeito da força, já que todos sofreremos as conseqüências dos eventos ambientais globais. Sua indagação seria: de que adianta ter armas e impor o uso do automóvel se com as mudanças climáticas a base nacional da agricultura vai se transformar, exigindo uma adaptação custosa até mesmo para os países centrais?
A esta pergunta poderíamos responder que é preciso insistir em apreender as diferenças entre países e entre a sua população. Os custos e os impactos são diferentes segundo a preparação dos países para enfrentar os problemas ambientais, sejam eles gerados pela sociedade ou pela natureza. Observando as condições de vida dos agrupamentos humanos, em suas mais simples e nas mais complexas maneiras de organização social, vemos que, por exemplo, um terremoto que ocorre em um país rico, ainda que mais forte e portanto possivelmente causador de mais destruição, gera muito menos vítimas e estragos materiais que outro que ocorre em um país periférico.
Os dados a seguir confirmam este aspecto. Em Kobe (Japão), ocorreu um terremoto que chegou a 7,2 graus de intensidade na escala Richter. Esse evento natural provocou cerca de 6000 mortes e deixou algo em torno de 300 mil desabrigados no ano de 1995. Dois anos antes, na Índia, ocorreu um terremoto que chegou a 6,3 graus na escala Richter, portanto, de menor intensidade que o do Japão. Como resultado registraram-se cerca de 10000 mortes, apesar de ter ocorrido a aproximadamente 700 quilômetros de Nova Delhi, portanto, em uma área menos povoada.
Lorraine Elliot (1998) também discute a segurança ambiental. Ela aponta que muitos autores refutam esta concepção por associarem esse conceito ao pensamento estratégico militar. Estes puristas entendem que a questão ambiental em caráter internacional não pode ser vista dentro de uma dimensão estratégica. Para esses autores, apenas os processos naturais bastariam para fornecer elementos à compreensão dos fenômenos e suas conseqüências para as unidades políticas.
Para a autora existe uma outra interpretação que associa o militarismo à questão ambiental e à segurança. Trata-se da visão estratégica, que admite os recursos naturais como vitais à sobrevivência da população de uma unidade política e que, portanto, reforça o conceito de soberania das unidades na gestão de seus recursos. Se lembrarmos que Ray Cline (1983) e Claude Raffestin (1993) definem os recursos naturais como um dos elementos que devem ser ponderados na definição do poder, veremos que esta matriz pode abrigar muitos adeptos. O caso da gestão dos recursos hídricos nos parece o mais emblemático para ilustrar este entendimento. Como as bacias muitas vezes transpassam os limites territoriais dos países, eles podem ficar em uma situação de dependência de outro país para obter água e abastecer sua população. Tal situação pode ser observada na disputa entre Israel e a Síria, envolvendo as colinas de Golã, onde estão os mananciais que provém de água habitantes dos dois países.
Entretanto, Elliot, que também é cientista política, defende, uma posição muito próxima à de Villa (1997):
Diante da insegurança ecológica, países e população não podem ser seguros se o ecossistema não é seguro. Nem um nem outro vai ajudar a identificar o inimigo que objetiva violar a integridade territorial e a soberania do estado. O 'inimigo' não é o ambiente mas as atividades cotidianas humanas e de corporações" (ELLIOT, 1998:238).
A autora esquece-se de que as atividades humanas e das corporações, como bem apontou, causadoras dos problemas ambientais em escala nacional, estão circunscritos geograficamente. Segundo dados do PNUMA, cerca de 25 por cento do total da população mundial gera os problemas ambientais na escala que encontramos atualmente. Esta é a parcela inserida no universo dos consumidores. Como este índice já chegou a cerca de 30 por cento no início da década de 1990, conclui-se que é cada vez menor a parcela da população que causa problemas ambientais devido ao modo de vida que adotam, o que indica, entre tantas outras coisas, uma concentração da riqueza ainda maior.
Para os seres humanos que estão usufruindo do mundo do consumo e que vivem em determinada unidade política permanece o interesse nacional. Eles querem salvaguardar vantagens específicas que garantem a manutenção de seu modo de vida, que são negociadas para cada aspecto discutido na ordem ambiental internacional.
Neste sentido, protelar o abandono da queima de combustível fóssil é uma atitude esperada, quando se obtém vantagens com sua venda, como defenderam os países árabes na Convenção de Mudanças Climáticas. Se não é preciso empregar a força, isto não representa que se abra mão do interesse nacional. Continua a valer, portanto, uma das premissas do realismo político. É evidente que não é preciso empregar a força para impor sua vontade, como vivíamos durante a Guerra Fria. A persuasão surge de outras maneiras, como algumas que foram propostas na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992 no Brasil, e nas conferências das partes que se seguiram a ela.
Notas:
1. Este artigo é resultado da Tese de Doutorado A ordem ambiental internacional, defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo em 1999. Nesse trabalho, o autor aborda as relações internacionais e o ambiente, analisando convenções internacionais sobre o tema
2. O Nosso Futuro Comum, que também ficou conhecido como Relatório Brundtland (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988) é produto do trabalho de uma comissão de 21 membros de diversos países que, entre 1983 e 1987, estudaram a degradação ambiental e econômica do planeta, propondo soluções para os problemas detectados sobre a ótica do desenvolvimento sustentável. Para uma interpretação deste relatório, ver Bermann (1992), Herculano (1992), Malmon (Coord. 1992), Oliveira (1992), Waldmann (1992), Sachs (1993), Cavalcanti (Org. 1995), Christofoletti et al. (Orgs. 1995), Viola et al. (1995), Gonçalves (1996), Ribeiro et al. (1996), Vieira e Weber (Orgs. 1997) e Castro e Pinton (Orgs. 1997).
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