segunda-feira, 30 de maio de 2011

A INTERPRETAÇÃO DAS CULTURAS - ANÁLISE

UMA DESCRIÇÃO DENSA:
POR UMA TEORIA INTERPRETATIVA DA CULTURA

Com o texto muito fragmentado a compreensão tornou-se difícil, porém ao estudar a obra na íntegra percebemos que certas idéias, visões e comportamentos surgem com tanta intensidade que acabam sendo incorporados pelas populações,passando a ser considerados como cultura.

Podemos assim definir cultura como:

1 - o modo de vida global de um povo;
2 - o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo;
3 - uma forma de pensar, sentir e agir;
4 - uma abstração do comportamento;
5 - uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de pessoas se comporta realmente;
6 - um celeiro de aprendizagem em comum;
7 - um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes;
8 - comportamento aprendido;
9 - um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento;
10 - um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como em relação aos outros homens;
11 - um precipitado da história.

Poderíamos relacionar uma infindável lista de definições, o que reforçaria a nossa visão eclética, mas mesmo assim, apesar de tantas definições é necessário que uma escolha seja feita.

C. Geertz (1926 – 2006), fundador da Antropologia Interpretativa, representa um divisor de águas no tema. É uma contraposição ao modelo Levi-straussiano da antropologia estrutural, propondo uma nova Teoria Antropológica.

O autor fala em culturas (no plural) do ser humano. A ação humana é uma atividade estruturante, um efeito de superfície. Neste sentido Geertz busca o que pode ser inferido/interpretado nos relatos etnográficos. Hoje há uma grande cautela em se explorar o inconsciente através das ações reais como manifestações de ações do consciente.

A interpretação do que acontece, segundo o autor, não pode se distanciar daquilo que acontece. Para ele, o trabalho do antropólogo é realizar etnografia. A obra “Grande Sertão – Veredas” de Guimarães Rosa pode ser considerada um exemplo ao que Geertz se refere no Brasil.

Um ser humano pode ser um enigma completo para outro ser humano. Nós não compreendemos o povo, ainda que dominemos seu idioma. Nós não podemos nos situar entre eles. Neste trecho, ele faz uma crítica a B. Malinovski. Para Geertz, falta interpretação à descrição etnográfica de Malinovski. E a Antropologia Interpretativa exige grande rigor e precisão conceitual.

O antropólogo tenta entender o que acontece, mas também está no meio do acontecimento. Por isso, teorias antropológicas também são temporárias, elas também estão no meio da travessia.

A cultura nunca é igual, é sempre uma recriação. O ser humano expressa sua experiência vivida. As especificidades são complexas e possuem um caráter único. Generalizações devem ser feitas com critérios. Para compreender o que o ser humano faz, é necessário entender uma ação dentre várias outras e localizá-la, caracterizá-la. No estudo da cultura, a tarefa essencial da construção teórica não é codificar regularidades abstratas, mas tornar possíveis descrições minuciosas, não generalizar através dos casos, mas generalizar dentro deles.

Geertz recupera o conceito de Max Weber, que afirma que o homem é um ser amarrado em teias de significados que ele mesmo teceu. A cultura é, portanto, uma ciência interpretativa, em busca do significado. O comportamento é uma ação simbólica. O fluxo do comportamento (ação social) faz com que as formas culturais se articulem. O significado emerge do papel que desempenham. A cultura é pública porque o significado o é. No estudo da cultura, os significantes não são sintomas ou conjunto de sintomas, mas atos simbólicos e o objetivo não é a terapia, mas a análise do discurso social.

O autor esclarece que para o desenvolvimento do estudo, não é necessário se tornar um “nativo”, mas conversar com eles. Sob este aspecto, o objetivo da antropologia é o alargamento do universo do discurso humano. Compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir a sua particularidade.

Os textos antropológicos são interpretações (de qualidade discutível, uma vez que apenas um “nativo” pode interpretar sua cultura). Antropologia é, portanto, ficção, algo construído, modelado. Não falsa, mas não-factual ou apenas experimentos de pensamentos.

Embora a cultura possa existir no posto comercial, no forte da colina, no pastoreio de carneiros, a antropologia existe nos livros, nos artigos, nas conferências, na exposição e no museu como ocorre nos filmes.

É necessário haver um mínimo coerência para que sejam caracterizados os sistemas culturais.

A descrição etnográfica para Geertz é, portanto, interpretativa e microscópica (os antropólogos não estudam as aldeias, eles estudam nas aldeias).

Há uma série de características de interpretação cultural que tornam ainda mais difícil o seu desenvolvimento teórico. A primeira é a necessidade de a teoria conservar-se mais próxima do terreno do que parece ser o caso em ciências mais capazes de se abandonarem a uma abstração imaginativa. Somente pequenos vôos de raciocínio tendem a ser efetivos em antropologia; vôos mais longos tendem a se perder em sonhos ilógicos, em embrutecimentos acadêmicos com simetria formal.

As idéias não aparecem inteiramente novas a cada estudo, são adotadas de outros estudos relacionados e refinadas durante o processo, aplicadas a novos problemas interpretativos. Se deixarem de ser úteis com referência a tais problemas, deixam também de ser usadas e são mais ou menos abandonadas. Se continuam a ser úteis, dando à luz novas compreensões, são posteriormente elaboradas e continuam a ser utilizadas.

Olhar as dimensões simbólicas da ação social não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas, é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da Antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou.

Na busca de análises profundas há o risco de que a análise da cultura perca contato com as dificuldades presentes na superfície como as questões políticas e econômicas, as necessidades biológicas e físicas.
Sobre isso afirma Geertz:
A única defesa contra isso e, contra transformar a análise cultural numa espécie de esteticismo sociológico é primeiro treinar tais análises em relação a tais realidades e tais necessidades. É por isso que eu escrevi sobre nacionalismo, violência, identidade, a natureza humana, a legitimidade, revolução, etnicismo, urbanização, status, a morte, o tempo e, principalmente sobre as tentativas particulares de pessoas particulares de colocar essas coisas em alguma espécie de estrutura compreensiva e significativa. (GEERTZ, 1989, p.21)

Quando percebemos os simbolismos implícitos nas ações sociais ou seja na arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum, não nos afastamos dos dilemas existenciais, ao contrário, mergulhamos no meio deles. A antropologia interpretativa não pretende simplesmente responder questões profundas, mas sim colocar à disposição muitas outras respostas que já foram elaboradas, aumentado o número de registros sobre o que o homem tem falado.

2. O IMPACTO DO CONCEITO DE CULTURA
SOBRE O CONCEITO DE HOMEM

A ciência, ou melhor ainda, a explicação científica não reduz a complexidade das questões simplesmente por explicá-las. Apenas torna aquilo que é complexo em algo inteligível. Mas a situação muitas vezes pode ser inversa, substituindo quadros simples por outros complexos, quando nos referimos ao estudo do homem. (STRAUSS apud GEERTZ, 1989, p.25)

Para entendermos algo sobre as culturas é preciso prestar atenção aos detalhes. Isso é mais que observar os tipos metafísicos e as similaridades. Havemos de apreender não só o caráter essencial das várias culturas mas também os vários tipos de indivíduos dentro de cada cultura.

Nessa área, o caminho para o geral, para as simplicidades reveladoras da ciência, segue através de uma preocupação com o particular, o circunstancial, o concreto, mas uma preocupação organizada e dirigida em termos da espécie de análises teóricas sobre as quais toquei — as análises da evolução física, do funcionamento do sistema nervoso, da organização social, do processo psicológico, da padronização cultural e assim por diante — e, muito especialmente, em termos da influência mútua entre eles. (GEERTZ, 1989,p.38)

Sem os homens certamente não haveria cultura mas, de forma semelhante e muito significativamente, sem cultura não haveria homens. Ainda assim, por mais que os homens evoluam sempre serão animais inacabados que se completam através da cultura, não de forma ampla, mas de forma específica. Cada cultura delineia o homem de forma particular. Ao mesmo tempo capacidades inatas são observadas sem que a cultura tenha qualquer tipo de atuação. Estamos então incursionando pela biologia. Podemos dizer, por exemplo, que a capacidade de falar é inata, mas a capacidade de falar um idioma específico é cultural.

O homem não pode ser definido nem apenas por suas habilidades inatas, como fazia o iluminismo, nem apenas por seu comportamento real, como o faz grande parte da ciência social contemporânea, mas sim pelo elo entre eles, pela forma em que o primeiro é transformado no segundo, suas potencialidades genéricas focalizadas em suas atuações específicas. É na carreira do homem, em seu curso característico, que podemos discernir, embora difusamente, sua natureza e apesar de a cultura ser apenas um elemento na determinação desse curso, ela não é o menos importante. Assim como a cultura nos modelou como uma espécie única — e sem dúvida ainda nos está modelando — assim também ela nos modela como indivíduos separados. É isso o que temos realmente em comum — nem um ser subcultural imutável, nem um consenso de cruzamento cultural estabelecido. (GEERTZ, 1989, p. 37-38)

Apesar de todas as diferenças culturais o iluminismo e a antropologia adotam uma visão comum ao definir a natureza humana: ambas acreditam num "modelo" de homem, um arquétipo. Em função destas considerações as diferenças entre os individuais ou, as diferenças entre os grupos de indivíduos, não seriam secundárias. No entanto, não há como desconsiderar características individuais que influenciarão o todo, tanto quanto o todo influencia cada um.

3. O CRESCIMENTO DA CULTURA E A EVOLUÇÃO DA MENTE
A certo conjunto de disposições de um organismo podemos nos referir como: mente. Quando nos referimos à evolução da mente estamos falando do caminho de reconstrução do desenvolvimento de certas habilidades, capacidades, tendências e propensões nos organismos e aos fatores aos quais a existência destas características está relacionada.
Segundo Geertz:
As pesquisas recentes da antropologia indicam como incorreta a perspectiva em vigor de que as disposições mentais do homem são geneticamente anteriores à cultura e que suas capacidades reais representam a amplificação ou extensão dessas disposições preexistentes através de meios culturais. O fato aparente de que estágios finais da evolução biológica do homem ocorreram após os estágios iniciais do crescimento da cultura; implica que a natureza humana "básica", "pura" ou "não-condicionada", no sentido da constituição inata do homem, é tão funcionalmente incompleta a ponto de não poder ser trabalhada. As ferramentas, a caça, a organização familiar e, mais tarde, a arte, a religião e a ciência moldaram o homem somaticamente. Elas são, portanto, necessárias não apenas à sua sobrevivência, mas à sua própria realização existencial. (GEERTZ, 1989, p. 60)

Quando revisamos esta perspectiva da evolução do homem podemos levantar a hipótese de que os recursos culturais são ingredientes do pensamento humano e não acessórios. À medida que analisamos de maneira filogenética, os animais inferiores para os superiores, percebemos que o comportamento é caracterizado pela imprevisibilidade ativa no que se refere aos estímulos correntes, uma tendência aparentemente apoiada na fisiologia pela complexidade crescente e predominante dos padrões centrais de conduta da atividade nervosa. Tal crescimento das áreas centrais autônomas, pode ser considerado, em sua maior parte e até o nível dos mamíferos inferiores, em termos do desenvolvimento de novos mecanismos neurais. Contudo, tais novos mecanismos ainda não foram encontrados nos mamíferos superiores. Mesmo que se possa conceber que o simples aumento do número de neurônios pode, por si, responder pelo florescimento da capacidade mental do homem, o fato de o cérebro humano maior e a cultura humana emergirem sincronicamente, e não de forma seriada, indica que os desenvolvimentos mais recentes na evolução da estrutura nervosa estão relacionados ao aparecimento de mecanismos que tanto permitem a manutenção de áreas dominantes mais complexas como impossibilitam a determinação completa dessas áreas em termos de parâmetros intrínsecos. O sistema nervoso humano depende, inevitavelmente, da acessibilidade a estruturas simbólicas públicas para construir seus próprios padrões de atividade autônoma e progressiva.

... No sentido tanto do raciocínio orientado como da formulação dos sentimentos, assim como da integração de ambos os motivos, os processos mentais do homem ocorrem, na verdade, no banco escolar ou no campo de futebol, no estúdio ou no assento do caminhão, na estação de trem, no tabuleiro de xadrez ou na poltrona do juiz. Não obstante as alegações em contrário do isolacionista em favor da substancialidade do sistema fechado da cultura, da organização social, do comportamento individual ou da fisiologia nervosa, o progresso na análise científica da mente humana exige um ataque conjunto de praticamente todas as ciências comportamentais, nas quais as descobertas de cada uma forçarão a constante reavaliação teórica de todas as outras. (GEERTZ, 1989, p. 61)

4. A RELIGIÃO COMO SISTEMA CULTURAL
Os trabalhos antropológicos sobre religião desenvolvidos antes e depois da II Guerra Mundial quando comparados a estudos anteriores, não apresentam quaisquer progressos teóricos relevantes.
A religião seria uma tentativa de ajustar as ações humanas a uma ordem cósmica e que projeta estas mesmas imagens no plano da experiência humana.
Segundo Geertz, religião é:
(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas. (GEERTZ, 1989, p. 67).

Sob o ponto de vista da antropologia a importância da religião baseia-se na capacidade de servir ao indivíduo e ao grupo, como fonte de concepções gerais do mundo, elaborando funções culturais de onde fluirão suas funções social e psicológica.

O estudo da religião, sob este mesmo ponto de vista, pode ser analisado em dois estágios: primeiramente procedendo a análise do sistema de significados relativos aos símbolos que formam a religião. No segundo, o relacionamento desses sistemas aos processos sócio-culturais e psicológicos.

... Discutir o papel do culto dos ancestrais na regulamentação da sucessão política, dos festins de sacrifício que definem as obrigações do parentesco, da adoração dos espíritos na programação das práticas agrícolas, da divinização para reforço do controle social ou dos ritos de iniciação para apressar a maturação da personalidade não constituem tentativas pouco importantes, e não recomendo que elas sejam abandonadas em favor da espécie de cabalismo árido no qual pode cair tão facilmente a análise simbólica de crenças exóticas. Mas fazer esta tentativa tendo apenas uma idéia, muito geral, de senso comum, sobre o que representam o culto dos ancestrais, o sacrifício de animais, a adoração do espírito, a divinização ou os ritos de iniciação como padrões religiosos não me parece muito promissor. (GEERTZ, 1989, p. 91)

Neste aspecto o autor coloca a necessidade do aprofundamento sobre o real significado de cada símbolo, tanto quanto de cada ato simbólico, dos rituais religiosos, dos seus valores individuais para que se possa, a partir daí, julgar a desempenho do papel religioso de forma contundente na vida do homem.

5."ETHOS", VISÃO DE MUNDO E A ANÁLISE DE SÍMBOLOS SAGRADOS
O homem, como pesquisador de significados, busca perspectivas novas tanto para a religião como para a compreensão das relações entre religião e valores.
Podemos dizer que religião, arte e ideologia expressam, mesmo que de maneira disfarçada, tentativas de orientação a quem não pode viver num mundo que é incapaz de compreender.
Sob o ponto de vista antropológico "ethos" resume aspectos morais e éticos de determinadas culturas. Concomitantemente os aspectos cognitivos e existenciais são resumidos pelo termo "visão de mundo". Já os símbolos são adotados para suprir necessidades englobando situações às quais é preciso, segundo Burke (apud GEERTZ, 1989, p.102) "dar mais atenção a como as pessoas definem situações e como fazem para chegar a termos com as mesmas."
Geertz descreve:
A espécie de símbolos (ou complexos de símbolos) que os povos vêem como sagrados varia muito amplamente. Ritos de iniciação complicados, como entre os australianos; contos filosóficos complexos, como entre os maoris; dramáticas exibições xamanísticas como entre os esquimós; ritos cruéis de sacrifício humano, como entre os astecas; cerimoniais obsessivos de cura, como entre os navajos; grandes festejos comunais, como entre vários grupos polinésios — todos esses padrões e muitos outros parecem resumir, para um ou outro povo, e de forma muito poderosa, tudo o que ele conhece sobre o viver. E habitualmente nem existe apenas tal complexo: os famosos trobriandeses de Malinowski parecem igualmente preocupados com os rituais da jardinagem e das trocas. Numa civilização complexa como a dos javaneses — na qual permanecem ainda muito fortes as influências hindus, islâmicas e pagãs — poder-se-ia escolher um entre vários complexos de símbolos como revelador de um ou outro aspecto da integração do ethos e da visão de mundo.

6. A IDEOLOGIA COMO SISTEMA CULTURAL
A ciência e a ideologia são empreendimentos diferentes mas têm relações entre si. As ideologias fazem exigências empíricas sobre as condições sociais. A ciência força estas exigências a se tornarem reais.
Segundo Stark (apud GEERTZ, 1989, p.109):

... o pensamento ideológico é algo indefinível, algo que deve ser superado e banido de nossa mente .... Ambos se preocupam com a inverdade, mas enquanto o mentiroso tenta falsificar o pensamento dos outros, e seu pensamento continua certo, enquanto ele mesmo sabe qual é a verdade, a pessoa que aceita uma ideologia se ilude no seu próprio pensamento e, se consegue convencer outros, o faz sem querer e sem consciência.

Idéias e crenças podem estar relacionadas com a realidade de duas maneiras: com os fatos e com os anseios desta realidade. Onde existe a ligação entre realidade e o fato, o pensamento é, em princípio, verdadeiro. Na relação entre realidade e anseio enfrentamos idéias que até podem ser verdadeiras mas que são passíveis de estar influenciadas por preconceitos no seu significado mais amplo. Podemos denominar o primeiro tipo de pensamento como teórico, racional, ou cognitivo enquanto o último deve ser caracterizado como parateórico, afetado emocionalmente ou estimativo. Desta mesma forma podemos nos referir a "ideologia" cujas concepções são amplamente variadas e abrangentes e até mesmo distorcidas.

7. A POLÍTICA DO SIGNIFICADO
A política de um país reflete o modelo de sua cultura. Isso parece óbvio, no entanto, quando vemos casos como o da Indonésia percebemos que não é bem assim.
A Indonésia, desde 1945 tem sido sucessivamente palco de revolução, democracia parlamentar, guerra civil, autocracia presidencial, assassinato em massa e denominação militarista. Em meio a esta situação qual seria o modelo de sua cultura?
Geertz (1989, p. 144) descreve:
Por maior que possa ter sido (ou não) a força dilacerante dos massacres, a matriz conceptual dentro da qual o país se vinha movimentando não pode ter mudado radicalmente, se não por outro motivo, porque ela está profundamente enraizada nas realidades das estruturas social e econômica indonésia, enquanto os massacres não estão. Java ainda é terrivelmente superpovoada, a exportação de produtos primários ainda é a principal fonte de comércio exterior, ainda há tantas ilhas, idiomas, religiões e grupos étnicos como sempre houve (e até mais, agora que a Nova Guiné Ocidental foi anexada) e as cidades continuam cheias de intelectuais sem lugar, de negociantes sem capital, e as aldeias de camponeses sem terra.

Ainda que o estado da mente dos indonésios seja diferente por conta dos horrores, a sociedade e as estruturas de significado que a informam continuam praticamente as mesmas.

As interpretações culturais da política que fazemos podem ser poderosas na medida em que podem sobreviver intelectualmente aos acontecimentos políticos. Isso acontece dependendo do grau em que se encontra sociologicamente fundamentada. Quando a sociedade e a política estão seguras de forma conveniente, o que quer que ocorra apenas as reforça; mas se não estiverem o que quer que ocorra as explodirá.
Burckhardt (apud GEERTZ, 1989, p. 145) registra:

Talvez seja possível indicar muitos contrastes e graduações entre as diferentes nações, mas não é dado à percepção humana alcançar o equilíbrio do todo. A verdade última, no que diz respeito ao caráter, à consciência e à culpa de um povo, permanece um segredo para sempre. Seus defeitos têm outro lado, onde reaparecem como peculiaridade e até mesmo como virtudes. Devemos deixar que ajam como queira aqueles que encontram prazer em censurar acremente nações inteiras. Os povos da Europa podem maltratar, mas felizmente não se julgam uns aos outros. Uma grande nação, entretecida por suas realizações, sua prosperidade com toda a vida do mundo moderno, pode dar-se ao luxo de ignorar tanto os seus defensores como seus acusadores. Ela continua a viver com ou sem a aprovação dos teóricos.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

RESENHA DO LIVRO "LINGUAGEM E IDEOLOGIA

Fiorin aborda, no livro Linguagem e ideologia, a relação que a linguagem mantém com a ideologia, ou melhor, a influência que uma exerce sobre a outra. O livro tem como ponto de partida estudos de grandes pensadores, como Marx e Engels, e, a partir daí, Fiorin, de uma maneira incrível, trabalha diversos conceitos que relacionam a importância da linguagem na formação ideológica do indivíduo, levando em conta os fatores sociais que, segundo o autor, são determinantes para a efetivação dessa formação ideológica.
O sistema linguístico de uma língua sofre alterações devido a fatores internos da língua, e não a externos. O que chama a atenção a esse fato é que a criação de categorias linguísticas provavelmente depende de fatores sociais, porém essas categorias perdem os laços que têm com os fatores sociais que contribuíram para seu aparecimento, ganhando, dessa forma, autonomia.
O autor faz distinções entre alguns termos, as quais acabam ajudando no entendimento do livro. Uma dessas distinções importantes é entre o discurso e a fala. O discurso são “[...] as combinações de elementos linguísticos, usados pelos falantes com o propósito de exprimir seus pensamentos” (FIORIN, 1990, p. 11), enquanto a fala seria a concretização desse discurso, sua exteriorização. O discurso, para ser compreendido em sua totalidade, tem que estar bem-estruturado sintática e semanticamente. O autor distingue também sintaxe discursiva de semântica discursiva, sendo a sintaxe predominantemente consciente, e a semântica inconsciente, pois, para se expressar, o falante tem que estruturar o que vai ser dito, já o conteúdo é influenciado pelo contexto social. Dois discursos podem se referir à mesma coisa e, mesmo assim, serem discursos distintos, se cada um tratar do assunto sob pontos de vista diferentes.
O texto é um dos veículos de expressão do discurso. Existem dois tipos de texto: o temático (não figurativo) e o figurativo. Segundo Fiorin (1990, p. 26):
Tema é o elemento semântico que designa um elemento não-presente no mundo natural, mas que exerce o papel de categoria ordenadora dos fatos observáveis. São temas, por exemplo, amor, paixão. Lealdade, alegria. 
Figura é o elemento semântico que remete a um elemento do mundo natural: casa, mesa, mulher, rosa etc.
Já o discurso figurativo é a concretização de algum discurso temático, ou seja, um está interligado ao outro, o discurso figurativo narra um determinado episódio, e o temático é  dissertativo, pois está contido através da “moral” da história.
Toda formação ideológica é determinada pela classe social do indivíduo, sendo que a ideologia da classe dominante tem influência sobre as demais. Nenhum indivíduo é livre ideologicamente, todas as suas ideias e pensamentos são influenciados pelo contexto social no qual ele está inserido. A linguagem é o que determina a formação ideológica, pois é através dela que se transmite qualquer forma de conhecimento. É através da linguagem que o homem se relaciona com os outros e pode interferir (agir) no mundo.
Fiorin (1990, p. 26) mostra que há dois níveis de realidade: “[...] um de essência e um de aparência, ou seja, um profundo e um superficial, um não visível e um fenomênico”. É a partir do nível de aparência que se forma a ideologia dominante num contexto social. O autor dá como exemplo a exploração do trabalho no sistema capitalista, em que o trabalhador recebe pela força de trabalho, mas acha que recebe pelo trabalho.
Nesse caso só analisando a realidade pelo nível da essência é que se percebe que o trabalhador está sendo enganado, mas, como a maioria das pessoas é levada a ver a realidade pelo nível de aparência, a realidade continua mascarada.
A ideologia é construída pela realidade, ao mesmo tempo que é construtora dessa mesma realidade. Sendo assim, o discurso é expressão da consciência, mas essa consciência é formada pelos discursos com os quais o indivíduo teve contato. O mesmo discurso pode se manifestar através de diferentes meios de expressão, sendo cada um a sua maneira. Por exemplo, um livro que é usado para se fazer um filme é o mesmo discurso expresso por dois meios distintos.
O livro de Fiorin é ótimo para entender melhor a importância da linguagem, pois ela é o veículo de todo conhecimento e formadora de toda ideologia. O autor abordou todos esses conceitos e elaborou o livro de forma brilhante. Trata-se de uma obra que faz o leitor refletir sobre o mundo a sua volta, tornando o seu olhar diferente, mais crítico e perspicaz.

RESENHA DO LIVRO "LINGUAGEM E IDEOLOGIA"
FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia.  2. ed. São Paulo: Ática, 1990.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

HISTÓRIA ANTIGA ORIENTAL - A CIVILIZAÇÃO PERSA




Surgimento da civilização
As classes sociais
Desenvolvimento
Decadência

A antiga civilização persa é o resultado da fusão dos invasores indo-europeus com as populações preexistentes, principalmente asiânicas, que já tinham experimentado a influência de várias outras civilizações, como a elamita, a mesopotâmica e a grega.
Começando com a unificação das tribos medas por Ciaxares (625-585 a.e.c.), e a subsequente incorporação da Media aos domínios de Ciro (55O-33O a.e.c.), a civilização persa teve quatro fases principais: a Aquemênida (55O-33O a.e.c.), a helenística (33O-67 a.e.c.), a parta - que se sobrepôs em parte a helenística (248 a.e.c.- 226 d.e.c.) - e a sassânida (226-642 d.e.c.).
Durante mil anos houve uma continuidade básica das condições em que vivia a população. No entanto, certas práticas sociais e administrativas, adotadas no período Aquemênida na era helenística, só persistiram no campo, já que as características principais das sociedades helenísticas se manifestaram apenas na cultura urbana e nas formas urbanas de governo. A fase parta, embora ainda influenciada pela helenística que a precedeu, restaurou elementos da tradição aquemênida original e preparou os fundamentos para o segundo grande período da civilização persa, introduzido pelos sassânidas.
O conflito da Pérsia aquemênida com a Grécia, e a luta dos partas, a principio contra os selêucidas, depois contra Roma, assim como o conflito quase continuo entre os sassânidas e Bizâncio, provocaram uma visão distorcida da antiga Pérsia nos autores clássicos greco-romanos, que tendiam a opor a "civilização", que para eles era a do mundo clássico, à "barbárie" dos persas. Essa era a perspectiva de Heródoto, por exemplo, pelo menos no que respeita os camponeses persas. Diferentemente da versão ateniense da cultura grega, caracterizada por um sentido básico de igualdade e uma cidadania compartilhada, na antiga Pérsia, cuja civilização era essencialmente aristocrática e feudal, as diferenças de classe eram profundas. Não obstante, a civilização dos antigos persas era a expressão de um povo altamente cultivado, que tinha uma compreensão sofisticada do mundo e cuja ética era marcada pela justiça e a tolerância.
Segundo o entendimento atual, o termo "civilização persa" compreende as características socioculturais desenvolvidas durante as fases aquemênida, parta e sassânida da antiga Pérsia, e a cultura sassânida foi o seu produto final. Os sassânidas incorporaram deliberadamente as grandes tradições do período aquemênida, reformando ao mesmo tempo o que não se ajustava a eles. Guardaram também, talvez menos deliberadamente, muitos aspectos do período helenístico, particularmente na sua cultura urbana, mas construíram uma cultura sassânida especifica, com o legado que receberam dos partas. Ela incorporava elementos das culturas romana e bizantina, mas havia também influências dos povos nômades das estepes setentrionais e, mais tarde, dos árabes.
Depois da conquista árabe do século VII d.e.c., surgiu uma segunda expressão da antiga cultura persa, com a fusão da cultura sassânida com a islâmica. Embora essa nova cultura persa islâmica tenha adquirido um caráter distintamente persa, diferenciando-se do ramo árabe do Islã, era dominada pela cosmovisão islâmica, completamente diversa da tradição original persa. A perspectiva persa, distinta da islâmica que passou a prevalecer, se baseava nas idéias do mazdaismo e do zoroastrianismo.
Surgimento da civilização
As antigas civilizações do Oriente Médio desenvolveram suas características culturais básicas antes de organizar-se em Estados. Estes só evoluíram quando os sistemas culturais preexistentes se organizaram politicamente. Isso se aplica à Mesopotâmia, ao Egito, a antiga Israel e a civilização do Egeu. No caso da Pérsia, contudo, a formação do Estado e do núcleo do Império precedeu a civilização, e foi um fator importante na sua determinação.
Elementos culturais importantes, que se integraram à civilização persa, já existiam antes da formação do Império. Foi o que aconteceu com as características culturais trazidas pelos indo-europeus, assim como com os traços socioculturais que eles encontraram nos povos que já viviam no planalto iraniano. No entanto, a civilização persa é o produto tardio de uma grande variedade de povos de diferentes culturas, línguas e origens étnicas, que se integraram à maneira de viver dos persas, sob sua lei, administração e defesa, compartilhando algumas crenças básicas. Ciaxares uniu os medos sob o seu governo, formando o reino meda. Ciro criou o reino persa e, absorvendo os medos, construiu o núcleo de um Império Persa em rápida expansão. Em certo sentido o Império Persa antecipou o Império Romano: os persas foram os primeiros "romanos". A elite persa estava dotada de talento politico e militar significativo, que a capacitava para exercer a liderança, mas ela cultivava também uma cultura da tolerância que tornava a sua hegemonia de fácil aceitação. Com o curso do tempo o Império Persa tornou-se a contrapartida oriental do Império Romano - duas civilizações abrangentes que se impuseram às várias culturas dos respectivos impérios, respeitando - e em certa medida protegendo - as peculiaridades de cada uma.
O Império Persa era uma ampla e compreensiva superestrutura na Ásia Sul-oriental que preenchia ao mesmo tempo muitas funções. Mantinha as características especificas de cada unidade, formadas por diferentes povos, com culturas especificas, e a todas atribuía uma universalidade propriamente persa. Esse caráter universal era a princípio politico, administrativo, legal e militar, mas integrou-se na civilização persa, com raízes mazdaístas, modificado pela reforma de Zoroastro, mobilizado por um Estado ativo, que regulamentava o comércio para mantê-lo fluindo por um sistema de estradas bem mantidas, assistindo-o nos campos do transporte e das comunicações.
Depois da morte de Cambises e a derrota dos revoltosos de Gaumata, a reorganização do Império por Dario foi o processo que fundamentou a civilização persa. Seu vigoroso governo central tolerava e preservava as características locais e regionais. Dentro da ética elevada da versão zoroastriana, Dario universalizou o mazdaismo sem obrigar ao culto do seu deus. Criou um padrão duradouro de relações entre as cidades e o campo, entre os nobres, os mercadores e camponeses, assim como entre o governo central, os sátrapas e os chefes das aldeias. Com isso criou uma estrutura com a qual a civilização persa pôde assumir gradualmente seu caráter próprio.
As classes sociais
No cimo da sociedade estava o soberano absoluto com sua família. Cercava-o a alta nobreza composta das grandes famílias que haviam contribuído para que Dario conquistasse o poder. Esses poderosos vassalos possuíam imensos domínios dentro dos quais gozavam de privilégios especiais como o de impor taxas, ditar leis, executar sentenças e até manter forças armadas. Abaixo da nobreza e dos altos dignitários do império, podemos colocar o imenso corpo de funcionários que constituía a máquina burocrática da administração.
Na zona rural encontramos uma população composta, em parte, de agricultores livres e, em parte, de escravos que cultivavam grandes áreas de terra.
Mencionemos ainda um agrupamento social importante na época dos Aquemênidas e considerado por Heródoto como uma tribo pertencente à confederação dos medos: os magos. Os magos, parece, eram especializados no conhecimento e na prática de um ritual sobre o qual não possuímos informações, mas que deve ter representado um conjunto de tradições e de crenças muito antigas. Adquiriram alta reputação de sábios e exerceram grande influência entre os persas. Os próprios reis persas se tornaram seus discípulos, nada fazendo sem consultá-los. Os mais altos eram sábios, os abaixo eram adivinhos e feiticeiros, ledores das estrelas e intérpretes dos sonhos; a própria palavra mágico vem do nome Mago.
Desenvolvimento
Os persas se desenvolveram em quatro fases: a aquemênida, a helenística, a parta e a sassânida.
A fase helenística ocorreu quando as sucessores de Alexandre dominaram a Pérsia politica e militarmente. Embora baseando-se em tropas e lideres estrangeiros, a cultura helénica exerceu um fascínio poderoso sobre a elite persa. O sentido de homonoia de Alexandre preparou as circunstâncias dentro do principio de que não seria tolerada qualquer discriminação baseada em diferenças étnicas. Muitos séculos mais tarde, a cultura ocidental exerceria um fascínio semelhante sobre as elites do mundo não-ocidental. Do ponto de vista dos persas, a fase helenística correspondeu a um desvio da cultura persa: embora preservasse muitas práticas locais, especialmente no campo, ela simplesmente sobrepunha, a persa, a cultura grega.
Não obstante a fase helenística da Pérsia ter durado mais de dois séculos, era impermanente por três razões principais. Em primeiro lugar, embora os selêucidas não tivessem preconceito racial, e permitissem que a elite persa helenizada participasse da sua sociedade, praticavam também uma forte politica de helenização, que se tornou culturalmente intolerante. Desde os tempos de Antioco IV Epifanes (215-163 a.e.c.), nos seus círculos privilegiados os selêucidas rejeitavam a cultura persa. Em segundo lugar, os macedônios e os gregos ocupavam as posições mais importantes na organização politica e militar do Império Selêucida, a despeito da abertura com relação à elite persa helenizada. Finalmente, o poder dos selêucidas se baseava em um exercito de mercenários gregos, estando assim completamente divorciado da população local. Depois de algum tempo tornou-se impossível recrutar um número suficiente de soldados, o que reduziu abaixo de um nível critico a efetividade desse exercito. O conflito prolongado dos selêucidas com os lágidas (ptolomaicos) diminuiu ainda mais essa capacidade militar, e a intervenção romana continuou a agravar a situação ate os selêucidas serem desafiados pelo poder emergente dos partas.
A civilização persa se desenvolveu sob os aquemênidas, e o fato de que os partas e mais ainda os sassânidas a tenham restaurado pode ser atribuído a sua ampla adequação às circunstâncias atuais da Pérsia. Vale citar ainda uma vez a analogia com o Império Romano.
Desde os aquemênidas, prosseguindo com os partas e especialmente sob os sassânidas, o Império Persa correspondeu ao Império Romano da Ásia do Sudoeste. A civilização persa era o conteúdo desse Império, particularmente adequado às características socioculturais dos vários povos e comunidades que se tinham integrado ao seu seio, vinculando as peculiaridades das diferentes regiões, que preservara, com uma cosmovisão universal e às práticas civilizadas da administração persa.
No curso do tempo, e durante o período sassânida, com a ampliação do mazdaismo zoroastriano, a civilização persa chegou a um modus vivendi satisfatório com as duas principais minorias culturais que tinham ingressado no Império Persa: os cristãos nestorianos e os judeus. Ao contrário da intolerância da religião bizantina, a regra adotada na Pérsia era a tolerância de todos os cultos religiosos, a não ser quando se suspeitava de deslealdade para com o Império. Na Pérsia sassânida, a perseguição dos cristãos normalmente reativava o antigo conflito com Bizâncio, provocado pela convicção persa, não de todo desrazoável, de que as cristãos eram aliados de Bizâncio e conspiravam em favor do inimigo. Quando a Igreja Cristã Persa declarou sua independência do patriarcado de Bizâncio, durante o reinado de Vahram V (421-438), esse conflito praticamente desapareceu.
Como as civilizações da Mesopotâmia e do Egito, a dos persas passou por um processo de modernização durante o quinto e o sexto séculos, especialmente nos brilhantes reinadas de Vahram V e de Cosroes II (531-579). Essa modernização produziu um novo florescimento das artes e das ciências. Livros gregos e indianos foram traduzidos para o pahlavi - a modalidade de persa intermediário falada na época dos sassânidas - e havia um sentimento crescente de tolerância e uma abertura para as outras culturas, assim como para os refinamentos da vida. Ao contrário do que aconteceu com as antigas civilizações cosmológicas, a modernização não foi um fator na decadência da Pérsia sassânida, cuja crise - sua conquista final pelos árabes, e conversão ao Islã - se deveu a outros motivos e circunstâncias.
Decadência
Definir em que consiste a decadência de uma civilização é sempre um exercício complexo, que envolve diferentes domínios: o militar, o social e o cultural. A decadência politica de uma civilização ocorre quando a sociedade que a sustenta perde sua independência e autonomia. Na Babilônia e no Egito durante muito tempo as civilizações sobreviveram a essa perda de independência. A decadência cultural de uma civilização, envolvendo todos os seus aspectos essenciais, é ainda mais complexa, porque é preciso levar em conta também a relação que se pode desenvolver entre uma determinada civilização e seus ramos descendentes. Um bom exemplo é a relação entre a civilização romana e Bizantina.
A estrutura politica da antiga Pérsia passou por quatro sequências distintas: a aquemênida, a selêucida, a parta e a sassânida. Até a queda dos sassânidas, a civilização persa sobreviveu e foi mesmo revigorada por períodos importantes. Muitas das suas características continuaram a existir com uma visão do mundo diferente, que a sua conversão ao Islã transformara profundamente. Em certa medida a Pérsia islâmica é uma continuação da Pérsia sassânida, mas representa também um corte profundo com relação a ela, podendo ser considerada um caso extremo de afiliação de duas civilizações que só se combinaram porque uma delas pôde transformar profundamente a outra. O caso de Roma e Bizâncio é um exemplo mais moderado dessa mesma dinâmica.

A ECONOMIA PERSA
Período Aquemênida
A economia do império Persa era próspera e saudável. As províncias eram administradas de forma razoável, mediante a combinação de normas gerais com práticas locais. Havia um sistema legal uniforme, que antecipava o conceito romano de uma lei universal, e que incorporava os costumes de cada lugar. As atividades econômicas eram beneficiadas por uma rede de estradas e rotas marítimas, um sistema equilibrado de tributação, um influxo significativo de ouro e um sistema monetário bimetálico que Creso introduzira inicialmente na Lídia. Os salários eram pagos originalmente em produtos - carne, cevada, trigo, vinho - e mais tarde em dinheiro. Em menos de meio século o dinheiro substituiu quase inteiramente os pagamentos em bens.
Em todo o país foram construídos canais, estradas e ganats (canais subterrâneos) para a irrigação das regiões áridas do país. Uma politica agrícola racional, destinada a melhorar o bem-estar do povo, possibilitava a aclimatação de muitas sementes e mudas de árvores, plantas, cereais e animais domésticos trazidos de diferentes partes do império. As florestas eram também usadas de forma racional, e em todo o império os minérios eram explorados extensamente.
A produção agrícola estava centralizada em grandes propriedades. Além de prisioneiros de guerra, o trabalho era executado por servos vinculados a terra, sendo com ela comprados e vendidos. Havia também pequenas propriedades, de importância relativamente pequena. Sobretudo em Fars, a terra de origem dos persas, onde nos primeiros anos do Império não havia imposição de tributos, os camponeses eram proprietários das terras que trabalhavam.
Havia uma abundância de manufaturas. Têxteis, artefatos de madeira, de bronze, objetos preciosos de metal, jóias e cosméticos eram produzidos por servos, nas grandes propriedades rurais, e nas cidades por artesãos livres. O império promovia o desenvolvimento econômico abrindo oportunidades para o comércio com outros países e entre as províncias. Navegadores gregos, fenícios e árabes intercambiavam ativamente mercadorias procedentes da Índia, do golfo Pérsico, da Babilônia e do Egito. Os persas reativaram as atividades bancárias, que na Mesopotâmia tinham existido desde o segundo milênio a.c., sofrendo contudo um retrocesso devido aos invasores do princípio da Idade do Ferro. Os bancos faziam empréstimos, aceitavam depósitos, arranjavam investimentos e penhores. Mantinham contas correntes, com dinheiro que podia ser retirado mediante uma espécie de cheque.
Durante o período aquemênida houve uma primeira tentativa de organizar uma economia em escala nacional. Os impostos eram recolhidos por intermédio das satrapias, proporcionando recursos para custear os tribunais, o exército, as obras públicas e a administração do Estado. No coração do Império, os templos e as grandes propriedades continuavam a ser o centro da vida econômica. O Estado procurava proteger os trabalhadores regulamentando os salários, como revelam as tábuas elamitas de Persépolis. Valores monetários eram atribuídos aos bens mais comuns de modo que, mesmo se o seu pagamento fosse feito em produtos, o preço seria o mesmo. O departamento imperial de obras públicas empregava trabalhadores vindos de todas as partes do império e até mesmo de outros países.
Uma das principais atribuições dos sátrapas era a arrecadação de impostos. Estes eram taxados de acordo com as possibilidades das satrapias e podiam ser pagos quer em metal precioso quer in natura. Anualmente era enviado para Susa uma soma fabulosa, parte da qual era entesourada, o que impedia naturalmente que tais riquezas se tomassem produtivas. Tal fato explica que Alexandre pudesse encontrar somas espantosas conservadas no tesouro dos reis persas.
Para facilitar as transações comerciais, Dario, a exemplo do que era feito na Lídia, fez com que se cunhassem moedas de ouro, os famosos "dáricos", nos quais os Aquemênidas são representados na atitude de um arqueiro, com um joelho em terra.
O comércio era praticado, em sua maior parte, por estrangeiros (babilônios, fenícios & judeus), pois os persas davam preferência às atividades agrícolas. Como não existisse praticamente indústria entre os persas, o comércio devia suprir as necessidades da população. Através das estradas passavam as caravanas de comerciantes. Susa era um centro comercial importante para onde convergiam as riquezas do Ocidente e do longínquo Oriente. De Susa a Sardes uma caravana levava noventa dias, mas Os correios reais percorriam o mesmo trajeto em apenas uma semana.
No distante Pendjab, Dario procurou restaurar a vida econômica. Enviou o grego Scyllax com a finalidade de descobrir em que mar desembocava o Indus. Na foz desse rio fundou um porto e o mesmo Scyllax foi encarregado de conduzir uma frota do Golfo Pérsico ate o Mar Vermelho. Após trinta meses de navegação, o almirante grego chegou ao termo de sua viagem. Tal empreendimento levou Dario a ordenar que se completasse ou que se reabrisse o canal que ligava o Nilo ao Mar Vermelho, permitindo a passagem das embarcações do Mediterrâneo para o Mar Vermelho e daí a continuação da viagem ate a Índia ou mais além. Pirenne assim comenta as consequências desse ato de Dario: Doravante a Mesopotâmia não seria mais a grande via do Ocidente para as Índias. O mar iria destronar a terra. O Egito iria ser chamado a desempenhar o papel que tinha dado, até então, sua imensa prosperidade a Babilônia. A sorte do Egito estava fixada: tornava-se o ponto de junção do Ocidente e do Oriente. Dois séculos seriam suficientes para realizar esta profunda revolução na vida econômica do mundo; devia ter como consequências a decadência da Mesopotâmia e o advento do Império Romano.
Período Parta
Os partas mantiveram o ativo sistema comercial do Irã. Suas boas estradas eram bem mantidas, soldados protegiam as caravanas e o intercâmbio comercial era estimulado - tanto o comércio local como aquele entre o Ocidente e o Oriente. Por exemplo: a cavalaria parta usava armas feitas de aço fabricado na China.
A agricultura persa era dominada pelas grandes propriedades da nobreza. Para todos os fins os camponeses perdiam sua liberdade, pois o país estava dividido entre terras estatais e grandes propriedades. Durante o período helenista declinou o progresso nas ciências agrícolas, mas houve um desenvolvimento da criação de animais domésticos. Nas cidades, costumes liberais facilitavam as condições dos escravos; gregos e iranianos continuaram a misturar-se - uma politica iniciada por Alexandre. As classes sociais se distinguiam pelos seus recursos, e o grego era a língua civilizada por excelência.
Roma e os partas sustentaram o seu conflito tradicional - os romanos pressionando na direção do leste, os partas no sentido contrário. A fronteira era o rio Eufrates, e o Irã foi vitorioso depois de uma longa luta, e de vários ataques pelos nômades setentrionais. A capacidade de resistência a Roma e aos nômades desenvolveu um novo espirito nacional que, mais tarde, seria desenvolvido com os sassânidas. Foi esse espirito que protegeu o mundo civilizado da Ásia Ocidental dos bárbaros vindos do norte.
Período Sassânida
A Pérsia sassânida tinha uma estrutura social rígida, com o rei no topo e três camadas de aristocracia. A primeira era a dos vassalos, príncipes de importância variada que mantinham seus tronos em troca do reconhecimento da autoridade central do monarca. Esse estrato incluía também os príncipes de sangue real, incumbidos pelo soberano de governar as maiores províncias. Os principados locais declinaram gradualmente, embora representassem a defesa externa do Império.
Uma segunda camada da aristocracia era composta pelos chefes das sete grandes famílias, numero que se manteve ao longo dos séculos desde a época dos aquemênidas. Esta era uma fonte de conflito continuo entre o poder central e os senhores feudais. Suas províncias deviam pagar tributos a esses aristocratas, além dos pagos ao rei, e estavam obrigadas a ceder seus próprios soldados para a defesa da Coroa.
A pequena nobreza, que incluía os ministros e outras altas autoridades, formava o terceiro nível da aristocracia: uma classe em crescimento que representava um contrapeso em relação aos senhores feudais. Abaixo estavam os "homens livres", a nobreza que detinha pequena propriedade e os chefes das aldeias, que proporcionavam um vínculo entre os camponeses e os funcionários imperiais. Abaixo da aristocracia, ou talvez em paralelo, figurava a instituição religiosa, com uma hierarquia própria.
No nível mais baixo da sociedade estavam os camponeses e artesãos, que formavam a grande massa da população, e embora livres de jure eram de facto servos da terra. O Irã dos sassânidas era uma sociedade agrícola, onde a terra era cultivada por servos, sob o controle do Estado e dos estratos superiores da nobreza. Havia também um comércio bastante ativo, em que a seda chinesa, reexportada para o Ocidente, figurava como o produto mais valioso.
Os iranianos desenvolveram práticas bancárias, usando extensamente o equivalente das letras de câmbio. Iranianos e judeus operavam uma rede de bancos que apoiava o importante comércio internacional, favorecido pelo Estado e que lhe proporcionava uma renda importante. Era o Estado que mantinha e policiava as estradas, com estações de repouso e abrigos para caravanas, fornecimento de água e construção de canais. Havia alguns monopólios, e o mais importante era o da seda crua adquirida na China, e tecida também na Síria e em Bizâncio; os sassânidas criaram uma indústria rival no seu território, com oficinas em Susa, Gundeshapur e Shushtar

DIREITO PERSA
No Império persa a grande fonte do direito era a vontade do soberano de direito divino. Transgredir a lei emanada do soberano era ofender a própria divindade. Os crimes de menor importância eram punidos com a chibata que podia ser, em parte, substituída pela multa pecuniária. Os crimes mais graves eram severamente punidos com castigos bárbaros como a marca à fogo, a mutilação, a cegueira e a própria morte. A pena de morte era aplicada em casos como homicídio, estupro, aborto, grave desrespeito à pessoa do rei, e traição. Os rebeldes recebiam uma punição exemplar: Eram levados à corte real onde lhes cortavam o nariz e as orelhas; mostravam-no ao povo e em seguida eram conduzidos à capital da província em que se haviam revoltado e aí eram executados. Ciro, o Jovem, após sua morte, teve a cabeça e a mão decepadas. A família inteira seguia, em geral, a sorte de seu chefe.
Havia diversos processos de executar a pena máxima: o veneno, a empalação, a crucificação, o enforcamento, o apedrejamento, etc. Apesar desses castigos severos, convém notar que a lei não permitia que se punisse com a pena de morte alguém que houvesse cometido um único crime; nem mesmo um escravo deveria ser punido com atrocidade por causa de uma única falta: seus méritos deviam ser levados em consideração.
O rei era o supremo juiz, sobretudo em matéria penal. Em matéria civil encontramos, já sob o reinado de Cambises, juízes nomeados pelo soberano. É conhecido o caso de Sesamnés, juiz real condenado a morte por haver recebido dinheiro a fim de pronunciar uma sentença injusta: após sua morte, arrancaram-lhe a pele e forraram com a mesma a cadeira em que costumava sentar para exercer suas funções. Tal punição praticada por ordem de Cambises foi repetida sob Artaxerxes I, que mandou esfolar vivos juízes que haviam proferido sentenças iniquas.
A prática processual admitia o juramento e aplicava, às vezes, o ordálio. As partes eram assistidas pelos relatores da lei, espécie de advogados que as orientavam no processamento das ações quando as leis se tornavam por demais complexas.


A Religião Persa
- As antigas práticas dos indo-iranianos
- Ahura Mazda e a escolha entre o Bem e o Mal
- Amesha Spenta ou os Sete Imortais
- A história cósmica em três etapas
- O homem diante da morte
- Iniciação, oração
- As Festas
- O zoroastrismo ao longo dos séculos
- Período Aquemênida
- Período Parta
- Período Sassânida
O zoroastrismo é uma das mais antigas religiões monoteístas. Foi fundado na Pérsia, atual Irã, por Zaratustra, ou Zoroastro, com diziam os gregos. Essa religião influenciou - direta ou indiretamente - outras crenças religiosas, entre elas o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Em sua época áurea tornou-se religião de Estado de três grandes impérios iranianos dos séculos VI a.e.c. ate VII d.e.c. Atualmente, há um pequeno número de seguidores que vivem no Irã e na Índia.
Zaratustra Spitama nasceu na região que hoje engloba o norte do Irã e sul do Afeganistão. É difícil estabelecer uma data especifica para o nascimento, mas é possível situá-lo entre 15OO e 12OO a.e.c. Pouco se conhece de sua vida. Segundo a tradição, era um sacerdote (zautar), viveu muitos anos, casou-se três vezes, levava uma vida simples com poucos bens ("Eu sei, O Sábio, por que não tenho poder: é porque poucos são os meus rebanhos e poucos os homens de que disponho." Yasna, 46:2).
Aos 3O anos, em meio a um ritual de purificação, teve uma visão. Único fundador de um credo no qual era ao mesmo tempo sacerdote e profeta, percebeu que a sabedoria, a justiça e a bondade estavam separadas da fraqueza e da crueldade. Acreditando ter sido instruído diretamente por Ahura Mazda, o Ser Supremo, passou a transmitir a mensagem divina a comunidade: o mundo vivia por meio a uma disputa de forças contrárias e o homem, assim como os espíritos, tinha o livre arbítrio para escolher entre o bem e o mal, entre a luz e a escuridão.
A nova proposta, baseada em ideias reformistas, entrou em conflito com as antigas práticas religiosas tradicionais e, em pouco tempo, as reações se fizeram sentir. Zoroastro partiu em busca de refúgio e, em suas andanças, encontrou guarida na tribo da rainha Hutaosa e seu marido, Vishtaspa, que logo se converteria as novas ideias tomando-se grande protetor e amigo do profeta.
A doutrina de Zoroastro incomodou duplamente os seguidores da antiga religião indo-iraniana. Por um lado, as propostas reformistas ofereciam a salvação a todos que optassem por uma vida justa e honrada independentemente de sua classe social, rompendo com a tradição que estipulava uma vida de suplícios após a morte aqueles que não pertenciam a aristocracia ou ao sacerdócio. Por outro, a rejeição aos deuses e a incorporação de conceitos como um único Criador, dualismo, grande batalha cósmica e julgamento eram muito difíceis de serem aceitas por parte da comunidade politeísta.
Em sua própria tribo, conquistou um único discípulo: Maidhyoimanha. Zoroastro começou a ganhar adeptos somente com a conversão da rainha Hutaosa e seu marido Vishtaspa.
As antigas práticas dos indo-iranianos
E preciso retomar alguns aspectos e práticas da antiga religião para compreender a natureza da revelação de Zoroastro. Os ancestrais daqueles que se conhecem como iranianos e indianos formavam um só povo identificado como proto-indo-iranianos, um dos ramos da família indo-europeia. Viviam entre as terras das estepes ao sul da Rússia até o Volga, criando gado e ovelhas. Por volta do terceiro milênio antes da era cristã, parte dos proto-indo-iranianos migrou para o sul e atravessou o Hindukush, passando a ocupar a índia. Dessa separação resultou a formação de dois povos que, apesar de se comunicarem em línguas distintas, conservaram alguns elementos em comum, fosse o domínio da sociedade pela aristocracia guerreira e pelos sacerdotes, fossem algumas práticas religiosas.
Somente os sacerdotes podiam realizar diariamente o culto (yasna). Antes de iniciar a cerimonia ingeriam o Haoma, bebida provavelmente preparada a partir de folhas de ephedva, cujo caráter alucinógeno provocava uma espécie de transe. A solenidade contava ainda com o sacrifício de animais - para os iranianos, o espirito do animal encaminhava-se até uma divindade chamada Geush Urvan (A alma do touro).
Rico e diversificado, o panteão indo-iraniano - em grande parte concebido antropomorficamente - estava formado por deuses (daevas) ligados a fenômenos físicos da natureza ou a conceitos diversos. No primeiro grupo, podemos listar Atar (o fogo), Apa (a água), Asman (o céu) e Zam (a Terra), Hyar (o Sol) e Mah (a Lua), Vata evayu (os dois deuses do vento); no segundo, Airyaman (poder da amizade), Arshtat (Justiça), Ham-vareti (coragem) e Sraosha (obediência). Acima desses, dois deuses se destacavam: Apan Napat e Mithra. Amplamente venerados, a eles atribuíam-se muitos conceitos: ao primeiro, "juramento", "verdade"; já Mithra era o "contrato"; o deus do Sol, o maior dos fogos, aquele que acompanhava o astro durante seu trajeto diário; a "lealdade". Ambos receberam o titulo de ahura, que significa "deus", "senhor".
Ahura Mazda e a escolha entre o Bem e o Mal
De acordo com a tradição, após se tornar sacerdote aos 15 anos, Zaratustra vagou durante muito tempo em busca da verdade ate que, finalmente, a alcançou durante um ritual (Gathas; Yasna, 43). Em busca de água para o haoma, entrou em um rio e ao retornar à margem, em estado de pureza física e espiritual promovido pelo elemento purificador (a água), teve uma visão: um ser iluminado, que se revelou como Vohu Manah (o bom pensamento), levou-o até a presença de Ahura Mazda e outros cinco seres divinos: Asha Vahishta, Spenta Armaiti, Khshathra Vairya, Haurvatat e Ameretat Essa foi a primeira de inúmeras visões nas quais ouviu o Ser Supremo chamando-o a Si.
Mazda, um dos maiores ahuras do panteão iraniano, era venerado e cultuado como o guardião do asha (ordem da verdade, justiça). Zaratustra proclamou Ahura Mazda como o Senhor Supremo; o imortal; Deus da sabedoria; o Criador de todas as coisas; aquele a partir de quem emanavam todas as outras criaturas divinas. Em sua visão, o Criador estava acompanhado por seus dois filhos gêmeos, Spenta Mainyu (espirito benfeitor) e Angra Mainyu (espirito destruidor, ignorante, maligno, aquele que originou a morte): Existem dois espíritos, gêmeos, conhecidos por estarem sempre em conflito. Em pensamento em palavras e em atos eles são dois, o bem e o mal. (Yasna, 3O.3-5). Os espíritos deviam escolher entre a verdade (asha), ou a falsidade, a maldade, a mentira (drug), existentes em todos os pensamentos, palavras ou atos.
Na teologia de Zoroastro, o bem e o mal precedem ao próprio Criador. O dualismo de seu pensamento está na separação desses opostos revelada na origem da criação dos espíritos gêmeos: tanto Angra Mainyu quanto Spenta Mainyu tiveram a liberdade de optar pelo caminho a seguir; na realidade, as escolhas se deram baseadas na natureza de cada um. Nesse sentido, não se pode culpar Ahura Mazda pela origem do mal ou pela direção tomada por Angra Mainyu, pois o drug antecede a própria criação do espirito. Em sua sabedoria, onipotência e bondade, o Senhor Supremo já antevia qual seria a opção dos filhos.
O caráter original desse preceito transformaria as classificações dos deuses existentes na antiga religião indo-iraniana, na qual ahuras e daevas eram seres divinos. A partir de então, os primeiros seriam considerados como aqueles que optaram pelo asha, enquanto os últimos se transformavam em forças destrutivas, demônios ou deuses da guerra (principalmente o deus Indra) seguidores do drug.
Cabe aqui ressaltar que o asha contém implicações éticas atuantes tanto na esfera divina como na conduta humana. Honestidade, lealdade, coragem e virtude fazem parte da ordem natural; de onde se apreende que o mundo como um todo se encontrava envolto nas mesmas tensões. Sob esse ponto de vista, os ensinamentos conferem um outro sentido ao conceito dualista do bem e do mal: assim como os espíritos, os homens tinham O livre-arbítrio para escolher entre os dois caminhos. Para o profeta, o masdeista (aquele que escolhia Ahura Mazda) optava pelas virtudes e, portanto, deveria lutar contra seus contrários, no caso as forças demoníacas representadas pelos daevas.
Amesha Spenta ou os Sete Imortais
Na primeira visão de Zoroastro, a beira do rio, Ahura Mazda estava acompanhado de seis outros seres iluminados, que já existiam no panteão iraniano antes da visão. O conjunto todo é conhecido como os sete Yazatas ou Amesha Spenta e constitui uma parte fundamental dos ensinamentos de Zaratustra. Considerados emanações diretas ou indiretas de Ahura Mazda, possuem cada qual uma característica que lhes habilitava a lutar para derrotar o mal e favorecer o bem. Liderando o grupo, estava Vohu Manah (o bom pensamento) sempre acompanhado por Asha Vahishta (verdade perfeita), divindade que melhor personificava o asha. Em seguida vinham: Spenta Armaiti (devoção sagrada), sempre dedicado ao que é bom e justo; Khshathra Vairya (senhoria desejável), representando tanto o poder com o qual cada pessoa pode praticar a justiça em sua vida quanto o poder e o reino de Deus; Haurvatãt (saúde, integridade) e Ameretãt (imortalidade), que não só prolongavam a vida dos homens quanto lhes conferiam saúde e bem-estar durante sua existência.
Os masdeistas, eles mesmos resultado da criação de Ahura Mazda, compartilhavam com os yazatas o objetivo de lutar contra o mal. Daí a necessidade de dedicar o culto diário (yaslia) a todo o conjunto de imortais ou a uma das divindades em particular. Procurando se conectar com a presença imaterial e invisível dos Amesha Spenta, o fiel podia alcançar um estado espiritual especifico (maga) no qual se considerava apto a se unir e constituir um só com Spenta Mainyu (espirito benfeitor).
A doutrina de Zoroastro estava apoiada, antes de tudo, em uma ética e moralidade que infundia nos homens a preocupação de viverem sempre sob bons pensamentos, palavras e atos Dessa maneira, a doutrina gerava no homem responsabilidade pelo mundo em seu redor.
A história cósmica em três etapas
Zoroastro dividiu a história cósmica em três etapas distintas: Bundahishn (a criação), Gumecishn (a mescla) e Frashegird (a separação ou a renovação).
O Bundahishn se deu em duas fases: na primeira, Ahura Mazda concedeu a vida a todas as coisas em um estado espiritual e imaterial, que em pahlavi se chama de menog, totalmente vulnerável ao mal e passível de ataques por parte de Angra Mainyu. Dai a segunda etapa, na qual o estado inicial do menog se transforma, originando e adquirindo o getig, o aspecto material e físico da existência.
A criação foi sucedida pelo Gumecishn, momento em que o espirito mal mata o touro e o homem primordiais - de cujos sêmens nasceram tanto os animais bons quanto o primeiro casal humano (Mashya e Mashyünag). Durante essa etapa, Angra Manyu se juntou aos devaes e espíritos maus (que havia criado para fazer frente aos Amesha Spenta) para atacar os homens, infligindo-lhes tudo aquilo que poderia causar sofrimentos morais, espirituais e físicos. O mundo não era mais totalmente bom, mas uma mistura entre o bem e o mal.
Na terceira etapa, Frashegird (palavra em pahlavi que provavelmente significa renovação), marcada pela purificação no fogo e a transfiguração da vida, a humanidade junta-se aos yazatas para restaurar o mundo a seu estado inicial, ou seja, antes da existência e dos ataques de Angra Mainyu. Nesse momento, o bem é separado do mal, Os justos dos injustos. Para Zoroastro, a separação é uma etapa infindável da história. E o período no qual Ahura Mazda, os seis Amesha Spenta e a humanidade viverão em perfeita harmonia, cercados pela bondade e paz eternas. Com a restauração, o mundo retorna ao estado inicial. Entre a primeira e a última etapa, está o momento em que o bem e a mal se enfrentam, uma batalha na qual deuses e homens lutam pela mesmo ideal. Ora, a doutrina de Zoroastro não só concede a todos o livre-arbítrio como oferece à humanidade uma razão pela qual viver.
O homem diante da morte
No período do Gumecishn, a morte carrega as almas levando-as novamente ao estado de menog. Três dias depois da separação do corpo, a espirito é conduzido até a ponte Cinvat, local em que será moralmente julgado por um tribunal presidido par Mithra, acompanhado dos deuses Sraosha e Rashnu. A alma é, então, pesada em uma balança e avaliada segundo seus pensamentos, palavras e atos: se o prato da balança pender para a bem, a ponte se alarga permitindo a passagem da alma, que é encaminhada até o paraíso por uma bela donzela (personificação da própria consciência, daena). Mas, se a prato da balança pender para a mal, a ponte se estreita e uma terrível harpia leva a alma para a inferno, presidido em pessoa por Angra Mainyu. Existia, ainda, um terceiro lugar para onde as almas daqueles que não eram nem bons nem maus seriam encaminhadas, denominado Misvan Gatu (o lugar dos misturados).
Segundo Zoroastro, mesmo tendo chegado ao paraíso, as boas almas só alcançariam a felicidade plena no Frashegird, quando a terra devolveria as assas aos mortas. Essa espécie de ressurreição seria antecedida por um julgamento final, no qual um rio de lava e metal derretido separaria as justos e as injustos. Os maus sofreriam uma espécie de segunda morte, juntamente com as daeivas e as legiões da escuridão. Finalmente derrotados, Angra Mainyu e tudo o que ele representava desapareceriam do universo.
Após a vitória, Ahura Mazda e as Amesha Spenta conduzem um ritual (Yasna) no qual é realizado um derradeiro sacrifício (a morte, então, é suprimida). Além disso, prepara-se a Haoma branca que confere a imortalidade aos corpos ressuscitados dos bons. A partir desse momento, os abençoados são elevados à condição de imortais: livres das doenças; dos maus pensamentos, atos e palavras; da corrupção; vivendo para sempre e com alegria no Reino de Deus.
Zoroastro foi o primeiro a conceder ao próprio homem o livre-arbítrio, a responsabilidade por seus atos, pensamentos e palavras. Também foi o primeiro a contemplar o julgamento individual baseado na ética pessoal - cujo resultado podia levar ao paraíso ou ao inferno -, seguida pela ressurreição do corpo e, finalmente, pelo julgamento final. Esses preceitos se tornariam, posteriormente, comuns a muitas outras religiões, como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
Iniciação, oração
A principio, a nova doutrina não tinha nenhum caráter ritualístico. Apesar da oposição ao culto dedicado aos daevas, sabe-se que algumas práticas continuaram a ser realizadas com a ingestão do haoma pelos sacerdotes e os sacrifícios de animais em beneficia dos leigos. Na realidade, Zoroastro não pretendia extinguir tais ritos, mas criticar tanto a crueldade aplicada aos animais quanto a absorção desmedida da bebida alucinógena. Com a passar do tempo e a adesão de novos fiéis, o ritual diário de orações (yasna) passou a agregar formas de liturgia que se preservaram até os dias de hoje.
Grande parte dos rituais enfatiza a purificação da mente e do corpo e a luta contra a Angra Mainyu. O fogo é visto como o mais alto símbolo de pureza e representa a luz de Ahura Mazda assim como a mente iluminada. Por isso, os cultos são realizados sempre na presença de um fogo sagrado, mantido nos Templos do Fogo (Agiaries).
Os iniciados da antiga religião indo-iraniana tinham como costume usar um cordão trançado ao redor do pescoço como símbolo de pertencimento a comunidade religiosa. A nova doutrina apropriou-se desse signo, porém ampliou o uso e significado original: a iniciação é estendida a todos, independente da classe social ou sexo. Na cerimônia do Navjote ou Sedreh-Pushi, celebrada por um sacerdote (inobed), a criança - entre 7 e 15 anos - recebe um cordão (kusti, em persa) e enrola-o como um cinto três vezes ao redor da cintura, amarrado na frente e atrás. A partir de então, e pelo resto de sua vida, deve atar e desatar o cordão repetidamente durante as preces. Sob a kusti deve-se usar uma camisa totalmente branca (a sudra) com um pequeno bolso costurado na altura da garganta, cujo objetivo é lembrar continuamente que o masdeista deve preenchê-lo com méritos gerados por bons pensamentos, falas e ações.
Zaratustra estabeleceu a obrigação de cinco orações individuais diárias e a celebração de festas comunais. O ritual da prece tem inicio com a limpeza do rosto, mãos e pés. Em seguida, ereto e de frente para o fogo, o fiel desata os nós do cordão sagrado e, segurando-a com ambas as mãos a sua frente, ora a Ahura Mazda e amaldiçoa Angra Mainyu. Por fim, amarra novamente o cordão enquanto prossegue com as orações. Essa prática dura somente alguns minutos, no entanto, é a constante repetição que se torna um importante exercício religioso, constituindo tanto uma disciplina quanto uma renovação dos votos de fé.
As festas
Anualmente, os zoroastrianos tem a obrigação de celebrar sete festas dedicadas a Ahura Mazda e os Amesba Spentas. A origem desses eventos remonta aos antigos rituais indo-iranianos em que os agricultores comemoravam as passagens das estações do ano. Seis delas são chamadas de gahanbars au gahambars seus nomes são preservados da Zend Avesta até hoje: Maidhyoi-zaremaya ("no meio da primavera"); Maidhyai-shema ("no meio do verão"); Paitishahya ("trazendo a calheita para casa"); Ayathrima ("trazendo o rebanho para casa"); Maidhyairva ("meio do ano"/"festa do inverno"); Hamaspathniaedaya (de nome incerto, algo como "todas as almas", celebrada na última noite do ano, antes do equinócio da primavera). Dedicada ao fogo, No Ruz é a sétima festa. Festejada sempre no equinócio da primavera, corresponde ao Ano Novo. Profundamente enraizada na cultura do Irã, também é celebrada pelos islâmicos, ainda que não comparte em si nenhum aspecto religioso.
O zoroastrismo ao longo dos séculos
Ao longa dos séculos, o zoroastrismo alternou momentos de apogeu - como religião de Estado de três grandes impérios - e declínio.
A dinastia dos aquemênidas (séculos VI-IV a.e.c.) unificou os reinos medos e persas e expandiu seus domínios pela Ásia Menor, Babilônia, norte da África até as margens do rio Danúbio, na Europa, estabelecendo o primeiro Império Persa. Ciro, o Grande, o fundador, e seus sucessores, Cambises II e Dario I (respectivamente, filho e neto), praticaram a tolerância religiosa, porém elevaram o zoroastrismo a uma situação privilegiada e procuraram governar de acordo com os princípios do asha.
Firmemente estabelecido, o zoroastrismo sofreria um grande golpe com a invasão da Ásia Menor por Alexandre da Macedônia e a conquista dos territórios do Império. Muitos sacerdotes foram sacrificados e grande parte dos textos, destruídos, restando somente os Gãthãs. Com a morte de Alexandre, em 323 a.e.c., seus generais entraram em guerra pela sucessão. Dos séculos IV a.e.c. ao III d.e.c., o poder se alterou entre o domínio dos selêucidas (311-141 a.e.c.) e dos partas arsácidas (141 a.e.c. - 224 d.e.c.) que, assim como os aquemênidas, procuraram governar de acordo com os princípios do asha.
Ardashir derrotou os partas arsácidas, criou a dinastia dos sassânidas, coroou a si mesmo como rei - fato que chocou em muito os contemporâneos -, fundou uma denominação religiosa persa baseada no ortodoxismo zoroastriano e perseguiu outros credos. Politico e astuto, criou um nova Império Persa lançando mão da propaganda religiosa para afirmar seu poder. Durante a dinastia dos sassânidas (séculos III-VII d.e.c.), muitos aspectos do zoroastrismo faram desenvolvidos. Exemplo: a compilação dos textos do Avesta e das Gãthãs; a promoção dos templos de fogo; o impedimento do usa de imagens durante ao rituais; extensão da liturgia e escritura de textos sagrados (Bundahishn e Denkard); reformas no calendário zoroastriano que passou a ter 365 dias no ano (até esse momento, o calendário anual contava com 36O dias divididos em 12 meses de 3O dias; para manter alinhadas as datas das estações, inseria-se um 13º mês a cada 6 anos).
A partir do século VII d.e.c., árabes, turcos e mongóis alternaram-se no domínio da Pérsia. O golpe foi ainda maior do que no tempo macedônico: livrarias destruídas; imposição da língua árabe sobre o persa; convenções forçadas e humilhações sociais tornaram a vida dos zoroastrianos muito difícil. A antiga religião de Estado passou, lentamente, a ser praticada por uma minoria. No século X, um grupo partiu do Irã em busca de refúgio e se instalou na Gujarat, India.
Chamados de parsi (em gujarati), os seguidores de Zaratustra sobrevivem ainda hoje dispersos pela Índia, Paquistão, Sri-Lanka, Irã e, até mesmo, em alguns países do Ocidente.
As fontes
Os primeiros ensinamentos foram reunidos por Zoroastro nos Gãthãs (canticos): conjunto de 17 hinos cuja forma segue a concepção religiosa indo-iraniana que alia poesia sagrada e tradição mãntrica, ou seja, as palavras são expressas de forma suave durante a apreensão do divino. Na antiga religião, esse tipo de poesia era compreendida somente pelos iniciados - os sacerdotes. Zaratustra, porém, rompe com tal primazia e passa a proferir a nova doutrina para toda a comunidade.
Ao longo dos séculos, um conjunto de preceitos reuniu-se aos cânticos formando o Avesta: Yasna (sacrifícios), Yasht (hinos às divindades), Vendidad (regras de pureza), Visperad (liturgia), Nyu yiskyu e Gâh (orações), Khorda ou Pequeno Avesta (orações cotidianas), Hadhõkht Nask (livro das Escrituras), Aogemadadecha (instruções sobre o além), e a Nirangistãn (regras culturais).
Transmitida oralmente de geração em geração, a Avesta foi compilada durante o império dos sassânidas nos séculos IV a VI d.e.c. em língua pahlavi. Até então, os Gãthãs eram de difícil compreensão uma vez que tinham sido elaboradas em avestan, dialeto falado par Zoroastro, então caído em desuso. No século IX d.e.c. surgiram outras escrituras, como: Zand (tradução do Avesta em língua vernácula), Bundahishn (gênesis do zoroastrismo), Denkard (coleção de informações sobre a religiao).
Textos tardios também podem ser encontrados em persa, gujarati, sânscrito e, até mesmo, em inglês. Para os seguidores do zoroastrismo, todas as escrituras revelam diferentes aspectos da religião, devendo ser cultuadas independente do período de sua elaboração.
Período Aquemênida
Os indo-europeus trouxeram para o planalto iraniano seu politeísmo primitivo, baseado nas forças da natureza. Mitra era o sol, Mah, a lua, Zam, a terra, Atar, o fogo. Com o tempo, esse substrato religioso original se transformou sob a influência de cultos locais originalmente asiânicos, das crenças da Babilônia e dos ensinamentos de profetas como Zoroastro e Mani.
Com o resultante sincretismo, Ahura Mazda passou a ser o deus supremo, criador do céu, da terra e dos seres humanos. O rei Dario tinha domínio sobre a Pérsia e outras nações do império porque o deus supremo lhe havia confiado esse poder. Ahura Mazda, o "senhor da sabedoria", "o sábio", reinava sobre o universo e protegia a terra e o seu soberano, o rei aquemênida, que atuava como seu delegado no mundo, reinando em seu nome. Contudo, não havia um culto imperial, como acontecia na Babilônia e no Egito, e o Estado não se fundava na religião. No entanto, o rei tinha uma aura sagrada, visto como o representante de Ahura Mazda no mundo.
Os persas pré-zoroastrianos cultuavam seus deuses com sacrifícios de sangue que deviam ser ministrados pelos Magos, uma fraternidade, provavelmente de origem meda, que detinha certos privilégios políticos e religiosos. Além de conduzir as cerimônias religiosas e os sacrifícios, os outros deveres importantes dos Magos eram manter aceso o fogo sagrado, fazer predições com o auxílio da haoma, uma bebida inebriante e, com base nos bons e maus presságios, presidir os ritos funerários, que consistiam na exposição dos cadáveres das aves e aos animais selvagens.
Heródoto presumia que os persas não tinham templos ou estátuas dos seus deuses; contudo, mais tarde eles passaram a existir. Os templos eram construídos sob a forma de torres de base quadrada, com uma única sala alcançada por uma escada e reservada para o fogo sagrado. As cerimônias religiosas eram celebradas ao ar livre. Nos prédios imperiais havia numerosos bustos em baixo-relevo de Ahura Mazda, apoiado em um disco alado.
Não temos certeza da época em que Zoroastro viveu, mas a religião original dos Magos foi afetada profundamente pelas suas reformas. Segundo a tradição iraniana, ele pregou suas idéias religiosas 258 anos antes da conquista de Alexandre, por isso podemos estimar que tenha vivido entre 628 a 551 a.e.c., portanto quase na mesma época de Buda. Zoroastro é uma forma grega corrupta do antigo nome iraniano Zaratustra. Ele foi provavelmente um zoatar, um sacerdote que conduzia sacrifícios e preces, e devia pertencer ao clã Spitama, de criadores de cavalos. Era casado e pobre, e seu pai se chamava Purusaspa.
Zoroastro teve uma primeira visão de Ahura Mazda aos 3O anos; obrigado a deixar sua terra natal, foi pregar na Ásia Central. Seus primeiros discípulos eram pastores estabelecidos no Irã oriental, cujos sacerdotes eram guardiães da religião ariana tradicional, que Zoroastro vinha reformando em nome de Ahura Mazda. Entre seus seguidores, havia um príncipe, Histapes, que se tornou o seu protetor. Era possivelmente o sátrapa de Pártia e Hicamia, e alguns o consideravam o pai de Dario.
A visão religiosa de Zoroastro se baseava em uma modalidade interessante de monoteísmo, com certos aspectos dualistas. Ele rejeitava os deuses de todas as religiões, exceto Ahura Mazda, o Senhor da Sabedoria. No começo da Criação, Ahura Mazda tinha gerado Spenta Mainiu e Angra Mainiu, espíritos gêmeos mais tarde identificados como Ormazd e Ahriman. Estes, segundo o mito de Zuranian, escolheram livremente praticar o Bem e o Mal. O mundo está dividido entre esses dois espíritos, e os seres humanos devem escolher entre eles. Uma conflagração universal destruirá o mundo, terminando com a vitória do Bem, cujos seguidores ressuscitarão para participar de uma nova criação. Até que chegue esse momento (a principio esperava-se que chegasse logo), os espíritos dos mortos precisam atravessar a "ponte das recompensas", de onde os bons serão levados a esperar no paraíso, e os maus, no inferno. Mais tarde, Zoroastro considerou que o fim do mundo ocorreria no futuro distante. Ele acreditava que as almas dos danados seriam purgadas pelo fogo, para poder participar da renovação final do mundo. Condenava os sacrifícios de sangue, em especial de bois, e impunha limites severos ao consumo de haoma. Mantinha o ritual de manter aceso o fogo sagrado, não porque adorasse o fogo, mas porque ele representava a pureza e o poder de Ahura Mazda.
O zoroastrismo pregava uma ética elevada, baseada na justiça e na verdade. A oposição entre Angra Mainiu e Spenta Mainiu, que terminará no fim do mundo com a vitória do bem, foi considerada por Zoroastro como a condição da liberdade humana, pois todos os seres humanos precisam necessariamente escolher entre a justiça e a injustiça, a verdade e a mentira, o bem e o mal.
Não se sabe em que medida Dario foi influenciado por Zoroastro. A primeira menção de Ahura Mazda nas inscrições reais da Pérsia data da época do reinado de Dario. A religião aquemênida se aproximava muito do mazdaismo, tanto na sua afirmação de Ahura Mazda como deus supremo, criador do céu e da terra, como suas prescrições éticas, que enfatizam a justiça e a verdade. Por outro lado, o monoteísmo de Zoroastro provavelmente não era aceito por Dario, que em Persépolis, sua capital, menciona Ahura Mazda como o maior de todos os deuses. Os sucessores de Dario eram ainda mais ecléticos. Assim, Artaxerxes II cultuava Ahura Mazda mas também Anahita e Mitra, divindades pré-zoroastrianas. Mitra, o sol, um dos deuses mais importantes no passado ariano, não é mencionado por Zoroastro nos Gatas, a parte do Avesta, o livro sagrado, cuja autoria lhe é atribuída. Anahita, deusa da fertilidade, derivava provavelmente de influência babilônica. Os túmulos de Ciro e dos seus sucessores não se adequavam a prática usual dos Magos de expor os mortos. No entanto, os Gatas não prescrevem essa exposição.
Período Parta
Os partas trouxeram sua religião primitiva das estepes, mas as religiões civilizadas da Pérsia também os influenciaram. Persistia a tríade Ahura Mazda, Mitra e Anahita, que tinha prevalecido no período aquemênida, e o culto de Anahita, muito importante desde a época de Artaxerxes II, tornou-se ainda mais importante para os partas.
As práticas de manter aceso o fogo sagrado e de oferecer sacrifícios animais eram centrais no culto de Anahita. Os costumes funerários de Susa, no fim do primeiro e no começo do segundo século a.e.c., mostram que a prática dos Magos de expor os mortos se combinava com o uso dos túmulos. Os mortos ficavam expostos até seus corpos serem comidos por animais selvagens, ou a carne se deteriorar. Em seguida, os ossos limpos eram colocados em caixas, as astodan. Os partas eram muitos tolerantes em matéria religiosa e particularmente favoráveis aos judeus, ao contrário dos selêucidas e, na Palestina, dos romanos.
Período Sassânida
Sob os sassânidas a religião sofreu várias modificações importantes no Irã, ate que, com Shapur II (3O9-379) e seus sucessores o zoroastrismo universal adquiriu uma relativa estabilidade. No inicio da era sassânida a religião tradicional foi preservada em Fars, no sudoeste do Irã. Artaxerxes, um aquemênida, tinha introduzido nas práticas religiosas o culto de Anahita, deusa das águas e da fertilidade.
Quando a dinastia sassânida assumiu o poder em Fars, a população local cultuava tanto Anahita como Ahura Mazda. O principal santuário de Anahita, em Stakr, era servido pelos "herbads", ou sacerdotes do fogo. Seu ancestral Sassan tivera uma posição importante nesse centro religioso, e Shapur I manteve a associação tradicional da família com esse culto, fundando um templo na cidade de Bishapur, onde a adoração da água (portanto, de Anahita) estava ligada à do fogo (Ahura Mazda). No nordeste do país, a antiga fé iraniana tinha como centro o grande santuário de Shiz, sendo servida pela antiga fraternidade dos Magos ou "mobads", que eram zoroastrianos mazdaístas.
Shapur I (241-272) quis dar ao emergente Império Sassânida uma religião imperial, e era simpático aos ensinamentos de Mani. Este, de família nobre, dizia - como Zoroastro - ter recebido de deus uma missão: difundir suas revelações. Pregava uma nova religião universal, dirigida a todas às pessoas, de todas as classes sociais. Suas doutrinas, influenciadas pelos cultos praticados na Babilônia, pelo budismo e o cristianismo, se baseavam na oposição entre a luz e as trevas, o bem e o mal. O espirito é bom e luminoso, o corpo é mau, participa das trevas. Quando houver a liberação de toda a luz, e todas as almas, que são prisioneiras da matéria, ascenderem ao sol, a terra e o céu desaparecerão, e o reino da luz durará para sempre.
Os fieis eram divididos entre os "Eleitos" - sacerdotes que tinham feito o voto de celibato, não comiam carne e rejeitavam a inveja e a mentira - e os "Ouvintes", pessoas comuns que podiam casar-se e dedicar-se ao trabalho. Os maniqueístas praticavam o batismo e a comunhão, recebendo a absolvição dos seus pecados antes de morrer. Eram influenciados pelo gnosticismo; seus hinos mostravam a inspiração babilônica, mas suas idéias eram as pregadas por Zoroastro. Jesus ocupava um lugar importante na trindade que adoravam - um conceito recebido do cristianismo.
Shapur I aparentemente queria fazer do maniqueísmo a religião imperial. Depois da sua morte, porém, os Magos, chefiados por um sacerdote chamado Kartir, persuadiram os sucessores de Shapur - especialmente Vahram II (276-293) a proibir o maniqueísmo. Mani foi executado, seus seguidores perseguidos, tendo fugido depois para a Ásia Central, a Síria e o Egito.
Depois da morte de Kartir, Marsah (293-3O2) adotou uma politica de tolerância, e mais tarde houve um renascimento do mazdaismo. No contexto da expansão das grandes religiões monoteístas, os "mobads" pregavam uma espécie de trindade, tendo Ahura Mazda como deus principal e Anahita e Mitra como deuses secundários. Da mesma forma que os compiladores do Antigo Testamento, os Magos organizaram o Avesta reunindo tradições orais. A unidade religiosa acompanhou a unidade politica. Com apoio real a religião de Zoroastro recebeu status oficial e, considerando o maniqueísmo como uma heresia, expulsou-a do Irã. Quanto ao cristianismo e ao judaísmo, eram de modo geral tolerados, embora tivesse havido alguns surtos de perseguição.
ESTRUTURA MILITAR
Período Aquemênida
O exercito estava organizado sobre uma base decimal: divisões com dez mil homens tinham dez batalhões de mil homens, e cada batalhão, cem grupos de dez homens; cada grupo, batalhão e divisão tinha um oficial comandante. Em tempo de guerra o exército era composto por soldados de todas as nações do Império, sob o comando de persas ou medos; havia um corpo de elite exclusivamente persa ou, em menor proporção, medo. Quando Gaumata tentou usurpar o trono de Cambises II, no ano 521, foi derrotado por contingentes persas e medos. Dos oito generais mais importantes mencionados por Dario na inscrição de Behistum, seis eram persas, um medo, e um armênio.
O núcleo principal do exército era composto pelos "dez mil imortais", um corpo de infantaria e um corpo de cavalaria de elite. Guarnições persas se espalhavam por todo o Império, em locais estratégicos. Na corte imperial e nas satrapias, os oficiais eram recrutados entre a juventude nobre, e treinados em academias militares, com ênfase nos costumes tradicionais persas, no hipismo, na prática do arco-e-flecha, na caça, na vida simples, vivida com moderação, dentro das regras prescritas. Esse aprendizado era complementado pelo estudo da história, da religião, do direito e a familiarização com os métodos usados pelo rei para conceder ou recusar favores.
O instrumento por excelência do poderio persa era o exército. A elite das forças armadas era fornecida pelos persas e medos. A guarda real se compunha de dois mil infantes e dois mil cavaleiros, todos nobres. Seguia-se o corpo dos dez mil imortais, assim chamados porque na batalha seu número nunca diminuía, pois as baixas eram logo preenchidas com novos elementos. As satrapias forneciam o grosso do exército. Os povos cavaleiros, principalmente os habitantes das estepes, constituíam a cavalaria; os hindus utilizavam carros puxados por zebras e cavalos; os árabes compareciam com seus camelos; as populações do litoral mediterrâneo contribuíam com os elementos de uma poderosa esquadra. Note-se que na hierarquia militar, os postos de oficiais superiores e generais eram reservados aos persas.
O grande defeito do exército dos reis persas era sua heterogeneidade: quando essas massas, as vezes confusas, encontravam diante de si tropas homogêneas e bem organizadas, fracassavam. Foi o que aconteceu, por exemplo, nas guerras com os gregos e no ataque de Alexandre.
Período Parta
Não havia no Império um exército regular. Os nobres eram cavaleiros e guerreiros, dedicados às caçadas e à guerra. Cada senhor feudal tinha seu próprio exército, além dos servos, e em caso de guerra se colocava a serviço do rei. Usando armaduras de ferro (os catafracti), os nobres formavam a cavalaria pesada; os de menor status forneciam a cavalaria ligeira, munida de arco-e-flecha (os sagitari). Usava-se também camelos: na batalha de Carrae participaram um milhar desses. A infantaria, composta de servos e aldeães da montanha, era menos importante, emprega da basicamente para a defesa. Os partas possuíam um conhecimento rudimentar dos engenhos de assédio, e tinham dificuldade em atacar locais fortificados.
Os partas e os gregos
Desde a época de Mitridates I, os primeiros monarcas partas se qualificavam, nas moedas da época, como "filo-helenos" - seguidores dos gregos. Durante o período dos partas, estes modificaram seu relacionamento com as cidades que ainda se encontravam sob influência helénica, devido aos gregos e aos iranianos helenizados que ali viviam. Embora pagassem impostos ao governo central, algumas dessas cidades mantiveram sua cultura e autonomia administrativa, incluindo um exército próprio. Esse sistema nem sempre funcionava, e grandes cidades como Seléucia, no rio Tigre, passaram por distúrbios violentos.
Período Sassânida
Durante os três primeiros séculos o exército sassânida tinha como comandante um membro da família real, e o cargo era hereditário. Dois outros postos militares de maior importância, o subcomandante-geral e o comandante da cavalaria, eram preenchidos por membros das grandes famílias. Diz-se que Cosroes I (531 -579) mudou o sistema criando quatro exércitos, estacionados nos quatro pontos cardeais, cada um deles com o seu próprio comandante e subcomandante.
Mantendo um costume dos partas, o exército se baseava na cavalaria pesada (catafracta), composta por nobres de status elevado, e uma cavalaria ligeira, com arqueiros recrutados na pequena nobreza, que lhe dava cobertura. Os sassânidas empregavam elefantes na guerra, o que não acontecia com os partas. A infantaria era uma tropa de retaguarda, composta por camponeses mal equipados. O exército era dividido em corpos, com divisões que por sua vez se subdividiam em unidades menores. Os militares persas eram muito competentes no assédio de cidades, o que também não ocorria com os partas, e sua capacidade militar era igual à dos romanos
ESTRUTURA ADMINISTRATIVA
Período Aquemênida
O Império Persa era não só o maior em existência mas também o mais bem organizado. O rei, chefe de Estado pela graça de Ahura Mazda, tinha o beneficio do aconselhamento por um grupo de sete conselheiros, que atuavam como ministros dos vários departamentos. Outro grupo de autoridades, os "guardiães da lei~ (databara), aconselhavam o monarca em questões de ordem legal. Mas o poder do soberano era absoluto. A monarquia era hereditária, e o rei podia escolher como herdeiro qualquer um dos seus filhos. Para os primeiros aquemênidas, era também papel do rei apropriar-se da coroa legitima das províncias mais importantes. Na Babilônia, o monarca era o representante de Marduk; no Egito, era o filho de Amon-Rá.
Como o Estado era governado com a combinação da autoridade central e da iniciativa provincial, havia espaço para acomodar os costumes, deuses e culturas locais. Mais do que a prática da tolerância religiosa, a politica dos aquemênidas consistia no apoio de muitos cultos, financiando os templos e ritos locais. O império era governado de Susa, e em certa medida também de Ectábana e Babilônia. Duas capitais adquiriram um significado religioso: Pasárgada, o lar ancestral que pertencera a Ciro e a sua dinastia; e Persépolis, que Dario construiu e onde os reis eram enterrados em Naksh-Erustam, não muito longe, em túmulos de rocha.
Além de pagar tributos com metais preciosos, as satrapias precisavam dar contribuições em espécie ao poder central: cavalos, gado e alimentos. Essas contribuições atendiam às necessidades da corte imperial, que incluía milhares de pessoas, e do exercito. Só a satrapia da Babilônia aumentava todo ano o exercito durante quatro meses.
O sátrapa era assistido por um secretário que supervisionava todos os seus atos, servindo ainda como ligação com a autoridade central. Esse sistema era acrescentado de um grupo de inspetores, conhecidos como "Ouvidos do Rei", que podiam visitar os administradores, dentro da sua satrapia, sem aviso prévio, para verificar como estavam agindo. Essas instituições eram muito admiradas pelos monarcas que vieram depois, inclusive por Carlos Magno, que criou a figura dos missi dominici, enviados reais.
Um sistema legal racional tinha normas reproduzidas em pedras, placas e papiros, e eram aplicadas de modo uniforme em todo o Império, assegurando assim a consistência da administração e impedindo o tratamento arbitrário dos súditos. Em cada região havia também normas locais, e Dario fez com que algumas delas (por exemplo, a dos egípcios) fossem registradas em forma escrita.
As Províncias
O governo central era exercido pelo grande rei, autocrata, senhor absoluto de seus súditos por direito divino, pois recebia sua autoridade de Ahura-Mazda, que ele representava na terra. O grande dever do soberano era fazer reinar o direito e a justiça em seus domínios.
Nota-se na estrutura politico-administrativa do Império Persa a influência das instituições - congéneres existentes outrora nos impérios da Assíria e da Babilônia. O território subordinado ao rei dos reis estava dividido em diversas satrapias cujo número variava conforme a época. (Heródoto enumera vinte; as inscrições de Persépolis contam vinte e quatro). Cada satrapia estava sob a autoridade de um alto dignatário, o sátrapa, escolhido dentre a alta nobreza e até mesmo dentre os membros da família real, para governar a província por um tempo indefinido enquanto aprouvesse ao soberano mantê-lo no cargo. Cabia ao sátrapa, responsável somente perante o monarca, entre outras atribuições, a de receber os impostos. Ao lado do sátrapa havia mais dois dignitários com poderes independentes do sátrapa: o secretário e o general. O secretário estava incumbido de manter relações com a corte e torná-la ciente dos acontecimentos da satrapia. O comandante das forças, que também recebia ordens diretamente do governo central, contrabalançava o poder do sátrapa. A esses altos funcionários acrescentemos o conselho composto de dois elementos: os persas da província e os representantes das populações indígenas. Inspetores itinerantes, semelhantes aos futuros missi dominici de Carlos Magno, chamados "olhos e ouvidos do rei", percorriam anualmente as províncias a fim de informar o governo central da situação reinante. O simples relato desabonador desses funcionários podia acarretar, sem maiores formalidades, a condenação a morte dos sátrapas.
O Governo Central
O governo central era exercido pelo grande rei, autocrata, senhor absoluto de seus súditos por direito divino, pois recebia sua autoridade de Ahura-Mazda, que ele representava na terra. O grande dever do soberano era fazer reinar o direito e a justiça em seus domínios.
A partir de Dario I, os reis persas vivem isolados de seus súditos nos aposentos reais dos palácios situados nas diversas capitais: Susa, Ecbátana, Babilônia, Persépolis e a antiga Pasárgada.
Apesar do absolutismo de seu governo, o monarca persa consulta os chefes das principais famílias e possui seus ministros.
Intrumentos de centralização do poder
A máquina governamental, para pôr em execução as ordens do soberano dispunha, entre outros, dos seguintes meios: uma rede de estradas e uma língua administrativa oficial. A mais famosa estrada do Antigo Império Persa era a estrada real que ligava Sardes a Susa, num percurso de 2.4OO quilômetros. Partindo da primeira cidade, a estrada atravessava a Frigia, atingia o Hallys na altura de Ptéria, dirigia-se para o sul através de montanhas até Samósata no Eufrates, passando o Tigre em Nínive e seguindo, paralela ao curso deste rio, até a Susiana. Numerosos postos e estalagens facilitavam o percurso regular de correios que levavam a toda a parte as ordens do monarca.
O emprego da língua e da escrita aramaica na administração do império facilitava sobremaneira a tarefa de centralização do poder.
Período Parta
O poder dos arsácidas se baseava em umas poucas famílias nobres de Parni: eram iranianos do norte, basicamente nômades, que tinham dominado os povos sedentários do sul do Irã, região permeada pela influência do helenismo e das civilizações mais antigas da Ásia Ocidental. Esse hiato nunca foi transposto. Quando os arsácidas precisavam de algum tipo de ajuda, preferiam buscá-la entre seus parentes das estepes, a leste do mar Cáspio, em vez de se voltarem para o Irã meridional.
Os arsácidas herdaram as práticas do decadente Império Selêucida, e preservaram seu costume de transformar pequenos monarcas locais em vassalos. Estes, porém, se inclinaram muitas vezes a apoiar os opositores dos arsácidas, quando estes tentaram recuperar seu território, como aconteceu com Antioco III, ou nos casos de Lúculo e Pompeu. Os escritores clássicos registraram que os partas tinham 18 Estados vassalos, 11 dos quais consideravam superiores, e sete inferiores. O restante do território estava dividido em satrapias. O sistema feudal parta assemelhava-se ao da Europa medieval. Sete famílias nobres reinavam, uma das quais era a dos arsácidas, e uma pequena nobreza dependia dessas famílias. Na parte mais baixa dessa hierarquia estavam os camponeses de condição servil. O vínculo entre os senhores locais e seus servos era mais forte do que o existente entre eles e o monarca.
Na monarquia parta a sucessão não se fazia necessariamente de pai para filho, justamente porque a aristocracia era forte, e expressava sua vontade por meio de um conselho ou "Senado", que limitava as prerrogativas reais. Outra potência, ao lado do trono, era a dos Magos, de poder exclusivamente consultivo. O sistema feudal que descrevemos, originado com os aquemênidas e que continuou a existir com os sassânidas, constituía a força e ao mesmo tempo a fraqueza do Estado parta. Com efeito, a nobreza fazia e desfazia reis, e muitas vezes os monarcas que tentavam fortalecer sua posição eram depostos, acusados de "atrocidades". Frequentemente o processo sucessório era perturbado pela competição dos pretendentes, alguns dos quais apelavam para os nômades ou os romanos, e não havia forma de determinar a sua legitimidade.
Período Sassânida
Os sassânidas construíram um poder central suficientemente forte para controlar a aristocracia feudal. Tinham à sua disposição um exército regular bem treinado e uma administração eficiente. Assim, o mundo civilizado se dividiu entre Roma e os sassânidas. Estes eram muito ativos nas relações externas e durante séculos sustentaram guerras em três frentes: no oeste, contra Roma; no leste, contra os cushianos e os eftalitas; no norte contra os nômades.
O Grande Vizir ou Primeiro-ministro chefiava o governo sassânida, controlando-o em nome do rei e de acordo com as suas instruções. Chefiava os ministérios (divans), dirigidos por secretários, administradores competentes, e por vezes era também o comandante do exército. Os principais divans eram: a chancelaria, os departamentos de despachos, de títulos e nomeações, da justiça, da guerra e das finanças. Este último reunia um grande número de contadores, coletores de tributos e agentes. O grosso das rendas do Estado provinha dos tributos sobre a terra e cobrados pelas alfândegas. A cobrança de impostos era geralmente abusiva, e provocava conflitos entre os sassânidas, como acontecia no Egito ptolomaico e em Roma do segundo e do terceiro séculos da era cristã. A cultura iraniana cultivava um grande respeito pela justiça, que era administrada pelo clero, sendo permitido apelar para o monarca. Nas aldeias, a justiça era dispensada pelo chefe local, ou o proprietário da terra. Os livros sagrados do zoroastrismo tinham capítulos sobre a lei, com uma lista de crimes, e tanto a tortura como o ordálio eram práticas legais.
O governo do território continuou dividido em províncias ou satrapias, governadas por dignatários escolhidos dentre os membros da família real, os nobres de mais status e, mais tarde, também os militares. As províncias eram divididas em distritos, cada um com o seu governador, e suas fronteiras não eram demarcadas com clareza. E os distritos eram divididos em cantões, governados pelos membros da pequena nobreza, tendo abaixo deles os chefes locais. Essa estrutura derivava do período arsácida, mas havia-se fragmentado nos últimos anos. Os sassânidas criaram uma burocracia estável que proporcionava um vínculo entre as províncias e o governo central, estimulando um grau razoável de eficiência no governo.
A vida na corte imperial, que incluía milhares de pessoas e exigia uma manutenção muito cara, era regulamentada em grande detalhe, e os cortesãos eram divididos em três grupos, segundo o seu nascimento e a sua função: os membros da família real e os cavalheiros que os acompanhavam, e havia também comediantes, palhaços, músicos etc. O custeio era feito com os impostos e outras receitas, inclusive as das alfândegas, a produção das terras reais e os despojos de guerra. Os sassânidas dispunham de um grande tesouro, e os mais esclarecidos procuravam usa-lo em benefício da população, mas a tendência geral era no sentido de acumular riqueza

A ARTE PERSA



Período Aquemênida
Dotados de uma rica renda em ouro, os aquemênidas queriam que suas capitais e palácios testemunhassem o poder imperial da Pérsia. Depois de uma curta estada na Babilônia, Dario escolheu Susa como capital, e construiu ali uma cidadela, sobre a acrópole onde Assurbanipal tinha destruído os palácios e os templos dos elamitas existentes no lugar. Perto erigiu seu palácio e a Apadana, uma sala do trono em alto estilo. A cidade propriamente ficava situada mais para o leste, e o complexo estava circundado por uma forte muralha de tijolos crus, com torres e um fosso com água. Muitos artesãos vindos da Jônia, do Egito, da Babilônia e de outros países foram mobilizados para construir o palácio de Dario. A arquitetura baseava-se nos princípios babilônios, adaptados ao clima local. O tom da sala do trono se apoiava em seis fileiras de seis colunas com 2O metros de altura, com capiteis decorados com imagens de touros alados.
Dario já abandonara Pasárgada, que pertencia à linha dinástica de Ciro. Depois de Susa, decidiu construir uma nova capital em Persépolis. Nessa cidade, o palácio se encontrava sobre um imenso terraço: era outra obra-prima da arquitetura persa, construída por muitos dos mesmos artesãos que tinham completado o palácio de Susa. E o touro alado continuou a ser a mais importante figura decorativa.
A arte aquemênida era uma arte cortesã, representando o monarca e os grandes chefes; mas os aquemênidas gostavam da arte grega, e utilizavam artistas e operários jônicos, trazendo também muitas estátuas da Grécia. Os artesãos persas produziam belas peças de bronze, mas fundamentalmente a arte persa se inspirava em outras fontes: a Babilônia, o Egito e a Jônia. Essa arte alcançou o seu auge com Dario, mas sua falta de originalidade a manteve inalterada até o fim.
Um historiador assim caracteriza a arte persa: é uma arte composta nascida da fantasia real, que reuniu em uma unidade artificial e poderosa, como seu império mesmo, todas as formas artísticas que a impressionaram em suas províncias da Assíria, do Egito e da Grécia asiática: é o capricho de um diletante todo-poderoso e que tem o gosto pelo que é grande. A seguinte inscrição de Dario, em Susa, confirma tal apreciação:
"Este palácio que eu construí em Susa, seus materiais foram trazidos de bem longe. O que foi cavado na terra, o que foi amontoado de cascalhos, foi o povo babilônico que o fez. O cedro foi trazido do monte Líbano. Babilônios trouxeram-no até Babilônia e os cários e os jônios - os deportados de Babilônia até Susa. A madeira foi trazida da India; o ouro, de Sardes e de Bactriana; o lápis-lázuli e o cinábrio, da Sogdiana; as turquesas, da Carasmia; a prata e o chumbo, do Egito; os materiais que decoram as paredes, da Jônia; o marfim, da Etiópia, da Índia e da Aracósia; as colunas de pedra, da Cária. Os entalhadores de pedra eram jônios e lídios; os ourives, lídios e egípcios; os fabricantes do tijolos, babilônios; os homens que enfeitaram as paredes, medos e egípcios. Em Susa foi realizado um trabalho esplêndido. Possa Ahura-Mazda proteger-me..."
A originalidade da arte persa consiste precisamente na habilidade em combinar elementos tão heterogêneos dentro dos padrões de luxo e de grandiosidade tão caros aos Aquemênidas.
A arte da Babilônia e da Assíria figuram em primeiro plano na inspiração das realizações persas. Na Mesopotâmia os Aquemênidas aprenderam a construção de colinas artificiais e de escadarias monumentais. As colunatas, que lembram as salas hipóstilas de Tebas, são de evidente inspiração egípcia. Essa influência egípcia tem inicio a partir da expedição de Cambises. Note-se que Deodoro da Sicilia menciona a colaboração de artistas egípcios nas construções de Persépolis e de Susa. A influência egípcia é notada também na decoração externa dos sepulcros reais.
A contribuição helénica para a arte persa parece que só fez sentir mais na escultura. Plinio atesta-nos a existência do artistas helenos a serviço dos reis da Pérsia.
Os grandes monumentos da arquitetura aquemênida são os palácios reais espalhados pelas diversas capitais. Com relação ao material empregado, notemos que em Susa, próximo da Mesopotâmia, encontramos o tijolo cru revestido do esmalte; em Pasárgada e em Persépolis empregava-se a pedra. Dois elementos caracterizam as grandes construções aquemênidas: a coluna de pedra e as vergas de madeira, cujo emprego conjugado permitiu edificar as altas salas com largos intercolunários, as salas hipóstilas de Pasárgada, Susa, Persépolis. A coluna persa é típica: além de sua esbelteza, salienta-se pela originalidade de seu capitel que, acima das volutas, apresenta a parte anterior de dois touros, na qual se apóia a viga.
Nas imensas salas de audiência, apadanas, estava o rico trono dos monarcas. O livro de Ester em seu primeiro capitulo dá-nos uma descrição do fausto e da magnificência das residências dos monarcas persas. Ouro, tintas, pedras preciosas e tijolos esmaltados enriqueciam a ornamentação dessas luxuosas moradias.
Entre os monumentos da arquitetura funerária citemos: o mausoléu de Ciro, imitação das sepulturas jônias; esse monumento, cujas ruínas podem ser vistas ainda hoje, foi visitado outrora por Alexandre, segundo nos informa Estrabão. Os hipogeus de Dario e de seus sucessores, cavados na rocha, imitação dos sepulcros congêneres dos egípcios, podem ainda hoje ser admirados como os descreveu Deodoro da Sicilia.
O exterior do túmulo de Dario lembra a fachada de um palácio no centro da qual se abre a porta da sepultura. No alto do monumento existe um baixo-relevo representando o rei em adoração diante de Ahura-Mazda.
Os persas da época dos Aquemênidas não possuíam arquitetura religiosa, pois o culto de Ahura-Mazda não era celebrado em templos. Havia, entretanto, altares sobre os quais queimava o fogo, símbolo do deus supremo.
Os autores dos baixos-relevos persas inspiram-se nas obras assírias. O tema preferido é o que melhor exprime a majestade real: o soberano sentado em um trono sustentado pelos povos vencidos: não se encontram, porém, as cenas de guerra tão comuns na escultura assíria.
Período Sassânida
Como a última fase da arte parta, a arte sassânida era receptiva as influências estrangeiras e capaz de adaptá-las a suas próprias tradições. No fim desse período, no entanto, prevaleceu na arte o iconoclasma.
Os sassânidas foram grandes construtores de cidades. A principio seguiam o plano circular dos partas, que depois mudaram para a forma retangular. Os prédios de pedra decorada eram considerados elegantes, mas os materiais de construção mais comuns eram o cascalho e o gesso. As paredes internas dos prédios ostentavam muitas vezes baixos relevos com cenas de caça ou de batalha, sempre com o rei ocupando a posição central. Era usual a decoração de estuque, influenciada pela arte romana, assim como os afrescos. No palácio de Ctesifon esses afrescos representavam a captura de Antioquia. A arte sassânida era muito fértil na produção de placas gravadas ou entalhadas, taças e garrafas de prata e ouro, ilustradas com cenas de caça real.
A arte dos sassânidas deixou sinais da sua influência em uma ampla área, da China à Europa. Tipicamente mostrava o rei, representante divino na terra, entronizado em plena glória e cercado por uma corte brilhante, imagem utilizada pelos bizantinos como modelo para Cristo triunfante, cercado de santos e anjos. O gesto de respeito usado pelos sassânidas - a mão direita levantada, com o dedo indicador dobrado - foi reproduzido em esculturas e afrescos das antigas igrejas francesas sem que os artistas soubessem a sua origem. Da mesma forma, os padrões têxteis sassânidas influenciaram a tecelagem e a estamparia de outros países, e os ourives da Europa Central imitaram os desenhos sassânidas gravados em metal (a arte torêutica) sem entender o significado dessas imagens.
Os sassânidas recolheram a literatura nacional iraniana, até então puramente oral, transformando-a em textos escritos que eram lidos na corte e pelos nobres. No reinado de Shapur I obras estrangeiras foram traduzidas do grego, do latim e de línguas indianas. Esse movimento literário floresceu sob Cosroes I cujo reinado correspondeu a um autêntico renascimento iraniano. A tolerância e abertura do monarca atraiu à sua corte filósofos e estudiosos desgostosos com a intolerância da Igreja cristã de Bizâncio. Mas essa liberdade de pensamento era condenada pelos sacerdotes do zoroastrismo, que no entanto não conseguiam reprimir as novas ideias



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